30 de março de 2012

Do Minho a Timor/ Ágora / Novo Jornal nº219/ Luanda 30/3/2012





"Entre os animais ferozes, o de mais perigosa mordedura é o delator; entre os animais domésticos, o adulador". Diógenes Laércio, o cínico.
Nestes últimos dias de Março de 2012 comemorou-se em Portugal, com alguma descrição diga-se em abono da verdade, os cinquenta anos da maior repressão policial que há memória sobre os estudantes portugueses, e que no léxico da resistência ao fascismo e colonialismo foi apodado de “Crise de 1962”.
O “acto” central foi Lisboa, embora o rastilho tivesse sido Coimbra, onde um conjunto de estudantes universitários na defesa da sua associação tinha sido preso pela PIDE. As razões de solidariedade acabaram por servir de mote à contestação ao regime e a um apelo à democratização, ao fim da guerra colonial e a implantação de um regime de liberdade.
A polícia de choque sem motivo justificado invadiu a cantina universitária, outros espaços da Universidade de Lisboa, e depois de inusitada violência prendeu um conjunto significativo de estudantes, entre os quais Jorge Sampaio, que anos mais tarde foi Presidente da Republica, entre outros que se foram notabilizando na vida política, social, cultural e cívica de Portugal.
A carga foi tão descabelada que o próprio reitor, o professor Marcelo Caetano pediu a demissão depois de exigir a saída da guarda pretoriana de Salazar, das instalações da universidade.
A participação de estudantes angolanos neste movimento foi relativamente insignificante, pois muitos já tinham optado por “dar o salto” para integrar os movimentos de libertação das então colónias, e os poucos que restavam reservavam-se pois desde o 4 de Fevereiro de 1961 eram olhados sempre com particular suspeita pelas autoridades.
Ontem como hoje, há manifestações boas ou más, consoante o ponto de vista, mas há pelo menos uma coisa que julgo que todos temos que estar de acordo e tem a ver com a condenação pela brutalidade excessiva das forças de intervenção, pois inevitavelmente só aumenta a razão dos que protestam.
Evocar os dias de Março de 1962 é também lembrar que 40% da população da então Metrópole era analfabeta, nas colónias era de 92% e o acesso à universidade só era possível aos filhos dos que dispunham de uma situação económica confortável. A realidade é que curiosamente também foram eles a cavar a sepultura de um regime que aparentemente os protegia.
Não sei o que será Timor-Leste depois da saída de Ramos Horta da presidência da Republica, mas pelo menos uma coisa talvez venha a saber: o pior que lhe podia suceder era ficar igual.
Fui durante anos um entusiasta da luta de Timor-Leste contra o regime de Suharto, mas nessa quase militância conheci uns poucos timorenses e a maioria deles muito mal formados. Em Angola tivemos alguns que não souberam aceitar a generosidade do País, que aliás era magnânimo até para alguns movimentos que pouco representavam em certos países.
Um dos exemplos flagrantes da falta de sentido patriótico dos dirigentes da resistência timorense foi uma reunião de vários dias num hotel de Peniche em 1998, já no estertor da presença indonésia no território, onde nem um documento mínimo conseguira apresentar, o que deixava transparecer dificuldades inultrapassáveis numa futura nação.
A demarcação de Ramos Horta e de Xanana Gusmão da Fretilin nunca foi muito bem explicada, e depois de manigâncias várias para a afastarem do poder, são cúmplices num dos maiores embustes da política democrática ao arredá-la da governação, quando foi o partido mais votado em eleições livres, tendo sido formado um governo de alianças espúrias entre partidos menores.
Timor-Leste começou a ser cobiçado pelas riquezas naturais na sua zona económica exclusiva, mas a realidade é que a população continua com os níveis de indigência que tem desde os tempos da presença de Portugal.
A Igreja timorense fortemente implantada nunca explicou o afastamento do Bispo D. Martinho Lopes da Costa, que morreu na miséria em Portugal, e da resignação intempestiva de Ximenes Belo. A Igreja não é uma democracia e não tem nada que explicar, mas também não tem nada que se imiscuir em assuntos de estados laicos. Um País que nasce de joelhos tem que fazer um esforço maior para se pôr de pé.
Talvez Timor-Leste acabe finalmente com trocas e baldrocas politiqueiras em que Ramos Horta e Xanana foram os rostos mais visíveis e se encare o progresso como alternativa coerente e viável ao determinante que o timorense tem que ser eternamente pobre.
Só se pede aos timorenses que não sigam o provérbio português: “Guarda o que não presta, encontrarás o que precisas”.

Fernando Pereira 26/3/2012

2 comentários:

Domingos disse...

Olá "camarada",
Parabéns pelo teu trabalho e pela tua assiduidade. Como politico "historiador" tens que investigar mais antes de escrever. Só o tema da "Crise de 62-63" dava pano para mangas e assunto para 3 ou 4 jornais.
Os restantes que abordas de raspão,são outras estórias.
Um abraço.
Luís Carlos

Retornado disse...

Mas se tantos estudantes de 62-63 serviram o Estado Novo, como Alferes Milicianos, como médicos no ultramar, até como Secretários de certos ministérios como Jorge Sampaio e Cravinho e outros, aquele movimento estudantil, disfarçadamente não teria dado mais vida ao Estado Novo?

É que apareceu tanto antigo estudante daqueles que a PIDE incomodou muitas vezes, celebrando a data, que até parece que calaram aqueles que a PIDE incomodou só uma vez.

O certo é que o Estado Novo prolongou-se quase 6 anos alem da conta, desde que o seu autor caiu da cadeira.

E de certeza que não foi com os dirigentes governamentais de 4ª classe.

Sobre Timor, pouca gente saberá ou se lembrará, que em 1959 houve deportados políticos timorenses para Angola, mas não eram cristãos, mas todos por Maomé.

Será que foram os bispos ou seminaristas como Xanana que os denunciaram?

O império teceu cada uma!

Cumprimentos

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