11 de novembro de 2010

Era Bom que Trocássemos Umas Ideias Sobre o Assunto /10-11-2011/ O Interior



Mário de Carvalho (n.1944) é um dos escritores contemporâneos portugueses que muito admiro, aguardando expectavelmente os seus romances.


Um romancista que vê com alguma dificuldade que os seus livros consigam ter a visibilidade comparável à qualidade dos seus escritos, o que começa a ser demasiado recorrente em muito bons escritores.

Hoje há demasiados escritores paridos dos ecrãs das televisões, ou das vernissages das revistas cor-de-rosa, e os escritores que não alinham com a cultura do espectáculo ou da mediatização ficam relegados para a parte mais esconsa das livrarias.

Mas não é esse o tema do artigo de hoje, e ao pegar em Mário de Carvalho, que coerentemente nunca escondeu a sua opção partidária, lembro-me de uma obra sua de 1995 (“Era Bom que Trocássemos Umas Ideias Sobre o Assunto”), e que é um verdadeiro libelo, ainda que com uma permanente nota de humor, sobre os funcionários e dirigentes das estruturas de base dos partidos políticos.

O “Era Bom que Trocássemos Umas Ideias sobre o Assunto” romanceia com muita piada as vicissitudes de um individuo que quis entrar num determinado partido político e as suas relações com a controleira, ou o dirigente, ou melhor os seus costumeiros hiatos.

No caso deste romance, estamos perante uma história em que os intervenientes são de um partido marginal à lógica do poder. Há contudo um cadinho, onde fermentam muitos dos tiques dos aparelhos partidários, autênticas madraças, onde pululam e de onde saem pessoas ideologicamente pobres, e com comportamentos de arrogância na integração da sociedade, contrários à formação cívica que a democracia deve ensinar a melhorar num quotidiano respirável de vida política.

Num devaneio humorístico à obra de Fiódor Dostoiévski,” Recordações da Casa dos Mortos”, apetece-me colocar os termos usados numa reunião do directório, concelhio, distrital ou nacional de um Partido da órbita do poder, central ou local:

“Este gajo é dos nossos, e não nos dá problemas”/ “Mas é um fraco, falta-lhe carisma”/ “Deixa-te lá disso, carisma é ele cumprir as ordens que lhe dermos”/ “A. Era capaz de ser melhor para o lugar”/ “Deixa-te de porras, esse já o temos na mão, já lhe empregámos a filha”/ “Eu acho que B. anda a falar muito desde que foi nomeado por nós”/ “Deixa-o pousar, quando der conta já tem os patins”/”Quem anda danado é C, mas como ainda não tem lugar não abre a boca mas bufa quando fala comigo para saber novidades”/ “Não nos podemos esquecer que foi o gajo que andou a dar subsídios aos tipos que nos gamaram a Câmara”/ “O tipo foi lá posto pelos gajos do outro lado”/ “Há tipos no nosso partido que ainda são mais FDPs que do outro”/ “Como estamos de subsídios?”/ Há uns dinheiros, mas tem que ir parar a mãos mesmo nossas”/ “E as regras? Depois vêm os tipos para o jornal ladrar e nós é que ficamos mal/ “Deixa-te de porras, falas com o tipo do jornal e ele põe lá uns anúncios de umas Câmaras nossas”/ “Tens razão, e se o gajo não aceitar”/ “Eheheh, ficar com os empregados sem ordenado, achas que arrisca?” / “Andam aí uns tipos a quem prometemos umas coisas, para virem para o nosso lado, e nunca me largam para lhes dar o que prometemos”/ “Fala-lhes da crise, porra, e vais deixando correr o marfim”/ “E as licenças daqueles que nos deram a guita para a campanha?”/ “Deixa-os andar, porque eles não podem abrir a boca e quando estivermos perto das eleições damos-lhe a cenoura ou o pau”/ “ É por isso que o nosso partido é responsável”/ “Mete lá as raparigas da juventude, naquele sector, para termos os pais deles connosco nas próximas”/ “Vocês de política não percebem um corno” / “ O chefe que se cuide, porque precisa mais de nós agora que nós dele”/ e por aí fora…

Votos de muitas prosperidades e adeus até ao meu regresso!

Fernando Pereira

8/11/2011


5 de novembro de 2010

Rennie Q.B.! / Ágora/ Novo Jornal/ Luanda / 5-11-2010




“ O Homem é um animal de hábitos”, Charles Dickens (1812-1870), escritor inglês que descreveu magistralmente o “milagre da revolução industrial”, num conjunto de obras, em que o enfoque foi a miserável condição e exploração no trabalho, das crianças na sociedade inglesa.


Peguei na citação do criador de “David Cooperfield”, “Oliver Twist” e “The Pickwick Papers”, por se ter comemorado recentemente, os cento e quarenta anos do seu falecimento, e porque também sou “ um animal de hábitos”, e um dos que cultivo é ir regularmente a umas livrarias ver o “que está a sair”.

Por “hábito”, e na circunstancia confrontando-me com as bizarrices da distribuidora estatal EDIL, tive a fortuna de ter encontrado, na Livraria Che Guevara em Cabinda, um dos meus livros de eleição, “Os Cantos de Maldoror”, do Conde de Lautremont, , prefaciado por Jorge de Sena, e traduzido por Pedro Tamen .Recordo o entusiasmo por encontrar esta obra-prima do Incrível, escrito em plena euforia do Darwinismo, por volta de 1869. Algum esoterismo, numa obra, sintetizada nesta frase: “A minha poesia dedicar-se-á apenas a atacar, por todos os meios, o homem, esse animal selvagem, e o Criador, que não deveria ter engendrado semelhante parasita.». Uma boa recordação de Cabinda!

Deixando esta “obra demoníaca” de lado, fiquei manifestamente desagradado com aministra da Família e da Promoção da Mulher, Genoveva Lino, que numa recente intervenção disse: "Não há palavra melhor do que a do Senhor, cada cidadão deve ter, ler e absorver o grande livro sagrado, a bíblia, porque é o livro da vida. E se todos nós o seguirmos, teremos uma vida mais digna, tal como a própria bíblia diz, que feliz é a nação que o próprio Deus é o Senhor".

Fiquei perplexo, aliás tanto quando Yuri Cunha, quando foi ao Campo Pequeno, em Lisboa a “berrar por Deus”, numa mensagem subliminar de uma qualquer religião, junto de uma plateia que tinha pago, para ver o musico e os envergonhados convidados, e não para entrar numa qualquer histeria, tipo Jim Jones, numa Guiana de má memória (1978).

A Senhora Ministra, membro de um governo, que é chefiada por um magistrado que jurou cumprir a constituição, no caso a laicidade do Estado, bem clara no artigo 10ª, pode ter as suas convicções, o que não pode é assumi-las publicamente, enquanto em funções. Pode querer estar a bem com Deus e a Pátria, mas não esqueci os tempos do “Acordo Missionário”, de má memória no que toca à liberdade religiosa e à presença de outras convicções religiosas em Angola.

Para aumentar o meu desconforto, quiçá azia, eis o programa desportivo alusivo ao trigésimo quinto aniversário da independência de Angola: Um jogo entre a equipa B da selecção de Angola, e a equipa B de um clube, que não está no ranking dos trinta da Europa, o Benfica de Lisboa.

Podem dizer que são os meus olhos azuis e brancos a escrever, de certa forma admito-o, mas há também algo que nada tem a ver com isso, é o direito à indignação.

Os trinta e cinco anos de independência mereciam um jogo entre selecções de dois países, num espectáculo que galvanizasse os cidadãos, tão distantes de uma FAF cheia de problemas financeiros, organizativos e até de definição de uma matriz desportiva coerente.

Este jogo, devolve-me de certa forma os tempos dos irmãos Vieira de Brito, da “Sociedade Mário Cunha” no Amboim, grandes entusiastas do Benfica campeão europeu (1961-63), e principais impulsionadores e mecenas da construção do Estádio da Luz em Lisboa. Traz-me à memória também os dislates do “massa bruta”, João Ferreira do Negage, que foi a Lisboa para comprar jogadores ao Benfica, para competir pelo Desportivo, depois de uma querela com uns colegas na direcção do Sporting. Na altura o Negage tinha duas equipas na 1ª divisão do campeonato provincial, com cinco ex- jogadores do Benfica numa delas, embora alguns deles só treinavam, porque o Benfica tinha nesses tempos uma equipa extraordinária, do Coluna, Eusébio, Santana, Águas, etc.

Esta comemoração desportiva é um verdadeiro embuste, e tenho muita pena de não ter os quadros humanos e a participação da juventude, mesmo que acabasse com um jogo com outros protagonistas, que nesta altura do ano não querem arriscar nada, a não ser o dinheirinho que os move.

Já que se fala de desporto, fez oitenta (80) anos que foi publicado o primeiro jornal (semanário) desportivo no então “espaço português”. Foi o "Angola Desportiva". Fundado em 8 de Agosto de 1930, pelo insigne desportista angolano Eduardo Castelo Branco (a quem toda

a gente tratava por "Chateau"). A publicação acabou no dealbar dos anos setenta, e teve a sua última redacção na sua casa, um r/c no Braga.

Fernando Pereira

2/11/2010



30 de outubro de 2010

Luanda Coliseum! / Ágora/ Novo Jornal / Luanda 29-10-2010


Nenhuma cidade que se preze de ter uma actividade cultural regular, prescinde de ter o seu coliseu.

Local de todas as actividades circenses, que em períodos remotos eram local de combate entre gladiadores, corridas de quadrigas, lutas entre humanos e animais esfaimados, e toda a sorte de espectáculos, que pusessem em delírio um publico masculino ávido de sensações fortes, a raiar o animalesco.

Roma, Mérida, Cartago, Nimes, são alguns dos maiores coliseus do Império Romano, ainda preservados, mas Londres, Nova York, Paris, Madrid, Porto, Nova Orleãs, Los Angeles, Otawa, St Petersburg, e tantas cidades no mundo tem os seus coliseus, como uma sala para espectáculos, eventos culturais ou sociais de alguma notoriedade.

Angola recebia com regularidade, algumas companhias de circo, que aproveitavam o Inverno em Portugal, para fazerem a sua campanha africana, recebendo inclusivamente subsídios avultados, do Ministério do Ultramar e da Defesa, para um conjunto de espectáculos para as Forças Armadas portuguesas.

O circo Mariano, ficava num terreno desocupado, no cruzamento da Av. Comandante Valódia, com a Alameda Manuel Van-Dunem. A expressão do “ Circo desceu à cidade” aplicava-se apropriadamente a este, propriedade de Henry Tony (nome artístico), pois à volta da tenda grande lá estavam umas jaulas, com animais sedados, e umas roulottes, onde os trapezistas, domadores, palhaços, ilusionistas, todo o conjunto de gente que nos fazia sonhar naquelas duas horas, em que embevecidos, assistíamos a algo que julgávamos impossível acontecer.

Na outra esquina da Alameda, com a Hoji-Ya-Henda, instalava-se o Circo Universal, inicialmente com uma tenda, e com todos os adereços normais de um circo, e que já no fim dos anos sessenta, foi substituída por uma estrutura fixa, com tubos e bancada de madeira, forrada exteriormente com grandes painéis de chapa, pintadas com as garridas cores de um circo. A cobertura era em lona, imediatamente renomeada essa estrutura como o “Coliseu de Luanda”.

Nem mais nem menos, Luanda passava a rivalizar com todas as cidades coliseuzadas do mundo!

O Circo Universal lá aparecia em Janeiro, ou Fevereiro, alternando com a concorrência do “Mariano”, e num ou noutro adorei ver o que eles mostravam, desde a mulher borracha, que era simultaneamente a trapezista e a partenaire do ilusionista, o sensacional palhaço Kinito, o professor Karma que respondia a tudo de olhos vendados, ao Gabriel de Moçambique que tinha 2, 60 m que vinha com o Silvio do Lobito, uma versão angolana do Nelson Ned,

minorca com noventa e cinco centímetros.

Com a idade deixei de ser um “fiel” do circo, embora ainda hoje goste de ir ver o espectáculo, e sentir que estou a ajudar profissionais de grande dignidade, perseverança e de uma seriedade inabitual, no consumismo da cultura na sociedade contemporânea.

Voltando ao Coliseu de Luanda, vem-me à lembrança a “Luta livre à Americana”, que depois de ter andado pelo Campo da Ilha, ao lado do Náutico de Luanda, pelos Coqueiros, acabou por se fixar definitivamente no Coliseu.

Nunca fui grande adepto de pancadaria, nada tem a ver com o meu agnosticismo, mas lá alinhava com uns amigos meus, ia ver alguns duelos dos grandes combates decisivos para a atribuição do “campeonato do mundo de luta livre americana” .

Organizados pelo Lobo da Costa, concessionário de um restaurante de comida a raiar o intragável, “O Ganso”, ali para os lados do Bairro Azul, antigo praticante de luta no Parque Mayer em Lisboa que com Leandro Ferreira, publicitava que “Cinturão cidade de Luanda” era uma das provas do calendário internacional.

Todos os intervenientes tinham nomes pomposos, currículos inatingíveis pelo comum dos mortais, mesmo os mais talentosos, em suma, a nata da “luta livre americana internacional”, normalmente alojada em pensões de qualidade duvidosa na baixa da urbe.

O Kit Moralino, que já era entradote, o “invencível” Tarzan Taborda, campeão mundo 5 vezes, o Carlos Rocha, as “têmporas de ouro” 4 vezes campeão do mundo, o Zé Luis, “Cabeça de concreto”, 3 vezes campeão do mundo, o Yull Brinner, careca como o actor, “punho de platina”, El Indio, “O Escalpelizador” 2 vezes campeão do mundo, Tony Morgan, e muitos que eram uma plêiade de enormes lutadores, alguns recrutados na noite anterior no Porto de Luanda, para a troco de uns cobres, uma refeição requentada e talvez uma cama aquecida, levarem uma tunda, nada que mercuro-cromo , eosina ou tintura de iodo não curassem.

Eram as grandes noites de um coliseu, que Novembro de 1975 viu enferrujar, até ser substituído por um prédio a parecer quase bem.

Fernando Pereira

22/10/2010

22 de outubro de 2010

SAIA DE CENA QUEM NÃO É DE SENA! / Ágora/ Novo Jornal/ Luanda 24-10-2010



"Uma vez eu, chegado a Portugal

após muitos anos de ausência minha e alguns

de guerras africanas, encontrei uma vizinha

muito estimável que era casada com

um operário categorizado e antigo republicano.

O filho dela estava nas Áfricas, arriscando

a vida dele e a dos outros em defesa

do património da pátria de alguns (muito mais

que das gerações brancas que vivem nas Áfricas).

Eu condoí-me, todo embebido de noções políticas.

E ela, com um sorriso resignado, respondeu-me:

- Pois é, mas ele está a ganhar tão bem!



SB [Santa Barbara, Califórnia] 21/4/74"

Jorge de Sena, in "40 Anos de Servidão", Moraes Editores



Sou um admirador confesso, de Jorge de Sena (1919-1978), um dos enormes poetas da língua portuguesa, que nada tem a ver com a lusofonia, um luso-tropicalismo com foros de institucional na contemporaneidade, o da observação atenta dos mercados!

Jorge de Sena foi um dos mais ostracizados escritores portugueses de sempre, e se a ditadura de Salazar o deixou a vegetar como cidadão e técnico superior em Santa Bárbara na Califórnia, a democracia que se lhe seguiu, manteve-o longe e ignorado de um País que o deserdou em vida, em que as autoridades, ao tentar expiar o erro em 2008, promoveram-lhe uma cerimónia discreta e triste em Lisboa.

Na última edição do NJ, foi dado particular relevo à toponímia de Luanda, mantendo-me na expectativa pela nomeação da comissão, sua regulamentação, e mais que tudo o equilíbrio político, cultural e a intervenção cívica de todos os intervenientes.

Ao longo do tempo que venho aqui cronicando, tenho insistido na alteração da toponímia de algumas artérias da urbe, e a adequação do nome das ruas, praças, avenidas ou largos, a nomes de gentes da cultura, da liberdade, da libertação dos povos, do filantropismo e da intervenção social.

Há que rever alguma toponímia, dos tempos do início da independência, para evitar situações bizarras como por exemplo a substituição da Rua Luis Carrisso, pela Rua Salvador Allende. Ambos merecem uma rua em Luanda, pois Salvador Allende representou na América Latina a tenacidade numa luta desigual pela democracia e socialismo, enquanto Luis Carrisso foi um ilustre professor catedrático da Universidade de Coimbra, falecido perto da Lagoa dos Arcos no Namibe em 1937, dirigindo a mais importante missão científica de estudo de alguns exemplares da flora angolana, feita até então. Ainda hoje muitos dos trabalhos existentes nessa área são desse insigne botânico prematuramente falecido.

Este exemplo, é apenas um entre muitos, e já começamos a exigir que a nossa cidade capital, deixe de ter as suas artérias conhecidas por corruptelas de nomes próprios, inapropriados ou indevidamente apropriados.

Hoje temos muito menos nomes de combatentes pela independência para as ruas, que em 1975, mas temos de nos reconciliar com a história presente do País, e por isso temos que colocar Holden, Viriato da Cruz, Matias Migueis, Costa Andrade, Mário António de Oliveira, Geraldo Bessa Victor, Graça Tavares, Gentil Viana, Mário Pinto de Andrade, Joaquim Pinto de Andrade, Raul David Pedro Van-Dunen (Loy), Pédalé ,Paulo Jorge e tantos outros que fizeram parte de um quotidiano de afirmação de uma Angola de vontades, enquanto País soberano.

Camões, Jorge Amado, Aimé Cesaire, Basil Davidson, Camus, Soynka, Machado de Assis, Baltasar Lopes, Daniel Filipe, Francisco José Tenreiro, Manuel Lopes, Alves Redol, Fernando Namora, Mário Dionísio, José Craveirinha, Rui Knophly, Sophia de Mello Breynner Anderson, Luis Pacheco, José Alencar, Olavo Bilac, Mário de Andrade, Noémia de Sousa, um universo de gente que enriquecerá a cidade, e obrigará os cidadãos, por vezes até involuntariamente, a querer saber porque deram determinado nome a certa rua. O que vulgarmente se chama, a cultura da tabuleta, irá dar frutos!

Já uma vez, numa crónica destas, tinha metido uma “cunha” por Pedro Alexandrino da Cunha, desta vez faço-o por Jorge de Sena, que foi um dos melhores poetas do século XX da língua portuguesa, e sofreu agruras iguais às de muitos dos nossos compatriotas, na luta comum contra a ditadura colonial e corporativista de Salazar.

Fernando Pereira

20/10/2010

15 de outubro de 2010

TAAG- Em tempos idos!



Os Inadaptados"/ Ágora/ Novo Jornal / Luanda / 16-10-2010


 




Um dos filmes malditos da história do cinema, é “Os Inadaptados” (The Misfits) concluído precisamente em meados de Outubro, há cinquenta anos.

Argumento de Arthur Miller, divorciado de Marilyn Monroe no início das filmagens, disse numa entrevista: "Um homem é uma casa com 14 divisões - no quarto está a dormir com a sua mulher inteligente, na sala está enrolado com uma miúda de rabo ao léu, no escritório está a preencher o imposto, no quintal está a plantar tomates e na cave está a fazer uma bomba para rebentar com tudo." Segundo se alvitrou ao tempo, Miller escreveu “Os Inadaptados” exactamente para Marilyn, pois todas as suas obras tem características diferentes.

Filme de John Houston, rodado com incidências difíceis em Black Rock, marcado pela premonição da tragédia. Clark Gable, com 59 anos, morre de enfarte quinze dias depois de terem finalizado as filmagens, Marilyn Monroe suicida-se seis meses depois, e Montgomery Clift entra num processo de degradação, aliando o álcool à depressão, não filmando mais até 1966, ano em que falece precocemente aos quarenta e seis anos.

“Os Inadaptados”, foi o último filme de três actores marcantes de uma América, que tentava mobilizar-se em torno de um Kennedy, que prometia uma lufada de ar novo aos EUA, e um desafio importante ao colonialismo ainda remanescente em África.

Na semana transacta, estive determinado a tecer algumas considerações sobre a forma perfeitamente desbragada, como o general Ngongo foi demitido das suas funções de ministro do Interior. Não o fiz porque gostava de ver o desenvolvimento .

Não tenho relações pessoais, familiares ou profissionais com o general Roberto Leal Monteiro, e o que teremos em comum, será termos frequentado a Republica do “Kimbo dos Sobas” em Coimbra, em períodos diferentes. Andámos também no Liceu Salvador Correia, tendo eu entrado para o 1º ano, quando ele estava prestes a sair para a Universidade. Conhecemo-nos pessoalmente, mas raras vezes nos encontramos, e só faço este tipo de apreciação porque o “Nini”, não merecia este tratamento, demasiado parecido com autos de fé, afixados publicamente na Idade Média, quando Torquemada era o inquisidor geral de Castela e Aragão.

O general Ngongo, terá cometido um erro de capital gravidade, admito-o, mas nada justifica que o seu passado de brilhante de cidadão, nacionalista, militar, dirigente associativo, diplomata ou ministro, seja tratado da forma soes como foi, pois faltou ética e solidariedade, indispensável num quadro institucional.

Numa Angola onde há tanto secretismo no que concerne ao poder, que alimenta muitas especulações, esta atitude tem pouco de transparente, e não parece ser um precedente para rigorosamente nada. É apenas e só, um processo mal conduzido, e espero que as sequelas não atinjam o general “Ngongo” na sua dignidade e na sua entrega à causa de Angola, que começou nos anos sessenta em Coimbra, donde saiu clandestinamente para se juntar ao MPLA na luta contra o colonialismo.

Não serve por aí além, para reparar esta forma tão mesquinha, como foi a sua demissão, mas ainda recentemente surgiram mais uns livros sobre a “Crise Académica de 1969” em Coimbra, e quem aparece sempre na primeira linha da luta dos estudantes é o “Nini” do Kimbo, onde viveu tanta gente que deu a vida pela Angola independente, alguns já não presentes entre nós.

Não tem nada a ver, mas apetece-me contar esta história de um jovem professor de Direito Colonial de Coimbra, que Salazar convida para o governo, nos anos sessenta. O Prof. Dr. José Julio Almeida e Costa vai tomar posse de Ministro da Justiça, no palácio de Belém, na presença do Tomás e Salazar. Este, aproxima-se do José Julio, cumprimentando-o diz-lhe: “Felicidades meu jovem, mas é curioso, só hoje tomou posse como ministro e já traz uns sapatos verniz novos”!!!

Talvez tenha a ver, não tanto pelo conteúdo mas pela forma, e por isso recomendo a leitura da biografia de Armindo Monteiro feita por Pedro Aires de Oliveira para a Bertrand em 2000, dignitário de vários cargos superiores no salazarismo, entre os quais o de Ministro das Colónias, e publicamente demitido por Salazar, do lugar de embaixador em Londres, durante a 2ª guerra por desinteligências entre os dois, o primeiro anglófono e o segundo claramente germanófilo.

Fernando Pereira

12/10/10



14 de outubro de 2010

MAL POR MAL VENHA O POMBAL/ O Interior 14-10-2010

No dealbar da semana passada, o actual inquilino de Belém, Cavaco Silva, de sua graça, presidente dos portugueses para desgraça, veio solenemente informar os portugueses, que tinha promulgado o decreto 2000 do seu mandato presidencial, relativa à preservação do ambiente marinho.

Vem-me à memória um outro presidente, o Tomaz que era Américo, marido da Gertrudes e pai da Natália, que cinquenta anos antes, num discurso, sobre uma outra promulgação dizia o seguinte: «Comemora-se em todo o país uma promulgação do despacho número Cem da Marinha Mercante Portuguesa, a que foi dado esse número não por acaso mas porque ele vem na sequência de outros noventa e nove anteriores promulgados.».

Um destes dias vi no YouTube, uma peça de um trabalho da SIC, sobre a visita do magistrado Cavaco Silva, por sinal o mais alto da Nação, a uma herdade, onde uma vaca estava a ser ordenhada através de meios mecânicos, que motivou comentários verdadeiramente hilariantes, parecidos com este: «Hoje visitei todos os pavilhões, se não contar com os que não visitei.» (Tomaz dixit).

Não foi único, pois Mário Soares, um geronte que continua a debitar opiniões, entre muitas enormidades, teve a lata de adormecer no Blue Note, em Nova York enquanto Etta James cantava. Mas como o homem é obeso, dá umas sonoras gargalhadas, tem uma fundação paga pelo erário público, desculpa-se isso, e acaba por ser lastimável muito mais de muita desgovernação que fez e promoveu, enquanto primeiro-ministro e Presidente da Republica.

. Mário Soares criticou as " vozes de derrotismo " que não acreditam que Portugal saia da actual crise, e lembrou que o passado recente ficou marcado por " crises tão graves ou piores " do que a actual. Tomaz disse em 23/6/1964 ao DN sobre o assunto: «A minha boa vontade não tem felizmente limites. Só uma coisa não poderei fazer: o impossível. E tenho verdadeiramente pena de ele não estar ao meu alcance.»

Voltando a Cavaco Silva com ao “Nunca me engano, raramente tenho duvidas”, proferida em 1990, traz-me uma emblemática do Tomaz, cortada pela censura do regime, e integralmente colocada pela Seara Nova em 1972, quando já se anunciava o estertor da ditadura: «Pedi desculpa ao Sr .Eng.º Machado Vaz por fazer essa rectificação. Mas não havia razão para o fazer porque, na realidade, o Sr. Eng.º Machado Vaz referiu-se à altura do início do funcionamento dessa barragem e eu referi-me, afinal, à data da inauguração oficial. Ambas as datas estavam certas. E eu peço, agora, desculpa de ter pedido desculpa da outra vez ao Sr. Eng.º Machado Vaz.»

Pior que tudo isto, só a frase de Almeida Santos, dia 29/9/2010 à saída da sede do PS: "O povo tem que sofrer as crises como o Governo as sofre."

Já estou como dizia o povo em 1777, sobre o Marquês: “Mal por mal, venha o Pombal!

Fernando Pereira

30/9/2010

8 de outubro de 2010

"Lisboa, Capital, Republica, Popular" / Ágora/ Novo Jornal/ Luanda / 9-10-2010






Na semana passada, comemoraram-se cinquenta anos da criação de uma série de culto da TV e do cinema de animação.


Os Flinstones, com os casais Wilma e Fred, Betty e Barney, mantiveram-se até 1996, como um dos tops da Hanna Barbera, e foi o primeiro contacto com a idade da pedra, com que muitos de nós nos confrontávamos em criança. A BD em livro, era o prolongamento de todas aquelas geringonças que víamos no nosso quotidiano, adaptadas a materiais tão simples e tão apelativos à nossa fértil imaginação de criança. O carro, o ferro de engomar, a TV, os diálogos, as cumplicidades entre Fred e Barney, entre Wilma e Betty, fizeram-nos sonhar, o que tinha sido viver com apetrechos tão modernos no paleolítico superior.

Não apareceu um PC de pedra, com um Windows, Mac, Linux ou Opera, adaptado à linguagem “pouco empedernida” destas famílias.

Também se comemoraram os cem anos da implantação da Republica em Portugal, com mudanças importantes no quotidiano político em Portugal, alteração expectável desde o Regícidio de 1908, onde pereceu o príncipe Luis Filipe, que foi o primeiro alto dignitário português a visitar Angola (1907). Foi em sua homenagem, o nome dado à ponte de ferro da Catumbela, que serviu ininterruptamente a ligação entre Lobito e Benguela durante cem anos.

A monarquia portuguesa deixou Angola entregue à voracidade de gente indesejável em Portugal, o que não é o mesmo que dizer que eram bandoleiros ou saqueadores, já que havia muitos condenados por delito de opinião. Só o Ultimatum, e a Conferencia de Berlim, obrigaram os governantes da monarquia a darem mais atenção à colónia, pois até então não tinha grande expressão no Paço.

Sem querer entrar muito em pormenores, o que se sabe é que o 5 de Outubro de 1910, foi recebido com algum entusiasmo, entre os deserdados portugueses que viviam na colónia, mas com enorme indiferença entre a maioria dos angolanos, principalmente nos dois centros urbanos com alguma importância: Luanda e Benguela.

O que aconteceu depois é sabido; Angolanos, de algumas famílias tradicionais, com um peso social importante, algum poder económico, viram coarctados direitos que possuíam em favor de políticas de implantação de colonos, na esteira do que faziam ingleses e alemães no século XVIII. A Republica foi mesmo quem mais prejudicou, de forma desprestigiante a maioria dos antecessores da oligarquia que hoje governa o País. A Republica utilizou sátrapas em Angola, por isso o Estado Novo teve caminho aberto para fazer o que queria.

Pode parecer paradoxal, mas este tema tem algo a ver, com a recente movimentação em torno da preservação do pouco património edificado que vai restando em Luanda. Vi recentemente uma entrevista com a arquitecta Angela Mingas e E. Freire, em que este ultimo, que foi um dos dinamizadores do ICOMOS (Comité Internacional de Monumentos e Sítios), com Samuel Aço e outros entusiastas, tentaram que algum património histórico, arquitectónico e paisagístico permanecesse incólume e disponibilizado para que todos pudessem dar futuro a vários passados.

A realidade é que muito desse património foi edificado por famílias crioulas tradicionais de Luanda, onde avultavam os célebres sobrados, proprietários de que há uns tempos estiveram em destaque numa animada troca de pontos de vista com o engenheiro Aires Menezes Assis, neste jornal, e que a Republica implantada em Portugal tratou de menorizar e subalternizar em relação aos colonos, até os conseguir desalojar.

É confrangedor assistir-se ao assassínio da cidade, à sua identidade arquitectónica, e histórica, alinhando-se na construção de uns megatéreos, numa tentativa de imitar o Dubai, essa Disneylandia para adultos, onde os nossos empresários e alguns dirigentes vão buscar a inspiração.

Começamos angustiosamente, a pedir que o argumento inicial, “O desejo de Kianda”, romance de Pepetela de 1995, não aconteça na realidade, embora já haja um ou outro indício, que nos permita acreditar que o que foi ficcionado pode ser uma realidade pungente.

Como estamos em tempos de recordar, lembro-me de um certo pregão dos ardinas de Lisboa na década de 50 e 60, que perdurou anos, e que deixava em polvorosa os apaniguados e servidores do regime ditatorial de Salazar. Com o título dos jornais:”Lisboa, Capital, Republica, Popular”. Com o “Diário de Lisboa”,” Capital”, “Republica” e “Diário Popular”, tudo vespertinos, conseguiram dar um grito de resistência!

Esta foi a parte que nada tinha a ver com as histórias, mas precisava de adornar um título!

Fernando Pereira

3/10/2010

1 de outubro de 2010

"AVULSISES"/ Ágora/ Novo Jornal / Luanda 2-10-2010


Horácio Sá Viana Rebelo, foi governador-geral de Angola no período entre 1957 e 1960. Para além de ser um sportinguista dos quatro costados, e a quem se deve a edificação do complexo desportivo e sede do Sporting de Luanda junto ao estádio dos Coqueiros, a sua passagem pela colónia foi marcada por algum crescimento económico, face à excelente cotação do café no mercado internacional na primeira metade da década de 50.


Por falar em Sporting de Luanda, não posso deixar de trazer à lembrança uma frase emblemática do Luis Vaz, presidente vários mandatos, numa entrevista ao semanário Notícia no início da década de 70: “ A minha relação com o Benfica é esta: A única coisa que eu tenho vermelha em casa é o tapete, onde esfrego os pés e entro com os sapatos limpos em casa”. Luis “Verde”, como também era conhecido, quando se referia a alguém do Benfica dizia que “só conseguia usar uma linguagem: a tiro!”. Esta frase testemunhei-a eu, quando ele discutia com prosélito sportinguismo um Sporting-Benfica, que tinha estado a comentar durante horas com os decibéis desregulados, após ouvir entusiasmado o relato na Emissora Nacional portuguesa em onda curta.

Voltando a Sá Viana Rebelo, havia uma história em Angola, que sugestionava que a pousada de Kalandula, ao tempo Duque de Bragança, teria sido feita para servir o casamento de sua filha. O local era paradisíaco, mas a realidade é que a pousada nunca conseguiu qualquer viabilidade económica, para além de uma progressiva degradação, e já só abriu com alguma regularidade no toque a finados da presença colonial portuguesa em Angola.

Visitei-a, miúdo nos anos sessenta, quando o asfalto era só até ao Lombe, lembro-me de a ver fechada, com vidros estilhaçados, e com o equipamento cheio de ferrugem, assim como os elevadores completamente deteriorados.

A pousada foi feita a meio da encosta, onde se avistava toda a monumentalidade das quedas, mas também levava com a “espuma” provocada pelas águas revoltas do Lucala, e que assim levou ao deteriorar rápido de uma estrutura, que nasceu debaixo de fortes suspeitas quanto à sua real utilidade e necessidade. Citando o angolano Fausto Bordalo Dias numa das suas canções: “Atrás de tempos vem tempos e outros tempos hão-de vir”!

Mudando de assunto, na busca de algumas histórias da história algo rocambolesca que foi a construção do Caminho de Ferro do Ambaca, e que depois das vicissitudes da sua falência, se transformou no Caminho de Ferro de Angola, vai de Luanda a Malange, ficando para ser continuada até ao Luau, depois de ter sido alterado o plano inicial, que previa ir do Lucala à então Leopoldeville (Kinshassa), descobri que Bento Gonçalves (1902-1942), primeiro secretário-geral do Partido Comunista Português foi trabalhador das oficinas do CFA.

Efectivamente, na busca de melhores oportunidades resolveu deixar o Alfeite (ao tempo Arsenal da Marinha em Lisboa), onde trabalhava e entre 1924 e 1926, tendo sido um propulsor de um movimento sindical com alguma importância ao nível dos Caminhos de Ferro de Angola, o que o levou a “ser convidado a regressar a Portugal”.

Preso em 1936, faleceu no Tarrafal, Cabo Verde em 1942 com a biliose, e ainda hoje é uma referência para os comunistas portugueses, pelo estoicismo com que enfrentou a doença na dureza das condições do campo, como documentaram para memória futura alguns colegas seus de cativeiro.

Sem pretender ser pérfido, sobre os novos olhares sobre o Tarrafal, no politicamente correcto branquear da história, o que se pode dizer é que Bento Gonçalves “morreu na praia”!

Acho que a estultícia, para ter alguma verosimilhança, e ser levada a sério também terá os seus limites, e certa gente merece respeito, pelo empenho que demonstraram na luta, mesmo que as diferenças ideológicas existam!



Fernando Pereira

28/09/2010

24 de setembro de 2010

C'est un joli nom, camarade!/Ágora/ Novo Jornal / Luanda / 25-9-2010

Alves Redol (1911-1969), foi um dos emblemáticos precursores do neo-realismo em Portugal, movimento cultural de inspiração marxista que teve enorme importância entre a crise de 1929 até ao fim dos anos 50, um pouco por toda a Europa, particularmente na literatura, artes plásticas e cinema (“Roma, Cidade Aberta” de Rosselini é a obra mais emblemática nesta arte)

Um escritor fascinante, Alves Redol, descreve a miséria e a pobreza de um Portugal, principalmente os que vivem nos tugúrios das margens do Tejo a escassas dezenas de km da Lisboa, capital do Império. Gaibéus, Avieiros e Barranco de Cegos, são algumas das obras de um escritor que descreveu de forma inigualável, as margens, o sofrimento, a vida, a luta e a morte de um “Tejo que levas as águas”, que bem cantou esse esquecido amigo de Angola, Adriano Correia de Oliveira.

Redol parte aos 16 anos para Angola em 1928, entusiasmado na aventura de uma vida que dizia “busco, e não encontro cá”, da sua Alhandra tão glosada nas suas obras. Deslumbra-se com a viagem, onde do alto do seu beliche, num habitáculo pequeno e sórdido, que era a terceira classe dos navios, observava tudo ao mínimo detalhe para descrever a viagem minuciosamente no “Vida Ribatejana”, jornal com que colaborou.

Aqui há um hiato na historiografia de militância de Alves Redol, inicialmente do MUD (onde andaram também Agostinho Neto e Lúcio Lara, entre outros nacionalistas africanos), e posteriormente no Partido Comunista Português, já que o jovem Alves Redol, tornou-se um entusiasta das colónias portuguesas, particularmente da obra discutível de Norton de Matos. Sobre este assunto, refira-se a propósito que só no seu V Congresso do PCP, em 1957 no Estoril, se afirma peremptoriamente anti-colonialista, assumindo desde então um alinhamento com os movimentos independentistas das colónias portuguesas, mantendo um importante apoio à sua luta, hoje muitas vezes esquecida e distorcida injustamente.

Alves Redol, começa por trabalhar na Direcção de Fazenda da colónia, e saúda algumas posições então tomadas pelo então ministro das finanças da ditadura, Oliveira Salazar, nomeadamente nos apoios aos colonos “testemunho às virtudes religiosas e cívicas, que de fracos mortais fizeram história”.

Regressa em 1932 a Portugal, com uma imagem muito marcada da importância do Império Colonial, assumindo uma posição quase homérica da afirmação de Portugal no mundo, em frases do tipo “…singravam ao mar em busca de florestas de oiro, de quimeras encantadas, donde qualquer outro povo não tivesse chegado, onde só a bandeira das quinas pudesse governar”.

Só em 1936, Redol começa a despir alguma do seu entusiasmo pró-colonialista, e isso revela-se num conto, “Kangondo”, publicado num jornal do PCP, “o Diabo”, onde ele faz o corte com África, para se dedicar ao seu Ribatejo e à luta do seu povo por ter uma dignidade que já não teve oportunidade de ver, já que a morte não o deixou assistir ao Abril de 1974.

Houve quem tivesse visto alguma similitude, na obra de Alves Redol com a de Castro Soromenho (1910-1968), principalmente em “Homens sem Caminho”, “A maravilhosa Viagem”, mas sinceramente nunca vi grandes convergências, nos pressupostos do neo-realismo, embora assuma que sou um leigo na matéria.

No passado dia 13 de Setembro comemoraram-se os oitenta anos da festa do L’ Humanité, órgão central do PC Francês, onde me deslumbrei quando em 1978, vi ao vivo os míticos Pink Floyd, no palco central de um espaço de cerca de 70 hectares no “Parc Départamental de La Courneuve”, nos arredores de Paris.

Gostava de lá ter estado, para ver a grande homenagem que a “Fete de L’Huma” fez a Jean Ferrat, um dos grandes da canção francesa de intervenção falecido há uns meses (13 de Março de 2010), e também ao enorme José Saramago, o Nobel português recentemente desaparecido.

“C'est un joli nom, camarade


C'est un joli nom, tu sais


Dans mon coeur battant la chamade


Pour qu'il revive à jamais

Se marient cerise et grenade


Aux cent fleurs du mois de mai”

Jean Ferrat (1930-2010) “Camarade”

Havemos de voltar!



Fernando Pereira

21/09/2010

17 de setembro de 2010

Queria não ter tido razão! / Ágora/ Novo Jornal/ Luanda 18-09-2010


Numa das últimas crónicas, neste espaço fui premonitório sobre o livro de Leonor Figueiredo dedicada a Sita Valles.


Disse nessa crónica: “ Recebi um convite para o lançamento do livro de Leonor Figueiredo, com o título de “ Sita Vales – Revolucionária, Comunista até à morte”. Conheci Sita Vales, e lembro-a como uma mulher notável, inteligência brilhante, combativa, algo sectária, determinada como poucos, e sempre lamentei o seu precoce desaparecimento… Não vou ao lançamento, porque acho que a Sita Vales merecia melhor biógrafa, que a autora de uma estulta obra: “ Ficheiros Secretos da Descolonização de Angola”, e porque mereceria melhor editora que a “Aletheia”, uma editora do tipo “Perspectivas e Realidades” com saias!” (SIC)

Li o livro, e digo-o com toda a sinceridade, preferiria não ter tido razão antes do tempo. Pareceu-me uma versão avermelhada de um livro da Condessa de Segur, o que é no mínimo lastimável, para quem tem memória do percurso combativo de Sita Valles.

Descontextualizado da realidade política e militar de Angola ao tempo, muita confusão nos depoimentos e uma tentativa pueril de fazer um libelo ao MPLA e ao governo da RPA de então, misturando factos que terão sido ali colocados, ao jeito de como um tanoeiro fecha uma pipa.

Desapetece-me perder tempo com o livro, e o mais sensato conselho que posso dar é nem o lerem, por razões profiláticas e porque nada traz de novo a algo que é importante ser explicado, sem ser com versões foto novelescas: O que foi o 27 de Maio de 1977.

Mudando a agulha, para temas mais sérios, assumidamente com maior qualidade dos intervenientes, fiquei agradado com a reedição pelo D. Quixote, de duas obras emblemáticas do brasileiro Machado de Assis (1839-!908), “Memórias póstumas de Brás Cubas”, e o “Dom Casmurro”, provavelmente o melhor poeta brasileiro.

O angolano Mário António de Oliveira (1934-1989), foi professor de literatura brasileira na faculdade de letras da Universidade de Lisboa, e invariavelmente começava a primeira aula do semestre com uma provocação: “A literatura brasileira é muito melhor do que a portuguesa”; Burburinho na sala, e ele volta-se a rir para o quadro onde escreve uns versos de Castro Alves. Nunca perdeu o seu ar de rebeldia e a sua costela provocatória!

Voltando a Machado de Assis, vale a pena elogiar a pessoa, ou o grupo de pessoas, que tinha o critério da escolha da importação dos livros no tempo do “Único”, pois importaram-se muitos livros do Brasil, dando a conhecer, José Alencar, Bernardo Guimarães, Olavo Bilac, Castro Alves, Graciliano Ramos, Jorge Amado e outros praticamente desconhecidos da maioria dos angolanos que se habituaram a ler depois da independência. Havia depois uns quantos opinativos, em que a configuração das orelhas não dava para colocar um lápis, que verberavam o que vinha para as livrarias, dizendo que só havia edições da Novosti e da Progresso, embora até houvesse lá uns quantos livros de um “desconhecido” chamado Saramago, que foi o único Nobel de língua portuguesa. Eu descobri livros que reli com o mesmo prazer que me deu quando os li pela primeira vez, como por exemplo “O Alienista” de Machado de Assis.

Continuando na saga de reedições, é excelente que tenham começado a reeditar “O Diário” de Miguel Torga (!907-1995), pseudónimo literário de Adolfo Correia da Rocha, meu antigo otorrinolaringologista, pessoa de ar austero, mas de lindas palavras, imaginadas muitas delas, num dos locais mais bonitos da Europa, em São Leonardo de Galafura, miradouro onde se avista toda a beleza e dureza das terras do Douro.

Já que se fala em reedições de coisas bonitas, o que o início da crónica não permitia antever, relembro que toda a obra de Aquilino Ribeiro está a sair ainda que paulatinamente, recomendável e quiçá encomendável.

Foi o Dr. Eugénio Ferreira, que me meteu o “bichinho “ do Aquilino, e nunca esquecerei que me emprestou “o Malhadinhas”, que li num ápice.

Aquilino Ribeiro, foi uma figura controversa da história de Portugal, sendo mais um combatente que um resistente, e que desde o estertor da monarquia ao dealbar do fascismo lutou sempre com tenacidade, pelos valores da liberdade, da solidariedade e da cidadania plena dos portugueses.

“Olhos brancos em cara portuguesa ou é filho da puta ou erro da natureza”, dizia Aquilino, e com esta acabo, numa crónica que foi feita por ter tido razão antes do tempo!

Fernando Pereira

14/09/2010

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