2 de agosto de 2019

O Passado é um resto! / Ágora / Novo Jornal / Luanda 2-8-2019




O Passado é um resto!
Diógenes (n. 404 a.c.- m. 323 a.c) dizia que” entre os animais ferozes, o de maior mordidela é o delator, entre os animais domésticos, o adulador”, e a realidade vai-nos demonstrando quanto estava certo o “Cínico”, um homem que viveu no pior da indigência, calcorreando Atenas com uma lamparina acesa em busca de um homem honesto!
                Vai-se o cacimbo arrastando, e os assuntos vão sendo discutidos um pouco na base do quase defenestrar José Eduardo dos Santos e glorificar o novo inquilino do Palácio da Cidade Alta, João Lourenço. Pelo que vou vendo quem vai denegrindo um e santificando outro, são exatamente as mesmas pessoas que sempre fizeram isso, salvo as exceções que confirmam a regra!
                Um dos maiores da língua portuguesa, José Régio termina o seu “Cântico Negro” Não sei por onde vou, Não sei para onde vou ... Sei que não vou por aí!”. É mesmo assim, mais que assim, vou-me refugiar nas historietas por uns tempos!
                No dealbar da independência passeava despreocupadamente na Baixa de Luanda, num tempo em que se andava a pé, despreocupadamente e havia Baixa e até Luanda existia, e parei mais ou menos em frente ao Centro de Imprensa Aníbal de Melo, num estabelecimento de fotografia que havia do outro lado da rua, a velhinha “Foto Castro”. Olhei para uns escaparates empoeirados que ladeavam a entrada do estabelecimento, e entre muitas fotos que permaneciam fixas com pioneses enferrujados e amarelecidas pelo tempo encontrei lá uma minha, e durante muito tempo ela lá permaneceu ao lado de muitas outras que mais não éramos que o rosto do colonialismo derrotado pelas “forças populares”!
                Há quarenta anos devíamos ter os sessentas que hoje temos, para não termos feito tanto erro, e não ter hipotecado o País a uma geração que irá sofrer as consequências do nosso voluntarismo, alguma irresponsabilidade, muito oportunismo e sem respeito alguma pela causa publica! “Aos vinte anos reina o desejo, aos trinta anos reina a razão, aos quarenta o juízo” Albert Camus.
                A nossa geração, a que ia promover a igualdade construiu uma sociedade de profundas divisões e uma estratificação social em que os “Condenados da Terra” como dizia Fanon, são a maioria da população do País. Faz-me lembrar uma frase que sintetiza tudo isto: “Pai a pé, filho a cavalo, neto descalço”!  Não nos vamos livrar deste ferrete e continuamos a apostar nos mesmos birbantes que nos conduziram a tudo isto. Sinto que a nova geração tem toda a legitimidade de nos acusar de ter esbanjado recursos, destruir património edificado e natural, ter promovido a incompetência, e não lhes deixar um País solidário e que defenda os mais elementares direitos do cidadão! Nem história deixámos!
                Alguns da nova geração foram beneficiados porque tinham o “papá na algibeira”, e isso dava-lhes notoriedade social, umas passeatas, uns carros de alta cilindrada, mas no fim são a imagem acabada de um período que começou bonito, mas que se transformou num verdadeiro lodaçal, de onde não se vislumbra saída.
                Lembro-me de ver o Afonso Van Dunem M’Binda, ao tempo MRE de Angola estar junto ao passeio, em frente de sua casa em Alvalade, a um sábado de manhã a lavar o seu carro de serviço com uma mangueira, de calções, t-shirt e chinelos, dizendo adeus a quem o cumprimentava. Comentei na altura com um amigo que pontualmente vinha a Luanda dar aulas na faculdade de direito da UAN, com algum indisfarçável orgulho que “devia ser o único País do mundo onde o ministro da Relações Exteriores lavava despreocupadamente o carro na rua”. Tudo isso acabou, e as lavagens começaram a ser de coisas bem mais perigosas e ruinosas para o erário público.
                “Tenho o privilégio de não saber quase tudo. E isso explica o resto”, como disse Manoel de Barros e por isso a minha quota de responsabilidade na forma como entregámos o País às novas gerações é capaz de não ter sido muito grande. Não o  terá sido por participação ativa, na definição da estratégia ruinosa que se assistiu no pós-guerra, mas talvez tenha sido bem maior por omissão, que assume uma enorme dose de grande responsabilidade!
                Quando começam a faltar recursos e soluções discute-se a legitimidade da angolanidade de certas pessoas, mas objetivamente não é esse tipo de discussão que importa e aqui socorro-me de Marguerite Yourcenar: “O verdadeiro lugar de nascimento é aquele em que, pela primeira vez, se lança um olhar inteligente sobre si mesmo.
                Talvez um dia Angola seja um País viável e confiável!

Fernando Pereira
29/07/2019

Sem comentários:

Related Posts with Thumbnails