26 de setembro de 2009

Algumas Malhas que o Império Teceu/ Ágora / Novo Jornal / Luanda/ 25-09-09


Numa das recentes edições deste jornal, vieram um conjunto de artigos sobre a falência do projecto de Aldeia Nova, no município de Waku-Kungo.
Não me surpreende esta situação, pois em Waku-Kungo aproveitaram-se recursos físicos de um projecto que foi um sorvedouro de dinheiro no tempo colonial, sem contrapartidas, aliado ao conceito de kibutz, que em Israel se revelaram um fracasso económico e social, só mantido por questões de natureza política.
Na fase de arremedo socialista de Angola, e no ano da agricultura, resolveram fazer-se experiencias que não lembravam a ninguém, e também o fracasso económico foi uma evidência ao fim de pouco tempo, com experiencias búlgaras de discutível natureza até do ponto de vista do equilíbrio ambiental.
A Cela, tal como a Matala, foram uma “exposição do Portugal rural dos tamancos” nos trópicos, patrocinado pela propaganda do Império Colonial. Santa Comba, em homenagem ao sinistro Salazar, era o centro de um conjunto de aldeias, que começaram por sorver e talvez em premonição assim se há-de manter. No tempo colonial, não sei se por caturrice, por onirismo, por onanismo patriótico ou por laivos de nescialidade, insistiu-se nos colonatos do tipo do sec. XIX. Uma colónia Amish na África Austral, até que não devia ficar mal nos conceitos bafientos do centro decisório do Império! Sobram exemplos maus para não se bater na tecla errada de novo!
Já que começámos a falar de heranças más, lembro que uma que se perpetuou ao longo do tempo, e tem a ver com a entrava massiva de familiares em determinados lugares quando alguém da família ascende a uma estrutura de direcção. Contava-se nos anos 50, que no Porto do Lobito, entrou um funcionário superior de apelido Rato, e nos meses seguintes entraram quatro Ratos para esse serviço, tendo o director do Porto, perguntado “se com tanto Rato não seria melhor admitir um gato para dar conta desta rataria”!
Ainda no mesmo contexto, houve um governador-geral que polvilhou a administração pública de muitos afilhados, até que quando vagou o cargo de arcebispo, a piada que constava em Luanda era: “Bem, aguentem a vaga, tenho um primo seminarista lá na santa terrinha que está quase padre…”
Nos anos 40 circulava pouca moeda em Angola, e os comerciantes utilizavam o chamado “vale”, ou a caderneta de débito (ou “aponte”).
Um vale era um pequeno papel, situação aparentemente privilegiada para o devedor, pois podia perder-se com facilidade, onde escrevia: Vale 12 angolares, punha assinatura, a data e podia levar a mercadoria. O pagamento era para as “calendas gregas” , ou dia de S. Nunca.
Contava-se uma piada de que um comerciante não conseguia acabar com os ratos que lhe dizimavam a mercadoria no armazém. Eram segundo a terminologia oficial, colonos ratos. Eram espertos, vorazes e começaram a “explorar as riquezas do País”. Alguém o aconselhou a colocar um pedaço de queijo na ratoeira, mas como na década de 40 não se fabricavam queijos industriais, ele seguindo o processo mercantil em curso, colocou na ratoeira um vale onde escreveu: 1 queijo; No dia seguinte foi lá e estava no local, um vale que tinha escrito 1 rato.
Agradeço algumas destas histórias ao Luis do Chinguar, mas há uma que aconteceu comigo em N’Dalatando, quando lá fui a um casamento. Numa sala cheia de gente, chamou-me à atenção, um idoso, branco, vestido com um fato algo antiquado, e que destoava de todo da generalidade dos convidados.
Disseram-me que era Santos Diniz, um colono que terá sido dos maiores do norte de Angola no tempo colonial, e que resolveu ficar “porque já tinha saído da terra há quase 60 anos”. Depois de uma conversa interessante, já que tínhamos conhecidos comuns, ele pergunta-me: “Sabe, camarada Fernando Pereira, qual a diferença entre uma cobra e um cantineiro?”; Disse que não, e nem esbocei pensar nalguma resposta! SD disse-me então “A cobra não tem orelha para colocar o lápis”!
Sei que morreu passado pouco tempo, mas nunca mais esqueci esta conversa, com o dono dos “DINIZES” , onde conheci o Barrigana, grande guarda redes do FC Porto recentemente falecido, então treinador da equipa “que mais cerveja bebia em Angola”, pois deslocava-se num autocarro Mercedes ao Moxico, a Tombwa, enfim a todo o lado, já que só Luanda, o Negage e o Uige eram mais perto.
As malhas que o Império foi tecendo!

Fernando Pereira
20/9/09

2 comentários:

mafegos disse...

Explica-me a ver se eu entendo,
a cela não tinha a maior fabrica de laticinios,provavelmente de Africa?
Os colonos a quem eram dadas terras,viviam do leite que vendiam e da carne.Lembro-me que quando ia até Nova Lisboa era normal ter que parar para deixar passar as milhares de cabelas de gado que existiam na época.
Penso que não estas a ser justo porque se a coisas que acho que Portugal fez bem foi essa.
Adorei essa do Rato,infelizmente continua tudo igual.

septuagenário disse...

Havia tantas histórias nessa terra que a natureza fez fabulosa, mas que os portugueses dentro da sua proverbial falta de modernidade ajudaram os angolanos a transformar numa das regiões onde melhor se vivia em toda a África,
que não resisto a contar aquela em que o "Diogo Cão, logo que desembarcou em Luanda, mandou o corneteiro tocar a saque" e até hoje, "anda-se à procura do corneteiro para tocar a parar o saque e o CORNETEIRO NÃO APARECE".

E dentro do senso de humor colonial, pode-se contar uma infinidade de anedotas, que neste momento assentam que nem uma luva.

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