2 de setembro de 2011

MÁRIO PALMA: A SUSTENTÀVEL IDEIA DE VENCER / Novo Jornal / Luanda 2-9-2011




O Novo Jornal (NJ) deslocou-se a Coimbra para entrevistar Mário Palma, o mais titulado dos treinadores angolanos, que levou a selecção portuguesa pela segunda vez na história do basquetebol luso à fase final do campeonato da Europa de basquetebol, a disputar na Lituânia.

Esclareça-se que esta entrevista foi feita durante a primeira fase do campeonato africano de basquetebol a disputar em Madagáscar, e a pedido do entrevistado evitou-se que se fizesse qualquer referência à selecção angolana que defende o título.

NJ- Mário Palma recorda-se o título de 1980, que afinal foi o primeiro de 27 títulos conquistados em Angola, entre os quais seis campeonatos africanos seniores?

MP- Lembro-me perfeitamente desse campeonato africano de juniores em 1980 pelo entusiasmo de jogadores, técnicos, dirigentes e publico que permitiu que Angola conquistasse o seu primeiro campeonato continental, que foi um poderoso incentivo para colocar o basquetebol como a modalidade de maior visibilidade no País. Quem pode esquecer aquela final épica na Cidadela?

NJ- Regressa ao “1º de Agosto” num dos momentos piores do clube no contexto dos campeonatos de basquetebol. Admite que é um desafio com alguns contornos de risco?

MP- Quem anda em competição sabe que há momentos em que se ganha e momentos em que se perde; Faz parte do nosso quotidiano de treinador, e quando temos razões de sobra que o nosso trabalho é sério, é apoiado, é profissionalmente assumido com muitas certezas que ao longo da carreira se tornaram inabaláveis, permite-me aceitar o desafio num contexto que certamente iremos dar muitas alegrias a um clube para quem tenho uma dívida.

NJ- Dívida? Explique lá isso.

MP- Em 2005/6 pela 1º vez em toda a minha vida senti que desiludi todos que comigo trabalhavam, principalmente os jogadores e pessoas do clube com quem tinha grande afectividade. Conjugaram-se uma série de factores desde problemas de saúde, aliado a um desequilíbrio emocional , que não conseguia dar-me uma estabilidade indispensável para um trabalho profícuo e que desse ao clube os títulos que todo o seu empenho na modalidade exigiam.

NJ- Não estará à espera que o seu regresso seja do agrado de todos?

MP- Claro que não, e não seria desejável que isso acontecesse, pois o monolitismo é sempre redutor em todas as vivencias colectivas, e só a divergência e a crítica permite melhorar o nosso desempenho no campo profissional e no nosso comportamento inserido numa sociedade de valores onde a seriedade e a ética tem que ser traves mestras de todo o edifício onde vivemos. Regresso a Luanda disposto a trabalhar e promover algum debate, porque os meus quarenta e cinco anos de Angola atribuem-me responsabilidade que acho que não devo alijar. Não estou disposto a abrir guerras pueris, mas também não estou disponível a que ser alvo de avaliações soezes de carácter, quando a única crítica que tenho que admitir tem que ser fundamentadas pela discordância das minhas opções em jogo, pois sou um técnico qualificado, e digo-o com justificada vaidade que tenho um palmarés que poucos a nível mundial se orgulham de o ter.





NJ- Voltando ao seu regresso ao “1º de Agosto”, que expectativas traz, quando já ganhou no clube tudo que havia para ganhar enquanto técnico?

MP- Costuma ser lugar-comum dizer-se que não se deve voltar ao lugar onde se foi feliz. Nunca devia recusar o convite feito para continuar às pessoas que insistiam comigo para ficar em 2006 e aos que afectivamente estou ligado .O Lutonda dizia insistentemente: “ O Prof não pode sair daqui” e expressava bem o carinho de todos, que eu provavelmente ao tempo avaliei de forma demasiado superficial, mas foi assim!
Quero colocar o “1º de Agosto” no seu lugar de topo no basquetebol angolano e quero ajudar a desenvolver estruturas que ajudem o clube a renovar-se e simultaneamente a formar jogadores, técnicos e dirigentes que o potenciem como o maior clube angolano de basquetebol.

NJ- O Mário Palma está a dar uma entrevista defensiva, sem querer falar do basquetebol angolano, selecção, clube e técnicos, a maior parte dos quais trabalharam consigo enquanto jogadores e começaram consigo como técnicos.

MP- Admita que seria deselegante da minha parte fazer abordagens críticas à FAB, à selecção, a técnicos ou jogadores, isto para me circunscrever aos agentes activos do basquetebol. Tenho as minhas ideias, partilho pontualmente as minhas concepções, mas acho que não é importante para o basquetebol angolano abrir guerras artificiais, autofágicas que apenas beneficiam os nossos adversários e fragilizam o muito de bom que se tem feito no País no domínio desportivo. Penso que por vezes exigir-se-ia à FAB uma melhor política de comunicação, de forma a dar visibilidade a um trabalho esforçado e dedicado do Gustavo da Conceição e seus colegas de direcção.
Conheço três gerações de jogadores ganhadores de Angola, treinei a maior parte deles, naturalmente que tenho que ter opinião, o que não devo é antes de chegar mandar recados, porque isso seria uma prática condenável. Admito sem rebuço que o Olimpio é potencialmente um dos melhores jogadores do Mundo na posição 2, como Lutonda que tem 40 anos e o Carlos Almeida deveriam ter sido convocados para a selecção nacional. Está a ver que não fujo a nada, mas há momentos para tudo, e este é o momento para regressar e trabalhar no propósito de alcandorar o 1º de Agosto aos patamares cimeiros do basquetebol africano.

NJ- E a selecção de Angola? Pensa um dia voltar a sentar-se como timoneiro da selecção?

MP- Sou um profissional de basquetebol, já passei por muito sítio, por isso nunca ponho de lado a hipótese de novos desafios ou repetir situações vividas com sucesso. Neste momento tenho um contrato com a selecção portuguesa que termina em Setembro de 2012. A selecção de Angola tem um corpo técnico a trabalhar, por isso parece-me extemporânea a pergunta. “ O Caminho faz-se caminhando” como dizia o poeta espanhol António Machado.

NJ- Na minha opinião já devia ter sido dada a nacionalidade Angolana ao Mário Palma, não apenas pelas suas décadas em Angola, mas também por ter sido obreiro de grandes alegrias que Angola vem vindo a ter em termos desportivos há trinta anos. Que expectativa leva para uma Angola, diferente da que deixou em 2006?

MP- Gostava de ser cidadão angolano, e também partilho consigo a ideia que o mereço, mas isso não me cabe a mim resolver, ou melhor talvez venha a pedi-la, porque afinal sempre aqui vivi e o tempo que cá não vivi, vivia por aqui.
No meu regresso vou gostar de visitar o País todo sem constrangimentos de qualquer ordem. Ir por estrada a locais onde já não vou há mais de trinta e cinco anos e que me marcaram na minha juventude vivida numa Luanda crioula dos anos 50 e 60. Vai ser um complemento excelente do basquetebol e revigorante para mim que sempre quis ver este País em paz e a desenvolver-se como parece acontecer a um ritmo interessante.

NJ- Muito obrigado e felicidades no seu “Reviver o passado no 1º de Agosto”, e fica já aprazada nova conversa no fim da época para uma avaliação.

Fernando Pereira
Hotel Tivoli Coimbra 22/8/2011


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