1 de abril de 2011
JARDIM COLONIAL / Ágora/ Novo Jornal/ Luanda 1-4-2011
No domingo passado resolvi dar uma volta em Lisboa e escolhi na zona de Belém o Jardim Botânico Tropical.
Este jardim, que está num magnífico estado de conservação, já teve ao longo dos anos vários nomes. Foi uma adaptação dos jardins dos Condes da Calheta, para que fosse um dos núcleos da Exposição do Mundo Português .
Nessa exposição começou por ser o “Jardim Colonial”, uma antevisão do que seria a zona dos “Descobrimentos” no “Potugal dos Pequenitos” em Coimbra numa obra do arquiteto Cassiano Branco. Neste espaço construíram-se pavilhões onde ao tempo se faziam exposições de artesanato, colóquios, mostras de trajes e outras iniciativas que ocuparam continuadamente o espaço entre 23 de Junho e 2 de Dezembro de 1940. A maioria encontra-se encerrada, apesar de relativamente bem cuidadas, excepção para a grande estufa central, que já terá conhecido melhoras dias, apesar de guardar espécies interessantes da flora africana.
Foi depois o Jardim do Ultramar, Tropical e finalmente Botânico Tropical, dependente do Instituto de Investigação Científica Tropical e é um espaço magnífico de Lisboa, paredes meias com o Palácio de Belém, residência oficial do Presidente da Republica de Portugal.
Confesso que as razões para voltar ao “Jardim Colonial” foi o facto de no Palácio dos Condes da Calheta, hoje propriedade do IICT, estar uma exposição interessantíssima chamada “Viagens e Missões Científicas nos Trópicos”, merecedora de uma visita detalhada, pois é uma viagem ao trabalho e ao estudo minucioso do que foram as missões ou as experiencias colectivas e individuais de cientistas, biólogos, geógrafos, tipógrafos, botânicos, ornitólogos, ou até vulgares diletantes no espaço colonial português.
A exposição é riquíssima não apenas no aspecto documental, mas também uma mostra muito bem organizada da multiplicidade de materiais utilizados por todas as expedições, desde as necessárias para definir fronteiras como as que assentaram nas prioridades económicas ou puramente académicas.
O mais importante a reter desta exposição é a alteração do seu contexto “ideológico”, pois deparamo-nos com a ausência dos panegíricos ao “mundo que os portugueses descobriram”, apenas uma homenagem aos valorosos homens e instituições que apenas tinha como móbil o factor científico dos seus trabalhos em circunstâncias particularmente difíceis. É uma avaliação muito subjectiva mas penso não ser alheio o facto dos autores dos módulos desta exposição serem jovens académicos despidos de alguns escolhos da mentalidade colonialista ainda perene nalguns sectores.
Entre o espólio de alguns ilustres cientistas, muitos deles apeados da toponímia luandense sem justificação plausível, e que aqui trarei em futuros artigos, achei interessante ver uma parte do espólio de José de Macedo, autor de um livro centenário sobre a política colonial denominado “Autonomia de Angola”, felizmente reeditado pelo IICT no ano passado.
José de Macedo (1876-1948) foi um republicano, maçom, pedagogo, jornalista e defensor da liberdade dos povos das colónias, num período em que o racismo e a exploração dos povos coloniais eram matriz essencial da primeira metade do século passado.
José de Macedo, fortemente influenciado pelo positivismo de Proudhon, grande companheiro de Magalhães Lima, referência maior da maçonaria portuguesa e figura de proa do Republicanismo Português, foi preso várias vezes pela sua luta contra a Monarquia, muitas vezes através da contundência dos seus escritos na “Lucta”.
Perseguido, embarca para Angola onde para além da sua actividade profissional de professor assume a direcção do jornal “A Defeza de Angola” (1903, segundo Julio Castro Lopo), e também aí é preso por ter gritado “Viva a Republica” num jantar no Hotel Areias onde fazia uma sessão com lojistas e funcionários em Angola. Fundou em Luanda o “Colégio Progresso”, fez vários percursos pelo interior do território donde resultaram livros importantíssimos para o estudo da sociedade angolana do virar do século e de enorme importância política e de apoio à etnologia e antropologia. Lutou pelo desenvolvimento e conhecimento da sociedade angolano e participou nas lutas cívicas anti-esclavagistas e favoráveis à alteração do controlo dos contratos de serviçais, que lhe granjearam um enorme respeito mas também muitos inimigos. Foi colaborador do Jornal de Benguela entre 1912 e 1919.
Deixou um grande espólio que a família legou ao IICT, e talvez tenha chegado a hora de começarmos a conhecer em pormenor um homem que foi sendo sucessivamente esquecido na voragem das transformações políticas.
Renunciou a cargos e honrarias e o seu mote de vida pode ficar neste parágrafo retirado do seu livro “Etnografia e Economia”: “Luta um velho que quer dar exemplo aos novos, de constância no estudo e no sacrifício de seu nome humilde que vem lembrar aos jovens que nunca é tarde para exercer uma função e que até ao túmulo deve aparecer perante os outros a expor o fruto do seu trabalho e das suas vigílias”.
Fernando Pereira
30/3/2011
25 de março de 2011
Reviver o passado em Luanda/ Ágora/ Novo Jornal / Luanda / 25-3-2011
“Escrevo-te num domingo insuportável de calor, numa esplanada diante da baía...
Que cidade horrível. É como passar um domingo em Benfica na esplanada Estrela Brilhante, com o chão cheio de tremoços e de detritos. Uns negros aleijados, arrastam-se a pedir esmolas, outros oferecem-me cinzeiros de madeira, objectos esculpidos, jornais, farrapos e miséria. Nunca pensei vir encontrar tanta pobreza, tanta porcaria, tanto calor. Uns sujeitos sebentos, de pasta, trocam escudos por angolares, com 12% a mais. Mas é tudo caro, tórrido e feio.
...
Ontem um amigo daquele outro médico afinal conhecido, levou-nos a visitar a ilha, uma espécie de promontório com praias de um e outro lado, casas, um clube de golfe. Uma espécie de Rodésia vista por um mestre-de-obras de Tomar.
...
Luanda está longe de ser uma cidade vivível: toda ela é uma espécie de Areeiro de província, com o mesmo pretensioso gosto suburbano, e os brancos daqui têm todo o mesmo indefinível aspecto dos vendedores de automóveis daí, de patilhas sem classificação social, camisas transparentes, e mulheres tipo locutoras de rádio, demasiado bem vestidas para serem inteiramente honestas. Os musseques são uma espécie de bairro da Boavista ampliado, em que os moradores fossem todos jogadores do Benfica. Só a terra é que é vermelha, como a areia dos estádios, e as noites cheias de murmúrios de insectos e de folhas, mergulhadas num mormanço de suor.
O que irrita é ver as revistas angolanas, de Luanda, cheias de fotografias de bailes e de festas e de eleições de misses, enquanto nós, que nada temos com eles, que pertencemos ao puto, como eles dizem com desprezo, estamos aqui a por os testículos no lume por eles. Não pormenorizo muito isto porque, mas os brancos locais, sobretudo os das cidades, são de um tipo de novo-riquismo saloio e soberbo, verdadeiramente insuportável. Luanda é horrível de mau gosto, uma terra onde eu nunca quereria viver, feia pretensiosa, sem categoria de espécie alguma. Sente-se o dinheiro por todo o lado, principalmente nos automóveis americanos,porque a maneira de vestir destes tipos é absolutamente execrável. Não merecem a terra extraordinária em que vivem, e, julgo, não a sabem, sequer, apreciar. Não há em Luanda absolutamente nada que preste: as poucas estátuas que tem, ultrapassam em mau gosto tudo o que se possa suportar, os edifícios são todos no género daquele em que mora o Souto, e que para mim representa o paradigma da fealdade. É uma excrecência absurda e estúpida. E estes tipos aqui acham Luanda um paraíso, uma espécie de Rodésia em melhor. Não nos agradecem o nosso sacrifício por eles, e, no fundo, tratam-nos com uma condescendência desdenhosa de brasileiros ricos. Que diferença de Lisboa. Não se pode viver numa cidade sem passado. Estes tipos são bem os descendentes dos degredados e está tudo dito.”
Esta Ágora foi fácil de fazer, foi só copiar excertos do livro do português António de Lobo Antunes, “D’Este Viver Aqui Neste Papel Descripto”e é um conjunto de aerogramas publicados pelas filhas do escritor, e que fazem parte da correspondência trocada com Maria José Lobo Antunes no dealbar da década de 70.
António Lobo Antunes foi médico militar na tropa colonial entre 1971 e 1973, e a fase inicial da sua extensa obra de romancista é um libelo extraordinário contra a política colonial portuguesa.
Em jeito de balanço final, já que comecei a ser a partir de 15 de Março de 2011 mais um de “etnia africana”(???), não posso deixar passar incólume as ofensivas palavras de Cavaco Silva no 15 de Março de 1961, revelador que não são as datas que mudam mentalidades e convenhamos exige-se mais a quem escreveu o discurso apologético da “guerra do Ultramar” que o Presidente da Republica de Portugal leu e mal.
Fernando Pereira
22-3-2011
18 de março de 2011
LEITURAS / Ágora / Novo Jornal / Luanda / 18-3-2011
Na semana passada na minha tertúlia, onde naturalmente também se faz um pouco de má-língua, tivemos uma discussão muito interessante sobre a obra literária de Henrique Galvão.
A realidade é que ao longo da discussão que revelou um ou outro conhecedor da obra completa do capitão Galvão, fiquei interessado em melhorar os meus conhecimentos de uma personagem ostracizada, mas que na realidade deixou um verdadeiro manancial de informações sobre Angola, que talvez merecesse estudos detalhados.
Henrique Galvão era um proto colonialista, acérrimo defensor do império colonial português que fez o seu debute político no Integralismo Lusitano de Rolão Preto, António Sardinha e Pequito Rebelo. Este grupo numa visão muito simplista da história política a ala mais à direita do corporativismo salazarista em que a maioria dos seus activistas foi perseguida, presa ou mandada para o degredo (Rolão Preto esteve em Angola nessa condição). A sua evolução no percurso salazarista levou-o a Comissário da Exposição Colonial no Porto em 1934, depois director da então Emissora Nacional, posteriormente governador da Huíla, incompatibilizando-se com Salazar no decurso da sua actividade parlamentar enquanto deputado por Angola em que verberou a política racial e desumana que os trabalhadores angolanos eram vítimas das autoridades administrativas e empresas na então colónia.
Na sequência de um relatório muito cáustico em relação à promiscuidade entre os poderes central e local, os angariadores ou negreiros e os comerciantes e grandes companhias coloniais foi detido, expulso do exército e preso com o argumento de conspiração. Consegue a fuga em 1959 de um sétimo andar do Hospital de Santa Maria em Lisboa, episódio rocambolesco de um homem que driblou sempre Salazar e seus sequazes.
Influenciado por África, escreveu textos brilhantes sobre a fauna, a flora e a caça em Angola, autenticas pérolas literárias e ilustradas de uma pessoa de enorme ligação a um território imensamente rico e diversificado na sua natureza ainda imaculada. É uma pena que essa obra se encontre esgotadíssima, e quando aparece algum livro num alfarrabista é a preços perfeitamente proibitivos.
A sua vasta obra literária, donde poderemos excluir os livros marcadamente políticos, encontra também peças de teatro, romances ou descrições das suas múltiplas viagens à Angola profunda e a sua grande sensibilidade para apreender a realidade de povos que a cultura citadina vai esquecendo, nalguns casos de forma aviltante. O “Kurika” tem sido frequentemente reeditado e encontra-se com facilidade, o que não acontece com o “Pele”, “Impala”, “Vagô”, “Outras Terras, Outras gentes” (Este sobre Moçambique) e outros, o que não permite ficar com a dimensão de um escritor que descreve a África com odores, matizes e sons em cada folha que vamos lendo.
A propósito de Galvão vem-me à memória o Cunha alfarrabista que tinha o seu estaminé ao lado do “Frimatic” de um tal Ferrobilha Guedes. O Cunha era uma figura estranha para nós miúdos, tinha uma loja esquisita e ele próprio não nos gramava porque passávamos uma parte do muito tempo livre que tínhamos a chatear as pessoas e ele punha-se a jeito para a nossa irreverência pueril, talvez pelo seu físico, talvez por parecer taciturno, ou por qualquer outro motivo que me deslembro.
Conheci-o mal pois as únicas vezes que entrei na sua desarrumada loja, como deve ser qualquer alfarrabista aos olhos dos visitantes, foi com um tio meu com quem ele conversava tempos que pareciam uma eternidade, já que eu estava ali apenas para ir numa missão de soberania ao Baleizão comer uma cassata.
Mais tarde senti a falta do que foi praticamente o único alfarrabista de Luanda, que terá morrido sozinho em 1967, a que a “Notícia” terá dedicado umas breves linhas. Os seus livros terão sido leiloados ou vendido ao desbarato porque o “Rei dos Frigoríficos” que tinha a oficina na antiga fábrica de sabão no sopé da fortaleza queria frigorificar a cidade e precisava do espaço do Cunha. Resta-nos homenagear o alfarrabista, o primeiro de todos a amar verdadeiramente o pó dos livros.
Como diria Nietzche: “ Não podemos regressar ao antigo, já queimámos os nossos navios; só nos resta ser valentes, aconteça o que acontecer”
Fernando Pereira
15-3-2011
12 de março de 2011
Berrida em câmara lenta! / Ágora / Novo Jornal / Luanda 11-3-2011
No dealbar dos anos setenta o nosso grupo do bairro da Maianga ia invariavelmente, todas as noites de sábado e tardes de domingo, assistir aos jogos nas barrocas que havia em frente ao Palácio da Cidade Alta.
Era o nosso lugar de eleição, partilhado por centenas de pessoas que só divisávamos no escuro pela beata acesa ou em sonoridades variadas quando havia golo ou falhanço. Essa clandestina bancada era para um conjunto de “capitães da areia” um verdadeiro lugar de culto para toda a sorte de patifarias com que nos divertíamos nesses tempos em que nem se pensava que poderia vir a haver televisão no País e da internet nem se falava. Queríamos lá saber do Gomes,o meu amigo Manecas , Alves, Garrido, Benje, Carmona, Justino ou outros. Objectivamente o que queríamos era ver se conseguíamos a proeza de promover um brilhante basal de pancadaria entre os assistentes. A verdade é que à custa de atirar alguns torrões de terra vermelha e umas maçãs da Índia gamadas nuns quintais que havia no caminho, conseguimos assistir a deliciosas discussões, que não raras vezes acabavam em bulha e a solicitar a presença da Polícia Militar Colonial para apaziguar os ânimos. O nosso grupo saiu sempre incólume destas rixas pois aparentávamos ser meninos educados.
Convém dizer que quando vinham clubes portugueses jogar aos Coqueiros, e os preços dos bilhetes eram proibitivos para ver jogos de sonâmbulos, já que normalmente eram no início da preparação do campeonato de Portugal, todos os clandestinos eram forçados a expedientes bem mais complicados, porque as autoridades coloniais enxameavam de polícias toda essa zona, não permitindo qualquer veleidade aos utilizadores habituais do terceiro anel dos Coqueiros, onde tinha lugar cativo.
Uma das vezes que isso aconteceu manifestamo-nos contra o aparato policial que as forças coloniais nos impuseram nas barrocas, para nos impedir de ver um jogo entre as duas equipas de proa do regime, o Sporting de Portugal e o Benfica de Lisboa, manifestação que só deu resultado para conseguirmos ver a segunda parte quando o poderoso contingente de seis polícias e dois cães algo adormecidos se retiraram, depois de ordem superior. Na altura manifestávamo-nos por motivos algo pueris, mas também mais tarde ousei manifestar-me em circunstâncias que me deram gozo por motivos mais sérios, mesmo quando levava uns pequenos “moscardos”, porque na realidade nunca fui muito ousado para me chegar muito próximo das forças de repressão e tento afastar-me o suficiente para que elas não se chegassem a mim.
Há uns tempos estava numa casa que tinha um parque de estacionamento para uma biblioteca pública que funcionava das 9 às 18h; fora desse período estacionava o carro já que não havia problema algum. Os vizinhos do prédio faziam o mesmo, e durante uns tempos não houve problema algum pois para além de sermos conscienciosos, e com medo da multa, todas as manhãs tirávamos o carro antes das nove horas.
Aquilo tinha um portão de correr que estava sempre aberto, e o guarda avisou-nos várias vezes que não toleraria durante muito mais tempo a presença dos nossos carros, sem que nos desse uma explicação no mínimo aceitável para que não os colocássemos lá. Um dia consumou a ameaça e com tiques de títere resolveu fechar o portão perante a estupefacção de todos. Durante uns tempos lá vinha o guarda fechar o portão a rir-se para os poucos que sem querer olhavam para ele, até que houve um que se lembrou de comprar uma lata de tinta dos grafitteiros e escrever no portão branco imaculado: “O guarda-nocturno é corno”!
No dia seguinte quando foi abrir o portão viu toda a gente a rir e partilhou o riso, mas quando se deparou com a realidade ficou possesso e pior ficou porque não podia fechar o portão senão apareceriam em letras garrafais a frase assassina.
Nunca mais o portão foi fechado, apesar de o terem pintado de novo!
Em jeito final recordo que no último dia do ano de 1972, na capela do Rato, em Lisboa, um grupo de católicos fez uma vigília contra a guerra colonial e a repressão que então se fez sentir sobre os clérigos presentes e os cidadãos ligados às juventudes católicas e ao GRAAL, serviu na perfeição os desígnios para aumentar a visibilidade interna e externa da falta de liberdade e da repressão em Portugal e nas colónias.
Fernando Pereira
7/03/2011
10 de março de 2011
Tu podes nunca querer saber da política, mas, lembra-te, a política quer sempre saber de ti! / O Interior / 10-3-2011
O Partido Comunista Português comemorou no passado dia seis de Março noventa anos de história, motivo de regozijo para todos os democratas e gente de esquerda, mesmo os que como eu não partilham alguma da sua prática política.
O PCP confunde-se com a luta pela liberdade, pela resistência à ditadura e pela defesa na melhoria das condições de vida do povo português e isso é inegável e é justo reconhecê-lo.
Conhecendo o percurso histórico do PCP, analisando o que foi o discurso que permitiu os arremedos de ditadura na 1ª República e simultaneamente os fundamentos em que assentou a ditadura do Estado Novo, fico naturalmente apreensivo quando se generaliza que a política é um embuste e a maioria dos políticos uns trapaceiros e gente de carácter duvidoso.
A liberdade e a democracia servem para ser melhoradas, e só é possível com diversidade na discussão política em torno de alternativas que possibilitem a optimização da realidade económica do País e naturalmente feita com as pessoas enquanto agentes políticos responsáveis. Dizer pura e simplesmente que a política é uma treta e que quem está na política é para se encher, é um absurdo que aceite na sociedade de forma generalizada vai permitir o aparecimento e a aceitação de propostas messiânicas de contornos muito difusos, assentes em pessoas que dizem que nada tem a ver com a política e estão aqui com o objectivo apenas de servir, assim ao tipo de professores que mais tempo estiveram no poder, sem lá quererem ter estado e que nunca quiseram ser políticos (vide um exemplo mais remoto, Salazar e recentemente Cavaco Silva)
Agustina Bessa Luis, a mais talentosa romancista portuguesa viva, diz que “Há nos portugueses uma sinceridade para com o imediato que desconcerta o panorama que transcende o imediato”, e de certa forma isso explica uma parte do que vamos assistindo no quotidiano social em acentuada degradação de Portugal, onde de há uns tempos a esta parte os banqueiros são as figuras de maior notoriedade na relação mediatizada com o poder, mau grado os exemplos dos casos BPP e BPN, e os outros que hão-de vir.
O problema é que neste contexto em que se vive com a palavra “mercado” em contínuo no léxico dos políticos, politólogos, achólogos, comentólogos e por aí fora vamos assistindo ao continuado degradar dos actuais políticos que dão alguma razão a Tennesse Williams, na “Ultima Primavera” que diz “O que é talento senão a habilidade para conseguir alguma coisa”, e essa coisa é a perpetuação ou alcançar o poder a todo o custo.
Posso parecer elitista, mas de facto os dirigentes do Estado degradam a sua imagem estando sempre a aparecer na comunicação social e a maioria das vezes a dizerem trivialidades ou incoerências em relação a discursos anteriores; é sempre melhor ser-se “desejado que tolerado”.
Recentemente o PM José Sócrates esteve na Guarda pela terceira vez para visitar as obras do hospital, tendo estado também pela segunda vez em meio ano em pleno túnel do Marão. Acho que o primeiro-ministro não deve andar a ver obras, isso é para os inspectores, deve resguardar-se para as inaugurar com toda a pompa e circunstância, porque este tipo de equipamentos são imprescindíveis para o bem-estar das populações e aí o PM sentirá a alegria do povo; aquele cenário de uma parede com tijolos onde José Sócrates falou aos jornalistas acabou por ser o corolário infeliz de um fim-de-semana que nada trouxe em abono de eventuais ganhos políticos do primeiro-ministro.
Nestas visitas de vez em quando os políticos teem que perguntar alguma coisa, porque faz parte do protocolo e ao cicerone que normalmente gosta de falar de tudo, mesmo que a maior parte das coisas não interessem rigorosamente a ninguém, e pouco mais conseguem senão dar uma tremenda seca a quem está ali pouco mais que para ser visto e filmado.
O eternizado putativo rei de Portugal faz uma visita a um hospital na região centro e pergunta a um médico que está de serviço no banco em pediatria: “Há aqui muito doente de baixa no seu serviço?”; pediatria S.M. é um serviço para crianças, que não teem direito a baixa! Com reis destes imaginem a qualidade do baralho!
Fernando Pereira
6-3-2011
4 de março de 2011
Salteados/ Ágora/ Novo Jornal / Luanda / 4-3-2011
É quase um ritual assistir à festa de entrega dos Óscares, cerimónia já demasiado rotineira, com encenação e apresentação ao jeito do que os espectadores da TV e da imprensa exigem ter para comprar e com alguns protagonistas interessantes, vestidos a preceito como convém ao espectáculo mediático da grande indústria do cinema.
Os resultados foram os previsíveis e nem a mim me decepcionaram no quadro das minhas expectativas, já que tinha visto a maior parte dos filmes a concurso.
A única situação dissonante, pouco habitual nestes eventos acabou por ser a intervenção do laureado Charles Ferguson, que optou por começar o seu discurso dizendo: «Perdoem-me, mas eu preciso começar dizendo que, três anos após a horrível crise financeira causada por uma grande fraude, ainda nenhum executivo foi para a cadeia. E isso está errado!». O Óscar para melhor documentário foi atribuído a "Inside job", de Charles Ferguson e Audrey Marrs, um trabalho que pretende ser um retrato do lamaçal, da podridão, da pulhice e dos crimes que estão na origem da “crise financeira” que ainda atravessamos.
Pró ano em princípio há mais.
Vi neste jornal que um grupo de artistas portugueses, muito ligados à “revista” viriam provavelmente a Angola dar um espectáculo. Não questiono as potencialidades artísticas da Marina Mota, nem de outros que conheço no seu elenco. Acho-a talentosa, com muita força em palco, mas sinceramente acho que é um tipo de teatro que me cheira ao revivalismo dos tempos do colonial, dos espectáculos para os soldados, promovidos pela Supico e patrocinados pelo governo português de forma a manter viva a chama da portugalidade.
Acho que a vida cultural da nossa cidade merece bem mais que “teatro de revista”, fenómeno urbano lisboeta dos fins do século XIX, importado de França e adaptada à brejeirice algo rasteira que o português ocasionalmente escolhe para fazer humor e sátira.
Em 1971 salvo erro, vi pela última vez um espectáculo de “revista” no recentemente demolido Teatro Avenida, com uma companhia onde andava o Ribeirinho, a Mariema, o Henrique Viana, entre vários e uma talentosa actriz de teatro que se despedia do palco para ir viver com o marido em Calomboloca, a Lia Gama.
Lia cedo se cansou de mato, da guerra, já que o marido era militar, e da pasmaceira cultural da Luanda colonial, tendo ao fim de dois anos bazado para Portugal onde retomou com grande êxito o teatro, tendo sido uma das melhores intérpretes de Brecht que vi até hoje em palco. Ainda hoje é das mais conceituadas artistas portuguesas.
A primeira companhia de teatro profissional de Angola, a CTA, com dedinho do empresário Vasco Morgado, resolveu trazer Rodolfo Neves, recentemente falecido, Lily Neves, que fazia voz de falsete nos Parodiantes de Lisboa, e mais uns recrutados localmente como Maria Dinah, Carlos Quintas, Vera Mónica e outros que me deslembro resolveram montar um teatro de revista permanente, e a julgar pelos textos eternamente deprimente, mas que a sociedade colonial a quem o falecido Horácio Roque vendia cabeleiras delirava, e fazia de uma ida à revista uma actividade do tipo social de uma ida ao Lincoln Center em New York ou ao Scala de Milão.
Poupem-nos a estes dislates e apoiem o trabalho das companhias locais de teatro que existem em Angola, com gente muito séria, que há muito querem fazer com mérito o que outros tentam fazer com saloiice, no critério serôdio de tentar reavivar os valores doantigamente.
Por este andar qualquer dia temos a reabertura das casas de fado, onde sempre me impressionou ver uma cantora com um xaile preto de lã nos ombros, com as temperaturas da Luanda que tem meses de tal canícula que o cidadão só se lembra de duas estações: a das chuvas e a do Bungo!
Quando há meses o “Elinga Teatro” esteve em risco de ver o seu local de ensaios demolido, não houve apoio de nenhum destes “iluminados”. Os mesmos que querem trazer a Luanda um modelo de teatro que está decadente em Lisboa, já que a expressão revisteira é nula na maior parte de Portugal e só alguma réstia de indefectíveis nostálgicos vai mantendo uma única sala em Lisboa, a Maria Vitória, num Parque Mayer, que nos anos cinquenta era chamada a “Broadway portuguesa”, naquela megalomania pacóvia, que alguns angolanos desconseguem de se libertar.
Querem uma ideia, porque não fazem touradas, agora que são proibidas na Catalunha, e pelo caminho proibidas em Espanha. Acho que ia haver muito aficionado a caminho de Luanda, dando corpinho às declarações algo destemperadas de responsáveis governamentais na recente Bolsa de Turismo de Lisboa.
Esta fica para outro dia, e por ora só peço que se apoie o teatro angolano, e se deixem de folcolorismos pueris.
Fernando Pereira
1-3-2011
27 de fevereiro de 2011
As redes não servem só para pescar!/ Ágora/ Novo Jornal / Luanda / 26-2-2011
Para quê conquistar mercados para os produtos
que os operários fabricam?
Os operários
ficariam com eles de bom grado.
(Bertold Brecht in “Cartilha de Guerra alemã”)
Bertold Brecht apesar de ser nosso contemporâneo, nunca ousaria pensar que o mundo iria mudar por causa de uma coisa que haveria de surgir pouco mais de cinquenta anos da sua morte, as “redes sociais”, senão nunca surgiria este poema.
Admito que o Facebook e o Twitter acabaram por dar alguma dose de satisfação a Lenine e a Trotsky, principalmente a este ultimo sobre alguma similitude com a “revolução permanente”.
“Ortega Y Gasset” diria provavelmente hoje nós somos nós, as circunstancias e as redes sociais ou como escreveria Agustina Bessa Luis: tudo se cria, tudo se transforma, tudo se recria, tudo se estropia, tudo está em rede!
Eu não sou um adepto confesso das redes sociais, embora participe como milhões de cidadãos, empresas, instituições, clubes, associações, etc. no quotidiano do Facebook e Twitter, onde cada vez mais vou perdendo algum tempo e ganhando alguns conhecimentos de pessoas interessantes, que eu nem sabia que existiam (elas também não sabiam que eu existia!) e temas em discussão que abriram novos mundos ao mundo no domínio do saber e das ideias.
Percebo que as redes sociais para certas pessoas funciona quase como uma catarse, pois acaba por ser o único local onde as pessoas são elogiadas, quer pelas suas frases, pela banalidade de uma citação de algum idiota, por uma música que anda não se ouvia há anos, pelas suas fotos de petiz ou pelas fotos onde a família aparece bela e radiante, como se estivessem a fazer algum reclame à Colgate ou à Kolinos.
O Facebook, que tem extraordinárias virtualidades, é hoje um complemento de muita coisa que muitos nunca ousaram fazer, e isso tem transformado paradigmas de vivencias que exigem uma atenção maior para este fenómeno que há muito ultrapassou o emergente.
As alterações sociais que se tem vindo a verificar um pouco por todo o lado, e Trotsky vai-se rindo na sua cara angulosa com os seu óculos redondinhos, mostram qual a importância da internet e acima de tudo das redes sociais na mobilização para o engajamento em causas e transportá-las para a luta por novas afirmações ideológicas.
Independentemente de milhões de pessoas terem começado a construir quintas, cafés e outros negócios sem se levantarem da cadeira, a realidade é que este fenómeno mereceria estudos detalhados, pois o acesso à internet generalizou-se e com velocidades ou tecnologia diferente e o jovem de Ouagadougu , Akra, Tripoli, Hong Kong, New Jersey, Luanda, Paris, tem acesso a toda a informação, e quando a cortam por necessidade de limitar o acesso ao saber, as pessoas reagem com indignação e agrupadas podem ser casos sérios para os poderes, como se está a provar quotidianamente nos tempos que passamos.
Não vem muito longe os tempos em que escutávamos o serviço da BBC para África, a DW, a Voz da América para sabermos coisas que TPAs, RNAs e outros órgãos de informação não davam por “avaliações meramente de opção informativa”.
O que se está a passar no mundo árabe, em que as ditaduras oligárquicas, as timocracias e as monarquias despóticas prevalecem sentadas na impunidade que a gestão do petróleo lhes permite, com a subserviência cínica dos países industrializados, é um fenómeno interessante mas de contornos ainda pouco claros, porque o entusiasmo inicial nestas revoluções leva muitas vezes ao poder novas e piores formas de governação e ideologicamente mais radicais que a situação que foi existindo. Vamos ver o que vai dar tudo isto, porque a verdade é que para pior já basta assim!
Para não dizerem que só falo de política, vou dar uma volta ao universo do Facebook, e a realidade é como diria Fernando Pessoa. “Primeiro estranha-se depois entranha-se”frase que ganhou o anuncio para a Coca-cola em Portugal, que só conseguiu entrar no hábito dos portugueses depois do 25 de Abril de 1974.
Nunca tantos cultivaram tanto através de quintas, nem milhões imaginaram que um dia iriam ser proprietários de um café ou outros jogos bizarros que só faz aumentar a proeminência ventral e a celulite nas pernas, e convenhamos pouco se aprende para o numero de horas que as pessoas passam em frente ao PC em casa ou no serviço, sendo um dos factores de absentismo já considerável em determinados países que contabilizam isso, algo que apesar de tudo ainda não acontece em Angola.
Pedem-me amizade, e aqui de facto começa a minhas justificadas reservas, porque “Amigo é coisa para se guardar, No lado esquerdo do peito”, como diz a canção de Milton Nascimento, e não para ser amigo de alguns cromos que não conheço de lado algum e que me pedem amizade. Lá vou aceitando, porque o critério na internet também não deve ser tão limitativo, mas de facto começo a sentir que apesar das múltiplas vantagens das redes sociais há demasiados absurdos, e cada vez me apetece menos partilhar alguma da minha privacidade, e também algumas ideias com gente que mostra fotos de há trinta anos, ou um quarto da cara, ou exacerba-se em tiques de narcisismo, que nalguns casos talvez sejam patológicos.
A sorte disto tudo é que a malta mais nova já utiliza isto para coisas com mais interesse, e a esperança é que neste mundo a informação vai ser a primeira grande conquista ao nível global, e a convicção que tenho é que a geração até aos trinta vai ser seguramente melhor que a nossa!
Fernando Pereira
22/2/2011
18 de fevereiro de 2011
Amiúde não é pedofilia/ Ágora/ Novo Jornal/ Luanda 18-2-2011
Amiudadas vezes tenho muitas divergências com o Carlos Pacheco, mas acompanho com interesse a sua colaboração regular em jornais, revistas ou artigos avulsos publicados na blogosfera.
Reconheço mérito a Carlos Pacheco, e se eventualmente algum dia conseguir despir o seu anti-MPLA ao nível do obsessivo, penso que estamos perante um valoroso historiador de uma história contemporânea de Angola que precisa de muitos autores para explicar poucos actores e cenários políticos, económicos e ideológicos tão diversificados.
O seu último livro, já saído no finar de 2010, “Angola, um gigante com pés de barro”, e que só agora tive oportunidade de ler, é uma desilusão principalmente para quem lê o “Publico” diariamente como é o caso desde o número um, aguentando mesmo alguns dislates de alguma orientação jornalística em determinados momentos. O livro, editado pela Nova Vega, do Assírio Bacelar, fundador da Assírio e Alvim e proprietário da saudosa “Compendium”, a primeira editora dedicada inteiramente à educação física e desporto na segunda metade dos anos 70 em Portugal, que muito me valorizou.
Correndo o risco de me repetir tenho a convicção que o Carlos Pacheco tem uma verve criativa, sincera e a sua abordagem da realidade angolana não tem cinismo nem procura agradar a clientelas. Parece-me inseguro nalgumas convicções, mas isso não invalida que lhe demos o mérito que alguns teimam em tentar tirar-lhe. O livro também não merece os hossanas que em Luanda certos sectores lhe fazem nalguns casos à saciedade.
Talvez nem tenha nada a ver com o assunto mas como a vida por vezes é chata, vem-me à lembrança uma anedota de Woody Allen, num daqueles livros do antigamente, editados pela Bertrand, “Para acabar de vez com a cultura”. «Duas senhoras estão num restaurante, uma diz “ A comida aqui é péssima”, e vai a outra: “pois e ainda por cima as doses são pequenas”». Uma frase deliciosa da sua lavra: “Não sei se há vida depois da morte, mas sei uma coisa: Há morte depois da vida”
Esta semana comemoraram-se os cinquenta anos da Renault 4, mostrada ao mundo pela primeira vez no Salão Automóvel de Paris em 1961, muito antes de lá ter sido rodado”Trafic”, penúltimo filme de Jacques Tati (1907-1982), incontornável figura do cinema de humor francês do pós-guerra.
A R4 começou a ser montada em Angola no dealbar da década de setenta em Viana, num acordo com o representante Alfredo F. Matos, que tinha o stand e oficinas na Av. Rainha Ginga. Com a independência do País e o confisco da firma a Renault mandou alguns dos técnicos da empresa a estagiar na Guarda, Portugal. A verdade é que essa linha de montagem em Viana contribuiu com algumas das 8.135.424 que foram montadas no mundo, que são um ícone dos anos sessenta e setenta, e ainda hoje automóveis confiáveis.
Eu fui beneficiado com uma, numa daquelas distribuições habituais, que entretanto se começaram a tornar demasiado inabituais, e o que posso dizer é que nunca me deixou apeado em atalhos, veredas, lamaçais, zonas de ocupação da UNITA, poeirais, buracos urbanos ou alcatrão doce.
Na Secretaria de Estado dos Desportos houve uma distribuição de viaturas, mas como era responsável e dirigente (confesso que nunca percebi se alguém podia só ser uma coisa, porque as duas era responsabilidade a mais para certa gente!) já tinha um LADA, que volta e meia me deixava apeado apesar de não partilhar o anti-sovietismo primário de muitos camaradas meus. Tinha o LADA, que me dava estatuto e deixava-me apeado, e um colega meu neófito no organismo teve direito a uma R4 nova.
Como tinha um perfil mais adaptado a dirigente, propôs-me a troca e eu prontamente acedi sabendo antecipadamente que iria descer de estatuto, mas iria ficar muito menos vezes apeado.
Passados uns tempos numa reunião de um conselho consultivo restrito do ministério, o tema das insuficiências de transportes voltou à mesa, e o meu colega diz que” precisava de um carro porque tinha ficado com um que o camarada Fernando Pereira tinha já estragado”; Eu, sentindo-me despeitado informei que “ o camarada IK tinha querido um carro de dirigente e teve-o, nem que fosse para o empurrar!”; Burburinho na sala e o Rui Mingas teve que pacientemente pedir alguma contenção, e lá satisfizeram o dirigente pelos vistos não responsável no caso com uma R4 onde não brilhava tanto, mas sempre era mais confiável.
Uma boa companheira a Renault 4, que boas companhias transportou e muitas mais outras gostaria de ter transportado.
Como foi semana de dia de namorados, S. V. (Valentim ou Viagra) há uma frase lapidar que gostava de deixar a fechar o texto: “Deitar cedo e tarde erguer boa companhia há-de ter”!
Fernando Pereira
15/2/2011
11 de fevereiro de 2011
É um suponhamos / Ágora/ Novo Jornal / Luanda / 11-2-2011
Richard Nixon (1913-1994) é um dos presidentes que a maior parte dos cidadãos americanos se envergonham, ao ponto de nem sequer gostarem que se fale dele.
Foi o único presidente da Republica dos EUA que na sua história contemporânea teve que resignar por ter patrocinado um tremendo caso de corrupção num processo eleitoral (Watergate) e só perante as evidencias ter sido obrigado a reconhecer a sua implicação e a sua repetida mentira.
Fui recuperar o Nixon, porque realmente há situações bizarras na nossa terra e o que é quase anedótico é o facto de elas me surpreenderem em locais onde nunca pensei ser possível encontra-las. No site da JMPLA a frase para reflexão: “Um homem não está acabado quando ele é derrotado, mas quando desiste” é precisamente de Nixon, o que convenhamos devia ser evitado porque realmente foi um presidente que ostensivamente adulterou os valores fundamentais que construíram os Estados Unidos como referencia para as democracias e liberdade. As frases boas ditas por gente má valem exactamente por quem as proferiu.
Já que se falou em juventude recordo que esta semana o James Dean faria oitenta anos se fosse vivo. Foi um ícone de rebeldia e inconformismo da juventude estadunidense na década de 50. “ A Fúria de Viver”, a “Leste do Paraíso” e o “Gigante” marcam a sua fugaz passagem pelo cinema onde conquistou um lugar e um mito que tem tido um espaço de perenidade que permanece até hoje. Dean representou a América que lutava contra a hipocrisia das instituições e dos costumes, hierarquizadas em padrões em que o dinheiro era a mola real de ascensão de pessoas ao topo, e que quando por lá chegavam se revelavam no que de mais torpe era possível existir.
Ultrapassada a fase de ouro do regresso dos heróis da segunda guerra, a filmografia de Dean acaba por assumir a revolta de um jovem contra os mercados, o maccartismo emergente, a eternizada e ambígua guerra da Coreia, as primeiras manifestações pelos direitos cívicos dos negros nos estados do Sul e acima de tudo pela ruptura que a juventude ia aceitando na musica, no vestir, na sexualidade, um corte com tudo que a América conservadora não aceitava.
Se a morte de Dean em 1955 permitiu durante alguns instantes um alívio aos conservadores, logo isso foi ultrapassado quando rapidamente foi adoptado como o ídolo maior da América ainda hoje.
Há cerca de quinze dias desloquei-me a Madrid à FITUR, uma das maiores feiras de turismo do Mundo, um ritual meu há muitos anos.
Naturalmente que vi com atenção o pavilhão de Angola, promovido pelo INFOTUR e o que vou constatando é que passam os anos e a realidade mostra-nos um pavilhão pouco apelativo, com demasiada gente no interior e muito pouca coisa para oferecer, melhor para dar um motivo forte a agentes turísticos para colocarem Angola nas suas ofertas e a turistas individuais que se motivem para vir ao nosso País.
Mais que levar meia dúzia de panfletos, umas esculturas e quadros iguais ao que os malianos e senegaleses vendem em todas as praças e praias europeias a preços ridículos, uns panos feitos na Holanda, mas registados na Nigéria ou no Gabão ou ter um LED na parede com imagens a correr de construção de megatéreos em Luanda, não me parece ser a estratégia mais adequada para promover o turismo angolano, se é que há alguma ideia discutida e definida sobre isso.
Desculpem a frontalidade, mas sem retirar o mérito a alguns dos simpáticos funcionários presentes, o pavilhão do nosso País faz-me lembrar os pavilhões da feira das industrias que visitei no dealbar dos anos 60 no local onde com magnífico desenho de Simões de Carvalho se construiu o Palácio da Radiodifusão, hoje sede da RNA.
Uma feira internacional de turismo não tem as características de uma festa do L’ Humanité ou do Avante, e por isso exige-se um trabalho prévio muito aturado junto dos agentes participantes e simultaneamente material de divulgação que motive o aproximar das pessoas ao espaço na feira e proporcionarem-se bons negócios, que é para isso é que o investimento é feito.
Quero que esta minha observação que não é nova, e não deixo de o lastimar, não seja entendida como um bota-abaixismo mas acima de tudo entusiasmar os dirigentes do INFOTUR, colaboradores e agentes de turismo a promover melhor o turismo de Angola, fora de um contexto de negócios já que esse vai tendo freguesia, até ver!
Fernando Pereira
8/2/2011
10 de fevereiro de 2011
«Os portugueses são de um individualismo mórbido e infantil de meninos que nunca se libertaram do peso da mãezinha…»/ O Interior/ 10-2-2011
A semana passada comemoraram-se cinquenta anos do princípio do fim de uma fantochada salazarenta de um eufemismo chamado “Império Colonial Português”.
A três de Fevereiro de 1961 o paquete “Santa Maria” aportou no Recife, depois de Henrique Galvão e alguns companheiros terem tomado conta do navio durante alguns dias algures no Atlântico, num propósito de denuncia ao mundo o que era o Portugal da ditadura.
No dia seguinte um grupo de revoltosos atacou as cadeias de Luanda de forma a libertar os prisioneiros julgados em tribunais plenários, na sua maioria por delito de opinião e que estavam à espera de ser embarcados para o Tarrafal, no arquipélago de Cabo Verde, o tal estabelecimento penal que segundo alguns biltres dizem que “nem era tão mau assim”
Nesse quatro de Fevereiro de 1961 iniciou-se a guerra colonial, móbil do estertor do Estado Novo, que tenta ser branqueado no quotidiano de vida dos cidadãos.
Muitos se esquecem que adultos no dealbar dos vinte anos de idade estavam com uma arma na mão a caminho de uma África que nada tinha a ver com o misto de bucolismo e colorida que a propaganda do regime tentava mostrar.
Acho que tem tudo a ver, quando um capitão de Abril, homem sério, empenhado, que arriscou toda a sua carreira para acabar com a guerra colonial e a ditadura, Vítor Alves morreu no início do ano, e tem direito a pouco mais que um breve minuto nos quase escaninhos de jornais nacionais das Tvs que disputam entre elas quem mais demora.
Ao mesmo tempo esses mesmos jornais estão meia hora a falar de um assassinato perpetrado por um jovem que usava métodos sórdidos para obter favores no mundo da moda através de um valdeiro que usava toda a jactância para se insinuar num tipo de imprensa niilista, para usar alguma comiseração no léxico.
Conheci o major Victor Alves em 10 de Junho de 1977 na Guarda, que me foi apresentado pelo Batista Bastos ao tempo a trabalhar para o “Diário Popular”, na altura comissário do “Dia de Portugal de Camões e das Comunidades Portuguesas”, versão melhorada do 25 de Abril do “Dia da Raça” da má memória do tempo do “manholas”. Conheci uma pessoa simples, que quase pedia desculpa a Jorge de Sena por parabeniza-lo no seu famoso discurso. Um homem culto, educado, discreto que morreu e deixa saudade. Melhor que muito troglodita que por aí anda ufano porque tem uns poderzinhos conseguidos à conta de podrezinhos de uma democracia que tarda em melhorar-se.
Em jeito de despedida peço à autarquia da Guarda que faça uma edição com todos os discursos que marcaram esse 10 de Junho de 1977. Desde que coloquem lá o do Jorge de Sena garantidamente nem me importo de ter lá os discursos dos outros que deram seca, e quem lá esteve sabe de quem falo.
Já agora, o título é uma parte desse magnífico discurso de Jorge de Sena, o único que fez em Portugal!
Fernando Pereira
3/2/2011
4 de fevereiro de 2011
Um Homem Novo Veio da Mata / Ágora / Novo Jornal / Luanda /4-2-2011
“Há três categorias de homens:
os que contam a sua história,
os que não a contam,
e os que não a têm”
(Max Aub)
Cinquenta anos depois aqui estamos orgulhosamente a comemorar o 4 de Fevereiro de 1961.
Ultrapassei já a fase quase libidinosa de procurar saber como foi, que organização teve a iniciativa, quais as motivações de toda a gente que com paus e catanas irrompeu nas cadeias para libertar os seus camaradas presos e a aguardar deportação por crimes e delitos espúrios. Havia um denominador comum em todos eles: Queriam uma Angola diferente da que tinham e a vontade de serem livres no seu próprio País.
Aquelas voluptuosidades que surgem nalgumas discussões académicas, ou até mesmo de carácter científico, esquecem muitas vezes o fundamental, que tem a ver com o acontecimento que marcou o princípio do fim do colonialismo nos países africanos de língua oficial portuguesa, quiçá mesmo o estertor do edifício já carcomido e bafiento do fascismo português.
Podia andar aqui à procura de palavras mais macias, mais adaptadas ao espírito de mercado que se estabelecem nas relações quotidianas, mas a realidade que para mim é importante é que o quatro de Fevereiro de 1961 foi sempre uma referência para a liberdade de uma Nação. É completamente incontornável que esse espírito deva ser incutido na juventude angolana, porque quem viu aqueles que sobreviveram em quatro de Fevereiro a brandir as catanas naquele distante 11 de Novembro de 1975 nunca esquece que muito do que hoje Angola é que assim nasceu nas mãos daqueles homens, infelizmente a maioria quase desaparecida.
A um JEEP (jovem empresário de elevado potencial), a um quadro superior de uma empresa enfarpelado num qualquer fato e gravata, ou numa jovem vestida com um qualquer CK insinuando-se entre o ar condicionado de uma qualquer empresa que ninguém sabe bem que produz e uma bebida no Miami, o único quatro de Fevereiro que conhecem é o aeroporto, já que a avenida só a conhecem por marginal ( a despalmeirada) .
Mas eu estou-me completamente nas tintas para que muita gente não ligue ao 4 de Fevereiro de 1961, ou que quando estão na praia e falam do assunto relembram Paiva Domingos da Silva vir todos os anos à TPA explicar as operações de ataque às prisões de forma sempre diferente. A realidade é que ele, Imperial Santana, Virgílio Souto-Maior, Neves Bendinha e muitos outros estiveram no âmago de um movimento que enobrece o espaço de intervenção política na libertação de Angola.
Tenho profundo respeito por esses patriotas angolanos, que a voracidade do desenvolvimento económico vai silenciando e esquecendo, e de um Estado angolano que não dá a esses cabouqueiros da liberdade a dignidade que justamente merecem. As famílias dos “heróis do quatro de Fevereiro” merecem não ser esquecidas, já que nunca foram ressarcidas da prisão, da clandestinidade e da morte que os seus familiares foram objecto na luta contra a repressão colonial.
Talvez esteja fora de moda, descontextualizado com as novas dinâmicas económicas, políticas e ideológicas no País, mas paciência, o 4 de Fevereiro de 1961 continua a ser uma data que é mais que uma estrofe do nosso hino.
Vi um vídeo do Instituto de Planeamento e Gestão Urbana de Luanda (IPGUL). Ficaria completamente fascinado, se eventualmente não conhecesse a cidade.
Não sei quanto custou o vídeo que é apelativo, imaginativo, tecnicamente quase perfeito, com um texto hermético e com um léxico eivado de demasiados lugares comuns. O que me parece é que o vídeo recupera os filmes do CITA (Centro de Informação e Turismo de Angola) de outros carnavais, e mostra uma Luanda muito organizada, com fluidez de trânsito, tudo muito limpinho, e prédios enormes completamente inadequados às características climáticas de Luanda, dando-lhe um cunho de cosmopolitismo que não tem nada a ver com a realidade.
Talvez esteja a emitir uma opinião leviana, porque não sei quem são os destinatários do vídeo, agora de uma coisa tenho a certeza, aquela Luanda só existe mesmo em filme promocional, e nalguns aspectos até é bom que fique só por aí.
Nota-se contudo algum desenvolvimento no promocional o que é sintoma de mudança, imitando por exemplo Espanha e Portugal que oferecem praias desertas nos seus cartazes turísticos, tiram as fotos a extensos areais em dias solarengos de inverno, com as praias naturalmente vazias. Se lá formos no Verão nem local há para estender a toalha!
Entretanto alegremente vou trauteando :“Foi em Fevereiro/No dia quatro/ sessenta e um/ Angola existe/ Povo há só um “ José Afonso (1929-1987)
Fernando Pereira
30/1/2011
Angola 61 / Novo Jornal / Luanda / 4-2-2011

Quando comemoramos os cinquenta anos dos acontecimentos do 4 de Fevereiro de 1961, chega-nos à mão um livro de dois autores portugueses que tentam fazer um trabalho sério sobre as circunstancias que levaram à eclosão do quatro de Fevereiro e as razões próximas da mobilização dos participantes e organizadores do movimento que muitos já apelidaram de “princípio do fim do colonialismo português”.
Tenho que confessar que li o livro a correr, pois só no início desta semana me chegou às mãos, e urgia que este trabalho surgisse na edição comemorativa do 4 de Fevereiro de 1961 neste Novo Jornal de 4 /2/2011. Ficam antecipadamente algumas desculpas por alguma “ligeireza” na abordagem à obra da professora Dr.ª Dalila Cabrita Mateus e de seu marido Dr. Álvaro Mateus, sobre alguns comentários ao “Angola 61”.
Quero fazer também uma prévia declaração de interesses, e que assenta sobretudo no facto de conhecer e divulgar a obra da Dra. Dalila Cabrita Mateus, de enorme interesse para aumentar o acervo documental da história colonial. Os seus livros são importantes, podendo eventualmente eu ou outros acharmos que há incorrecções a exigirem ser reparadas, mas a realidade é que nos confrontamos com trabalhos académicos sérios, coerentes e fruto de muito trabalho de investigação e pesquisa.
Posso por vezes não gostar que a história fosse como ela é descrita, posso colocar dúvidas em relação a alguns relatos e posicionamentos marcados pela ainda proximidade dos acontecimentos, mas o que não devo é questionar com afirmações avulsas um trabalho científico.
Por tudo isso acho assertiva a citação de Alexandre Herculano (1810-1877) na introdução do livro “Angola 61” da Texto Editora acabado de sair para as livrarias: “O patriotismo pode inspirar a poesia; pode aviventar o estilo; mas é péssimo conselheiro para o historiador. Quantas vezes, levado de tão mau guia, ele vê os factos através do prisma das preocupações nacionais, e nem sequer suspeita que o mundo se rirá, não só dele, o que pouco importara, mas também da credulidade e ignorância do seu país, o qual desonrou, crendo exaltá-lo! […] Caluniadores involuntários do seu país são aqueles que imaginam estar vinculada a reputação dos antepassados a sucessos ou vãos, ou engrandecidos com particularidades não provadas nem prováveis”.
A fase inicial do ” Angola 61” começa por ser um livro de temas recorrentes na história contemporânea do Portugal colonial e convenhamos não é supletiva a um conjunto de trabalhos de outros historiadores e aqui posso colocar Pedro Ramos de Almeida, Armando de Castro, Sousa Ferreira, Gerald Bender, e mais recentemente alguns jovens doutorados como por exemplo Fernando Tavares Pimenta, Cláudia Castelo e Julião Soares de Sousa.
Apesar do contexto do 4 de Fevereiro de 1961, o livro ignora os desmandos da primeira Republica e da sua figura marcante, Norton de Matos, idolatrado por uma franja significativa de colonos da média burguesia com interesses instalados na colónia. O salazarismo aumentou a repressão, privilegiou as relações com a igreja através da adenda à Concordata entre Portugal e a Santa Sé, através do Acordo Missionário.
Pode parecer despiciendo abordar isto, mas julgo que a influência das missões protestantes na mobilização dos guerrilheiros na eclosão dos acontecimentos de 1961 era capaz de merecer maior detalhe.
À data de 4 de Fevereiro de 1961, o governador-geral era Silva Tavares um juiz de carreira politicamente cinzento como convinha a Salazar é substituído por Venâncio Deslandes, provavelmente o mais prestigiado militar das forças armadas portuguesas. Do que leio no livro partilho a opinião dos autores em relação à figura camaleónica de Adriano Moreira, que substitui Lopes Alves no ministério das colónias, e que entra em rota de colisão com Deslandes. Este general da força aérea, figura prestigiada do regime, não se coíbe de dar as opiniões a Salazar, que “manholas” como sempre foi , vai-se aquecendo na fogueira ateada pelas faíscas das opções e dos egos dos dois governantes. As vicissitudes de muito do que aconteceu nesse longínquo 61, acabaram por permitir que Salazar numa atitude de feitor de quintal se visse livrem dos dois quando as circunstâncias militares começaram a ter outro rumo. Deslandes, quando disse que tinha sobre a sua “direcção o maior efectivo de sempre das forças armadas portuguesas na sua história”, e que “essa teoria do Portugal de Minho a Timor era uma figura de retórica”, para além de pedir uma Universidade para Angola, e dizer que Angola e o Minho não tinham nada a ver uma coisa com outra foi cavando a sua sepultura política, perante o olhar embevecido de Adriano Moreira que acabou por ser pontapeado também por Salazar, quase na mesma oportunidade; De delfim do “Botas” cova foi um ápice!
O livro tem muita documentação e fundamenta de com verosimilhança um conjunto de relatos sustentando alguma opinião que apesar de tudo contraria algo oficial em Angola sobre o 4 de Fevereiro de 1961. Percebo a coerência política das autoridades angolanas em relação ao que foi o 4 de Fevereiro de 1961, mas também é de enorme utilidade que comecem a aparecer trabalhos como este que possam de certa forma incentivar ao estudo dos acontecimentos determinantes na história do nosso País.
O livro, que me pareceu interessante parece-me apesar de tudo limitado, o que também me prevalecer em Dalila e Álvaro Mateus cingirem-se a muita documentação que existe em Portugal, mas que deveria ser complementada com relatórios que provavelmente estão no “Hotel Miradouro”, como era conhecida a sede da PIDE em Luanda na rua do Balão.
Acho que os historiadores angolanos devem ser estimulados a fazerem trabalhos destes, para depois não ficarmos na situação algo embaraçante de termos que dizer “nós é que cá estivemos” ou “nós é que sabemos”.Este livro embora com omissões é mais um desafio aos licenciados angolanos, e quiçá mesmo a empresas e fundações para criarem condições para a execução de trabalhos científicos de qualidade que possam ombrear com o que tenho à minha frente, e que prometo voltar em ulteriores oportunidades.
Não sou historiador e por conseguinte posso estar a especular sobre alguns detalhes que não terão relevância histórica nenhuma, mas na leitura que fiz do livro Angola 61 e recordado algumas conversas que tive com Rebocho Vaz, vizinho e amigo de meus pais em Coimbra e baseando-me no que escreveu num livro publicado em 1993 –“ Norte de Angola/1961 A Verdade e os Mitos”, há algo que como se diz em bom português não bate a “bota com a perdigota”, no que concerne à Baixa de Cassange. Penso que devia ter sido dado um maior enfoque ao trabalho de Eduardo dos Santos, nomeadamente o seu livro “Maza”, editado pela AGU.
Há todo um conjunto de artigos e alguns livros saídos agora sobre o desvio da Santa Maria” que provavelmente mereceriam que se fizesse alguma ligação, de forma a acabar de vez com mitos construídos e desconstruídos conforme a oportunidade do seu aproveitamento para circunstâncias diferentes.
Aqui há dois anos tive oportunidade de ler o livro de Frederico Delgado Rosa sobre o seu avô, o general Humberto Delgado e que tem revelações que teriam sido úteis, numa visão aportuguesada do livro Angola 61, que é objectivamente mais importante para Portugal que para Angola. Ainda sobre isto e não querendo andar com os panegíricos do regime tipo Amândio Cesar, Horácio Caio, Falcato, Alves Pinheiro, Amadeu Ferreira, Barão da Cunha, Diamantino Faria, João Simões, Artur Maciel, Pedro Pires, Hélio Felgas, Carlos Alves, Borja Santos, e quejandos, acho que se deveria aprofundar o factor insurreccional iniciado em 1961 com a leitura de muito depoimento de gente que foi para Angola por perseguição política, e aqui lembro entre muitos os exemplos de Antero Gonçalves, com um livro de 1965 “O Norte de Angola” e de João Garcia sobre o “ Quitexe” de 2000, que deixaram depoimentos interessantíssimos sobre o que politicamente se passava nas suas bualas e à volta, fora do contexto urbano da cidade capital.
Acho que a professora Dra. Dalila Cabrita Mateus tem cumprido cabalmente o seu propósito de investigar e simultaneamente oferecer trabalhos de grande qualidade científica, mesmo quando pontualmente estou em desacordo. O que não devemos, e aqui repito-o, é vilipendiar a autora porque tem opiniões cientificamente alicerçadas em documentos e depoimentos que contrariam convicções suportadas por opções ideológicas fabricadas em tempos que era necessário fazer-se força com base em verdades, que nalguns casos se revelaram falácias.
Acho o Angola 61 um livro interessante, a que voltarei quando o puder ler com calma, e só me cumpre agradecer aos autores, pelo menos a possibilidade de discordar com algumas opiniões que por lá andam, mas isso já justifica eu ter que ler e documentar-me bem para ripostar.
Pelo que ouvi dos autores era possível que este livro fosse polémico em Angola, mas julgo que não o será porque infelizmente quem se interessaria por levantar essa polémica está no seu cantinho a tratar da vidinha. Se o contrário acontecer, é muito bom, porque só se desenvolvem ideias com polémica assente em pressupostos de seriedade, respeito e tolerância pela diversidade.
Já agora, talvez a despropósito, há um outro Angola 61, já com uns aninhos de Rocha de Sousa, da Contexto que é um quase romance excelente, sobre a guerra colonial.
Fernando Pereira
2/2/2011
29 de janeiro de 2011
“Os Comediantes” Ágora/ Novo Jornal/ Luanda /29-1-2011
O regresso recente de “Baby Doc” ao Haiti, fez-me recordar “Os Comediantes”, um dos livros de um percurso literário de um dos mais multifacetados jornalistas do século XX, Graham Greene (1904-1991).
O pano de fundo dos “Comediantes” é o Haiti do sanguinário “Papa Doc”, alcunha de François Duvalier, que governou em ditadura o País entre 1957 e 1971.
Já Jean Bernard Aristide, padre, antigo opositor à ditadura dos Duvalier, que sofreu as agruras dos torcionários do regime haitiano, os “tontons macoutes”, e que depois de ocupar a presidência decidiu esquecer toda a sua verborreia revolucionária e as suas convicções católicas para robustecer as suas contas bancárias, escapando da ira da população para um exílio dourado. Parece que o Haiti vai continuar a ter que viver com esta tralha toda, que reaparecem com enorme espírito de missão pois já que sabem que há hipóteses de uns trocos avultados para a reconstrução de um País, que tudo de mal lhe acontece, e nem o vudu consegue dar a tranquilidade aos seus habitantes que vegetam e que lideram as piores classificações do mundo no que aos números do desenvolvimento, cuidados primários de saude e qualidade de vida dizem respeito.
Porque a história de Brown, dono de um hotel em Port-au-Prince, o Trianon, onde se cruzam a senhora Pinheda, o casal vegetariano Smith e Jones o golpista inglês, é a trama deste “Comediantes”que se desenvolve nas mais bizarras situações. Um Haiti sombrio, mas com muitos óculos escuros dá-nos um enredo parecido aos que pontualmente tenha assistindo noutros lugares, particularmente no nosso País.
Saiu recentemente em Portugal o livro “Eu roubei o Santa Maria” do luso galego Jorge Soutomaior, nome de guerra do activista José Fernandez Vasquez, comandante do DRIL pelo lado espanhol, que em determinada altura dos acontecimentos entrou em rota de colisão com Henrique Galvão (1895-1970).
Henrique Galvão no livro “ O Assalto ao Santa Maria”, da colecção Compasso do Tempo, editado pela Delfos em 1973, omite algumas das muitas revelações do livro de Soutomaior, provavelmente por razões que se prendiam com a tentativa de liderança formal de uma chefia bicéfala que constituía o DRIL (Directório Revolucionário Ibérico de Libertação), e seguramente pelas características militaristas e profundamente radicais de direita do major Galvão.
Uma das revelações do livro de Soutomaior é assumidamente a opção Angola, e Fernando Pó (hoje Guiné Equatorial, então colónia espanhola), o que não cola exactamente com o que diz Galvão que falava de Fernando Pó e S. Tomé e Príncipe, onde se iriam arranjar reforços para um assalto em Luanda, que já estaria a ser preparado, e que era nem mais nem menos que o 4 de Fevereiro de 1961.
Visto a esta distância, consultados os livros, a imprensa da época, a emoção dos discursos do Salazar, os depoimentos de alguns intervenientes e passageiros do paquete não deixamos de pensar nalgum quixotismo da operação apesar dos incipientes meios de defesa das colónias portuguesas e espanholas em África nesse longínquo dealbar dos anos 60.
O que de certa forma me deixa perplexo é haver pessoas, curiosamente não intervenientes no 4 de Fevereiro de 1961, há cinquenta anos que questionam em Angola a relação entre este mediático acontecimento e o surgimento do que se convencionou historicamente chamar o início da luta armada no País.
Houve necessidade de explorar mediaticamente a “operação Dulcineia” a favor de uma qualquer movimentação que estava em marcha em Luanda, de forma a libertar os presos políticos angolanos que se encontravam em S. Paulo, no Penedo ou na unidade móvel nº7, e isso é um dado incontornável.
Luanda estava pejada de jornalistas, alguns ainda saídos da refrega no Congo, e não havia melhor publicidade que um levantamento pela libertação de presos que se afirmaram capazes de lutar contra o colonialismo vigente.
O livro de Soutomaior deixa de forma evidente que terá havido contactos, ainda que ténues para que se fizesse qualquer coisa em Luanda. Não fala de nomes, mas não deixa de criticar H. Galvão, que nunca deixou de manter a sua auréola de ideólogo colonialista. Galvão foi governador da Huila, comissário das exposições coloniais, deputado por Angola, escritor que deu tributos brilhantes sobre a flora e fauna africana. Denunciou na Assembleia Nacional fascista o tratamento infligido aos angolanos no decurso do “contrato”, e aí passou a ser um inimigo do regime que o prendeu no Aljube durante oito anos, findos os quais conseguiu fugir e exilar-se na embaixada argentina em Lisboa, iniciando uma luta sem quartel contra Salazar, tornando-se o primeiro homem a desviar um avião no mundo por razões políticas.
Cinquenta anos depois do 4 de Fevereiro de 1961 devemo-nos dedicar mais à história e fazer menos histórias mesmo que sejam quase ao bom nível do Graham Greene, o que é muito difícil.
Fernando Pereira
26/1/2011
21 de janeiro de 2011
"LUBITO"/Ágora/ Novo Jornal / Luanda 21-1-2011
A maioria de uma minoria que me vai lendo neste espaço põe muitas reservas a vários assuntos aqui colocados não sendo mais acutilantes na crítica, porque provavelmente dá-lhes imenso trabalho contestar. Começa a ser normal!
Aqui há tempos ouvi uma história verosímil sobre a avenida Deolinda Rodrigues, em que o interveniente era um diplomata português de visita a Luanda.”Ela nasceu cá?”, ao ver a placa não deixou de manifestar a sua perplexidade por ver o “nome da fadista dado a uma rua” pois “ela era boa fadista mas nada comparável com a Amália Rodrigues”. O que posso dizer é que há testemunhas desta conversa, que foi sem ponta de ironia!
Acabei de ler “Um cesto de cerejas”, um livro magnífico do arquitecto Francisco Castro Rodrigues, editado pela Fundação Mário Dionísio e infelizmente pouco acessível no circuito comercial normal.
Julgo que é um trabalho obrigatório para ser lido por qualquer arquitecto angolano ou estrangeiro a trabalhar em Angola ou qualquer pessoa que se interesse pelo desenvolvimento dos últimos sessenta anos do “Lubito”, cidade com pouco menos de cento e vinte de existência.
Uma obra apaixonante numa linguagem directa, com fotos interessantíssimas, mapas e assertiva quanto às opções que tiveram que ser tomadas, mesmo numa luta desigual contra os interesses instalados do Caminho de Ferro de Benguela e outros menores mas não menos incomodativos e impeditivos.
Francisco Castro Rodrigues fala sem tibiezas, sem procurar poupar inimigos de estimação na defesa intransigente da edificação de uma cidade para angolanos. A sua luta contra o fascismo em Portugal obrigou-o a procurar o “Lubito” no dealbar dos anos 50, onde iniciou uma nova luta contra o colonialismo, lutando simultaneamente contra alguns projectos peregrinos de independência à Ian Smith. Toda esta luta valeu-lhe a cadeia, a não promoção na carreira, para além da proibição de deixar o território, mesmo para receber um prémio de arquitectura no Brasil nos anos 60, pelo mérito indiscutível da sua obra.
No meio de um episódio rocambolesco da saída do “Lubito”, de forma a evitar a perseguição pelas hordas da UNITA, regressa passado um ano e mantêm-se de forma empenhada na sua cidade de sempre que só larga em 1988, impostas pela saúde debilitada da sua companheira de sempre, Maria de Lurdes, falecida uns anos mais tarde já em Azenhas do Mar, onde o Castro Rodrigues se instala e continua a trabalhar no património que deu corpo ao “Museu do Neo-Realismo” em Vila Franca de Xira.
Não podemos andar no “Lubito” sem nos depararmos com a marca de Francisco Castro Rodrigues, e por isso acho da mais elementar justiça que a toponímia da cidade destaque o seu nome. As Portas do Mar, o edifício Universal, a Colina da Saudade, a Casa do Sol, o Liceu Saydi Mingas, o Cine Flamingo, as actuais instalações da Universidade Lusíada o silo-auto da Casa Americana, a reconversão do Tamariz, o Mercado Municipal, a urbanização do Alto Liro, da Bela Vista, o obelisco da entrada, o edifício da aerogare, diversas esculturas, enfim uma cidade com a marca de um verdadeiro arquitecto de muito boas vontades, ideologicamente bem formado, com práticas politicas circunstancialmente discutíveis, mas acima de tudo um homem que serviu o “Lubito” com genialidade, sem pedir em troca o que quer que fosse.
No Sumbe avultam obras suas como por exemplo a catedral, inovadora na concepção e materiais utilizados, os Paços do Concelho e muitas obras particulares principalmente para a família Seixas, os grandes homens do café da região do Amboim no tempo colonial.
Este livro é quase a história do “Lubito”, um guia indispensável para os nados e estabelecidos na terra, para não deixar que certos erros em tempos combatidos sejam novamente postos em execução por falta de “sangue na guelra” dos novos habitantes, que devem fazer jus às lutas dos antecessores.
Conheço o Lobito quase desde que me conheço e quando li este livro foi um desfiar de imagens, histórias e ideias dos tempos em que na varanda dos sapalões ouvia as conversas dos mais velhos sobre o que fazer do “Lubito”.
Um abraço enorme de agradecimento ao Francisco Castro Rodrigues e a Eduarda Dionísio, minha professora no Liceu Camões em Lisboa no fim dos anos 60, que sei que o “intimou” a responder-lhe às perguntas neste magnífico “Cesto de Cerejas”.
Leiam se quiserem saber porque se devia dizer “Lubito” e não Lobito!
Desculpem o OBRIGATÓRIO LER!
Fernando Pereira
17/1/2011
14 de janeiro de 2011
ARQUITEXTURA NA CELA / Novo Jornal/ Ágora/ Luanda / 15-1-2011
Uma das maiores bizarrices da “arquitextura” portuguesa em África é o colonato da Cela, no sudeste da província do Kwanza-Sul.
O termo “arquitextura” é uma originalidade do arquitecto Francisco Castro Rodrigues, um híbrido entre a arquitectura e o conjunto de “texturas”que fazem a vida colectiva de uma comunidade: social, política e económica.
O contexto da criação dos colonatos em que o de maior visibilidade é o da Cela, insere-se na continuidade do sonho de Norton de Matos, admirador confesso de Cecil Rhodes, de “importar” famílias portuguesas que se dispusessem a desenvolver economicamente o País, acabando com as relações comerciais e familiares ancestrais entre tribos de angolanos. Uma situação do tipo “arreda para lá, que esta terra é boa e vocês não sabem o que fazer dela”!
A melhor superfície cultivável, o antecipado apoio económico, a aquisição obrigatória do produto por parte dos serviços estatais no caso de não haver comprador privado, a instalação de um perfeito equipamento social de apoio ao colonato, entre outras mordomias eram direitos dos colonos que os angolanos estavam arredados, depois de lhe terem sido subtraídas as suas lavras, única riqueza que perpetuava a coesão da família tradicional angolana.
O maior mentor dos colonatos foi Vicente Ferreira, por sinal quem elevou a então Nova Lisboa a cidade, que manteve com Armindo Monteiro e Marcelo Caetano algumas divergências, fundamentalmente no que concerne ao recrutamento da mão-de-obra. Vicente Ferreira, assim como Norton de Matos, queria que os colonos dirigissem e os angolanos trabalhassem; Marcelo e Armindo defendiam que os colonos deviam trabalhar, sem recurso aos angolanos. Tecnicamente toda a supervisão, construção, legislação e adaptação foi executada pelo Engº Trigo de Morais e por Pequito Rebelo, que sobre o colonato da Cela dizia em 1961:”Daqui a anos com 100 aldeias, será um distrito Inteiramente branco na África negra, um Portugal em miniatura dentro da sua maior província, de onde irradiará energia colonizadora”. Foi criado em 1952, com o nome de Junta de Povoamento Agrário da Cela.
Não vou falar do PAN (Projecto Aldeia Nova), porque não conheço muito bem, e o que vou sabendo hoje é o que aprendi a ouvir há quarenta anos sobre o mesmo modelo de desenvolvimento agrário na Cela/Wako-Kungo: Um sorvedouro de dinheiro e um apeadeiro para novas oportunidades fora dali.
Um destes dias tive oportunidade de ver um documentário produzido pela RTP nos anos 60, com o inefável Amândio Cesar e o desaparecido Horácio Caio num trabalho sobre o colonato da Cela em que entrevistavam os colonos que por lá Portugal semeou. Era o que se chama o colonialismo serôdio, do pensar curto que cada entrevista deixava transparecer, com perguntas formatadas a respostas já ensaiadas à exaustão. Era o fim de festa anunciado, que em nada diferia da Exposição do Mundo Português na Praça do Império em 1940 na Lisboa capital do Império. Em certos momentos fez-me lembrar momentos de “A testemunha” com Harrison Ford, rodado em torno de uma comunidade Amish na Pennsilvania.
A arquitectura da Cela é qualquer coisa de parecido com o Portugal dos Pequenitos em Coimbra com risco de Cassiano Branco, um arquitecto democrata que desenhou no Lobito a magnífica estação dos CFB, hoje parcialmente ocupada por uma livraria.
Cela em que a sede era Santa Comba, em homenagem ao “Botas”, alcunha de Salazar, e tinha no seu lugar cimeiro uma igreja, copiada em todos os pormenores da que existe em Santa Comba Dão, terra natal do ditador. Havia num perímetro circundante de umas dezenas de Kms cerca de 15 aldeias, o que daria um povoamento total de 350 famílias (28 por aldeia) o que daria cerca de 3000 colonos.
O arquitecto Fernando Batalha desenhou a maior parte das habitações e edifícios públicos da Cela, e fê-lo numa composição simétrica e arcaizante, no âmbito do GAU, com modelo empobrecido da casa portuguesa de Raul Lino. Era a África dos pequenos, com consequências nefastas para todos desde colonos a autóctones e contas públicas, para além do ar sem graça da arquitectura que nada tinha a ver com a realidade onde os edifícios foram implantados.
Sobre este assunto recomendo o livro de Cláudia Castelo, “Passagens para África” editado pela Afrontamento (7-2007), na colecção Biblioteca das Ciencias Sociais. Um excelente trabalho, que convenientemente estudado e com as experiencias já existentes pode conseguir inverter alguns projectos que a leigos parecem desenquadrados e a técnicos com saber reconhecido parecem pura estultícia.
Fernando Pereira
10/1/2011
Palha vã vais ter / Interior / 14-1-2011
Dessei se a maioria de uma minoria que me vai lendo conhece a anedota do comboio parado?
Numa estação de caminho de ferro, onde tinham ficado acidentalmente uns carris que escaparam à socapa da sucata, estavam os três últimos primeiros-ministros de Portugal e Ilhas num compartimento de uma carruagem de comboio completamente imobilizado.
O Duarte, desculpem Durão Barroso, farto de ver passar as horas e o comboio parado, resolve levantar-se e sair. Volta com um ar ufano e diz que prometeu ao maquinista que o iria acompanhar para a Comissão Europeia, onde “sabia que iria chegar, não sabia quando”. O comboio manteve-se parado. Santana Lopes, com aquele ar gingão, um misto de “Maximo Dutti”e “Desigual” levanta-se num ápice e regressa com um sorriso jactancioso afirmando peremptoriamente que o comboio ia andar pois garantiu ao maquinista uma presença na capa da Caras, para além de aumento de honorários. O comboio permaneceu parado. Manifestando algum enfado José Sócrates levanta-se, fecha as cortinas deixando o compartimento numa escuridão total e diz com um ar cândido: “Meus senhores, o comboio está a andar”.
Esta adaptação livre de uma anedota dos tempos da guerra fria tem muito a ver com a realidade do que tem sido Portugal e Ilhas nestes últimos anos. Mia Couto, provavelmente um dos mais virtuosos escritores da Lusofonia, a par de Pepetela, escreveu na sua crónica regular publicada num semanário moçambicano isto: “O nosso país não produz riqueza, produz ricos”. Dirão logo uns quantos que lá vem este tipo a querer comparar Portugal com países de pretos, mas a realidade é que esta frase do Mia sobre a realidade moçambicana assenta que nem uma luva na realidade serôdia da baixa política e do chico-espertismo, em que se foi transformando a economia de mercado onde vamos andando, cantando e quase rindo.
Augura-se um ano de 2011 muito mau para o cidadão comum, mas sei que sabem que há quem saiba que já há gente a viver mal há muito tempo com reformas ao nível da indigência e outras situações do tipo, que para alguns são instrumentos de retórica em determinadas e oportunas circunstancias e para outros são a realidade de um quotidiano triste.
Por causa de tudo que vai acontecendo, e aqui lembro um outro Fernando de apelido Pessoa que dizia “Sim, está tudo certo. Está tudo perfeitamente certo. O pior é que está tudo errado”e hoje ao olhar para um mariscário, lembrei-me da parábola das lagostas. Quando estavam naquela água diziam mal da vida porque tinham saído do mar; Quando foram para a panela detestaram a água e queriam voltar para o mariscário; Quando a temperatura passou para os 40º já pediam os 20º, quando passou para os 50º pediam os 40º e por aí fora até soçobrarem definitivamente nalgum dente com melhor poder de compra e imune à crise.
Parecenças q.b. com o quotidiano da malta, que vamos sentindo que o dia de hoje é sempre melhor que o de amanhã.
Um Bom Ano de 2011, apesar de tudo!
Fernando Pereira
7 de janeiro de 2011
As palavras são como ginguba!/ Ágora/ Novo Jornal / Luanda 7-1-2011
Fernando Pereira 2/1/2011
No dealbar dos anos cinquenta, com a alteração do léxico oficial de colónia para ultramar, iniciou-se por todo o território de Angola, um ritmo diferente de construção de equipamentos públicos que salvaguardariam as necessidades de novas grupos de colonos, que pudessem ajudar a perpetuar a presença de Portugal em África.
A construção acelerada de algumas escolas primárias, fez com que o então ministério do Ultramar recorresse ao modelo padronizado das escolas do “Centenário”. Esse modelo, foi uma adaptação da habitação portuguesa, essa criação peregrina do arquitecto Raul Lino (1879-1974), passando para o que vulgarmente se designa de desenho português-suave. Portugal inteiro tem polvilhadas escolas com estas características, pois começaram a ser construídas para comemorar um conjunto de três centenários glorificados pelo corporativismo salazarista (1140- data da fundação de Portugal, 1640-data da recuperação da independência de Portugal e 1940 – data da Exposição do Mundo Português).
Em Angola importaram-se estes modelos, e em Luanda ainda existem algumas nomeadamente a do Município e a da Av. do Hospital (1º Congresso), com essas características, que realmente se adequavam ao rigor dos invernos europeus, mas que nada tem a ver com a canícula tropical.
Já que se fala nos “centenários”, não deixa de ser bizarro o “enorme esforço de reconstrução de todos os castelos e fortalezas de Minho a Timor” feito por Salazar para enfatizar as comemorações dos 800 anos da fundação de Portugal.
Mandou esculpir milhares de pedras de granito em que dizia: “Este monumento foi restaurado em 1940” e mandou-o colocar em todas as fortificações. Em Massangano, Cambambe, Luanda e Namibe, lá está a pedra que “unia o Império”.Na maioria dos monumentos não se fez rigorosamente mais nada, e assim pôde dizer que foi feita uma intervenção em todo o lado.
Já que se fala em esculpir, soube que faleceu em Curitiba onde se instalou em 1979 Octávio Nascimento Canhão Bernardes (1919-2010), que deixou obra escultórica de grande qualidade particularmente no Lobito onde vivia, havendo registo de trabalhos em Benguela, Sumbe, Huambo e Bié. Economistas de formação, a qualidade das suas peças escultóricas não deixavam transparecer a sua aprendizagem autodidacta. “Caminhante” e o “Poeta”na Restinga, a “Sereia” na baía e “Cavalo Esvoaçante”, em frente ao aeroporto, perpetuam um trabalho muito rico de um homem que nunca recebeu nada em troca.
Vou ouvindo, vendo e lendo que já anda aí na forja mais uns estudos para novos planos gerais de reabilitação urbana da nossa cidade capital. Talvez seja mais um pagar um balúrdio a umas empresas, e no fim os resultados da grande maioria dos estudos em Angola em diversas áreas volatilizam-se e encomendam-se outros!
No final dos anos sessenta, foi feito um Plano Geral de Urbanização da cidade de Luanda por uma empresa francesa, que ao tempo levou ao governo provincial cento e cinquenta mil dólares, para além de outros gastos como alojamento, transportes, seguros e outras alcavalas. Era muito dinheiro para a época, mas na realidade era um plano muito sério, e que previa que Luanda tivesse 2.000.000 de habitantes no ano 2000, o que de facto veio a acontecer. Esse plano foi rejeitado pela pressão imobiliária, e logo apareceram uns arquitectos portugueses a alterar o plano em benefício naturalmente da pressão dos proprietários dos terrenos, muitos deles subtraídos de forma ilícita a famílias angolanas prestigiadas.
Não sou arquitecto mas para Taveiras e quejandos rejeitarem esse projecto parto do princípio que era capaz de não ser um mau trabalho, e poderia servir de base para alguma coisa que ainda fosse possível salvaguardar numa planificação assertiva de edificação de uma Luanda minimamente aceitável para se viver.
Bom Ano de 2011 para todos vós!
Fernando Pereira 2/1/2011
30 de dezembro de 2010
FINALMENTE!/ Ágora/ Novo Jornal / Luanda/ 31-12-2010
Uma situação recorrente em Angola é o recurso ao insulto personalizado, o que é perfeitamente justificado pelo facto de não ter havido em Angola, no colonialismo e no tempo que levamos de independência, um espaço que “dessubjectivasse” o discurso, uma circunstancia que é responsável por fazer descambar a crítica ou para o insulto pessoal ou para o “elogio sobrevalorizante”.
Sou suspeito em falar dos que comigo partilham semanalmente este projecto do NJ, mas acho que seria a maior injustiça que ignorasse a outorga do Prémio Nacional de Imprensa 2010, na categoria de jornalismo, ao Gustavo Costa. Deveria ter feito uma prévia declaração de interesses pois sou amigo pessoal do Gustavo há muitos anos, o que provavelmente me deixa em maior dificuldade para falar dele.
Julgo que há muito o merecia pela frontalidade das suas posições, coerência das suas referências, acutilância das suas crónicas, que nem sempre concordo, e acima de tudo pela forma honesta como encarou a sua profissão, num quotidiano de pressões, insinuações torpes e ameaças. A atribuição deste prémio ao Gustavo Costa e outros sinais positivos no quotidiano da comunicação social em Angola, mostram que há uma diferente vontade política de dar um rumo mais assertivo à informação em Angola, e permitir-se dignificar a função dos que informam e opinam em liberdade.
Entre os presentes do dia da família, para além de uns destilados comuns, o que revela alguma falta de inspiração de quem oferece, recebi um livro que vou ler até à exaustão, como se pode dizer, que foi o livro do arquitecto Francisco Castro Rodrigues, “Um cesto de cerejas”, editado pela “Casa da Achada”. Já há muito que quero fazer um artigo sobre este verdadeiro artífice do Lobito moderno que conhecemos, combatente pela liberdade, fundador e dirigente da Associação 25 de Abril em Luanda, e prometo-o para breve recorrendo ao excelente trabalho de Ana Magalhães e Inês Gonçalves, “ Moderno Tropical”, livro que já neste espaço teci rasgados encómios, assim como ao livro de José Manuel Fernandes e outros, “Angola no século XX- Cidades, Territórios e Arquitecturas” (2010) Ed: Maria de Lurdes Serra, um trabalho bastante bom embora polvilhado aqui e ali com alguns erros, que apesar de tudo não retiram algum interesse à obra.
Já que se fala em livros que afinal são as prendas que mais recebo, alerto desde já para evitar tanto quanto possível o “ Em Paz por terras de Angola” (2010), de Jean Charles Pinheira, editado por uma tal editora Zebra. Graficamente o livro até me pareceu interessante e as imagens são apelativas, contudo os textos são francamente maus, e as legendas das fotos completamente descontextualizadas, o que só justifica que por vezes bons embrulhos trazem maus produtos.
Estamos no fim do primeiro decénio do século XXI e a realidade com que nos vamos confrontando é seguramente melhor que no fim do séculoXX, apesar do caminho percorrido ainda ser pequeno para o muito a percorrer para o desejável, mas nunca contentável, o que mostra determinação na comunidade no construir um futuro melhorado para todos.
Para todos os que com muita paciência me vão lendo um Bom 2011.
Fernando Pereira 28/12/2012
Subscrever:
Mensagens (Atom)