21 de janeiro de 2011
"LUBITO"/Ágora/ Novo Jornal / Luanda 21-1-2011
A maioria de uma minoria que me vai lendo neste espaço põe muitas reservas a vários assuntos aqui colocados não sendo mais acutilantes na crítica, porque provavelmente dá-lhes imenso trabalho contestar. Começa a ser normal!
Aqui há tempos ouvi uma história verosímil sobre a avenida Deolinda Rodrigues, em que o interveniente era um diplomata português de visita a Luanda.”Ela nasceu cá?”, ao ver a placa não deixou de manifestar a sua perplexidade por ver o “nome da fadista dado a uma rua” pois “ela era boa fadista mas nada comparável com a Amália Rodrigues”. O que posso dizer é que há testemunhas desta conversa, que foi sem ponta de ironia!
Acabei de ler “Um cesto de cerejas”, um livro magnífico do arquitecto Francisco Castro Rodrigues, editado pela Fundação Mário Dionísio e infelizmente pouco acessível no circuito comercial normal.
Julgo que é um trabalho obrigatório para ser lido por qualquer arquitecto angolano ou estrangeiro a trabalhar em Angola ou qualquer pessoa que se interesse pelo desenvolvimento dos últimos sessenta anos do “Lubito”, cidade com pouco menos de cento e vinte de existência.
Uma obra apaixonante numa linguagem directa, com fotos interessantíssimas, mapas e assertiva quanto às opções que tiveram que ser tomadas, mesmo numa luta desigual contra os interesses instalados do Caminho de Ferro de Benguela e outros menores mas não menos incomodativos e impeditivos.
Francisco Castro Rodrigues fala sem tibiezas, sem procurar poupar inimigos de estimação na defesa intransigente da edificação de uma cidade para angolanos. A sua luta contra o fascismo em Portugal obrigou-o a procurar o “Lubito” no dealbar dos anos 50, onde iniciou uma nova luta contra o colonialismo, lutando simultaneamente contra alguns projectos peregrinos de independência à Ian Smith. Toda esta luta valeu-lhe a cadeia, a não promoção na carreira, para além da proibição de deixar o território, mesmo para receber um prémio de arquitectura no Brasil nos anos 60, pelo mérito indiscutível da sua obra.
No meio de um episódio rocambolesco da saída do “Lubito”, de forma a evitar a perseguição pelas hordas da UNITA, regressa passado um ano e mantêm-se de forma empenhada na sua cidade de sempre que só larga em 1988, impostas pela saúde debilitada da sua companheira de sempre, Maria de Lurdes, falecida uns anos mais tarde já em Azenhas do Mar, onde o Castro Rodrigues se instala e continua a trabalhar no património que deu corpo ao “Museu do Neo-Realismo” em Vila Franca de Xira.
Não podemos andar no “Lubito” sem nos depararmos com a marca de Francisco Castro Rodrigues, e por isso acho da mais elementar justiça que a toponímia da cidade destaque o seu nome. As Portas do Mar, o edifício Universal, a Colina da Saudade, a Casa do Sol, o Liceu Saydi Mingas, o Cine Flamingo, as actuais instalações da Universidade Lusíada o silo-auto da Casa Americana, a reconversão do Tamariz, o Mercado Municipal, a urbanização do Alto Liro, da Bela Vista, o obelisco da entrada, o edifício da aerogare, diversas esculturas, enfim uma cidade com a marca de um verdadeiro arquitecto de muito boas vontades, ideologicamente bem formado, com práticas politicas circunstancialmente discutíveis, mas acima de tudo um homem que serviu o “Lubito” com genialidade, sem pedir em troca o que quer que fosse.
No Sumbe avultam obras suas como por exemplo a catedral, inovadora na concepção e materiais utilizados, os Paços do Concelho e muitas obras particulares principalmente para a família Seixas, os grandes homens do café da região do Amboim no tempo colonial.
Este livro é quase a história do “Lubito”, um guia indispensável para os nados e estabelecidos na terra, para não deixar que certos erros em tempos combatidos sejam novamente postos em execução por falta de “sangue na guelra” dos novos habitantes, que devem fazer jus às lutas dos antecessores.
Conheço o Lobito quase desde que me conheço e quando li este livro foi um desfiar de imagens, histórias e ideias dos tempos em que na varanda dos sapalões ouvia as conversas dos mais velhos sobre o que fazer do “Lubito”.
Um abraço enorme de agradecimento ao Francisco Castro Rodrigues e a Eduarda Dionísio, minha professora no Liceu Camões em Lisboa no fim dos anos 60, que sei que o “intimou” a responder-lhe às perguntas neste magnífico “Cesto de Cerejas”.
Leiam se quiserem saber porque se devia dizer “Lubito” e não Lobito!
Desculpem o OBRIGATÓRIO LER!
Fernando Pereira
17/1/2011
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