29 de julho de 2011

“A crítica pública devia ser um direito e não um risco”/ Ágora/ Novo Jornal 184/ Luanda 29-7-2011



Nesta coluna há uns tempos, fiz uma referência a um julgamento em que três cidadãos estavam no banco dos réus, porque de diferente forma participaram na peça do Teatro D. Maria II, “ A filha rebelde”.
A peça baseada num texto de José Pedro Castanheira, com Margarida Fonseca Santos como encenadora e Carlos Fragateiro na qualidade de director do D. Maria II, réus num processo em que eram acusados de difamar a figura do falecido Fernando da Silva Pais, o ultimo director da PIDE- DGS em Portugal. Os familiares acusaram os autores da peça de “colocarem na lama” o bom nome do seu tio, e o que se me oferece dizer é que o Silva Pais tem que ter o nome e a vida dele sempre na lama, que é o seu lugar, tais os crimes que cumpliciou.
Aconteceu a absolvição dos réus com o argumento do juiz que deveria fazer jurisprudência: “a crítica pública devia ser um direito e não um risco”.
Ao contrário de algum marasmo qualitativo na literatura angolana actual, assistimos na literatura portuguesa ao aparecimento de excelentes talentos que temos que referenciar, já que cada vez mais a expressão oficial portuguesa é a unidade da nossa vida comum. Walter Hugo Mãe (pseudónimo de WH Lemos) por acaso nascido em Saurimo em 1971 é hoje um dos emergentes romancistas portugueses com enorme êxito em Portugal e no Brasil, tendo Saramago comentado em 2008 que “estávamos perante um tsunami na literatura” e curiosamente um dos poucos que António Lobo Antunes elogiou. “A máquina de fazer espanhós” é um livro de leitura urgente, deste multifacetado artista plástico, romancista, poeta, editor e DJ.
Outro dos brilhantes escritores da nova geração, por acaso também nascido em Angola (Luanda 1970) é Gonçalo M. Tavares que em 2007 recebeu vários prémios, um deles entregue por José Saramago e que disse a propósito do romance “Jerusalem”: «é um grande livro, que pertence à grande literatura ocidental. Gonçalo M. Tavares não tem o direito de escrever tão bem apenas aos 35 anos: dá vontade de lhe bater!». Este ultimo livro “Uma viagem à Índia” recentemente editado pela Caminho, é uma obra extraordinária e corolário de todo um percurso de vários “Senhores”, conjunto de livros surpreendentes do autor.
Se juntarmos a estes um José Luis Peixoto, um João Tordo ou um Jacinto Lucas Pires, para citar apenas meia dúzia de romancistas, podemos afirmar sem rebuço estarmos perante um período muito interessante das letras do “Ultramar” com a capital em Lisboa!
Estamos no ano da comemoração do centenário do nascimento de um dos poetas portugueses que melhor escreveu o Alentejo, suas gentes e lutas; Manuel da Fonseca (1911-1993) foi um dos grandes do neo-realismo, fundador da Vértice, onde colaboraram também Eugénio Ferreira e Manuel Rui Monteiro, e presidente em 1965 da Sociedade Portuguesa de Escritores quando esta foi encerrada, na conhecida circunstância da atribuição do prémio a Luandino Vieira pelo seu romance Luuanda.
Manuel da Fonseca viu muitos dos seus poemas serem musicados por um dos cantores de intervenção mais injustamente esquecidos em Portugal e em Angola: Adriano Correia de Oliveira.
Adriano Correia de Oliveira (1942-1982), um enorme coração de 1,80m foi um exímio intérprete da canção de Coimbra, “baladeiro”, cantor de intervenção, actor de teatro, jogador de voleibol, estudante de direito e acima de tudo um homem solidário e um verdadeiro distribuidor de afectos.
Participou com Zeca Afonso, Fausto, Ruy Mingas entre outros num espectáculo de apoio ao MPLA na Cidadela, e entre muitos apertos que teve ao longo da vida lembrava sempre o do “canto livre” da cantina da Universidade, na baixa de Luanda ao pé da Igreja da Nazaré, quando a cantina foi invadida por provocadores armados da FNLA nesse distante 1975.
Trabalhou com alguns de nós em muita coisa relacionada com a emergente Republica Popular de Angola, nomeadamente no Órgão Coordenador do MPLA para a Europa, no Luciano Cordeiro em Lisboa, onde se fazia de tudo em pouco para se substituir uma embaixada que não havia então em Portugal.
O Luis Filipe Colaço, nosso insigne estatístico, colaborou com o Adriano nos arranjos musicais do disco “O Canto e as Armas” de 1971 onde tem uma canção com poema seu, editado pelo Arnaldo Trindade, antecedendo a sua fuga de Portugal para se juntar aos muitos que lutavam por uma Angola diferente.
Fernando Pereira
24/7/2011

2 comentários:

Retornado disse...

Não sabendo que Hugo Mãe era Quioco, (por acaso)podemos pensar que a literatura portuguesa está mais rica, graças à "expulsão" dos brancos daquele território.

Feliz o país que tem "retornados" tão ilustres.

Retornado disse...

Não sabendo que Hugo Mãe era Quioco, (por acaso)podemos pensar que a literatura portuguesa está mais rica, graças à "expulsão" dos brancos daquele território.

Feliz o país que tem "retornados" tão ilustres.

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