14 de agosto de 2015

Judeus em Angola / Ágora / Novo Jornal / Luanda 7-8-2015



Amiúde, ouve-se falar da vontade de António Salazar em instalar em Angola uma colónia de judeus, expulsos da Europa, na sequência da onda de antissemitismo que precedeu a segunda-guerra mundial.
Uma perfeita estultice esta afirmação repisada ao longo dos tempos. Eu ouvia-a frequentemente nos serões de minha casa, onde os meus pais e alguns amigos discutiam estes assuntos, e durante anos eu próprio ia defendendo esta inverdade.
A primeira ideia “consistente” de colonização judaica em Angola surgiu em 1915 pelo judeu russo Walter Terlo, apresentada no Almanaque Israelita, estabelecia a fixação no “Planalto de Angola”, mais propriamente em Benguela. Esta proposta teria surgido do republicano José Relvas no dealbar da Republica em Portugal em 1910, por proposta de emissários da Jewish Territorial Organization (JTO).
Este projeto era concebido pela JTO, que sondou parlamentares portugueses no sentido de instalar uma colónia judaica em Angola. Esta ideia já vinha de 1903, na sequência do pogrom contra os judeus ocorrido em Kishinev, na Rússia, em que se colocava como alternativa de refúgio o Uganda ou Angola.
Houve propostas concretas no parlamento português e só a instabilidade política dos anos da 1ª republica em Portugal impediram a aprovação dessa instalação pelas duas camaras, que concedia a naturalização e punha à disposição de cada judeu , que se apresentasse, 250 hectares de terreno cultivado.
Em 1917 o processo é abandonado e retomado em 1930, já no período de vigência da ditadura em Portugal. A 7 de Janeiro de 1934 o jornal britânico Daily Herald faz referência a uma pretensa autorização dada pelo governo português, à emigração de um número limitado de judeus para a colónia. O artigo, reproduzido no “Século”, que acabou por ser censurado pelo regime, noticiava ainda que Portugal não tinha “capacidade para colonizar a região” e que, por outro lado, não se adequando “os seus meios agrícolas obsoletos” às “necessidades de uma economia agrícola mecanizada”, esta deveria ser “instalada na colónia”.
O putativo artigo do “Século”, acrescentava que o governo estava disposto a assistir-lhes com empréstimos a fim de lhes permitir que se dedicassem a trabalhos agrícolas e outras indústrias, na condição de se naturalizarem portugueses e cumprirem serviço militar nas Forças Armadas Portuguesas.
Em Londres, o embaixador português recebia insistentes pedidos de judeus alemães para a instalação de uma colónia de judeus em Angola, lembrando que em 1912 o Parlamento Português tinha aprovado essa fixação, ao que o MNE português lembrava que para aprovar essa legislação ao tempo era necessária a aprovação das duas camaras, algo que não sucedeu, não passando pois de um projeto lei.
O então ministro dos Negócios Estrangeiros de Portugal Macelo Mathias, ia colocando alguma contenção no entusiasmo do embaixador em Londres relativamente ao assunto, pois Salazar e o seu regime viam com muitas reservas a presença de grupos de estrangeiros organizados nas colónias, mesmo com as promessas de avultados fundos por parte de Fritz Seidler e Ernest Meyer, representantes da JTO.
Como era hábito na diplomacia portuguesa ao tempo, prolongava-se o “nim” até onde fosse possível, e só já no fim de 1934 é que saiu uma circular para os consulados de Portugal a impedir que fossem “visados passaportes de cidadãos estrangeiros que quisessem exercer atividades económicas em Angola”. Objectivamente era para impedir qualquer veleidade por parte de grupos de judeus.
O argumento usado pelo governo da ditadura para recusar a criação de um colonato judeu em Angola, foi um argumento do medo de abrir um “problema semita”, com a entrada em Portugal de judeus, “cuja tendência nómada e diferenciação rácica e religiosa os tornam praticamente inassimiláveis”. Marcelo Mathias, MNE ao tempo, atribuía aos judeus “certo caracter comunista” que os tornara “suspeitos à maioria dos estados capitalistas”.
Era necessário ter em consideração a matriz ideológica da Constituição de 1933 e simultaneamente a componente religiosa subjacente à Concordata assinada entre Portugal e a Santa Sé, que incluía o Estatuto Missionário, para justificar as reservas mantidas por Salazar em relação a qualquer hipotética instalação de colonatos de judeus em Angola. Nunca terá visto com bons olhos esta remota hipótese, e só a sua diplomacia de contemporizar terá permitido alimentar ilusões a alguns, que nunca terão passado disso mesmo.
A presença da figura discreta, mas de uma influência impar na diplomacia portuguesa nas décadas de 30 e 40 de Luis Teixeira de Sampaio, um germanófilo assumido, que contribuiu decisivamente para cortar cerce algumas tentativas deste tipo por parte de Armindo Monteiro, por exemplo, ministro das colónias (1931-1935), ministro dos Negócios Estrangeiros (1935-1936) e embaixador de Portugal em Londres (1937-1943), ao tempo figura de primeiro plano na constelação salazarista.
Julgo ter contribuído para repor alguma verdade sobre um tema que tem trazido múltiplas discussões e afirmações perentoriamente erradas ao longo de décadas, mas que face aos documentos que entretanto estão disponíveis, tudo que coloquei está muito próximo dos factos ocorridos. Perante a teimosia dos factos nada a fazer!
Em breve tentarei fazer um artigo sobre a espionagem alemã na segunda guerra mundial em Angola, para se acabar também com algumas suposições!

Fernando Pereira
3/8/2015

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