8 de junho de 2012

Escrever na areia./ Ágora/ Novo Jornal nº229/ Luanda 8-6-2012








Rui Ramos é um jornalista angolano que conheceu as agruras das prisões do colonialismo português, e na Angola independente voltou ao cárcere pois sempre se afirmou coerente na luta por uma sociedade angolana igualitária, em liberdade e democracia.
Hoje, reformado, depois de um percurso profissional por diversos órgãos da comunicação social, mantém viva a sua militância no MPLA. Há muitos que são hoje do “Maioritário”, mas Rui Ramos é convictamente do MPLA desde um tempo em que era muito difícil parecê-lo, quanto mais sê-lo.
Rui Ramos tem aproveitado o espaço e o alcance extraordinário das redes sociais para fazer um trabalho de pedagogia importante, mormente para as gerações de angolanos mais novos; tem colocado diariamente posts de particular interesse relativos à história recente do País, dos que lutaram num tempo em que era difícil fazê-lo, e ainda posts de cultura, etnologia, antropologia que começam a ter muitos seguidores participantes ativos nas discussões.
A ideia que vai prevalecendo entre alguns angolanos que participam em vários fóruns de discussão na blogosfera é a de que não tem sido feito um trabalho continuado para dar aos muitos que ajudaram a construir o País a visibilidade e a notoriedade que merecem, pois foram obreiros de um projeto que está aqui presente e dinâmico apesar das inerentes contradições.
Por vezes, há panegíricos desmesurados em relação a uma ou outra figura, mas isso não tolda o ambiente da discussão, aparecendo, pontualmente, um ou outro “desaguisado” verbal, algo normal nestes fóruns. Assiste-se a um interesse generalizado por parte do angolano em conhecer o passado do seu País. Podemos dizer que o acesso à internet é muito limitado por parte dos cidadãos, e os que o têm não representam o tecido social de Angola. Sobre isto não discordamos, mas há um fator importante que tem ressaltado, que se revela no quotidiano da população de Angola e que é salutar: a angolanidade é hoje tão presente como a necessidade de beber um copo de água.
Que o trabalho do Rui Ramos se multiplique para que a Angola sofrida seja conhecida da geração que felizmente usufrui da paz, democracia e liberdade.
Mudando de assunto, vem-me à lembrança uma história que se contava amiúde, nos anos sessenta, sobre dois médicos, na pacata cidade de Luanda. Na moralidade balofa do salazarismo, onde a prostituição era um devaneio de outros lugares, exigia-se às meretrizes que frequentavam cabarets e correlativos, estar na posse do cartão de sanidade actualizado. Aviltante da dignidade das mulheres, assumia contornos de racismo soez quando essa obrigatoriedade excluía nas colónias “as nativas”.
Na rua que ladeia a Igreja do Carmo, num prédio que tinha no rés-do-chão uma casa de desporto, propriedade de um pescador inveterado e campeão em muitas provas no território, havia um conjunto de consultórios, um dos quais o do médico que “fiscalizava “ as prostitutas finas; do outro lado, havia o consultório de um médico que, suponho, era dentista, e que fazia parte da lista de deputados de Angola à Assembleia Nacional portuguesa pela União Nacional.
Um dia, um casal reverente q.b. bate levemente à porta do médico das meretrizes: “ Boa tarde senhor deputado!”. O clínico diz: “ Desculpem, mas eu sou o médico do putedo, o meu colega da frente é que é o deputado”.
Se lerem isto cacofoniando, vão perceber da mesma forma como o Dr. Mário Soares, no seu francês “esmerado”, apresenta a esposa e a sogra num evento: “Ma femme et la mère delle”. Se não entenderem, paciência, peçam som!
Há muitas coisas que aparentemente «correm bem», não se desse o caso de estar trocado o tempo em que acontecem e o modo como acontecem, ou até as pessoas com as quais acontecem. Como escreveu Winston Churchill, «o jantar teria sido esplêndido se o vinho estivesse tão gelado como a sopa, o bife tão mal-passado como o serviço, o brandy tão velho como o peixe, e a criada tão disponível como a duquesa».

Fernando Pereira
5/6/2012

1 comentário:

Retornado disse...

Essa história "deputeda"! também se contava nos anos sessenta, sobre dois irmãos(Cardoso de Matos?), em que um deles bem comportado era deputado, o outro menos bom, antes pelo contrário era do putedo.

Hoje teríamos que inverter os termos, provavelmente.

Agora sobre o cartão de sanidade das meninas, olhe que em 1961 (?)o Salazar proibiu as "meninas" pretas e brancas ou qualquer cor.

Houve o antes e pós penincilina e depois que cada uma se desenrrascasse à-lá-portuguesa como habitualmente em tudo.

Isto, com Salazar como sem o dito, pois que já se morria de sida na América e cá, graças a deus, não sabíamos o que era isso, como se estivéssemos isentos.

Embora as meninas dos cabaret, que eram "empregadas de alterne, tinham, fossem brancas ou pretas um cartão de sanidade como qualquer empregado do comércio.

Era bom um post, já que se fala em putedo em Luanda colonial, sobre o B.O, brancas e pretas, lavadeiras e tropa.

Mas sem complexos de anti-selazarismo, caso contrário, os mais novos ao lerem, pensam que salazar ficava sentado na mesinha de cabeceira a tomar conta.

PS. A Rua do pescador era a Capelo e Ivens, ele tinha uma loja de artigos de pesca e organizava concursos de pesca na Barra do Cuanza.

Mas que vida levada da breca!

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