17 de setembro de 2010
Queria não ter tido razão! / Ágora/ Novo Jornal/ Luanda 18-09-2010
Numa das últimas crónicas, neste espaço fui premonitório sobre o livro de Leonor Figueiredo dedicada a Sita Valles.
Disse nessa crónica: “ Recebi um convite para o lançamento do livro de Leonor Figueiredo, com o título de “ Sita Vales – Revolucionária, Comunista até à morte”. Conheci Sita Vales, e lembro-a como uma mulher notável, inteligência brilhante, combativa, algo sectária, determinada como poucos, e sempre lamentei o seu precoce desaparecimento… Não vou ao lançamento, porque acho que a Sita Vales merecia melhor biógrafa, que a autora de uma estulta obra: “ Ficheiros Secretos da Descolonização de Angola”, e porque mereceria melhor editora que a “Aletheia”, uma editora do tipo “Perspectivas e Realidades” com saias!” (SIC)
Li o livro, e digo-o com toda a sinceridade, preferiria não ter tido razão antes do tempo. Pareceu-me uma versão avermelhada de um livro da Condessa de Segur, o que é no mínimo lastimável, para quem tem memória do percurso combativo de Sita Valles.
Descontextualizado da realidade política e militar de Angola ao tempo, muita confusão nos depoimentos e uma tentativa pueril de fazer um libelo ao MPLA e ao governo da RPA de então, misturando factos que terão sido ali colocados, ao jeito de como um tanoeiro fecha uma pipa.
Desapetece-me perder tempo com o livro, e o mais sensato conselho que posso dar é nem o lerem, por razões profiláticas e porque nada traz de novo a algo que é importante ser explicado, sem ser com versões foto novelescas: O que foi o 27 de Maio de 1977.
Mudando a agulha, para temas mais sérios, assumidamente com maior qualidade dos intervenientes, fiquei agradado com a reedição pelo D. Quixote, de duas obras emblemáticas do brasileiro Machado de Assis (1839-!908), “Memórias póstumas de Brás Cubas”, e o “Dom Casmurro”, provavelmente o melhor poeta brasileiro.
O angolano Mário António de Oliveira (1934-1989), foi professor de literatura brasileira na faculdade de letras da Universidade de Lisboa, e invariavelmente começava a primeira aula do semestre com uma provocação: “A literatura brasileira é muito melhor do que a portuguesa”; Burburinho na sala, e ele volta-se a rir para o quadro onde escreve uns versos de Castro Alves. Nunca perdeu o seu ar de rebeldia e a sua costela provocatória!
Voltando a Machado de Assis, vale a pena elogiar a pessoa, ou o grupo de pessoas, que tinha o critério da escolha da importação dos livros no tempo do “Único”, pois importaram-se muitos livros do Brasil, dando a conhecer, José Alencar, Bernardo Guimarães, Olavo Bilac, Castro Alves, Graciliano Ramos, Jorge Amado e outros praticamente desconhecidos da maioria dos angolanos que se habituaram a ler depois da independência. Havia depois uns quantos opinativos, em que a configuração das orelhas não dava para colocar um lápis, que verberavam o que vinha para as livrarias, dizendo que só havia edições da Novosti e da Progresso, embora até houvesse lá uns quantos livros de um “desconhecido” chamado Saramago, que foi o único Nobel de língua portuguesa. Eu descobri livros que reli com o mesmo prazer que me deu quando os li pela primeira vez, como por exemplo “O Alienista” de Machado de Assis.
Continuando na saga de reedições, é excelente que tenham começado a reeditar “O Diário” de Miguel Torga (!907-1995), pseudónimo literário de Adolfo Correia da Rocha, meu antigo otorrinolaringologista, pessoa de ar austero, mas de lindas palavras, imaginadas muitas delas, num dos locais mais bonitos da Europa, em São Leonardo de Galafura, miradouro onde se avista toda a beleza e dureza das terras do Douro.
Já que se fala em reedições de coisas bonitas, o que o início da crónica não permitia antever, relembro que toda a obra de Aquilino Ribeiro está a sair ainda que paulatinamente, recomendável e quiçá encomendável.
Foi o Dr. Eugénio Ferreira, que me meteu o “bichinho “ do Aquilino, e nunca esquecerei que me emprestou “o Malhadinhas”, que li num ápice.
Aquilino Ribeiro, foi uma figura controversa da história de Portugal, sendo mais um combatente que um resistente, e que desde o estertor da monarquia ao dealbar do fascismo lutou sempre com tenacidade, pelos valores da liberdade, da solidariedade e da cidadania plena dos portugueses.
“Olhos brancos em cara portuguesa ou é filho da puta ou erro da natureza”, dizia Aquilino, e com esta acabo, numa crónica que foi feita por ter tido razão antes do tempo!
Fernando Pereira
14/09/2010
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