8 de março de 2023

ESCREVER NA ÁGUA / o Interior / 8-3-2023

 


ESCREVER NA ÁGUA

 

“Há sempre qualquer coisa que está para acontecer, qualquer coisa que eu devia perceber”

José Mário Branco “Ser Solidário”.

 

Há mais de quarenta anos que escrevo em jornais, revistas e em publicações diversas. Durante anos fui um profissional da imprensa, e nunca deixei de exprimir as minhas opiniões, apesar de por vezes as circunstâncias não serem as mais favoráveis para se escrever de acordo com o muito que havia para mostrar. É a vida!

Continuo sem saber exatamente o que se passa na transferência de competências da administração central para os municípios, e acima de tudo gostava de perceber como é que algo que vai mexer com tanta gente, alterar status quo prevalecente consegue ser ignorado entre os pingos da chuva de uma informação cada vez mais marcada pelo sensacionalismo e por agendas abastardadas por interesses que tem tudo menos a ver com o interesse público.

A transferência de competências tem trazido muitos problemas no País todo a pessoas, associações, IPSSs, municípios, etc. Não parece trazer à administração central que cada vez alija mais as suas responsabilidades para outros, num eufemismo do tipo de “espírito descentralizador”, “aproximar as estruturas dos cidadãos”, e outras estultices do tipo.

Nada disso. Perceber-se-ia o espírito mas quando se promove esta atabalhoada e rudimentar transferência esquecem-se dos recursos que existem, e o pior é que evitam lembrar-se que há recursos suplementares que tem que ser entregues para que os serviços transferidos funcionem, e que depois não andem nos habituais jogos de troca de acusações quando as coisas correrem mal, e tem tudo para correr muito mal.

Os professores, uma profissão indispensável em qualquer sociedade de exigência, tem estado na luta pelos seus direitos. No essencial estou de acordo, mas recuso-me a aceitar que uma das reivindicações seja não aceitar a municipalização do ensino, algo que já acontece na maioria dos países da EU. O argumento é algo torpe para com estruturas do poder local, de grande importância na Constituição da República de 1976, e reconhecidamente como fator de desenvolvimento da democracia e da liberdade.

O anátema que colocam sobre as autarquias é aviltante, porque infelizmente também há compadrio e corrupção na administração central, empresas publicas ou participadas pelo estado, pelo que o que acontece nas Camaras é só a extensão de tudo o resto. Os professores, que são respeitados pela grande maioria da população não devem partilhar as ideias de grupos de pessoas detratoras do estado democrático, e devem exigir que a sua luta seja para que as estruturas onde assenta a democracia sejam transparentes e organizadas.

Sobre os recentes desenvolvimentos da pedofilia da ICAR nada de novo e também sei que o futuro próximo vai tudo ser ungido com santos óleos e as mãos lavadas com água benta. O exemplo do PR a “engolir” o anel cardinalício não indicia nada a preceito. Há muitos anos que é assim.

Recomendo sobre o assunto o filme Spotlight - Segredos Revelados, de 2015, em que o tema são os abusos sexuais e pedofilia na Igreja dependente do Cardeal de Boston. Os jornalistas do “The Boston Globe” foram premiados com o prémio Pullitzer, neste grande trabalho de investigação que abalou a Igreja Católica nos EUA e no Canadá no dealbar do seculo XXI. Um dos melhores trabalhos de investigação do jornalismo recente, e que teve consequências invulgares num sórdido esquema de violação e pedofilia que a ICAR faz há seculos, sem que haja uma punição exemplar que possa dar exemplo que provavelmente há um estado laico a funcionar.

Como dizia um “trânsfuga” do Seminário do Fundão, o beirão Vergílio Ferreira: “Somos um povo de analfabetos. Destes há alguns que não sabem ler”.

 

Fernando Pereira

5/3/2023

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