12 de outubro de 2012

Caderno de Encargos I / Ágora/ Novo Jornal 246/ Luanda 5/10/2012




Passadas as eleições, empossados os eleitos, talvez não fosse má ideia começarmos a falar de como resolver os problemas do quotidiano do País.
O desporto angolano foi um catalisador maior para a edificação de Angola enquanto Nação, de afirmação plena no quadro dos países africanos, e mobilizadora de vontades e manifestações de enorme solidariedade por parte dos cidadãos nos momentos de muitas vitórias das nossas seleções nalgumas modalidades coletivas.
Os Jogos Olímpicos de Londres, neste Verão de 2012, evidenciaram o que muitos de nós vaticinávamos, alguns em surdina e outros, onde me incluo, de forma pública.
Penso que não vale muito a pena andar à procura dos responsáveis por esta situação, que infelizmente vai começar a repetir-se com regularidade nas futuras participações das nossas seleções, clubes ou atletas em modalidades individuais.
Num artigo que fiz neste espaço antes da deslocação da delegação olímpica, infelizmente antecipei o que efetivamente veio a acontecer, o que não me trouxe satisfação alguma, mas a vontade de ajudar a inverter um estado de coisas que, para não voltarem a dar os mesmos resultados, vão exigir uma década, no mínimo, de reflexão, empenho, trabalho, afirmação política e mobilização de muita gente.
Vamos começar a acabar com a linguagem do novo-riquismo. Na realidade, a Etiópia, o Uganda, o Quénia e até a Jamaica têm menos poços de petróleo que Angola, Arábia Saudita, Qatar e outros países, que acham que podem comprar tudo ... menos medalhas olímpicas, como se comprova no quadro de medalhados. Era bom que deixássemos de olhar para o nosso umbigo, e olhássemos antes para a presença da Africa do Sul, em termos desportivos, em competições internacionais, e não arranjássemos argumentos pueris para justificar a cada vez maior distância que nos separa deles.
Os discursos frívolos de muitos agentes desportivos devem ser substituídos por um trabalho aturado de planeamento, que passe, numa primeira fase, pela avaliação do que está a acontecer no quotidiano das crianças e jovens do País.
Vamos começar a falar verdade connosco próprios; a maior parte das crianças e jovens do País não frequenta a escola, pelo que o desporto escolar não pode servir de campo de recrutamento para a competição e ainda menos como trampolim para a alta competição. O que estamos a construir é uma sociedade de contornos perigosos porque, ao ideológico coletivo e gregário, substitui-se a máxima do liberalismo económico francês de François Quesnay (1694-1794) do “Laissez-faire, laissez-passer, le monde va de lui-même”. As crianças e os jovens proliferam em bairros socialmente degradados, em famílias destruturadas, e têm necessidade absoluta de sobreviver, num quadro onde as referências são poucas e nalguns casos desrecomendáveis. Terá que ser através do desporto que tem que se recuperar essa juventude, nem que seja só para a sua integração de cidadania plena, o que, convenhamos, já era um enorme avanço e um progresso assinalável para o País.
Fala-se de desporto escolar e da sua revitalização, e houve aí, de facto, um esforço valoroso ao ir buscar-se uma figura referente e maior da cultura física e desporto angolano: Ruy Mingas. Mas, na realidade, acho que nem ele vai conseguir inverter a situação actual. Para isso, exigem-se compromissos que obrigam a um cumprimento faseado e a ultrapassar vaidades pessoais ou interesses económicos de outra ordem. Só a autoridade moral de ter sido o grande obreiro da edificação da educação física e deporto no País poderá permitir ter-se alguma réstia de esperança para o êxito de um trabalho que tenho acompanhado e por saber do seu empenho e capacidade dificilmente inigualáveis.
(Continua no próximo jornal)

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