17 de setembro de 2011

Minhas coisas, palavras de outros!/ ágora/ Novo Jornal nº191/ Luanda 16-9-2011





Flaubert, um persistente estudioso da estupidez humana, concluiu ao cabo de anos de aturada investigação: "Estupidez, egoísmo e boa saúde são as três condições da felicidade; se bem que, faltando a estupidez, tudo estará perdido."
“Os dois Cês do momento - Caciquismo e Carreirismo:
1ºCê: Caciquismo
O Imperador logo de manhãzinha arrastava a figura de dinossauro e dava bons dias a si mesmo diante dos espelhos.
Perguntava: Espelho, fiel espelho, onde é que neste reino houve alguém que desafiasse o tempo como eu?
Jamais, Senhor, jamais. A vida regrada, o saber e a palavra tornam o homem Imortal, respondiam os espelhos ensinados”.
José Cardoso Pires, Dinossauro Excelentíssimo, Bertrand, Lisboa-1972 (pag. 74)
2ºCê: Carreirismo
“Após ter surripiado por três vezes a compota da despensa, seu pai admoestou-o.
Depois de ter roubado a caixa do Senhor Esteves da mercearia da esquina, seu pai pô-lo na rua.
Voltou passados vinte e dois anos, com chaufeur fardado. Era director Geral das Polícias. Seu pai teve um enfarte”. – Página 19 das Contas de Gin Tónic de Mário Henrique Leiria.
Porque hoje estou com duvidoso discernimento para falar de muita coisa que ocorre ou ocorrerá, e ao mesmo tempo falta-me motivação e palavras. Há momentos assim quando se aproxima o dia em que temos que entregar a crónica, e por muito que tente nada flui com a necessidade de me fazer entender perante os poucos que me vão lendo, onde naturalmente tenho os meus detractores de estimação com assídua e aturada presença.
Li um livro que saiu editado pela Leya da jovem jornalista portuguesa Rita Garcia, “S.O.S. Angola, os dias da Ponte Aérea”, e sinceramente a única coisa que me moveu para o acabar foi a certeza de vos poder dizer com toda a frontalidade, evitem-no .
Paupérrimo na abordagem, nada diferente dos livros que “enxamearam” os quiosques lisboetas no fim dos anos setenta, e que invariavelmente acabaram guilhotinados porque nem quase de borla as pessoas se arriscavam a adquirir. Rita Garcia, pode vir a fazer melhor, mas julgo que se o quiser, terá que procurar melhores interlocutores porque a maioria dos que ali foram citados só empobrecem qualquer argumento, tendo em conta o “lixo” que em tempos publicaram.
Fico a aguardar o último livro do português António Lobo Antunes, que julgo estar a sair e o tema tem a ver com o MPLA e a guerra colonial, e ainda um outro de contos do luso-angolano-brasileiro José Agualusa, que resolveu recentemente voltar à liça com uns despropositados dislates, que nada tem a ver com os seus interessantes trabalhos literários, que aprecio.
“1948: O meu pai foi às finanças fazer um requerimento, e como de costume fez questão de que eu o acompanhasse.
Para “aprender a vida”
Em casa explicou-me minuciosamente a fórmula e o motivo do requerimento. No fim meteu dentro da folha uma nota de cinquenta escudos, e disse-me: “Esta é a parte mágica da fórmula. Quando tiveres um pedido a fazer, já sabes, o segredo é este.
Passados uns meses enviei a minha primeira declaração de amor, e como 50 escudos era para as minhas posses, juntei uma moedinha de vinte e cinco tostões. Nunca tive resposta, decerto foi por ser tão pouco”. In Alberto Pimenta/ Repetição do Caos – Edições & Etc.
Hoje foi assim porque nem sempre estou assim, raras vezes sou assim!

Fernando Pereira 12/9/2011

JOGOS DA ÀFRICA CENTRAL, UM MODO DE TER ESTADO!/ Novo Jornal nº 191/ Luanda 16/9/2011






“Dentro de momentos, num acto pleno de significado, o Presidente da Republica Popular de Angola, declarará solenemente abertos os IIºs Jogos da África Central, manifestação que representa o vértice da actividade da Zona de Desenvolvimento Desportivo nº4 do Conselho Superior dos Desportos de África.
A realização destes jogos em Angola não acontece por acaso, nem é fachada vistosa que utilizamos para esconder as debilidades dum desporto sem princípios, sem organização e sem praticantes. E nem persegue sequer outros objectivos do que aqueles e bem generosos eles são que norteiam as relações desportivas internacionais, particularmente entre os Países do nosso continente”
Há trinta anos, 20 de Agosto de 1981, Ruy Alberto Vieira Dias Mingas, ao tempo Secretário de Estado de Educação Física e Desportos, e Presidente em exercício da Zona 4 do Conselho Superior dos Desportos de África, com estas palavras inicia o discurso de abertura da maior manifestação desportiva que há memória no País.
A realização dos 2ºs Jogos da África Central surge em Angola cinco anos depois dos primeiros em 1976 em Liberville, onde a então R. P. Angola participou como convidada.
Angola candidata-se em 1979, já com a equipa liderada por Ruy Mingas na ex-SEEFD a organizar em Angola os Jogos da África Central e simultaneamente a RPA fica com a sede da 4ª Zona de Desenvolvimento desportivo em África. Era secretário geral, o saudoso Fernando Matos Fernandes acolitado por um “espalhafatoso” André Milton Kilandamoko, controversa figura que em 1992 concorreu à Presidência da Republica de Angola e instado a responder pelo desvio de umas dezenas de milhares de dólares no Secretariado da Zona 4, respondeu com o seu proverbial à vontade: “ Os angolanos nunca conseguiram crescer e passar daqui, quando numa hora importante como esta se preocupam com miudezas”.
Logo que se teve conhecimento que seria Angola a organizar os jogos, mobilizaram-se vontades, motivaram-se pessoas e entusiasmaram-se os agentes desportivos e políticos de uma Republica Popular de Angola imberbe em termos de organização, mas excessivamente voluntariosa no querer participar em prol de conquistas políticas então alcançadas.
Simultaneamente começaram a fazer-se os planos mais hiperbolizantes para os jogos, algo recorrente nas organizações de eventos desportivos recentes em Angola.
Luanda, Benguela, Lubango e Huambo seriam os locais onde se iriam realizar os jogos, numa primeira triagem depois de se ter conseguido convencer os delegados provinciais de outras províncias que não haveria lá jogos, mas talvez jogos de preparação ou estágios de selecções pudessem por lá acontecer. As promessas inerentes às circunstancias!
As propostas de reabilitação de complexos desportivos, de infra-estruturas aeroportuárias, hoteleiras e urbanas eram de uma dimensão de tal forma empolada que para ser tudo levado a bom termo exigia-se que tudo tivesse começado no mínimo dois anos antes.
Piscinas novas ou reequipadas, campos de futebol relvados, pavilhões, centros de estágio, hotéis, edifícios públicos, tudo seria objecto de requalificação ou construção de raiz.
Com a aproximação da data dos jogos, muitas das propostas foram caindo e aí o Ruy Mingas e os seus próximos passaram a decidir com o argumento dos factos e do calendário, embora o seu dinamismo e a sua capacidade de mobilização e entusiasmo nos motivassem a todos, obrigando-nos a superar problemas que em determinadas circunstâncias pareciam-nos irresolúveis.
Algo que muita gente não sabe é que os jogos estavam para se realizar de 20 de Julho a 3 de Agosto de 1981, e o Ruy Mingas num dos últimos dias de Janeiro reúne-nos, depois de uma reunião do conselho de ministros e comunica-nos a decisão de adiar o início dos jogos um mês. Saíram da reunião vários grupos que visitaram todos os Países envolvidos e que entregariam a carta aos titulares dos cargos reitores do desporto com os argumentos ponderáveis para a alteração do evento, que não levantou o menor obstáculo por parte de ninguém. Não se deslocou ninguém ao Tchad, que ao tempo vivia uma guerra civil entre as forças partidárias de Hissène Habré e do presidente Goukouni Oueddei.
A realidade é que apesar do ciclópico trabalho e à medida que o dia se aproximava sentia-se que os jogos iriam ser um êxito, como realmente foram mesmo, por muito que se tente omitir esse facto.
A determinada altura descartou-se o Lubango e Benguela como locais dos jogos, perante o desalento do dinâmico delegado desta província, Victor Geovetti Barros.
Restou Luanda, onde em oito dias teve que se mudar o terceiro tartan da Cidadela, e o Huambo, que apresentava problemas de segurança complicados, como se observou no decorrer de estágios de preparação de diferentes selecções de Angola, como basquetebol (masculino e feminino), futebol e boxe, a maioria das quais alojadas no antigo Hotel Mondego, transformado em Casa do Desportista, junto ao Bairro de S. João.
Alojar, arranjar a logística apropriada, apoio médico, transporte de mil e trezentas pessoas entre atletas, árbitros, dirigentes, etc. foi uma tarefa particularmente complicada num País que ao tempo vivia dificuldades enormes.
Mobilizar voluntários para quadros humanos, apoio a delegações, tradutores, Intérpretes, comissários de provas, secretariado, em suma um conjunto de gente que garantisse o normal funcionamento dos jogos e simultaneamente conseguisse manter níveis de organização aceitáveis para a realização do evento pôs à prova a capacidade de organização do País.
Ruy Mingas seria naturalmente o principal responsável por um eventual fracasso dos Jogos, na realidade como correram bem houve a normal partilha dos louros. A forma brilhante como geriu esses tempos nunca poderá ser obliterada, muitas vezes tendo que vir a terreiro apagar fogueiras que as circunstancialmente se ateavam aqui e ali, conseguindo unir as pessoas pelo afecto, pela confiança, pela identidade de pontos de vista e pela bonomia que colocava em todo o seu relacionamento connosco.
A sua equipa, onde com muita honra participei não pode ser esquecida nesta singela passagem destes trinta anos da realização dos 2ºs jogos da África Central. Sardinha de Castro, Helder Moura, Paulo Murias, José Martins, José Cohen, Franklim Dias, Espírito Santo, Raquel Grácio, os já desaparecidos Juca Figueiredo, Sande Lemos e Matos Fernandes, entre alguns outros que o tempo faz desmemoriar.
Quando o falecido Evaristo Domingos Kimba, na qualidade de comissário provincial de Luanda faz o seu discurso de boas vindas aos visitantes passa a contribuir com um novo léxico: “ Atletas e atletistas, bem vindos a Luanda”!
A Cidadela nesse dia 20 de Agosto de 1981 engalanou-se a preceito para receber os atletas do Burundi, Rwanda, S. Tomé e Principe, Gabão, a então Republica do Zaire, Republica Popular do Congo, Tchad, e Camarões. A Republica Centro-Africana não compareceu por razões políticas e económicas, e a Guiné Equatorial não deu qualquer justificação para a ausência.
Como não se conseguiu acabar o estádio fizeram-se intervenções interessantes que acabaram por não ser perceptíveis para os que encheram o Estádio nesse dia pouco soalheiro de Agosto.
O presidente José Eduardo dos Santos declarou abertos os jogos depois dos discursos de Ruy Mingas, Evaristo Kimba e da atleta Filomena Maurício ter ateado a tocha na pira situada num dos extremos do estádio. Convém recordar que o ministro centro-africano dos desportos Georges Petro—Koni-Zeze, presente na abertura dos jogos já estava demitido das suas funções por causa de um golpe de estado que decorria em simultâneo.
A cerimónia de abertura e encerramento dos jogos foram inesquecíveis pelo colorido emprestado pelas delegações, a garridice dos quadros humanos e a coreografia perfeitíssima de todos os executantes, mobilizados nas escolas de Luanda, e que tão boa conta deram de si.
Durante treze dias Luanda transfigurou-se com o bulício dos jogos, não só pelas actividades desportivas que “calcorrearam” as ruas da cidade, nomeadamente em modalidades como o ciclismo e o atletismo, na sua disciplina de maratona, como também no movimento de atletas entre locais de alojamento, jogos e treinos.
Desportivamente Angola ganhou apenas sete medalhas de ouro, muito longe dos Camarões que ganharam 28, o Congo com 9 e o Gabão com 8, mas a realidade é que fomos vencedores porque conseguimos organizar uns jogos de grande competitividade e com o elevado espírito organizativo que muito nos orgulha.
Angola foi muito grande, e convém recordar que em boxe foi medalha de ouro José Paulo Mohongo (48kg), Eduardo Candido (71 Kg), em Judo João Merino (71kg) e no atletismo o bis de Bernardo Manuel (5000 e 10.000m), António Reais no Martelo e José Ernesto na Maratona.
Um dos momentos de grande simbolismo retratado pelo Carlos Pinhão nas páginas da “Bola”, terá sido quando o antigo recordista “português” do salto em altura Ruy Mingas coloca a medalha de prata no peito do então recordista angolano Orlando Bonifácio. Bonitos e assertivos os textos do saudoso Carlos Pinhão na “Bola”!
Atletismo, Futebol, Andebol, Boxe, Ciclismo, Voleibol, Judo e Basquetebol foram as modalidades dos Jogos, com participação entusiasmada de atletas e com forte presença de público, que não queria perder pitada dos eventos desportivos e da componente cultural associada, que trouxe muitos artistas africanos de renome a Luanda.
Se tinha que se fazer um esforço enorme para arranjar locais para disputa dos jogos, as dificuldades eram acrescidas para os treinos das equipas. Acrescente-se a tudo isto a disparidade horária das refeições, os transportes das equipas na cidade e o alojamento disperso por vários locais, para além de se salvaguardarem as condições dos árbitros, técnicos, médicos, dirigentes federativos e governamentais, dirigentes de confederações internacionais de diferentes modalidades, jornalistas e gente da imprensa. Admita-se que tudo conseguiu correr quase na perfeição, o que era completamente impossível de prever quinze dias antes, em que a placa do aeroporto 4 de Fevereiro parecia um acampamento com o descarregar de material diverso, alimentação, atoalhados, equipamento desportivo, tudo o que se achava que seria importante para que os 2ºs Jogos da África Central corressem bem.
O que acabou por ensombrar os jogos, nada teve a ver com a sua organização. A 23 de Agosto de 1981 a Republica Popular de Angola é invadida pelas tropas da África do Sul na sua fronteira com a Namíbia, ocupando 250km para o interior do País. Foi a ofensiva que acaba por marcar de forma indelével o princípio do fim do apartheid, pois a partir desse dia a comunidade internacional endureceu de forma significativa a sua posição contra o regime racista sul-africano.
Desapetece-me fazer extrapolações que ultrapassem a razoabilidade, mas se há algo que não bate a “bota com a perdigota”, como dizem os portugueses, são as razões que levam um regime a endurecer a sua posição militar num momento em que a visibilidade sobre Angola era grande, pelo facto de se estarem a disputar jogos com muitos Países africanos, com muitos atletas prestigiados e com a presença de muito profissional da informação. Há muita coisa que se despercebe na política internacional, mas na realidade esta ofensiva militar neste momento parecia ilógica! Comentou-se que Angola saberia previamente dessa situação e marcou os jogos para essa altura, para recolher benefícios no campo da diplomacia. Foi um dos múltiplos cenários que se colocaram, e o que acabou por suceder foi que no domínio da visibilidade informativa interna e externa as atenções viraram-se naturalmente para esta afronta à soberania da então Republica Popular de Angola.
No discurso de encerramento dos jogos, Ruy Mingas: “No panorama desportivo Africano de hoje não pode passar em claro, nem deixar de ter um significado bem forte, o facto de 9 países da África Central se terem reunido numa vasta competição multidisciplinar, onde se aliaram a dimensão notável da própria realização, um nível desportivo de relevo em todas as modalidades, um clima de festa permanente que tornou mais transparentes os laços entre desporto e cultura e um ambiente de camaradagem e amizade que garantiu aos Jogos o selo de unidade sob o signo da qual eles foram promovidos” (3-09-2011).
Trinta anos depois, fica a mensagem que resume esses dias: “ Angola ganhou!”
Fernando Pereira
4-9-2011

8 de setembro de 2011

O TEMOR NÃO MORA AQUI / Ágora/ Novo Jornal 190/ Luanda 7-9-2011




No passado 29 de Agosto de 2011 comemorou cem anos Vo Nguyen Giap.
Poucos se terão lembrado disso, mas certamente lembram-se que Giap foi provavelmente o maior estratego militar da segunda metade do século XX. Obrigou a capitular os franceses na definitiva batalha de Dien Bien Phu (13/3/1954 - 7/5/1954) e conseguiu expulsar em condições dramáticas o exército americano de Sai
gão (Ho-Chi-Minh) em Abril de 1975, impondo aos americanos a primeira derrota militar da sua história, trauma ainda hoje evidente na sociedade americana.
Giap manteve-se até 1991 como ministro da defesa da Republica do Vietname, resignando ao cargo, mas mantendo-se um cidadão politicamente activo e respeitado por todo um povo, que nele reconhece valores de dedicação à causa do socialismo e à luta contra o colonialismo. Giap foi sempre muito discreto e a sua probidade era exultada pelos seus próprios adversários e inimigos, o que o transformou numa das enormes figuras do “Terceiro Mundo”.
Não copio os maoistas a desejar “Longa vida ao general Vo Nguyen Giap”, porque felizmente tem uma vida longa e o seu exemplo multiplica-se num mundo onde a luta de classes não passou para o “memorial da história”. É bom tê-lo entre nós!
A Líbia, sessenta anos depois é revisitada pelos mesmos protagonistas de El Alamein unidos numa pretensa “Operação Humanitária”. O Afrika Korps de Rommel em 1941 uniu-se às forças do marechal Montgmery e às bizarrices de Mussolini, para lutarem contra uma figura de opereta, Kadhafi, que já é ditador há décadas, e que só agora pelas razões mais cínicas, terão premeditado esta aliança espúria para o derrubar.
Não me surpreende que a Libia não tivesse armamento sofisticado, já que quando posta à prova a fanfarronice do seu leader, a resposta em termos militares foi sempre paupérrima; O maior argumento de Kadhafi é o pulmão, num jeito de “agarrem-me já senão desfaço-o”.
Não gosto de lideranças políticas assentes em pressupostos religiosos, e como sempre defendi a laicidade total dos estados, a separação entre igrejas e estado, o que me parece existir cada vez menos, principalmente quando os chefes vão sendo cada vez mais idosos e esperam que com essa união possam ter acesso às “mil virgens” ou ao reino dos céus ou à companhia de outras Isís, Vénus e quejandos. Justifica Woody Allen: “ Interessa-me o futuro porque é o lugar onde vou passar o resto da vida”.
Uma das situações que me surpreendem na Líbia é o facto de a guerra ser muito parecida com um Paris-Dakar com gente pendurada em veículos de todo-o-terreno, cheia de armamento ligeiro e a dispararem para qualquer lado à aproximação de qualquer câmara de TV.
Penso que á partida a grande vencedora da confrontação da Líbia é a Toyota, porque são emblemáticas as pick-ups que vão andando num afã de um lado para o outro, sem percebermos muito bem para que “lado é a guerra”. Vou continuar expectante para saber se a “varridela selectiva dos ditadores” vai alargar-se a prepotentes sultanatos, onde a mulher é aviltada nos mais elementares direitos humanos e de cidadania.
Porque estamos em tempos de efemérides, lembro-me de ouvir contar que há cinquenta anos, no dealbar da guerra de libertação em Angola, Salazar faz um daqueles discursos roufenhos e sensaborão, entrecortados com uns gritos imperceptíveis por parte dos seus apoiantes, sempre disponíveis a promover em todo o território manifestações patrioteiras de glorificação do “chefe supremo da nação”. Em Coimbra no edifício ocupado pela Legião Portuguesa, contíguo ao Governo Civil, onde se realizou uma “espontânea” manifestação, estava desfraldado uma enorme tarja que dizia:”Angola 1961, o temor não mora aqui!”; No edifício da frente, uma bela república de estudantes, os irreverentes moradores pegam numa tarja e com letras garrafais colocam na varanda: “Aqui também não”, o que provocou a ira dos apoiantes do regime, autoridades, PIDE e simultaneamente o gáudio e a hilaridade dos muitos que presenciaram a cena.
Ah, esquecia-me, havia um anúncio que dizia no fim dos anos sessenta: “E quando passa todos dizem: Toyotahuéee” !
Fernando Pereira
1-9-2011

RIQUINHO DE PORTUGAL! /O INTERIOR/ 7-9-2011




Desculpem o arrojo desta crónica, mas tantos a lixarem-me julgo ter direito a este devaneio, porque como diria Chaplin, “tenho a impressão que os homens estão perdendo o dom de rir”, ou mesmo do mesmo "Através do humor nós vemos no que parece racional, o irracional; no que parece importante, o insignificante. Ele também desperta o nosso sentido de sobrevivência e preserva a nossa saúde mental”Hoje resolvi introduzir este tema!
Por falar em introduzir, hoje vou falar do paquete Infante D. Henrique, essa jóia da ex- Companhia Colonial de Navegação, onde viajei algumas vezes entre Lisboa e Luanda e ” versa ou vice”.
Para falar do paquete em causa, tenho de começar por falar do próprio Infante. O Henrique de Lencastre era filho do João e Filipa, que já nesse tempo era um nome da moda, e fazia parte da Ínclita Geração, e de facto era uma significativa parte da visão do que se tentava incutir na «raça» portuguesa ao longo dos séculos.
Essa tal ínclita geração tinha de tudo um pouco! Um gestor da treta que cavalgava em toda a sela, mas que se esquecia de deveres conjugais mínimos, que eram usurpados por outros cavaleiros e quiçá alguns pajens; Estou a falar do Duarte, depois um Pedro que era galfarro, e também enchia páginas da "Caras", e outras revistas mundanas ou “nundanas” do tempo, havia o Fernando, que levou na mona dos mouros em Ceuta, que virou santo, o que hoje seria fácil ao ritmo a que são feitas beatificações. Aqui uma certa semelhança com o F. C. Porto no tempo do fascismo, em que os clubes de Lisboa tudo ganhavam, com o beneplácito do regime. Roger Moore era Santo, porque atacava umas moças em filmes de alguma acção e beijoca a esmo.
Ainda havia duas infantas, que nunca entraram na dita ínclita geração, e devem ter sido sepultadas em Mouriscas do Vouga, pois não estão ao pé da “malta” na Batalha das Imperfeitas Capelas, ao pé de um infeliz, ou um conjunto de ossadas de uns infelizes, a quem em vida nunca perguntaram se porventura se importariam de ser soldado desconhecido, só para ser guardado toda a eternidade por infelizes conhecidos, com horário rígido copulado com um “faceas” esfíngico.
O quarto da Ínclita, já que eu a bem dizer ainda prefiro os quatro de Liverpool, era o Infante D. Henrique!
O Henriquinho de Lencastre era um tipo mal vestido, todo de negro, tipo anúncio da Sandeman, com uma tez de quem sofria da figadeira, com um bigode tipo anúncio da Gillett nos anos 60, complementado com um chapéu aparentemente com a aba muito ensebada. Ele lá corria as praias todas, com os cosmógrafos e compassos italianos na sua peugada, e era bom e bonito, o que eles faziam nas falésias de Sagres ou na” Meia Praia ao pé de Lagos”, como 500 anos depois cantava José Afonso.
Enquanto os italianos se entretinham com as cartas de marear, o Infante ia mareando nas faldas da Serra de Monchique, à procura de padrões de aspecto fálico para colocar em todas as possessões a achar, de forma a perpetuar em "Novos Mundos ao Mundo", também a sua ousada opção sexual, que a coberto da linhagem, possibilitava que a Igreja fosse permissiva” indulgendo” um pecaminoso nobre.
E eis que Portugal penetrava, pelos vistos por penetração também na epopeia dos achamentos.
E eu que ia falar do paquete “Infante D. Henrique”, que tinha um pianista que presumivelmente tocava melhor que o Bill Evans, mas havia gente que discordava, sem tampouco o terem ouvido numa dessas viagens de vice-versa!
Desculpem, esta linguagem homofóbica, mas calhou!
Fernando Pereira
1/9/2011

2 de setembro de 2011

CRÓNICA BREJEIRA / Ágora / Novo Jornal 189 / Luanda 2-9-2011





Sou um admirador confesso do Luis Pacheco.
Luis Pacheco (1925-2008) foi só o mais virtuoso provocador das letras portuguesas. Colaborador da revista angolana “Notícia” entre 1968 e 1973 brindou-nos com crónicas que são constantemente reeditadas em antologias diversas. Era um homem pouco atreito a regras e multiplicador de inimigos, corrosivo bastante para provocar iras e alimentava debates constantes, muitos publicados que já fazem parte do acervo literário português. Provocador indocumentado, muito poucos conseguia escapar ao gume das suas palavras.
Era recorrente não ter dinheiro e recorria aos amigos para lhe valerem nos seus cada vez mais curtos ciclos de aflição, que a determinada altura passaram a eternos; Costumava classificar os amigos em função de quanto lhe emprestavam: amigos de vinte escudos (muitos), de cinquenta (muitos ainda), cem (uns poucos), quinhentos (raros) e mil (um apenas, o nosso conhecido Manoel Vinhas).
Em determinada altura os amigos davam-lhe trabalhos de tradução para ajudar a minorar os seus eternos apertos financeiros. Numa ocasião, o tradutor Bruno da Ponte resolve entregar-lhe uma parte da versão francesa do “Dicionário Filosófico” de Voltaire, já que na circunstância os prazos eram curtos e sempre ajudava o Pacheco a ganhar algum. O Luis recebeu o dinheiro mas a tradução demorava a sair, mesmo por insistência do Bruno da Ponte que estava a ser pressionado pela Editorial Presença, pois precisava do livro para distribuição. Depois de muito esforço o Luis Pacheco numa noite sentou-se em frente à sua máquina de escrever, e sem nenhum dicionário de apoio “aviou” a tradução. Acontece que havia palavras e termos que desconhecia, e colocou-as a vermelho para posteriormente as emendar; As palavras a vermelho eram um chorrilho de asneiras do mais ordinário possível, em que as palavras “merda” e “puta” eram indiscutivelmente as mais brandas. Foi dormir e nunca mais se lembrou do assunto. De manhã telefonam-lhe pela enésima vez a solicitarem a tradução e pegou nela, foi ao Correio e mandou-a para Lisboa para o Bruno da Ponte, que sem ler a entregou ao editor e este sem rever enviou para a tipografia. Os tipógrafos tinham um princípio de nunca alterar uma linha ao que lhe era enviado, porque julgavam que todas as palavras a vermelho faziam parte do texto, tipo “coisa de intelectuais”, e o que fizeram foi colocá-las em itálico. A edição começou a ser feita e o Luis Pacheco, num rebate tardio de lembrança resolve sair das Caldas da Rainha, onde morava, e vem a Lisboa à pressa tentar travar a impressão, o que só foi possível em parte. A verdade é que os exemplares que existem dessa edição atingiram um preço proibitivo, porque quem a possui não se quer desfazer dela por nada. Convenhamos que o nome do Luis Pacheco não aparece, e o Bruno da Ponte ainda hoje diz ter passado a maior vergonha da vida.
Já que se fala em gafes recordo que nos anos sessenta o jornal portuense “Primeiro de Janeiro” mandou para a rua uma edição matinal em letras garrafais, na primeira página, que dizia “Publicadas as contas gerais do Estado”; O detalhe importante foi que a tipografia omitiu o “T” na palavra “contas” e o resultado ficou bem à vista em todos os quiosques e ardinas, até a edição ter sido toda recolhida, já que no jornal ninguém tinha previamente visto com cuidado a página principal.
Em Coimbra existe um vetusto jornal conhecido como o “Al Calinas”, uma derivação do célebre jornal egípcio “Al Aran”,o Diário de Coimbra, que de vez em quando brindava-nos com títulos deste tipo: “Octogenária de oitenta anos caiu do eléctrico e ficou contusa”ou “ Arma de dois anos fere gravemente criança de dois canos” ou “Faltou a luz no estádio da mesma”, e por aí fora.
Nunca nos haveremos de esquecer “das propriedades afro-asiáticas” de uma planta com propriedades afrodisíacas, como bem dizia uma jovem locutora da TPA, nos tempos em que esta era ainda Popular e não Publica e a caminhar para a Privada!
Acham por isso que alguém se surpreende pelo anedótico da revista portuguesa “Sábado” num recente artigo sobre Luanda. Brejeirice total!

Fernando Pereira
27/08/2011

MÁRIO PALMA: A SUSTENTÀVEL IDEIA DE VENCER / Novo Jornal / Luanda 2-9-2011




O Novo Jornal (NJ) deslocou-se a Coimbra para entrevistar Mário Palma, o mais titulado dos treinadores angolanos, que levou a selecção portuguesa pela segunda vez na história do basquetebol luso à fase final do campeonato da Europa de basquetebol, a disputar na Lituânia.

Esclareça-se que esta entrevista foi feita durante a primeira fase do campeonato africano de basquetebol a disputar em Madagáscar, e a pedido do entrevistado evitou-se que se fizesse qualquer referência à selecção angolana que defende o título.

NJ- Mário Palma recorda-se o título de 1980, que afinal foi o primeiro de 27 títulos conquistados em Angola, entre os quais seis campeonatos africanos seniores?

MP- Lembro-me perfeitamente desse campeonato africano de juniores em 1980 pelo entusiasmo de jogadores, técnicos, dirigentes e publico que permitiu que Angola conquistasse o seu primeiro campeonato continental, que foi um poderoso incentivo para colocar o basquetebol como a modalidade de maior visibilidade no País. Quem pode esquecer aquela final épica na Cidadela?

NJ- Regressa ao “1º de Agosto” num dos momentos piores do clube no contexto dos campeonatos de basquetebol. Admite que é um desafio com alguns contornos de risco?

MP- Quem anda em competição sabe que há momentos em que se ganha e momentos em que se perde; Faz parte do nosso quotidiano de treinador, e quando temos razões de sobra que o nosso trabalho é sério, é apoiado, é profissionalmente assumido com muitas certezas que ao longo da carreira se tornaram inabaláveis, permite-me aceitar o desafio num contexto que certamente iremos dar muitas alegrias a um clube para quem tenho uma dívida.

NJ- Dívida? Explique lá isso.

MP- Em 2005/6 pela 1º vez em toda a minha vida senti que desiludi todos que comigo trabalhavam, principalmente os jogadores e pessoas do clube com quem tinha grande afectividade. Conjugaram-se uma série de factores desde problemas de saúde, aliado a um desequilíbrio emocional , que não conseguia dar-me uma estabilidade indispensável para um trabalho profícuo e que desse ao clube os títulos que todo o seu empenho na modalidade exigiam.

NJ- Não estará à espera que o seu regresso seja do agrado de todos?

MP- Claro que não, e não seria desejável que isso acontecesse, pois o monolitismo é sempre redutor em todas as vivencias colectivas, e só a divergência e a crítica permite melhorar o nosso desempenho no campo profissional e no nosso comportamento inserido numa sociedade de valores onde a seriedade e a ética tem que ser traves mestras de todo o edifício onde vivemos. Regresso a Luanda disposto a trabalhar e promover algum debate, porque os meus quarenta e cinco anos de Angola atribuem-me responsabilidade que acho que não devo alijar. Não estou disposto a abrir guerras pueris, mas também não estou disponível a que ser alvo de avaliações soezes de carácter, quando a única crítica que tenho que admitir tem que ser fundamentadas pela discordância das minhas opções em jogo, pois sou um técnico qualificado, e digo-o com justificada vaidade que tenho um palmarés que poucos a nível mundial se orgulham de o ter.





NJ- Voltando ao seu regresso ao “1º de Agosto”, que expectativas traz, quando já ganhou no clube tudo que havia para ganhar enquanto técnico?

MP- Costuma ser lugar-comum dizer-se que não se deve voltar ao lugar onde se foi feliz. Nunca devia recusar o convite feito para continuar às pessoas que insistiam comigo para ficar em 2006 e aos que afectivamente estou ligado .O Lutonda dizia insistentemente: “ O Prof não pode sair daqui” e expressava bem o carinho de todos, que eu provavelmente ao tempo avaliei de forma demasiado superficial, mas foi assim!
Quero colocar o “1º de Agosto” no seu lugar de topo no basquetebol angolano e quero ajudar a desenvolver estruturas que ajudem o clube a renovar-se e simultaneamente a formar jogadores, técnicos e dirigentes que o potenciem como o maior clube angolano de basquetebol.

NJ- O Mário Palma está a dar uma entrevista defensiva, sem querer falar do basquetebol angolano, selecção, clube e técnicos, a maior parte dos quais trabalharam consigo enquanto jogadores e começaram consigo como técnicos.

MP- Admita que seria deselegante da minha parte fazer abordagens críticas à FAB, à selecção, a técnicos ou jogadores, isto para me circunscrever aos agentes activos do basquetebol. Tenho as minhas ideias, partilho pontualmente as minhas concepções, mas acho que não é importante para o basquetebol angolano abrir guerras artificiais, autofágicas que apenas beneficiam os nossos adversários e fragilizam o muito de bom que se tem feito no País no domínio desportivo. Penso que por vezes exigir-se-ia à FAB uma melhor política de comunicação, de forma a dar visibilidade a um trabalho esforçado e dedicado do Gustavo da Conceição e seus colegas de direcção.
Conheço três gerações de jogadores ganhadores de Angola, treinei a maior parte deles, naturalmente que tenho que ter opinião, o que não devo é antes de chegar mandar recados, porque isso seria uma prática condenável. Admito sem rebuço que o Olimpio é potencialmente um dos melhores jogadores do Mundo na posição 2, como Lutonda que tem 40 anos e o Carlos Almeida deveriam ter sido convocados para a selecção nacional. Está a ver que não fujo a nada, mas há momentos para tudo, e este é o momento para regressar e trabalhar no propósito de alcandorar o 1º de Agosto aos patamares cimeiros do basquetebol africano.

NJ- E a selecção de Angola? Pensa um dia voltar a sentar-se como timoneiro da selecção?

MP- Sou um profissional de basquetebol, já passei por muito sítio, por isso nunca ponho de lado a hipótese de novos desafios ou repetir situações vividas com sucesso. Neste momento tenho um contrato com a selecção portuguesa que termina em Setembro de 2012. A selecção de Angola tem um corpo técnico a trabalhar, por isso parece-me extemporânea a pergunta. “ O Caminho faz-se caminhando” como dizia o poeta espanhol António Machado.

NJ- Na minha opinião já devia ter sido dada a nacionalidade Angolana ao Mário Palma, não apenas pelas suas décadas em Angola, mas também por ter sido obreiro de grandes alegrias que Angola vem vindo a ter em termos desportivos há trinta anos. Que expectativa leva para uma Angola, diferente da que deixou em 2006?

MP- Gostava de ser cidadão angolano, e também partilho consigo a ideia que o mereço, mas isso não me cabe a mim resolver, ou melhor talvez venha a pedi-la, porque afinal sempre aqui vivi e o tempo que cá não vivi, vivia por aqui.
No meu regresso vou gostar de visitar o País todo sem constrangimentos de qualquer ordem. Ir por estrada a locais onde já não vou há mais de trinta e cinco anos e que me marcaram na minha juventude vivida numa Luanda crioula dos anos 50 e 60. Vai ser um complemento excelente do basquetebol e revigorante para mim que sempre quis ver este País em paz e a desenvolver-se como parece acontecer a um ritmo interessante.

NJ- Muito obrigado e felicidades no seu “Reviver o passado no 1º de Agosto”, e fica já aprazada nova conversa no fim da época para uma avaliação.

Fernando Pereira
Hotel Tivoli Coimbra 22/8/2011


26 de agosto de 2011

O ADEUS ÀS ARMAS?´/ Ágora / Novo Jornal nº188 /LUanda 26/8/2011





"A democracia não é o melhor dos regimes. É o menos mau. Experimentamos um pouco de todos os regimes e agora podemos compreender isso. Mas esse regime só pode ser concebido, realizado e sustentado por homens que saibam que não sabem tudo, que se recusem a aceitar a condição proletária e nunca se conformem com a miséria dos outros, mas que recuse, justamente, a agravá-la em nome de uma teoria ou de um messianismo cego."
Albert Camus, Novembro de 1948


Há sessenta anos Camus dá um “murro” nos conceitos da esquerda francesa quando faz sair o livro L´Homme révolté , “ O Homem Revoltado”, o que o leva a zangas com anteriores “compagnons de route” como por exemplo Jean Paul Sartre, com quem nunca mais reatou relações.
Esse livro contextualizado num tempo em que Mao emergia na China como um libertador e um guia de uma revolução, no país mais populoso do mundo, quando MacArthur, o vitorioso general americano da guerra do Pacífico pedia bomba atómica sobre a China, no momento em que os americanos já intervinhamna Coreia, uma obra que punha em destaque a completa inutilidade das revoluções, era no mínimo espantoso.
Argumentava Camus que as três revoluções que eclodiram em França, reportando-se principalmente à de 1789, criticando a sua elevada violência, não conseguindo trazer à França um padrão de vida melhor que países escandinavos e os ingleses conseguiram sem grandes tumultos optando por transições pacíficas moderadas.
As críticas de Camus aos destemperos das revoluções não pararam por aí, visto que acreditava que os seus líderes no poder, mais tarde ou mais cedo, se tornavam repressores ou heréticos, policiais ou loucos!
Já há muito que não me lembrava deste livro de Camus e nem sei bem a que propósito, resolvi reler páginas que sublinhei há trinta anos, acrescidos de pontos de interrogação e exclamação, que reflectiam as minhas certezas em relação a certas passagens. Essas referências no texto eram nem mais nem menos que as minhas certezas de então, que a teimosia dos factos acabou por alterar para uma cada vez maior quantidade de dúvidas em relação à vida, ao mundo e às relações entre os homens num quadro que não pode ser limitado só à luta de classes, mas também não deve ser liminarmente abolido, como se tenta fazer quotidianamente na defesa do sacrossanto domínio de uma quase divindade chamada mercado.
Esta releitura de Albert Camus, um existencialista que me obrigou a ler tudo o que publicou, desde ensaio, romance ou teatro trouxe-me angústias, que julgava repelidas pela voragem dos tempos algo niilistas que vamos vivendo.
Uma das preocupações que tenho, e julgo que partilhada com algumas pessoas com quem vou discutindo ideologia e política tem a ver com a ausência total do ideológico no quadro político angolano.
Aparentemente muitos acham que a política é dispensável, mas não se coíbem de utilizar a sordidez de outras formas de manipulação para atingir a chefia dos chamados grupos de status, no nosso caso o racismo, as prerrogativas familiares, o regionalismo, e partirem daí para afirmações de um grande coração angolano, com as veias cavas oleadas em saborosas notas de dólar.
Como não existe democracia num estado puro. Não existe democracia no vazio. A democracia é sempre portadora de um conteúdo de classe, fico-me por uma citação de um livro comprado na ex-livraria Che Guevara em Cabinda há muitos anos, e que hoje também desfolhei sem particular interesse, e nessa altura sublinhei a vermelho, preto e amarelo: «As ideias nunca podem levar a ultrapassar um antigo estado do mundo, apenas podem permitir ultrapassar as ideias do antigo estado de coisas. Falando de uma maneira geral, as ideias nunca podem executar nada. Para executar as ideias, são necessários os homens, que põem em acção uma força prática».Karl Marx e Friedrich Engels, A Sagrada Família, Editorial Presença, 1974, p.179.
Não sei se vem a propósito, mas há mil e uma razões para não comprar um Rolls-Royce; a primeira é a falta de dinheiro… as outras, assim sendo já não interessam.

Fernando Pereira
20/08/11

19 de agosto de 2011

MARABUNTA / Ágora/ Novo Jornal nº 187/ Luanda 19-8-2011





Hoje vou ter que ir ao baú do muito que ouvi, do pouco que vi e do bastante que imaginei relativamente à “Marabunta”
Para os menos familiarizados com estas coisas: Marabunta (Cheliomyrmex andicola) é uma formiga-correição que vive principalmente debaixo da terra nas selvas tropicais da América. É de cor avermelhada, tamanho médio, parecida com o Kissonde. Suas mandíbulas são em forma de garra e armadas com grandes espinhos, semelhantes a dentes, que permitem que elas se prendam às suas presas durante o ataque. Suas picadas são extremamente dolorosas, irritantes e paralisantes. A dor que provoca assemelha-se com a da picada das "formigas de fogo".São a única espécie que remove e consome carne de vertebrados, como lagartos, serpentes e pássaros, inclusive de animais de maior porte, até o homem.
Não vem muito a propósito, mas retenho na minha memória a invasão de uma horda de kissonde a um terreiro circundante às residências de uma exploração de café no Norte de Angola. Era miúdo, e recordo-me de ver milhões de formigas a deixarem lisinho o terreno por onde passavam, e a irromperem em direcção à fogueira entretanto ateada com gasolina, única forma de as conseguir parar e exterminá-las.
Vou falar de outra “Marabunta”, uma personagem famosa da Luanda dos anos cinquenta e sessenta e que já só conheci numa fase em que a sua áurea se teria já desvanecido. Era uma madeirense que terá emigrado para Luanda, na busca de uma vida que dificilmente encontrava na sua Madeira.
Segundo as vozes a “Marabunta” era uma mulher que desafiava a morrinha quotidiana da provinciana Luanda do antanho. Mulher vistosa, loura, despreconceituosa, ambiciosa, deslocava-se sempre num Chevrolet Corvette vermelho garrido descapotável, insinuando-se numa cidade que parava literalmente para a ver.
Constava-se que esse Corvette era do Ferreira da Massa, que tinha umas fazendas de café, abriu o Bowling ao pé do Hospital Militar, uma fábrica de massas num edifício onde funciona a representação consular da África do Sul, ali para os Coqueiros.
A “Marabunta”, apenas sei que se chamava Gracinda, alimentou muitas histórias e muita galga na Luanda dos anos sessenta e setenta, e só vê-la passar em frente ao Salvador Correia era para os que se empoleiravam no muro um verdadeiro troféu, imaginando pelos joelhos da senhora o torneamento do resto das pernas.
A “Marabunta” era muito ciosa nas suas relações, e conta-se que um daqueles fazendeiros do café enriquecido, quis gozar com ela; Depois dos “preliminares”, passou-lhe um cheque de 20 contos (atenção estamos no fim dos anos 40 e era muita massa) sabendo que aquela conta só tinha 18, ela foi ao Banco de Angola, e como era sobejamente conhecida o banco depositou os dois contos e ela levantou o cheque. O fazendeiro acabou gozado quando pensou que estava a lidar com alguma “amadora”.
Em determinada altura na hoje Avenida Valódia, estabeleceu-se na “Vidraria dos Combatentes”, paredes meias com o ” Punta del Pazo” , tendo comprado todo o material da “vidraria Leiriense”, ao lado da Saratoga ao pé do edifício na Mutamba que hoje alberga o Ministério das Finanças. Na cidade faziam-se conjecturas diversas, como é que ela teria conseguido o dinheiro para montar um estabelecimento, que era passagem obrigatória de miudagem e graudagem, por razões que pouco tinham a ver com vidros ou espelhos. Constava-se que tinha sido novo-rico do café do Golungo-Alto, que estava com ela amiúde no “Sporting” na 1ª rotunda da ilha, e que dizia em voz alta: “O meu dinheiro é inacabável”. Parece que a “Marabunta” sem muito esforço, provou o contrário em pouco tempo, tendo-o deixado falido. A realidade é que a senhora juntou-se entretanto com um furriel do exército colonial, que as más línguas da cidade chamavam de “furriel consorte” , mudou de carro, tendo comprado um Chevrolet Camaro amarelo, aí por volta de 1970. Nessa altura já envelhecia e vendeu por muito bom preço o único Corvette descapotável que havia em Angola, e que tinha a matrícula AMF- -?
Duas décadas de ouro, para o carro e para a Marabunta, afinal uma mulher que toda a cidade conhecia e contava histórias, muitas inventadas, mas que ainda hoje é recordada nas conversas de um cada vez maior número de pessoas, que cada vez mais se lembram do que se passou há muitos anos, e não se conseguem recordar o que fizeram uns dias antes.
Para lá caminho também!
Fernando Pereira
15-8-2011

12 de agosto de 2011

"Massa Bruta" / Ágora / Novo Jornal nº 186/ Luanda 12/8/2011





O Negage no tempo colonial era uma cidadezinha (???) sem grande piada, que não destoava de todas no grande Congo Português.
A figura marcante do Negage durante décadas foi um ex-degredado de Valpaços, vila portuguesa transmontana, João Ferreira de sua graça.
Tinha um porte físico avantajado, sempre andrajoso com umas calças de serrobeco coçadas, uma camisa de xadrez que poucas vezes terá visto água e sempre nas costas com um casaco ensebado que nunca largava, fizesse frio ou calor argumentando que “o que tapa o frio tapa o calor”.
Segundo constava, este iletrado era provavelmente uma das maiores fortunas de Angola e à sua volta multiplicavam-se as histórias mais inverosímeis. Eu conheci-o em miúdo e nunca mais me esqueci da abundante pilosidade das suas mãos, sempre em movimento no meio de berros quase imperceptíveis.
Tinha uma actividade comercial fecunda e as suas cantinas proliferavam por todo o Norte de Angola desde o Ucua, Camabatela, Kimbele, Quitexe, Kalandula, Ambriz, Cangola, Tomboco, uma teia que percorria várias vezes por ano para fazer contas com empregados locais. Quando fazia as contas e o empregado se queixava que “o negócio estava mau”, o “Massa Bruta”, como também era conhecido, dizia ao feitor que o acompanhava que “faça contas com este tipo”; Perante a estupefacção do empregado dizia: “Um empregado meu tem que roubar para ele e para mim, só roubar para ele não é negócio ”.
Tinha umas fazendas de café, uma demarcação de gado e muitos prédios urbanos espalhados pelo norte de Angola, Luanda, Lisboa e Valpaços, onde quando ia de férias havia sempre uma festa programada com banda fanfarra e bailarico durante dias, onde as pessoas comiam por sua conta. Era um gastar à tripa-forra de uma pessoa que era avaro no que tocava a fazer face às suas obrigações, para com os contratados nas suas propriedades em África, muito pouco respeitados aliás.
Em Luanda, num terreno na Valódia onde até há bem pouco tempo havia um mercado numa miserável adaptação africana dos jardins do Dali em Figueras, o João Ferreira preparava-se para fazer o maior prédio de África, “donde se avistasse Catete”, que felizmente se ficou pelas intenções, frustradas pela evolução política angolana.
Contam-se histórias surpreendentes do João Ferreira, como aquela de ter ido ao BCA, no início dos anos 60, e com o ar andrajoso terá pedido 15.000 contos da sua conta, ao que o empregado disse que tivesse juízo; Como o Ferreira insistia que queria o dinheiro, o gerente do banco é chamado ao balcão e fica lívido quando se depara com a situação. O fanfarrão do Ferreira exigiu que o empregado fosse demitido e que lhe fosse dado todo o dinheiro que por lá tinha, algo que o Banco despodia fazer. Depois daí a história espalhou-se que seria para instalar o BCCI, que o dinheiro teria ido em camionetas para o mato em notas de vinte, que o caixa que contou o dinheiro se enganou na contagem e deu mais de mil contos, tendo ido ao Negage de avião e depois de sanado o erro, o Ferreira terá dito: “ Tome lá os mil contos, que dinheiro só quero o meu, e leve mais este molho de cem para os gastos e o susto”. Conta-se a história de ter comprado o “Hotel Mundial”, depois de lhe ter sido barrada a entrada por se apresentar sujo e andrajoso, tendo exigido o despedimento imediato do empregado.
O João Ferreira em determinada altura, numa atitude recorrente de “coronel” brasileiro do interior, quis impor no Desportivo do Negage algo que desagradava aos outros directores, que ousaram desafiá-lo. Não esteve com meias medidas, fundou o Sporting, mandou alguém a Lisboa comprar uns jogadores das reservas do Benfica, alguns já com varizes, e eis que nos deparamos no fim dos anos sessenta, uma vila do interior com duas equipas a disputar um campeonato de doze equipas, numa afirmação clara que o dinheiro abrutalhadamente conseguido vale mais que tudo.
Para muitos era uma figura notável, que colocou o Negage no mapa, tendo inaugurado em 1971 o Hotel Tombwaza à entrada na estrada que vinha de Camabatela, mas não passava de uma figura ridícula apaparicado porque tinha dinheiro, não sabia ler nem escrever, não sabia conduzir, não andava de avião, em síntese uma pessoa amiudadas vezes recordada pelos piores motivos.
Não respeitava a autoridade, porque entendia que era ele que a pagava, tratava toda a gente com sobranceria e era excessivamente grosseiro com os seus empregados principalmente com os trabalhadores negros; Não usava cheques e o seu mundo era limitado e talvez mesmo os seus maiores devaneios foram as garrafas de espumante marado que pagava a rodos nos cabarets luandenses Bambi, Marialvas, Embaixador etc., onde a sua boçalidade era insistentemente comentada.
Gente deste jaez era dispensável em Angola.
Fernando Pereira
8/08/2011

"Trinca-Fortes" / O Interior/ 11-8-2011




A Lusofonia tem as suas vacas sagradas, e admitamos sem rebuço que Luís de Camões é uma delas pois é um dos símbolos maiores da escrita em língua portuguesa!
Desvou escrever sobre Luís Vaz de Camões da forma hermética que o discurso oficial e oficioso da Lusofonia nos habituou, mas sim do verdadeiro "Trinca Fortes", com as características do português suave de Fernão Mendes Pinto miscigenado com o Fado Tropical de Chico Buarque.
Na linguagem da filosofia, tentou-se criar uma ciência independente: "A Semiótica"! Realmente a primeira proeminente figura da Semiótica mundial foi Luís de Camões, ombreando com o Capitão Gancho e mais recentemente com o antigo ministro da defesa israelita, Moshe Dyan. O comum destes tipos era só terem um olho, ou apropriadamente dizerem, trazer tudo debaixo de olho!
Falando de Luís Vaz de Camões, que tem para aí dez terras a assumirem que nasceu por lá! Lisboa (os lisboetas só ainda não assumiram que o Pinto da Costa nasceu lá, porque ainda é vivo, e inevitavelmente daqui a 500 anos irão, de certeza fazer-lhe uma estátua, colocarem uma lápide numa casa a dizer:”Aqui presumivelmente nasceu Jorge Nuno de Lima Pinto da Costa, homem sério, vencedor como nenhum outro, incompreendido no seu tempo!”). Santarém, Coimbra, Constança, Porto, Linhares da Beira, outras e paradoxalmente no meio de todas Olhão, que presumo por um devaneio humorístico, pois só faltaria, terem dito, que o homem teria nascido na avenida da Boavista no Porto.
O Luís de Camões fascina-me em muitos aspectos! Começando pelo seu fim, admitamos que personifica algum pechisbeckismo dos portugueses. Estar na miséria, e ter um escravo com nome económico, Jau, para mendigar por ele. Tinha uma tença, que revela bem que o problema das reformas é já um problema antigo, que não lhe dava para sobreviver, e vai daí arranja um escravo para cobrir alguma zona da cidade. Esta de ter um escravo para pedir esmola é coisa grande!
Outra coisa que me fascina, é o facto de ele ter atravessado o mar da China, com os Lusíadas numa mão no meio da tempestade. Sinceramente era demais, sem um olho e só com um braço, o homem merecia uma toalha da GANT á chegada, um chá e uns scones quentinhos! Como ainda não havia a indústria da petroquímica, nem os derivados do petróleo, não se pensava sequer nos sacos de polietileno, para embrulhar o notável canto IX dos Lusíadas, que no liceu só um professor de português numa de clandestinidade ousou mencionar. Houve alguém que insistiu presumir, que todo esse episódio aconteceu na Costa dos Esqueletos, perto do rio Cunene.
Já vem de longe, a falta de apoio aos criadores e à cultura, algo que não acontece com a gente dos mercados, tão apoiados sempre pelo dinheiro subtraído aos contribuintes.
Algo em que o olho é recorrente ou não estivéssemos a falar de Camões é vê-lo andar sempre metido com o olho pelas casadas, o que o obrigou a "ser olho por olho, dente por dente", prevalecendo no caso dele o “olho por olho”!
Deixo o “olho por olho” pois não faltaria muito para ser acusado de revelar alguma homofobia no que estou a escrever, fruto de leituras enviesadas que alguns fazem destes escritos.
Deixem-me pelo menos finalizar com duas breves citações do discurso do mal-amado Jorge de Sena no 10 de Junho de 1977 na Guarda sobre Camões e Portugal:
“Os portugueses são de um individualismo mórbido e infantil de meninos que nunca se libertaram do peso da mãezinha; e por isso disfarçam a sua insegurança adulta com a máscara da paixão cega, da obediência partidária não menos cega, ou do cinismo mais oportunista, quando se vêem confrontados, como é o caso desde Abril de 1974, com a experiência da liberdade”
“Deixem-me todavia recordar-vos que o grande aproveitacionismo de Camões para oportunismos de politicagem moderna não foi iniciado pela reacção. Esta, na verdade, e desde sempre, mesmo quando brandindo Camões, sentia que as mãos lhe ardiam. Aqueles oportunismos foram iniciados com o liberalismo romântico e com o positivismo republicano”.

Fernando Pereira
7-08-2011

6 de agosto de 2011

Não sei por onde vou mas sei que não se deve ir por aí./ Ágora / Novo Jornal nº185 / 5-8-2011/ Luanda





Por insistência de um amigo, fascinado pelos prédios em altura, acompanhei-o numa visita à “Nova Cidade de Kilamba Kiaxi”.
Habituado às bizarrices urbanísticas e aos discutíveis projectos arquitectónicos que enxameiam a cidade capital, limitei-me a encolher os ombros enquanto o meu amigo exultava com a quantidade de gruas e a dimensão dos estaleiros.
A ideia que trouxe quando saí daquele emaranhado de torres, atafulhadas umas em cima de outras, completamente desinseridos de um contexto aglutinador de cidade, só me resta achar enquanto observador diletante, que quem projectou aquilo está numa posição privilegiada para fazer muitíssimo pior.
Por ironia do destino, o Semanário Angolense fez na semana passada uma entrevista ao arquitecto Simões de Carvalho, um luandense nado e criado numa cidade onde participou em equipas interdisciplinares de planos directores municipais, elaborou coerentes planos de pormenor (o trabalho no Prenda é paradigmático) e executou obras arrojadas que passados mais de quarenta anos ainda são referências no caos urbano em que se transformou a cidade (a título de exemplo o edifício da Rádio Nacional de Angola).
Essa entrevista merece releitura atenta porque de uma forma cortês Simões de Carvalho, põe em causa o muito do que de mau se tem feito em Luanda para deleite de alguns, infelizmente bastantes, que olham para a cidade como se estivessem a ver uma Manhattan.
O arquitecto Simões de Carvalho entre vários exemplos foca a perigosidade dos arranha-céus construídos na baixa e na Ilha, e acima de tudo a existência de caves, num solo arenoso e permeável às águas. Não me canso de repetir que a entrevista merece reflexão, e acima de tudo urge discutir a cidade nas suas múltiplas vertentes, para ver se ainda vamos a tempo de conseguir salvar alguma coisa para o futuro, sendo nossa obrigação pedir desculpa aos vindouros por lhe termos legado um património edificado com tamanha falta de visão e qualidade.
A visita a Kilamba Kiaxi obrigou-me a procurar a revista “Novembro” de Fevereiro/ Abril de 1977, onde recordei a viagem de Fidel de Castro a Angola em 23 de Março de 1977. Dirigida pelo saudoso Mário Alcântara Monteiro, esta “Novembro” trouxe-me gratas recordações da vivencia colectiva de um País que emergia orgulhoso no contexto das nações africanas.
Fui ler o discurso de Fidel de Castro no Golfe, por ironia muito perto do que é hoje a Nova Cidade de Kilamba Kiaxi, e a realidade é que ao tempo o discurso era coerente e nalguns aspectos mantém grande actualidade.
“Antes de vir a Luanda, todos os cubanos me diziam: “Luanda é uma cidade muito bonita”. Efectivamente Luanda é uma cidade muito bonita. Tem grandes edifícios de dez, doze andares; grandes avenidas… Há 140 edifícios para terminar…” “Agora, o governo angolano enfrenta estes problemas: Muitos grandes edifícios que estão por terminar_ E muitas famílias vivem nos musseques. Que fazer? Dedicar todos os recursos a concluir esses edifícios? Serão alguns centos, talvez alguns milhares de habitações. Mas isso é muito caro. Com o que custa um desses apartamentos talvez se façam três casas…” “…Aqui no Golfe há-de erguer-se a primeira experiencia piloto de urbanização” …” Os prédios se forem muito altos precisam de elevadores, tecnologia que os angolanos não dispõem e ficam sempre dependentes dos países capitalistas para a sua manutenção”… Se forem moradias unifamiliares aumentam de tal forma a cidade que precisam de uma rede de transporte eficaz e as viaturas e manutenção dependem do imperialismo” …”a solução tem que ser prédios pequenos onde se estabeleçam relações de convívio e vizinhança e que não aumentem a cidade de forma a torná-la insuportável”… E por aí fora sintetizada numa frase: “ a Revolução tem que construir para todos”.
Do que li desta alocução de Fidel de Castro nada contraria o que Simões de Carvalho disse na sua entrevista ao Semanário Angolense. Ontem como hoje a manterem-se as coisas os problemas de amanhã serão os mesmos.
Fernando Pereira
30/7/2011

29 de julho de 2011

“A crítica pública devia ser um direito e não um risco”/ Ágora/ Novo Jornal 184/ Luanda 29-7-2011



Nesta coluna há uns tempos, fiz uma referência a um julgamento em que três cidadãos estavam no banco dos réus, porque de diferente forma participaram na peça do Teatro D. Maria II, “ A filha rebelde”.
A peça baseada num texto de José Pedro Castanheira, com Margarida Fonseca Santos como encenadora e Carlos Fragateiro na qualidade de director do D. Maria II, réus num processo em que eram acusados de difamar a figura do falecido Fernando da Silva Pais, o ultimo director da PIDE- DGS em Portugal. Os familiares acusaram os autores da peça de “colocarem na lama” o bom nome do seu tio, e o que se me oferece dizer é que o Silva Pais tem que ter o nome e a vida dele sempre na lama, que é o seu lugar, tais os crimes que cumpliciou.
Aconteceu a absolvição dos réus com o argumento do juiz que deveria fazer jurisprudência: “a crítica pública devia ser um direito e não um risco”.
Ao contrário de algum marasmo qualitativo na literatura angolana actual, assistimos na literatura portuguesa ao aparecimento de excelentes talentos que temos que referenciar, já que cada vez mais a expressão oficial portuguesa é a unidade da nossa vida comum. Walter Hugo Mãe (pseudónimo de WH Lemos) por acaso nascido em Saurimo em 1971 é hoje um dos emergentes romancistas portugueses com enorme êxito em Portugal e no Brasil, tendo Saramago comentado em 2008 que “estávamos perante um tsunami na literatura” e curiosamente um dos poucos que António Lobo Antunes elogiou. “A máquina de fazer espanhós” é um livro de leitura urgente, deste multifacetado artista plástico, romancista, poeta, editor e DJ.
Outro dos brilhantes escritores da nova geração, por acaso também nascido em Angola (Luanda 1970) é Gonçalo M. Tavares que em 2007 recebeu vários prémios, um deles entregue por José Saramago e que disse a propósito do romance “Jerusalem”: «é um grande livro, que pertence à grande literatura ocidental. Gonçalo M. Tavares não tem o direito de escrever tão bem apenas aos 35 anos: dá vontade de lhe bater!». Este ultimo livro “Uma viagem à Índia” recentemente editado pela Caminho, é uma obra extraordinária e corolário de todo um percurso de vários “Senhores”, conjunto de livros surpreendentes do autor.
Se juntarmos a estes um José Luis Peixoto, um João Tordo ou um Jacinto Lucas Pires, para citar apenas meia dúzia de romancistas, podemos afirmar sem rebuço estarmos perante um período muito interessante das letras do “Ultramar” com a capital em Lisboa!
Estamos no ano da comemoração do centenário do nascimento de um dos poetas portugueses que melhor escreveu o Alentejo, suas gentes e lutas; Manuel da Fonseca (1911-1993) foi um dos grandes do neo-realismo, fundador da Vértice, onde colaboraram também Eugénio Ferreira e Manuel Rui Monteiro, e presidente em 1965 da Sociedade Portuguesa de Escritores quando esta foi encerrada, na conhecida circunstância da atribuição do prémio a Luandino Vieira pelo seu romance Luuanda.
Manuel da Fonseca viu muitos dos seus poemas serem musicados por um dos cantores de intervenção mais injustamente esquecidos em Portugal e em Angola: Adriano Correia de Oliveira.
Adriano Correia de Oliveira (1942-1982), um enorme coração de 1,80m foi um exímio intérprete da canção de Coimbra, “baladeiro”, cantor de intervenção, actor de teatro, jogador de voleibol, estudante de direito e acima de tudo um homem solidário e um verdadeiro distribuidor de afectos.
Participou com Zeca Afonso, Fausto, Ruy Mingas entre outros num espectáculo de apoio ao MPLA na Cidadela, e entre muitos apertos que teve ao longo da vida lembrava sempre o do “canto livre” da cantina da Universidade, na baixa de Luanda ao pé da Igreja da Nazaré, quando a cantina foi invadida por provocadores armados da FNLA nesse distante 1975.
Trabalhou com alguns de nós em muita coisa relacionada com a emergente Republica Popular de Angola, nomeadamente no Órgão Coordenador do MPLA para a Europa, no Luciano Cordeiro em Lisboa, onde se fazia de tudo em pouco para se substituir uma embaixada que não havia então em Portugal.
O Luis Filipe Colaço, nosso insigne estatístico, colaborou com o Adriano nos arranjos musicais do disco “O Canto e as Armas” de 1971 onde tem uma canção com poema seu, editado pelo Arnaldo Trindade, antecedendo a sua fuga de Portugal para se juntar aos muitos que lutavam por uma Angola diferente.
Fernando Pereira
24/7/2011

22 de julho de 2011

LIVROMENTE/ ÁGORA / Novo Jornal nº 183/ Luanda 22-7-2011



Editado pela “Afrontamento” já no fim do ano passado só agora acabei de ler o livro “Os donos de Portugal”, um relato de “cem anos de poder económico” da autoria de Jorge Costa, Luis Fazenda, Cecília Honório, Francisco Louçã e Fernando Rosas.
Talvez alguns dos autores suscitem reservas políticas pertinentes, mas isso não invalida que estejamos perante um trabalho sério, em que naturalmente as relações entre Portugal e Angola no último período de um século sejam escalpelizadas com detalhe. Das relações dos grupos económicos portugueses em Angola no período entre 1910 e 1974, o livro pouca novidade traz a muitos outros que foram sendo publicados há longos anos a esta parte, desde o estudo de Maria Belmira Martins, Maria Filomena Mónica, Pedro Ramos de Almeida, Eduardo Sousa Ferreira, Armando de Castro e quejandos ao nosso conterrâneo Henrique Guerra, no seu “Angola, Estrutura Económica e Classes Sociais”, livro escrito na prisão de Peniche em 1972 e 1973, onde esteve preso por actividade política na luta anti-colonial.
O que acaba por ser interessante neste livro são a constituição dos novos grupos económicos portugueses e a sua interligação e participação no capital por grupos angolanos, e a sua reciprocidade.
O livro é a compilação de textos académicos a que os autores deram uma discutível componente política de um espaço económico pronunciadamente agrilhoado.
Foi com surpresa que li que o Presidente José Eduardo dos Santos, teria dito que quando da independência, Angola teria apenas quarenta licenciados! Não faço a menor ideia em que contexto o disse, mas qualquer que seja está completamente equivocado.
Recordo-me que em 1978 na esteira do 1º Congresso do MPLA houve por parte da então Universidade de Angola, hoje Agostinho Neto, a necessidade de se criar uma comissão que determinasse o número de doutorados, mestres, licenciados e bacharéis existentes no País e ao que se apurou por exemplo no tocante a médicos angolanos eram pelo menos 58, se a memória não me trai. Esse documento foi muito badalado pois havia profissões em que o número de licenciados era de três, falando por exemplo de geólogos. Era curioso o número de antropólogos e sociólogos que apareceram então, e que era motivo de alguns dichotes, no que o angolano é de uma prodigalidade assinalável.
O livro de Carlos Rocha Dilolwa de 1978, “Contribuição à História Económica de Angola”, apontando os números da colonial FASTA (Fundo de Acção Social no Trabalho), refere 3094 alunos matriculados no ensino superior em Angola e 274 docentes em 1972. Convirá não esquecer que Angola no tempo colonial não tinha várias faculdades, como por exemplo Direito, Arquitectura entre outras. Dilolwa aponta para a existência de 561 médicos em 1973 na colónia, exceptuando os da tropa colonial. Mesmo grande como foi a debandada houve muitos que permaneceram e outros que regressaram O próprio livro encomiástico sobre Angola, da Progresso de Moscovo, de L.L. Fituni diz que Angola em 1976 tinha 50 médicos de um total de 750 no tempo colonial.
Estes livros da editorial Progresso deviam ser elevados a objectos de culto, nomeadamente os que existem sobre Angola e que guardo religiosamente na minha estante. Ocasionalmente, como foi o caso, abro-os e não me fico pelo que vou procurar; Vou começando a ler e realmente os “sovias” conseguiam mostrar uma Angola que nem os próprios angolanos mais acérrimos defensores de qualquer causa tinham “peito” para defender.
Oleg Ignatiev, o citado Fituni, Albert Nenarakov ou o Tarabrin, doutor em ciências históricas (leis gerais e carácter específico da luta anti-imperialista), são alguns dos muitos e pujantes escritores da ex-URSS que falavam de Angola com pouco ou nenhum conhecimento, mas lá enxameavam as poucas montras das livrarias com livros que empoeiradamente se iam mantendo, até que alguém se lembrasse que o sol já tinha descolorada a encadernação.
No livro do tal Fituni vem um quadro com a população de Angola em 1980 dividido em etnias: Africano, Branco e Mestiço! Uma “pérola” entre várias.
Estou convencido que alguns destes livros só poderiam ter vindo na cabine de algum limpa-neve!

Fernando Pereira
19/7/2011

15 de julho de 2011

CONSAGRADA TOPONÍMIA/ Ágora/ Novo Jornal nº 182/ Luanda 14-7-2011




Durante uma temporada num período pós-colonial as placas da sinalização vertical e os traços da sinalização horizontal da cidade desapareciam num ápice e só anos mais tarde é que eram substituídas.
O cidadão de Luanda não raras vezes confrontava-se com posturas municipais que alteravam o trânsito, publicavam essa alteração na imprensa, comunicavam à polícia (então CPPA) e placas ou riscos no chão nem sombra, o que acabava sempre por originar discussões e multas recorrentes.
Uma certa manhã, numa altura em que o movimento de viaturas nada tinha a ver com o de hoje, numa rua ali para os lados de S. Paulo que sabia ter um único sentido no tempo colonial confronto-me com um carro em sentido contrário. Naturalmente desviei-me porque a ideia com que fiquei foi que o condutor era um neófito na cidade e iria fazer o mesmo, devendo explicar-lhe que estava enganado. O homem, um expatriado, ao tempo cooperante começou a vociferar e a agitar os braços de forma ameaçadora, como a razão lhe assistisse.
Eu, cidadão nado e criado em Luanda resolvi perder uma parte das boas maneiras e resolvi desfacilitar pela falta de propósitos do indivíduo. Saiu do carro e dirigiu-se a mim e peremptoriamente afirmava, com tiques até simiescos, que eu estava a transgredir, respondendo-lhe que quem estava a fazê-lo era ele pois aquela rua sempre teve aquele sentido. Ele argumentava que não havia placa nenhuma, e disse-lhe o mesmo que faziam os polícias de Luanda enquanto passavam a multa: “já lá esteve”. O tipo saiu a abanar a cabeça, deu meia volta e reentrou na legalidade, ainda que desconvencido.
Se houve placas que já caíram várias vezes houve outras que se mantém de azulejo, cimento e ferro de pé na cidade com a toponímia colonial bem vincada e quase a afirmar que “aqui foi Portugal”!
A Igreja da Sagrada Família foi executada segundo o plano gizado pelos arquitectos António de Sousa Mendes e Sabino Luis Martins, que ficaram em segundo lugar no concurso para o projecto em 1964, tendo sido preterido o desenho do arquitecto do Lobito, António Campino (1917-1997), o vencedor do concurso, considerado demasiado arrojado pelas autoridades eclesiásticas.
Em tempos quando a sua conservação deixou muito a desejar o léxico verrinoso do luandense chamava-lhe a “desgraçada família”. Nas traseiras do templo há uma placa que indica a Rua D. Manuel I, Rei de Portugal (sec. XV e XVI) que termina no Largo da Independência.
Convenhamos que é no mínimo irónico, quando vemos ruas com nomes de cientistas, escritores e cidades serem substituídas pelas razões políticas mais pueris e permanecer este nome, que terá sido o rei que mais “colheu” com os “descobrimentos” ou “achamentos” como bem dizem os brasileiros.
Lembro que a Sagrada Família foi inaugurada pelo Américo Tomas, ao tempo presidente da Republica de Portugal e logo se me amemoriou o discurso feito pelo Tomaz em 1970 noutras circunstancias não menos risíveis.
Ao presidir à cerimónia da inauguração da estátua de D. Manuel I, em Alcochete, o Chefe do Estado afirmou: «Vive hoje a vila de Alcochete o dia mais festivo da sua existência milenária, ao encerrar as comemorações do quinto centenário do nascimento do rei D. Manuel I com a inauguração da estátua erguida na terra em que o rei «Venturoso» viu a luz da vida, há 501 anos. ( ... ) Primo direito do rei D. João II, sobrinho do rei D. Afonso V, sobrinho-neto do Infante D. Henrique ,o excelso príncipe das Descobertas, e bisneto do rei D. João I, D. Manuel foi o nono filho do Infante D. Fernando, irmão único de D. Afonso V. Quando aqui nasceu em 1469, nada faria 'prever que pudesse vir a ser rei de Portugal, mas uma série de imprevisíveis acontecimentos caprichou em o tomar o único herdeiro legitimo de D. João II, quatro anos antes da morte do grande rei e notabilíssimo governante, que pela sua sagacidade e persistência excepcionais, se tomou num dos maiores homens portugueses de todos os tempos. Desígnios da providência”. Depois de referir que “as palavras que proferia não eram propriamente para acrescentar qualquer achega às que foram ditas e muito bem ditas”, o Chefe do Estado afirmou, a certo passo: “D. Manuel I beneficiou de um passado que lhe preparou magnificamente o futuro. Foi, sem dúvida, sumamente venturoso por isso, mas não o teria sido se o não tivesse sabido ser. Esta uma verdade que seria injustiça não lembrar nesta ocasião solene. Termino, apresentando os meus respeitosos cumprimentos aos nobres descendentes do rei Sr. D. Manuel I e lembrando também que devemos ser gratos à sua memória e honrar a obra imensa que realizou. É o que estamos presentemente fazendo em África”.
Falta só dizer que este texto foi objecto de censura pelos serviços do “Exame Prévio”.

Fernando Pereira
12/7/2011

A Borracha do Rocha /Jornal O INTERIOR / 14-7-2011




Presumo que os próximos tempos serão de grande discussão no Partido Socialista num momento em que "O PS tem de ser refundado de alguma maneira, tem de ser melhorado, tem de discutir política a sério e tem de ter política a sério e grandes ideias para o futuro", segundo Mário Soares.
Fiquei perplexo porque sempre pensei que o Mário Soares tivesse sido alguém no PS, mas pelos vistos um de nós enganou-se, a história ou eu.
Nunca é tarde para começar, e já estou a ver que nos próximos tempos o que se vai discutir no Partido Socialista vai ser Hegel, Owen, Fourier ou Saint-Simon , o jovem Marx (estou a ver toda a gente com a Ideologia Alemã e as “Críticas a Feuerbach” na mão, ali para o lado da Rua dos Prazeres),Kautsky, Bernstein, Weber ou outros teóricos do socialismo moderno.
Acredito que vai ser mesmo isto e acho que se vai conseguir sair dos lugares comuns do quotidiano eleiçoeiro, onde magotes de gente com colarinho fechado, vestidos com fardas maoistas a brandir o livro vermelho poderão ocupar uma outra sede, ali perto da Álvares Cabral na cidade capital do País, onde todos os Prazeres de todos os distritos e autónomas fluirão num líder qual revisitação portuguesa de “The Last King of Scotland”, esse filme onde Forest Whitaker foi “oscarado”.
Vou gostar de ver, e quiçá participar neste conclave se me aceitarem, mas talvez ainda não veja grande movimentação porque os textos teóricos estarão presumivelmente a ser passados para PDF. Há sempre a possibilidade de poder consultar o site de uma fundação perto de si (neste caso, no largo de S. Bento, perto do Rato).
Como o Tomas enquanto presidente tinha mais piada que o Cavaco Silva, apesar das atribuições serem iguais, não resisto a colocar aqui uma parte de um discurso e reportagem em 1970 em Torres Vedras: O Chefe de Estado visitou Torres Vedras, onde inaugurou vários melhoramentos. À sua chegada, uma força da Legião Portuguesa prestou as honras da praxe ao Almirante Américo Tomás. Ao discursar, durante a sessão de boas-vindas, o Chefe do Estado evocou o papel histórico das linhas de Torres. Disse o Almirante Américo Tomás: “Tem esta terra, senhor presidente, largas tradições, tradições que vêm de muito longe; mas eu agora só quero referir aquelas que distam no tempo de século e meio. Aqui estão colocadas as Linhas de Torres, essas Linhas que conseguiram parar os exércitos de Napoleão e salvar a cidade de Lisboa na terceira invasão francesa. Pois bem, esta terra cumpriu, através das suas Linhas, o seu papel na defesa da Pátria. Tem cumprido sempre esse papel ao longo dos tempos e eu, neste momento, para terminar estas minhas palavras, quero dizer que as Linhas de Torres estão presentemente em todo o nosso Pais: começam no nosso Ultramar, mas, também, aqui na Metrópole, elas são absolutamente indispensáveis, porque temos que defender a nossa Pátria em todos os lugares onde ela existe. E hoje, nos tempos modernos, o campo de batalha não está apenas no sítio em que as lutas se travam: está em toda a parte, e nós, por conseguinte, precisamos de ter Linhas de Torres em todo o nosso Pais, em todo o nosso território,..”
Não sei se irei ler o “18 Brumário de Luis Bonaparte” de Marx para seguir as orientações do também Nobre, mas Soares.

Fernando Pereira
27/6/2011

10 de julho de 2011

UMA VOLTA PELO BAFIO! / Ágora / Novo Jornal 181/ Luanda 8-7-2011






Às vezes empoleiro-me na estante, arriscando os meus volumosos e mal distribuídos 94kg também os 1, 87m de altura e talento e reencontro verdadeiras obras e desgraças do Espírito Santo, de quem não sou adepto nem tampouco temente.
Voltei a pegar no livro de Mugur Valahu, “Angola – Chave de África”, editado pela P.A. M. Pereira em Lisboa 1968.
Peço que desculpem o termo, mas o livro é uma verdadeira náusea no que às relações humanas e raciais respeitam.
Vamos por partes. Este Mugur Valahu nasceu em Bucareste em 1920 e faleceu no sul de França em 2003. Aos vinte anos, como membro da organização fascista romena da “Guarda de Ferro” , a "Orastie Libertatea", participa e é ferido na “Operação Barbarrosa”, nome de código da intervenção militar nazi na URSS durante a segunda guerra mundial, integrado como voluntário no exército de Hitler.
Em 1946, algum tempo depois da queda do pró-nazi Ion Antonescu, Mugur foge para em Paris onde começa um percurso de jornalista na Rádio Free Europe, BBC, Fígaro e France-Press, tendo conseguido a nacionalidade americana graças aos bons ofícios de uns quantos romenos exilados nos EUA, acolitados pelo arcebispo da Igreja Ortodoxa, Valeria Trifa, presidente da National Union of Romanian Christian Students, organização de legionários do regime romeno, e serventuário das “potencias do Eixo”
Mugur Valahu começa a descobrir uma vocação africana, emoldurada com muito dinheiro à mistura, e em 1961 ei-lo no Congo, mais propriamente no Katanga posteriormente Shaba, onde escreve um livro: “Aqui jaz o Katanga” (The Katanga Circus 1964). O livro eivado de racismo primário é sintetizado no comentário do “Pantera Cor-de-rosa”, o general colonialista Kaulza de Arriaga:”Os povos negros são, de todos os povos do mundo, os menos inteligentes”… “O perigo da civilização colonial vem dos negros evoluídos, mas graças a Deus nós não temos possibilidade de fazer evoluir todos os negros”. Já nem me preocupo em reproduzir as recomendações do K. “na necessidade de crescimento da população branca e na limitação da população negra através da limitação científica da natalidade”.
Mugur Valahu, um mercenário da caneta, do tipo Cascudo ( que foi assessor de imprensa da FNLA, depois de muitos trabalhos laudatórios para o CITA , de Alves Cardos, conhecido entre os jornalistas em Angola em meados dos anos sessenta pelo “Major Cabaça” (polido por fora e oco por dentro).
Ler este livro ou discursos, publicações ou opúsculos de Henrique Paiva Couceiro, Norton de Matos, Mousinho de Albuquerque é exactamente o mesmo no conceito que tem do africano, e no caso do angolano.
“O contacto com o branco mudou naturalmente os hábitos dos negros, que muitas vezes tiveram que trabalhar a chicote. Há pessoas que perguntam certamente por que motivo os portugueses recorreram no passado ao trabalho obrigatório, e hoje ainda recorrem á disciplina dos contratos. É que se os deixassem viver à sua moda frugal, sem nada fazer, a maioria do tempo, os Negros de Angola, e também dos outros países, viveriam na ociosidade”…”Foi pois o branco que, com as suas tentações, os veio tirar do seu torpor” (SIC).
Outra pérola sobre a actividade psico-social do exército colonial numa determinada fase da guerra em Angola: “ Se o negro nos rouba qualquer coisa, é preciso censurá-lo abertamente e reclamar a restituição do objecto; nem ele se sente atrapalhado se for apanhado com a mão dentro da algibeira do próximo. Se, pelo contrário aceitamos as suas negativas, as suas mentiras, não hesitará em falar de nós como de imbecis que se deixam facilmente intrujar”(SIC).
Este livro, hoje uma raridade não é uma obra para se esquecer, é acima de tudo só e apenas mais um documento do que foi um passado em Angola há quarenta anos e qual era a ideologia prevalecente, no contexto de um tempo que muitos não se coíbem de dizer com total desfaçatez que nem foi mau de todo!
Parece descabido neste arrazoado de mentalidades bafientas falar de Ernest Hemingway, mas relembramos que fez cinquenta anos se suicidou na sua casa de Ketchum no Idaho (2 de Julho de 1961). Terá sido um dos melhores de sempre, e que no Velho e o Mar deixa esta frase: «o homem não foi feito para a derrota», «um homem pode ser destruído mas não derrotado.».

Fernando Pereira
30/6/2011

2 de julho de 2011

DA PANELA AO UGANDA! / Ágora/ Novo Jornal nº 180/ Luanda 30-6-2011





DA PANELA AO UGANDA!
As modernidades não param de me surpreender.
Fui recentemente convidado por uma amiga para comer um fungi e naturalmente não recusei, pois sei que normalmente fá-la sempre bem, sendo até demasiado escrupulosa na escolha dos ingredientes.
Naturalmente cheguei a sua casa no quarto de hora seguinte à hora previamente marcada, e curiosamente não a vi afogueada como das outras vezes em que fui presenteado com uma opípara muambada.
Fui à cozinha colocar o vinho branco na geleira e não vi a desarrumação habitual que um repasto destes costuma proporcionar.
Sentados à mesa reparei que o sabor não era exactamente o mesmo, mas há dias em que as coisas na cozinha não correm bem e o único comentário que fiz foi um desengraçado: “já comi pior e gostei”!
A surpresa estava guardada para o fim, quando essa minha amiga me disse que tinha sido cozinhada numa “Bimby”, a “Barbie” das cozinhas modernas e que pelos vistos dá para fazer tudo. Mercado muito, criatividade cada vez menos!
Em Luanda na segunda metade dos anos setenta levantou-se um coro de protestos em torno da exibição do filme a “Vitória em Entebbe” no Cine Atlantico. Uma parada de estrelas liderada pelo judeu Marvin Chomsky resolveu fazer uma recriação do resgate de um avião da Air-France, sequestrado por um comando palestiniano que exigia a libertação de presos em Israel. O filme era uma adaptação moderna do Weissmuler e a sua racista pose de Tarzan, num misto de qualquer coisa como “O ultimo comboio do Katanga” ou o “Africa Adeus”, filmes que recorrentemente passavam no Colonial, N’gola e S. João na primeira metade dos anos 60.
O filme era vexatório e nem os que se opunham a Idi Amin em África toleraram tamanha dose de arrogância sionista e racismo, daí os protestos no “Jornal de Angola” ao tempo o único jornal do País. Trinta anos depois a extraordinária interpretação do tranquilo Forest Whitaker no papel de Idi Amin, James McAvoy na pele de Dr. Nicolas Gerringan, numa realização superior de Kevin Macdonald do filme “ O Ultimo Rei da Escócia”, trata de forma fidedigna os tempos de crueldade num dos mais prósperos países agrícolas de África.
Idi Amin era presidente do Uganda e da OUA quando a Republica Popular de Angola se tornou independente e houve acordos com Nixon tendentes a que a UNITA fosse privilegiada na luta pelo poder em Angola. Foi Idi Amin quem forçou o reconhecimento da UNITA como movimento de libertação com o sórdido argumento de que Àfrica devia ser para os negros, como Deus lhe havia confidenciado a seguir ao golpe de Estado que depôs em 1971 Milton Obote.
Os britânicos apoiaram este antigo boxeur, sargento dos King’s African Riffles, na expectativa de terem alguém mais brando para defender os seus interesses. As elites africanas adaptaram-se a ele durante longo tempo, visto que aquele que afirmava que “nunca se chega tão depressa como uma bala de espingarda” foi eleito em 1975 para a presidência da OUA, e nessa qualidade recebido por Paulo VI. Nyerere em vão protestava:” Um assassino, um opressor, um fascista negro e um admirador confesso do fascismo”, e a realidade é que para além de cem mil mortos no seu consulado (1971-1979), o corte de relações com o Reino Unido, a sua promoção a marechal com toda a parafernália de pechisbeque e trajes, a expulsão de 90.000 indo paquistaneses, indispensáveis à economia do Uganda e deixou o País à beira da fome e a população no estado mais desesperado de indigência.
Idi Amin, o “Big Daddy”como gostava de ser chamado fazia parte dos 7% de muçulmanos dos vinte milhões de habitantes do Uganda e foi deposto por Yusuf Lule em 1979, que numa entrevista à Afrique-Asie de 16 de Abril desse ano disse que “ O Islão nunca foi tão terrivelmente caricaturado como por Idi Amin Dada, que acabará no caixote do lixo da história…”.
Ainda não andava a “Bimby” por perto!

Fernando Pereira
27/6/2011
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