11 de novembro de 2010

Era Bom que Trocássemos Umas Ideias Sobre o Assunto /10-11-2011/ O Interior



Mário de Carvalho (n.1944) é um dos escritores contemporâneos portugueses que muito admiro, aguardando expectavelmente os seus romances.


Um romancista que vê com alguma dificuldade que os seus livros consigam ter a visibilidade comparável à qualidade dos seus escritos, o que começa a ser demasiado recorrente em muito bons escritores.

Hoje há demasiados escritores paridos dos ecrãs das televisões, ou das vernissages das revistas cor-de-rosa, e os escritores que não alinham com a cultura do espectáculo ou da mediatização ficam relegados para a parte mais esconsa das livrarias.

Mas não é esse o tema do artigo de hoje, e ao pegar em Mário de Carvalho, que coerentemente nunca escondeu a sua opção partidária, lembro-me de uma obra sua de 1995 (“Era Bom que Trocássemos Umas Ideias Sobre o Assunto”), e que é um verdadeiro libelo, ainda que com uma permanente nota de humor, sobre os funcionários e dirigentes das estruturas de base dos partidos políticos.

O “Era Bom que Trocássemos Umas Ideias sobre o Assunto” romanceia com muita piada as vicissitudes de um individuo que quis entrar num determinado partido político e as suas relações com a controleira, ou o dirigente, ou melhor os seus costumeiros hiatos.

No caso deste romance, estamos perante uma história em que os intervenientes são de um partido marginal à lógica do poder. Há contudo um cadinho, onde fermentam muitos dos tiques dos aparelhos partidários, autênticas madraças, onde pululam e de onde saem pessoas ideologicamente pobres, e com comportamentos de arrogância na integração da sociedade, contrários à formação cívica que a democracia deve ensinar a melhorar num quotidiano respirável de vida política.

Num devaneio humorístico à obra de Fiódor Dostoiévski,” Recordações da Casa dos Mortos”, apetece-me colocar os termos usados numa reunião do directório, concelhio, distrital ou nacional de um Partido da órbita do poder, central ou local:

“Este gajo é dos nossos, e não nos dá problemas”/ “Mas é um fraco, falta-lhe carisma”/ “Deixa-te lá disso, carisma é ele cumprir as ordens que lhe dermos”/ “A. Era capaz de ser melhor para o lugar”/ “Deixa-te de porras, esse já o temos na mão, já lhe empregámos a filha”/ “Eu acho que B. anda a falar muito desde que foi nomeado por nós”/ “Deixa-o pousar, quando der conta já tem os patins”/”Quem anda danado é C, mas como ainda não tem lugar não abre a boca mas bufa quando fala comigo para saber novidades”/ “Não nos podemos esquecer que foi o gajo que andou a dar subsídios aos tipos que nos gamaram a Câmara”/ “O tipo foi lá posto pelos gajos do outro lado”/ “Há tipos no nosso partido que ainda são mais FDPs que do outro”/ “Como estamos de subsídios?”/ Há uns dinheiros, mas tem que ir parar a mãos mesmo nossas”/ “E as regras? Depois vêm os tipos para o jornal ladrar e nós é que ficamos mal/ “Deixa-te de porras, falas com o tipo do jornal e ele põe lá uns anúncios de umas Câmaras nossas”/ “Tens razão, e se o gajo não aceitar”/ “Eheheh, ficar com os empregados sem ordenado, achas que arrisca?” / “Andam aí uns tipos a quem prometemos umas coisas, para virem para o nosso lado, e nunca me largam para lhes dar o que prometemos”/ “Fala-lhes da crise, porra, e vais deixando correr o marfim”/ “E as licenças daqueles que nos deram a guita para a campanha?”/ “Deixa-os andar, porque eles não podem abrir a boca e quando estivermos perto das eleições damos-lhe a cenoura ou o pau”/ “ É por isso que o nosso partido é responsável”/ “Mete lá as raparigas da juventude, naquele sector, para termos os pais deles connosco nas próximas”/ “Vocês de política não percebem um corno” / “ O chefe que se cuide, porque precisa mais de nós agora que nós dele”/ e por aí fora…

Votos de muitas prosperidades e adeus até ao meu regresso!

Fernando Pereira

8/11/2011


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