“ O Homem é um animal de hábitos”, Charles Dickens (1812-1870), escritor inglês que descreveu magistralmente o “milagre da revolução industrial”, num conjunto de obras, em que o enfoque foi a miserável condição e exploração no trabalho, das crianças na sociedade inglesa.
Peguei na citação do criador de “David Cooperfield”, “Oliver Twist” e “The Pickwick Papers”, por se ter comemorado recentemente, os cento e quarenta anos do seu falecimento, e porque também sou “ um animal de hábitos”, e um dos que cultivo é ir regularmente a umas livrarias ver o “que está a sair”.
Por “hábito”, e na circunstancia confrontando-me com as bizarrices da distribuidora estatal EDIL, tive a fortuna de ter encontrado, na Livraria Che Guevara em Cabinda, um dos meus livros de eleição, “Os Cantos de Maldoror”, do Conde de Lautremont, , prefaciado por Jorge de Sena, e traduzido por Pedro Tamen .Recordo o entusiasmo por encontrar esta obra-prima do Incrível, escrito em plena euforia do Darwinismo, por volta de 1869. Algum esoterismo, numa obra, sintetizada nesta frase: “A minha poesia dedicar-se-á apenas a atacar, por todos os meios, o homem, esse animal selvagem, e o Criador, que não deveria ter engendrado semelhante parasita.». Uma boa recordação de Cabinda!
Deixando esta “obra demoníaca” de lado, fiquei manifestamente desagradado com aministra da Família e da Promoção da Mulher, Genoveva Lino, que numa recente intervenção disse: "Não há palavra melhor do que a do Senhor, cada cidadão deve ter, ler e absorver o grande livro sagrado, a bíblia, porque é o livro da vida. E se todos nós o seguirmos, teremos uma vida mais digna, tal como a própria bíblia diz, que feliz é a nação que o próprio Deus é o Senhor".
Fiquei perplexo, aliás tanto quando Yuri Cunha, quando foi ao Campo Pequeno, em Lisboa a “berrar por Deus”, numa mensagem subliminar de uma qualquer religião, junto de uma plateia que tinha pago, para ver o musico e os envergonhados convidados, e não para entrar numa qualquer histeria, tipo Jim Jones, numa Guiana de má memória (1978).
A Senhora Ministra, membro de um governo, que é chefiada por um magistrado que jurou cumprir a constituição, no caso a laicidade do Estado, bem clara no artigo 10ª, pode ter as suas convicções, o que não pode é assumi-las publicamente, enquanto em funções. Pode querer estar a bem com Deus e a Pátria, mas não esqueci os tempos do “Acordo Missionário”, de má memória no que toca à liberdade religiosa e à presença de outras convicções religiosas em Angola.
Para aumentar o meu desconforto, quiçá azia, eis o programa desportivo alusivo ao trigésimo quinto aniversário da independência de Angola: Um jogo entre a equipa B da selecção de Angola, e a equipa B de um clube, que não está no ranking dos trinta da Europa, o Benfica de Lisboa.
Podem dizer que são os meus olhos azuis e brancos a escrever, de certa forma admito-o, mas há também algo que nada tem a ver com isso, é o direito à indignação.
Os trinta e cinco anos de independência mereciam um jogo entre selecções de dois países, num espectáculo que galvanizasse os cidadãos, tão distantes de uma FAF cheia de problemas financeiros, organizativos e até de definição de uma matriz desportiva coerente.
Este jogo, devolve-me de certa forma os tempos dos irmãos Vieira de Brito, da “Sociedade Mário Cunha” no Amboim, grandes entusiastas do Benfica campeão europeu (1961-63), e principais impulsionadores e mecenas da construção do Estádio da Luz em Lisboa. Traz-me à memória também os dislates do “massa bruta”, João Ferreira do Negage, que foi a Lisboa para comprar jogadores ao Benfica, para competir pelo Desportivo, depois de uma querela com uns colegas na direcção do Sporting. Na altura o Negage tinha duas equipas na 1ª divisão do campeonato provincial, com cinco ex- jogadores do Benfica numa delas, embora alguns deles só treinavam, porque o Benfica tinha nesses tempos uma equipa extraordinária, do Coluna, Eusébio, Santana, Águas, etc.
Esta comemoração desportiva é um verdadeiro embuste, e tenho muita pena de não ter os quadros humanos e a participação da juventude, mesmo que acabasse com um jogo com outros protagonistas, que nesta altura do ano não querem arriscar nada, a não ser o dinheirinho que os move.
Já que se fala de desporto, fez oitenta (80) anos que foi publicado o primeiro jornal (semanário) desportivo no então “espaço português”. Foi o "Angola Desportiva". Fundado em 8 de Agosto de 1930, pelo insigne desportista angolano Eduardo Castelo Branco (a quem toda
a gente tratava por "Chateau"). A publicação acabou no dealbar dos anos setenta, e teve a sua última redacção na sua casa, um r/c no Braga.
Fernando Pereira
2/11/2010
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