4 de fevereiro de 2011

Um Homem Novo Veio da Mata / Ágora / Novo Jornal / Luanda /4-2-2011


“Há três categorias de homens:



os que contam a sua história,


os que não a contam,


e os que não a têm”


(Max Aub)



Cinquenta anos depois aqui estamos orgulhosamente a comemorar o 4 de Fevereiro de 1961.

Ultrapassei já a fase quase libidinosa de procurar saber como foi, que organização teve a iniciativa, quais as motivações de toda a gente que com paus e catanas irrompeu nas cadeias para libertar os seus camaradas presos e a aguardar deportação por crimes e delitos espúrios. Havia um denominador comum em todos eles: Queriam uma Angola diferente da que tinham e a vontade de serem livres no seu próprio País.

Aquelas voluptuosidades que surgem nalgumas discussões académicas, ou até mesmo de carácter científico, esquecem muitas vezes o fundamental, que tem a ver com o acontecimento que marcou o princípio do fim do colonialismo nos países africanos de língua oficial portuguesa, quiçá mesmo o estertor do edifício já carcomido e bafiento do fascismo português.

Podia andar aqui à procura de palavras mais macias, mais adaptadas ao espírito de mercado que se estabelecem nas relações quotidianas, mas a realidade que para mim é importante é que o quatro de Fevereiro de 1961 foi sempre uma referência para a liberdade de uma Nação. É completamente incontornável que esse espírito deva ser incutido na juventude angolana, porque quem viu aqueles que sobreviveram em quatro de Fevereiro a brandir as catanas naquele distante 11 de Novembro de 1975 nunca esquece que muito do que hoje Angola é que assim nasceu nas mãos daqueles homens, infelizmente a maioria quase desaparecida.

A um JEEP (jovem empresário de elevado potencial), a um quadro superior de uma empresa enfarpelado num qualquer fato e gravata, ou numa jovem vestida com um qualquer CK insinuando-se entre o ar condicionado de uma qualquer empresa que ninguém sabe bem que produz e uma bebida no Miami, o único quatro de Fevereiro que conhecem é o aeroporto, já que a avenida só a conhecem por marginal ( a despalmeirada) .

Mas eu estou-me completamente nas tintas para que muita gente não ligue ao 4 de Fevereiro de 1961, ou que quando estão na praia e falam do assunto relembram Paiva Domingos da Silva vir todos os anos à TPA explicar as operações de ataque às prisões de forma sempre diferente. A realidade é que ele, Imperial Santana, Virgílio Souto-Maior, Neves Bendinha e muitos outros estiveram no âmago de um movimento que enobrece o espaço de intervenção política na libertação de Angola.

Tenho profundo respeito por esses patriotas angolanos, que a voracidade do desenvolvimento económico vai silenciando e esquecendo, e de um Estado angolano que não dá a esses cabouqueiros da liberdade a dignidade que justamente merecem. As famílias dos “heróis do quatro de Fevereiro” merecem não ser esquecidas, já que nunca foram ressarcidas da prisão, da clandestinidade e da morte que os seus familiares foram objecto na luta contra a repressão colonial.

Talvez esteja fora de moda, descontextualizado com as novas dinâmicas económicas, políticas e ideológicas no País, mas paciência, o 4 de Fevereiro de 1961 continua a ser uma data que é mais que uma estrofe do nosso hino.

Vi um vídeo do Instituto de Planeamento e Gestão Urbana de Luanda (IPGUL). Ficaria completamente fascinado, se eventualmente não conhecesse a cidade.

Não sei quanto custou o vídeo que é apelativo, imaginativo, tecnicamente quase perfeito, com um texto hermético e com um léxico eivado de demasiados lugares comuns. O que me parece é que o vídeo recupera os filmes do CITA (Centro de Informação e Turismo de Angola) de outros carnavais, e mostra uma Luanda muito organizada, com fluidez de trânsito, tudo muito limpinho, e prédios enormes completamente inadequados às características climáticas de Luanda, dando-lhe um cunho de cosmopolitismo que não tem nada a ver com a realidade.

Talvez esteja a emitir uma opinião leviana, porque não sei quem são os destinatários do vídeo, agora de uma coisa tenho a certeza, aquela Luanda só existe mesmo em filme promocional, e nalguns aspectos até é bom que fique só por aí.

Nota-se contudo algum desenvolvimento no promocional o que é sintoma de mudança, imitando por exemplo Espanha e Portugal que oferecem praias desertas nos seus cartazes turísticos, tiram as fotos a extensos areais em dias solarengos de inverno, com as praias naturalmente vazias. Se lá formos no Verão nem local há para estender a toalha!

Entretanto alegremente vou trauteando :“Foi em Fevereiro/No dia quatro/ sessenta e um/ Angola existe/ Povo há só um “ José Afonso (1929-1987)

Fernando Pereira

30/1/2011

Angola 61 / Novo Jornal / Luanda / 4-2-2011





Quando comemoramos os cinquenta anos dos acontecimentos do 4 de Fevereiro de 1961, chega-nos à mão um livro de dois autores portugueses que tentam fazer um trabalho sério sobre as circunstancias que levaram à eclosão do quatro de Fevereiro e as razões próximas da mobilização dos participantes e organizadores do movimento que muitos já apelidaram de “princípio do fim do colonialismo português”.
Tenho que confessar que li o livro a correr, pois só no início desta semana me chegou às mãos, e urgia que este trabalho surgisse na edição comemorativa do 4 de Fevereiro de 1961 neste Novo Jornal de 4 /2/2011. Ficam antecipadamente algumas desculpas por alguma “ligeireza” na abordagem à obra da professora Dr.ª Dalila Cabrita Mateus e de seu marido Dr. Álvaro Mateus, sobre alguns comentários ao “Angola 61”.
Quero fazer também uma prévia declaração de interesses, e que assenta sobretudo no facto de conhecer e divulgar a obra da Dra. Dalila Cabrita Mateus, de enorme interesse para aumentar o acervo documental da história colonial. Os seus livros são importantes, podendo eventualmente eu ou outros acharmos que há incorrecções a exigirem ser reparadas, mas a realidade é que nos confrontamos com trabalhos académicos sérios, coerentes e fruto de muito trabalho de investigação e pesquisa.
Posso por vezes não gostar que a história fosse como ela é descrita, posso colocar dúvidas em relação a alguns relatos e posicionamentos marcados pela ainda proximidade dos acontecimentos, mas o que não devo é questionar com afirmações avulsas um trabalho científico.
Por tudo isso acho assertiva a citação de Alexandre Herculano (1810-1877) na introdução do livro “Angola 61” da Texto Editora acabado de sair para as livrarias: “O patriotismo pode inspirar a poesia; pode aviventar o estilo; mas é péssimo conselheiro para o historiador. Quantas vezes, levado de tão mau guia, ele vê os factos através do prisma das preocupações nacionais, e nem sequer suspeita que o mundo se rirá, não só dele, o que pouco importara, mas também da credulidade e ignorância do seu país, o qual desonrou, crendo exaltá-lo! […] Caluniadores involuntários do seu país são aqueles que imaginam estar vinculada a reputação dos antepassados a sucessos ou vãos, ou engrandecidos com particularidades não provadas nem prováveis”.

A fase inicial do ” Angola 61” começa por ser um livro de temas recorrentes na história contemporânea do Portugal colonial e convenhamos não é supletiva a um conjunto de trabalhos de outros historiadores e aqui posso colocar Pedro Ramos de Almeida, Armando de Castro, Sousa Ferreira, Gerald Bender, e mais recentemente alguns jovens doutorados como por exemplo Fernando Tavares Pimenta, Cláudia Castelo e Julião Soares de Sousa.
Apesar do contexto do 4 de Fevereiro de 1961, o livro ignora os desmandos da primeira Republica e da sua figura marcante, Norton de Matos, idolatrado por uma franja significativa de colonos da média burguesia com interesses instalados na colónia. O salazarismo aumentou a repressão, privilegiou as relações com a igreja através da adenda à Concordata entre Portugal e a Santa Sé, através do Acordo Missionário.
Pode parecer despiciendo abordar isto, mas julgo que a influência das missões protestantes na mobilização dos guerrilheiros na eclosão dos acontecimentos de 1961 era capaz de merecer maior detalhe.
À data de 4 de Fevereiro de 1961, o governador-geral era Silva Tavares um juiz de carreira politicamente cinzento como convinha a Salazar é substituído por Venâncio Deslandes, provavelmente o mais prestigiado militar das forças armadas portuguesas. Do que leio no livro partilho a opinião dos autores em relação à figura camaleónica de Adriano Moreira, que substitui Lopes Alves no ministério das colónias, e que entra em rota de colisão com Deslandes. Este general da força aérea, figura prestigiada do regime, não se coíbe de dar as opiniões a Salazar, que “manholas” como sempre foi , vai-se aquecendo na fogueira ateada pelas faíscas das opções e dos egos dos dois governantes. As vicissitudes de muito do que aconteceu nesse longínquo 61, acabaram por permitir que Salazar numa atitude de feitor de quintal se visse livrem dos dois quando as circunstâncias militares começaram a ter outro rumo. Deslandes, quando disse que tinha sobre a sua “direcção o maior efectivo de sempre das forças armadas portuguesas na sua história”, e que “essa teoria do Portugal de Minho a Timor era uma figura de retórica”, para além de pedir uma Universidade para Angola, e dizer que Angola e o Minho não tinham nada a ver uma coisa com outra foi cavando a sua sepultura política, perante o olhar embevecido de Adriano Moreira que acabou por ser pontapeado também por Salazar, quase na mesma oportunidade; De delfim do “Botas” cova foi um ápice!
O livro tem muita documentação e fundamenta de com verosimilhança um conjunto de relatos sustentando alguma opinião que apesar de tudo contraria algo oficial em Angola sobre o 4 de Fevereiro de 1961. Percebo a coerência política das autoridades angolanas em relação ao que foi o 4 de Fevereiro de 1961, mas também é de enorme utilidade que comecem a aparecer trabalhos como este que possam de certa forma incentivar ao estudo dos acontecimentos determinantes na história do nosso País.
O livro, que me pareceu interessante parece-me apesar de tudo limitado, o que também me prevalecer em Dalila e Álvaro Mateus cingirem-se a muita documentação que existe em Portugal, mas que deveria ser complementada com relatórios que provavelmente estão no “Hotel Miradouro”, como era conhecida a sede da PIDE em Luanda na rua do Balão.
Acho que os historiadores angolanos devem ser estimulados a fazerem trabalhos destes, para depois não ficarmos na situação algo embaraçante de termos que dizer “nós é que cá estivemos” ou “nós é que sabemos”.Este livro embora com omissões é mais um desafio aos licenciados angolanos, e quiçá mesmo a empresas e fundações para criarem condições para a execução de trabalhos científicos de qualidade que possam ombrear com o que tenho à minha frente, e que prometo voltar em ulteriores oportunidades.
Não sou historiador e por conseguinte posso estar a especular sobre alguns detalhes que não terão relevância histórica nenhuma, mas na leitura que fiz do livro Angola 61 e recordado algumas conversas que tive com Rebocho Vaz, vizinho e amigo de meus pais em Coimbra e baseando-me no que escreveu num livro publicado em 1993 –“ Norte de Angola/1961 A Verdade e os Mitos”, há algo que como se diz em bom português não bate a “bota com a perdigota”, no que concerne à Baixa de Cassange. Penso que devia ter sido dado um maior enfoque ao trabalho de Eduardo dos Santos, nomeadamente o seu livro “Maza”, editado pela AGU.
Há todo um conjunto de artigos e alguns livros saídos agora sobre o desvio da Santa Maria” que provavelmente mereceriam que se fizesse alguma ligação, de forma a acabar de vez com mitos construídos e desconstruídos conforme a oportunidade do seu aproveitamento para circunstâncias diferentes.
Aqui há dois anos tive oportunidade de ler o livro de Frederico Delgado Rosa sobre o seu avô, o general Humberto Delgado e que tem revelações que teriam sido úteis, numa visão aportuguesada do livro Angola 61, que é objectivamente mais importante para Portugal que para Angola. Ainda sobre isto e não querendo andar com os panegíricos do regime tipo Amândio Cesar, Horácio Caio, Falcato, Alves Pinheiro, Amadeu Ferreira, Barão da Cunha, Diamantino Faria, João Simões, Artur Maciel, Pedro Pires, Hélio Felgas, Carlos Alves, Borja Santos, e quejandos, acho que se deveria aprofundar o factor insurreccional iniciado em 1961 com a leitura de muito depoimento de gente que foi para Angola por perseguição política, e aqui lembro entre muitos os exemplos de Antero Gonçalves, com um livro de 1965 “O Norte de Angola” e de João Garcia sobre o “ Quitexe” de 2000, que deixaram depoimentos interessantíssimos sobre o que politicamente se passava nas suas bualas e à volta, fora do contexto urbano da cidade capital.
Acho que a professora Dra. Dalila Cabrita Mateus tem cumprido cabalmente o seu propósito de investigar e simultaneamente oferecer trabalhos de grande qualidade científica, mesmo quando pontualmente estou em desacordo. O que não devemos, e aqui repito-o, é vilipendiar a autora porque tem opiniões cientificamente alicerçadas em documentos e depoimentos que contrariam convicções suportadas por opções ideológicas fabricadas em tempos que era necessário fazer-se força com base em verdades, que nalguns casos se revelaram falácias.
Acho o Angola 61 um livro interessante, a que voltarei quando o puder ler com calma, e só me cumpre agradecer aos autores, pelo menos a possibilidade de discordar com algumas opiniões que por lá andam, mas isso já justifica eu ter que ler e documentar-me bem para ripostar.
Pelo que ouvi dos autores era possível que este livro fosse polémico em Angola, mas julgo que não o será porque infelizmente quem se interessaria por levantar essa polémica está no seu cantinho a tratar da vidinha. Se o contrário acontecer, é muito bom, porque só se desenvolvem ideias com polémica assente em pressupostos de seriedade, respeito e tolerância pela diversidade.
Já agora, talvez a despropósito, há um outro Angola 61, já com uns aninhos de Rocha de Sousa, da Contexto que é um quase romance excelente, sobre a guerra colonial.

Fernando Pereira
2/2/2011

29 de janeiro de 2011

“Os Comediantes” Ágora/ Novo Jornal/ Luanda /29-1-2011




O regresso recente de “Baby Doc” ao Haiti, fez-me recordar “Os Comediantes”, um dos livros de um percurso literário de um dos mais multifacetados jornalistas do século XX, Graham Greene (1904-1991).
O pano de fundo dos “Comediantes” é o Haiti do sanguinário “Papa Doc”, alcunha de François Duvalier, que governou em ditadura o País entre 1957 e 1971.
Já Jean Bernard Aristide, padre, antigo opositor à ditadura dos Duvalier, que sofreu as agruras dos torcionários do regime haitiano, os “tontons macoutes”, e que depois de ocupar a presidência decidiu esquecer toda a sua verborreia revolucionária e as suas convicções católicas para robustecer as suas contas bancárias, escapando da ira da população para um exílio dourado. Parece que o Haiti vai continuar a ter que viver com esta tralha toda, que reaparecem com enorme espírito de missão pois já que sabem que há hipóteses de uns trocos avultados para a reconstrução de um País, que tudo de mal lhe acontece, e nem o vudu consegue dar a tranquilidade aos seus habitantes que vegetam e que lideram as piores classificações do mundo no que aos números do desenvolvimento, cuidados primários de saude e qualidade de vida dizem respeito.
Porque a história de Brown, dono de um hotel em Port-au-Prince, o Trianon, onde se cruzam a senhora Pinheda, o casal vegetariano Smith e Jones o golpista inglês, é a trama deste “Comediantes”que se desenvolve nas mais bizarras situações. Um Haiti sombrio, mas com muitos óculos escuros dá-nos um enredo parecido aos que pontualmente tenha assistindo noutros lugares, particularmente no nosso País.
Saiu recentemente em Portugal o livro “Eu roubei o Santa Maria” do luso galego Jorge Soutomaior, nome de guerra do activista José Fernandez Vasquez, comandante do DRIL pelo lado espanhol, que em determinada altura dos acontecimentos entrou em rota de colisão com Henrique Galvão (1895-1970).
Henrique Galvão no livro “ O Assalto ao Santa Maria”, da colecção Compasso do Tempo, editado pela Delfos em 1973, omite algumas das muitas revelações do livro de Soutomaior, provavelmente por razões que se prendiam com a tentativa de liderança formal de uma chefia bicéfala que constituía o DRIL (Directório Revolucionário Ibérico de Libertação), e seguramente pelas características militaristas e profundamente radicais de direita do major Galvão.
Uma das revelações do livro de Soutomaior é assumidamente a opção Angola, e Fernando Pó (hoje Guiné Equatorial, então colónia espanhola), o que não cola exactamente com o que diz Galvão que falava de Fernando Pó e S. Tomé e Príncipe, onde se iriam arranjar reforços para um assalto em Luanda, que já estaria a ser preparado, e que era nem mais nem menos que o 4 de Fevereiro de 1961.
Visto a esta distância, consultados os livros, a imprensa da época, a emoção dos discursos do Salazar, os depoimentos de alguns intervenientes e passageiros do paquete não deixamos de pensar nalgum quixotismo da operação apesar dos incipientes meios de defesa das colónias portuguesas e espanholas em África nesse longínquo dealbar dos anos 60.
O que de certa forma me deixa perplexo é haver pessoas, curiosamente não intervenientes no 4 de Fevereiro de 1961, há cinquenta anos que questionam em Angola a relação entre este mediático acontecimento e o surgimento do que se convencionou historicamente chamar o início da luta armada no País.
Houve necessidade de explorar mediaticamente a “operação Dulcineia” a favor de uma qualquer movimentação que estava em marcha em Luanda, de forma a libertar os presos políticos angolanos que se encontravam em S. Paulo, no Penedo ou na unidade móvel nº7, e isso é um dado incontornável.
Luanda estava pejada de jornalistas, alguns ainda saídos da refrega no Congo, e não havia melhor publicidade que um levantamento pela libertação de presos que se afirmaram capazes de lutar contra o colonialismo vigente.
O livro de Soutomaior deixa de forma evidente que terá havido contactos, ainda que ténues para que se fizesse qualquer coisa em Luanda. Não fala de nomes, mas não deixa de criticar H. Galvão, que nunca deixou de manter a sua auréola de ideólogo colonialista. Galvão foi governador da Huila, comissário das exposições coloniais, deputado por Angola, escritor que deu tributos brilhantes sobre a flora e fauna africana. Denunciou na Assembleia Nacional fascista o tratamento infligido aos angolanos no decurso do “contrato”, e aí passou a ser um inimigo do regime que o prendeu no Aljube durante oito anos, findos os quais conseguiu fugir e exilar-se na embaixada argentina em Lisboa, iniciando uma luta sem quartel contra Salazar, tornando-se o primeiro homem a desviar um avião no mundo por razões políticas.
Cinquenta anos depois do 4 de Fevereiro de 1961 devemo-nos dedicar mais à história e fazer menos histórias mesmo que sejam quase ao bom nível do Graham Greene, o que é muito difícil.
Fernando Pereira
26/1/2011

21 de janeiro de 2011

"LUBITO"/Ágora/ Novo Jornal / Luanda 21-1-2011




A maioria de uma minoria que me vai lendo neste espaço põe muitas reservas a vários assuntos aqui colocados não sendo mais acutilantes na crítica, porque provavelmente dá-lhes imenso trabalho contestar. Começa a ser normal!


Aqui há tempos ouvi uma história verosímil sobre a avenida Deolinda Rodrigues, em que o interveniente era um diplomata português de visita a Luanda.”Ela nasceu cá?”, ao ver a placa não deixou de manifestar a sua perplexidade por ver o “nome da fadista dado a uma rua” pois “ela era boa fadista mas nada comparável com a Amália Rodrigues”. O que posso dizer é que há testemunhas desta conversa, que foi sem ponta de ironia!

Acabei de ler “Um cesto de cerejas”, um livro magnífico do arquitecto Francisco Castro Rodrigues, editado pela Fundação Mário Dionísio e infelizmente pouco acessível no circuito comercial normal.

Julgo que é um trabalho obrigatório para ser lido por qualquer arquitecto angolano ou estrangeiro a trabalhar em Angola ou qualquer pessoa que se interesse pelo desenvolvimento dos últimos sessenta anos do “Lubito”, cidade com pouco menos de cento e vinte de existência.

Uma obra apaixonante numa linguagem directa, com fotos interessantíssimas, mapas e assertiva quanto às opções que tiveram que ser tomadas, mesmo numa luta desigual contra os interesses instalados do Caminho de Ferro de Benguela e outros menores mas não menos incomodativos e impeditivos.

Francisco Castro Rodrigues fala sem tibiezas, sem procurar poupar inimigos de estimação na defesa intransigente da edificação de uma cidade para angolanos. A sua luta contra o fascismo em Portugal obrigou-o a procurar o “Lubito” no dealbar dos anos 50, onde iniciou uma nova luta contra o colonialismo, lutando simultaneamente contra alguns projectos peregrinos de independência à Ian Smith. Toda esta luta valeu-lhe a cadeia, a não promoção na carreira, para além da proibição de deixar o território, mesmo para receber um prémio de arquitectura no Brasil nos anos 60, pelo mérito indiscutível da sua obra.

No meio de um episódio rocambolesco da saída do “Lubito”, de forma a evitar a perseguição pelas hordas da UNITA, regressa passado um ano e mantêm-se de forma empenhada na sua cidade de sempre que só larga em 1988, impostas pela saúde debilitada da sua companheira de sempre, Maria de Lurdes, falecida uns anos mais tarde já em Azenhas do Mar, onde o Castro Rodrigues se instala e continua a trabalhar no património que deu corpo ao “Museu do Neo-Realismo” em Vila Franca de Xira.

Não podemos andar no “Lubito” sem nos depararmos com a marca de Francisco Castro Rodrigues, e por isso acho da mais elementar justiça que a toponímia da cidade destaque o seu nome. As Portas do Mar, o edifício Universal, a Colina da Saudade, a Casa do Sol, o Liceu Saydi Mingas, o Cine Flamingo, as actuais instalações da Universidade Lusíada o silo-auto da Casa Americana, a reconversão do Tamariz, o Mercado Municipal, a urbanização do Alto Liro, da Bela Vista, o obelisco da entrada, o edifício da aerogare, diversas esculturas, enfim uma cidade com a marca de um verdadeiro arquitecto de muito boas vontades, ideologicamente bem formado, com práticas politicas circunstancialmente discutíveis, mas acima de tudo um homem que serviu o “Lubito” com genialidade, sem pedir em troca o que quer que fosse.

No Sumbe avultam obras suas como por exemplo a catedral, inovadora na concepção e materiais utilizados, os Paços do Concelho e muitas obras particulares principalmente para a família Seixas, os grandes homens do café da região do Amboim no tempo colonial.

Este livro é quase a história do “Lubito”, um guia indispensável para os nados e estabelecidos na terra, para não deixar que certos erros em tempos combatidos sejam novamente postos em execução por falta de “sangue na guelra” dos novos habitantes, que devem fazer jus às lutas dos antecessores.

Conheço o Lobito quase desde que me conheço e quando li este livro foi um desfiar de imagens, histórias e ideias dos tempos em que na varanda dos sapalões ouvia as conversas dos mais velhos sobre o que fazer do “Lubito”.

Um abraço enorme de agradecimento ao Francisco Castro Rodrigues e a Eduarda Dionísio, minha professora no Liceu Camões em Lisboa no fim dos anos 60, que sei que o “intimou” a responder-lhe às perguntas neste magnífico “Cesto de Cerejas”.

Leiam se quiserem saber porque se devia dizer “Lubito” e não Lobito!

Desculpem o OBRIGATÓRIO LER!



Fernando Pereira

17/1/2011

14 de janeiro de 2011

ARQUITEXTURA NA CELA / Novo Jornal/ Ágora/ Luanda / 15-1-2011








Uma das maiores bizarrices da “arquitextura” portuguesa em África é o colonato da Cela, no sudeste da província do Kwanza-Sul.
O termo “arquitextura” é uma originalidade do arquitecto Francisco Castro Rodrigues, um híbrido entre a arquitectura e o conjunto de “texturas”que fazem a vida colectiva de uma comunidade: social, política e económica.
O contexto da criação dos colonatos em que o de maior visibilidade é o da Cela, insere-se na continuidade do sonho de Norton de Matos, admirador confesso de Cecil Rhodes, de “importar” famílias portuguesas que se dispusessem a desenvolver economicamente o País, acabando com as relações comerciais e familiares ancestrais entre tribos de angolanos. Uma situação do tipo “arreda para lá, que esta terra é boa e vocês não sabem o que fazer dela”!
A melhor superfície cultivável, o antecipado apoio económico, a aquisição obrigatória do produto por parte dos serviços estatais no caso de não haver comprador privado, a instalação de um perfeito equipamento social de apoio ao colonato, entre outras mordomias eram direitos dos colonos que os angolanos estavam arredados, depois de lhe terem sido subtraídas as suas lavras, única riqueza que perpetuava a coesão da família tradicional angolana.
O maior mentor dos colonatos foi Vicente Ferreira, por sinal quem elevou a então Nova Lisboa a cidade, que manteve com Armindo Monteiro e Marcelo Caetano algumas divergências, fundamentalmente no que concerne ao recrutamento da mão-de-obra. Vicente Ferreira, assim como Norton de Matos, queria que os colonos dirigissem e os angolanos trabalhassem; Marcelo e Armindo defendiam que os colonos deviam trabalhar, sem recurso aos angolanos. Tecnicamente toda a supervisão, construção, legislação e adaptação foi executada pelo Engº Trigo de Morais e por Pequito Rebelo, que sobre o colonato da Cela dizia em 1961:”Daqui a anos com 100 aldeias, será um distrito Inteiramente branco na África negra, um Portugal em miniatura dentro da sua maior província, de onde irradiará energia colonizadora”. Foi criado em 1952, com o nome de Junta de Povoamento Agrário da Cela.
Não vou falar do PAN (Projecto Aldeia Nova), porque não conheço muito bem, e o que vou sabendo hoje é o que aprendi a ouvir há quarenta anos sobre o mesmo modelo de desenvolvimento agrário na Cela/Wako-Kungo: Um sorvedouro de dinheiro e um apeadeiro para novas oportunidades fora dali.
Um destes dias tive oportunidade de ver um documentário produzido pela RTP nos anos 60, com o inefável Amândio Cesar e o desaparecido Horácio Caio num trabalho sobre o colonato da Cela em que entrevistavam os colonos que por lá Portugal semeou. Era o que se chama o colonialismo serôdio, do pensar curto que cada entrevista deixava transparecer, com perguntas formatadas a respostas já ensaiadas à exaustão. Era o fim de festa anunciado, que em nada diferia da Exposição do Mundo Português na Praça do Império em 1940 na Lisboa capital do Império. Em certos momentos fez-me lembrar momentos de “A testemunha” com Harrison Ford, rodado em torno de uma comunidade Amish na Pennsilvania.
A arquitectura da Cela é qualquer coisa de parecido com o Portugal dos Pequenitos em Coimbra com risco de Cassiano Branco, um arquitecto democrata que desenhou no Lobito a magnífica estação dos CFB, hoje parcialmente ocupada por uma livraria.
Cela em que a sede era Santa Comba, em homenagem ao “Botas”, alcunha de Salazar, e tinha no seu lugar cimeiro uma igreja, copiada em todos os pormenores da que existe em Santa Comba Dão, terra natal do ditador. Havia num perímetro circundante de umas dezenas de Kms cerca de 15 aldeias, o que daria um povoamento total de 350 famílias (28 por aldeia) o que daria cerca de 3000 colonos.
O arquitecto Fernando Batalha desenhou a maior parte das habitações e edifícios públicos da Cela, e fê-lo numa composição simétrica e arcaizante, no âmbito do GAU, com modelo empobrecido da casa portuguesa de Raul Lino. Era a África dos pequenos, com consequências nefastas para todos desde colonos a autóctones e contas públicas, para além do ar sem graça da arquitectura que nada tinha a ver com a realidade onde os edifícios foram implantados.
Sobre este assunto recomendo o livro de Cláudia Castelo, “Passagens para África” editado pela Afrontamento (7-2007), na colecção Biblioteca das Ciencias Sociais. Um excelente trabalho, que convenientemente estudado e com as experiencias já existentes pode conseguir inverter alguns projectos que a leigos parecem desenquadrados e a técnicos com saber reconhecido parecem pura estultícia.
Fernando Pereira
10/1/2011

Palha vã vais ter / Interior / 14-1-2011




Dessei se a maioria de uma minoria que me vai lendo conhece a anedota do comboio parado?
Numa estação de caminho de ferro, onde tinham ficado acidentalmente uns carris que escaparam à socapa da sucata, estavam os três últimos primeiros-ministros de Portugal e Ilhas num compartimento de uma carruagem de comboio completamente imobilizado.
O Duarte, desculpem Durão Barroso, farto de ver passar as horas e o comboio parado, resolve levantar-se e sair. Volta com um ar ufano e diz que prometeu ao maquinista que o iria acompanhar para a Comissão Europeia, onde “sabia que iria chegar, não sabia quando”. O comboio manteve-se parado. Santana Lopes, com aquele ar gingão, um misto de “Maximo Dutti”e “Desigual” levanta-se num ápice e regressa com um sorriso jactancioso afirmando peremptoriamente que o comboio ia andar pois garantiu ao maquinista uma presença na capa da Caras, para além de aumento de honorários. O comboio permaneceu parado. Manifestando algum enfado José Sócrates levanta-se, fecha as cortinas deixando o compartimento numa escuridão total e diz com um ar cândido: “Meus senhores, o comboio está a andar”.
Esta adaptação livre de uma anedota dos tempos da guerra fria tem muito a ver com a realidade do que tem sido Portugal e Ilhas nestes últimos anos. Mia Couto, provavelmente um dos mais virtuosos escritores da Lusofonia, a par de Pepetela, escreveu na sua crónica regular publicada num semanário moçambicano isto: “O nosso país não produz riqueza, produz ricos”. Dirão logo uns quantos que lá vem este tipo a querer comparar Portugal com países de pretos, mas a realidade é que esta frase do Mia sobre a realidade moçambicana assenta que nem uma luva na realidade serôdia da baixa política e do chico-espertismo, em que se foi transformando a economia de mercado onde vamos andando, cantando e quase rindo.
Augura-se um ano de 2011 muito mau para o cidadão comum, mas sei que sabem que há quem saiba que já há gente a viver mal há muito tempo com reformas ao nível da indigência e outras situações do tipo, que para alguns são instrumentos de retórica em determinadas e oportunas circunstancias e para outros são a realidade de um quotidiano triste.
Por causa de tudo que vai acontecendo, e aqui lembro um outro Fernando de apelido Pessoa que dizia “Sim, está tudo certo. Está tudo perfeitamente certo. O pior é que está tudo errado”e hoje ao olhar para um mariscário, lembrei-me da parábola das lagostas. Quando estavam naquela água diziam mal da vida porque tinham saído do mar; Quando foram para a panela detestaram a água e queriam voltar para o mariscário; Quando a temperatura passou para os 40º já pediam os 20º, quando passou para os 50º pediam os 40º e por aí fora até soçobrarem definitivamente nalgum dente com melhor poder de compra e imune à crise.
Parecenças q.b. com o quotidiano da malta, que vamos sentindo que o dia de hoje é sempre melhor que o de amanhã.
Um Bom Ano de 2011, apesar de tudo!
Fernando Pereira

7 de janeiro de 2011

As palavras são como ginguba!/ Ágora/ Novo Jornal / Luanda 7-1-2011


Fernando Pereira 2/1/2011


No dealbar dos anos cinquenta, com a alteração do léxico oficial de colónia para ultramar, iniciou-se por todo o território de Angola, um ritmo diferente de construção de equipamentos públicos que salvaguardariam as necessidades de novas grupos de colonos, que pudessem ajudar a perpetuar a presença de Portugal em África.


A construção acelerada de algumas escolas primárias, fez com que o então ministério do Ultramar recorresse ao modelo padronizado das escolas do “Centenário”. Esse modelo, foi uma adaptação da habitação portuguesa, essa criação peregrina do arquitecto Raul Lino (1879-1974), passando para o que vulgarmente se designa de desenho português-suave. Portugal inteiro tem polvilhadas escolas com estas características, pois começaram a ser construídas para comemorar um conjunto de três centenários glorificados pelo corporativismo salazarista (1140- data da fundação de Portugal, 1640-data da recuperação da independência de Portugal e 1940 – data da Exposição do Mundo Português).

Em Angola importaram-se estes modelos, e em Luanda ainda existem algumas nomeadamente a do Município e a da Av. do Hospital (1º Congresso), com essas características, que realmente se adequavam ao rigor dos invernos europeus, mas que nada tem a ver com a canícula tropical.

Já que se fala nos “centenários”, não deixa de ser bizarro o “enorme esforço de reconstrução de todos os castelos e fortalezas de Minho a Timor” feito por Salazar para enfatizar as comemorações dos 800 anos da fundação de Portugal.

Mandou esculpir milhares de pedras de granito em que dizia: “Este monumento foi restaurado em 1940” e mandou-o colocar em todas as fortificações. Em Massangano, Cambambe, Luanda e Namibe, lá está a pedra que “unia o Império”.Na maioria dos monumentos não se fez rigorosamente mais nada, e assim pôde dizer que foi feita uma intervenção em todo o lado.

Já que se fala em esculpir, soube que faleceu em Curitiba onde se instalou em 1979 Octávio Nascimento Canhão Bernardes (1919-2010), que deixou obra escultórica de grande qualidade particularmente no Lobito onde vivia, havendo registo de trabalhos em Benguela, Sumbe, Huambo e Bié. Economistas de formação, a qualidade das suas peças escultóricas não deixavam transparecer a sua aprendizagem autodidacta. “Caminhante” e o “Poeta”na Restinga, a “Sereia” na baía e “Cavalo Esvoaçante”, em frente ao aeroporto, perpetuam um trabalho muito rico de um homem que nunca recebeu nada em troca.

Vou ouvindo, vendo e lendo que já anda aí na forja mais uns estudos para novos planos gerais de reabilitação urbana da nossa cidade capital. Talvez seja mais um pagar um balúrdio a umas empresas, e no fim os resultados da grande maioria dos estudos em Angola em diversas áreas volatilizam-se e encomendam-se outros!

No final dos anos sessenta, foi feito um Plano Geral de Urbanização da cidade de Luanda por uma empresa francesa, que ao tempo levou ao governo provincial cento e cinquenta mil dólares, para além de outros gastos como alojamento, transportes, seguros e outras alcavalas. Era muito dinheiro para a época, mas na realidade era um plano muito sério, e que previa que Luanda tivesse 2.000.000 de habitantes no ano 2000, o que de facto veio a acontecer. Esse plano foi rejeitado pela pressão imobiliária, e logo apareceram uns arquitectos portugueses a alterar o plano em benefício naturalmente da pressão dos proprietários dos terrenos, muitos deles subtraídos de forma ilícita a famílias angolanas prestigiadas.

Não sou arquitecto mas para Taveiras e quejandos rejeitarem esse projecto parto do princípio que era capaz de não ser um mau trabalho, e poderia servir de base para alguma coisa que ainda fosse possível salvaguardar numa planificação assertiva de edificação de uma Luanda minimamente aceitável para se viver.

Bom Ano de 2011 para todos vós!

Fernando Pereira 2/1/2011

30 de dezembro de 2010

FINALMENTE!/ Ágora/ Novo Jornal / Luanda/ 31-12-2010




Uma situação recorrente em Angola é o recurso ao insulto personalizado, o que é perfeitamente justificado pelo facto de não ter havido em Angola, no colonialismo e no tempo que levamos de independência, um espaço que “dessubjectivasse” o discurso, uma circunstancia que é responsável por fazer descambar a crítica ou para o insulto pessoal ou para o “elogio sobrevalorizante”.

Sou suspeito em falar dos que comigo partilham semanalmente este projecto do NJ, mas acho que seria a maior injustiça que ignorasse a outorga do Prémio Nacional de Imprensa 2010, na categoria de jornalismo, ao Gustavo Costa. Deveria ter feito uma prévia declaração de interesses pois sou amigo pessoal do Gustavo há muitos anos, o que provavelmente me deixa em maior dificuldade para falar dele.

Julgo que há muito o merecia pela frontalidade das suas posições, coerência das suas referências, acutilância das suas crónicas, que nem sempre concordo, e acima de tudo pela forma honesta como encarou a sua profissão, num quotidiano de pressões, insinuações torpes e ameaças. A atribuição deste prémio ao Gustavo Costa e outros sinais positivos no quotidiano da comunicação social em Angola, mostram que há uma diferente vontade política de dar um rumo mais assertivo à informação em Angola, e permitir-se dignificar a função dos que informam e opinam em liberdade.

Entre os presentes do dia da família, para além de uns destilados comuns, o que revela alguma falta de inspiração de quem oferece, recebi um livro que vou ler até à exaustão, como se pode dizer, que foi o livro do arquitecto Francisco Castro Rodrigues, “Um cesto de cerejas”, editado pela “Casa da Achada”. Já há muito que quero fazer um artigo sobre este verdadeiro artífice do Lobito moderno que conhecemos, combatente pela liberdade, fundador e dirigente da Associação 25 de Abril em Luanda, e prometo-o para breve recorrendo ao excelente trabalho de Ana Magalhães e Inês Gonçalves, “ Moderno Tropical”, livro que já neste espaço teci rasgados encómios, assim como ao livro de José Manuel Fernandes e outros, “Angola no século XX- Cidades, Territórios e Arquitecturas” (2010) Ed: Maria de Lurdes Serra, um trabalho bastante bom embora polvilhado aqui e ali com alguns erros, que apesar de tudo não retiram algum interesse à obra.

Já que se fala em livros que afinal são as prendas que mais recebo, alerto desde já para evitar tanto quanto possível o “ Em Paz por terras de Angola” (2010), de Jean Charles Pinheira, editado por uma tal editora Zebra. Graficamente o livro até me pareceu interessante e as imagens são apelativas, contudo os textos são francamente maus, e as legendas das fotos completamente descontextualizadas, o que só justifica que por vezes bons embrulhos trazem maus produtos.

Estamos no fim do primeiro decénio do século XXI e a realidade com que nos vamos confrontando é seguramente melhor que no fim do séculoXX, apesar do caminho percorrido ainda ser pequeno para o muito a percorrer para o desejável, mas nunca contentável, o que mostra determinação na comunidade no construir um futuro melhorado para todos.

Para todos os que com muita paciência me vão lendo um Bom 2011.

Fernando Pereira 28/12/2012

26 de dezembro de 2010

Despresépiamente no Natal! / Ágora/ Novo Jornal / Luanda /24-12-2010



O que vou contar é uma história simples de Natal condimentada com outros pormenores, verosímil mas por razões perceptíveis vou omitir o nome do meu amigo, figura central da história.


Esse amigo era assistente numa Universidade Portuguesa quando Angola ascende à independência. Nasceu numa qualquer terra onde passava o CFB onde seu pai trabalhava, estudou no Diogo Cão e foi estudar para Portugal nos anos sessenta, tendo participado activamente em greves académicas e nalgumas actividades de apoio à luta dos povos das colónias em África. Essas actividades foram-lhe valendo alguns dissabores, no seu meio familiar tradicional e católico assim como na sua progressão académica.

Regressa a Angola, começa a dar aulas com entusiasmo na Universidade de Angola, depois Agostinho Neto, e com igual arrojo vai arranjando namoros que não raras vezes acabam em dramas dignos de enredos de faca e alguidar.

Às páginas tantas, a mulher que tinha deixado em Portugal resolve ir a Angola, para preparar uma futura instalação, junto do marido que contava maravilhas da terra e da revolução, hoje infelizmente esquecida.

O meu amigo ficou em transe quando soube essa notícia mas passada a surpresa inicial e como não era muito de se enrascar, resolveu pedir a um amigo num apartamento onde raras vezes chegava água, num sexto andar sem elevador e como era um tempo em que não havia muitos geradores a luz em casa ficava ao arbítrio das recorrentes avarias da EDEL. Importa dizer que normalmente vivia num prédio da universidade ali para os lados do Kinaxixe, que ia tendo tudo a funcionar, com as limitações inerentes a uma Luanda de dificuldades eternamente acrescidas.

No dia antes do dia aprazado para a chegada da esposa, dispensou a cozinheira, e despejou a despensa, o que ao tempo era quase um crime que eu próprio beneficiei.

Neste plano maquiavélico entre várias vicissitudes, obrigou a senhora a estar nas filas dos restaurantes: Xenu, D. Andreia, Panqué, Instanta, Pims, Garfo, Mexicana, Polo Norte, e outros que tinham como denominador comum terem o carapau ou peixe-espada frita (vulgo cinturão de FAPLA) com o arroz ou esparguete, acompanhado por uns “búlgaros” de cerveja, e muita falta de higiene à mistura. Ao fim do dia a senhora estava derreada, pois estar numa fila calcorrear a cidade a pé porque o trabalho do consorte urgia, ou fazia que isso sucedesse, em plena canícula de Fevereiro, era situação que ela estava longe de encontrar quando se dispôs a vir a Luanda.

Foram muitas as peripécias mas a cereja no topo do bolo foram as idas à praia tendo ele escolhido a praia do Cacuaco, um vazadouro de petróleo e de caranguejos, motivando o desabafado com certas pessoas, que “as praias de Angola eram tão elogiadas, mas sendo esta a melhor, imagino as outras”, o que levou muitos a reprimir o riso perante os sinais do meu amigo, que quase nos obrigou a determinado tipo de reprováveis cumplicidades.

A verdade é que o objectivo foi plenamente conseguido e a senhora embarcou para Portugal, sem vontade de regressar a Angola, e lá acabou por se separar numa “cerimónia” inenarrável.

Fui passar o que em tempos se chamou Natal, depois “Dia da Família” e Natal de novo, ao Uíje nesse ano de 1980, onde esse meu amigo arranjou uma namorada horrorosa, que não valia uma ida de 12 metros, quanto mais uma viagem de ida e volta de 1200km. Quando me apresentou a “princesa”, veio-me à lembrança a frase de Vinicius de Morais: “Beleza não se come à mesa, mas que me desculpem as feias, eu também não como no chão”.

O Uíje era a parvónia que bem conheci no tempo colonial, com a vantagem de ter perdido alguns “besugos”, armados em ricos, o que tornava a cidade mais respirável. Na “ceia” por ironia do destino na casa que tinha sido habitada por um familiar meu onde já tinha passado outras consoadas em tempos idos, foi nosso parceiro um indivíduo que nunca intervalou na bebedeira. Quando cheguei estava odre, assim se manteve, e assim o deixei três dias depois. Quando voltei ao Uije e o encontrei, dei-lhe a notícia que tinha passado o Natal anterior com ele, pois ele não se lembrava de rigorosamente nada; Soube há anos que tinha morrido de mais que previsíveis complicações hepáticas.

Fico a aguardar as palavras de circunstancia, normalmente repetidas de vários dignitários de cargos políticos e religiosos só quero desejar Festas Felizes, principalmente a quem pacientemente me vai lendo neste espaço.

Fernando Pereira

18/12/2010

17 de dezembro de 2010

Crónica Molengona / Ágora / Novo Jornal / Luanda 18-12-2012



Uma das mais fascinantes obras do cinema documental é Olympia 1. Teil - Fest der Völker, Ídolos do estádio, filme de propaganda de 1938 de Leni Riefenstahl (1902-2003) documentando os Jogos Olímpicos de Verão de 1936, em Berlim.


Durante cerca de aproximadamente duas horas, assistimos à verdadeira montagem que Hitler e o nazismo fizeram de uns Jogos Olímpicos que procuravam exaltar os valores da superioridade da raça ariana. Apesar dos ângulos de multidão focarem primordialmente as manifestações nazis no estádio olímpico de Berlim, a forma como Riefenstahl mostra os corpos dos atletas “não arianos”, e as expressões de Hitler quando da vitória do afro-americano Jesse Owens, são motivo de alguma tolerância para uma simpatizante nazi, mas que acima de tudo era exigente nos conteúdos e nas técnicas empregues.

A técnica empregue nesse filme, foi tão inovadora que ainda hoje faz escola nas imagens das transmissões televisivas de eventos desportivos.

Leni Riefenstahl, passou uma boa parte da sua longa vida a fazer fotografia, dando-nos belíssimos trabalhos recolhidos em tribos do Sudão. Aos oitenta anos passou a dedicar-se à fotografia submarina e a filmes sobre a vida aquática, tendo estreado quando fez cem anos, o filme “Impressões subaquáticas”.

Quem me levou a conhecer Riefenstahl foi o professor José Esteves, hoje com mais de noventa anos e ao que julgo saber ainda com a lucidez suficiente para acompanhar alguns profissionais de Educação Física que com ele almoçam regularmente, onde encontramos os nossos conhecidos professores António Sousa Santos e Carlos Gonçalves, entre outros.

José Esteves em 1970 inaugurou uma colecção de história e sociologia do desporto da Prelo Editora com “O Desporto e as Estruturas Sociais” , ainda hoje uma obra obrigatória para a compreensão do que foram os anos da ditadura e do colonialismo na educação física e desporto escolar e federado. Já no fim da década de setenta publica pela Básica Editora o livro “Racismo e Desporto”, documento onde se denuncia a sordidez do espectáculo desportivo e a exploração que incide nos atletas, particularmente nos “favelados” do mundo, explorados por uma máquina que trucida valores ou regras minimamente aceitáveis.

Tentei enquanto primeiro director do CNDI da Secretaria de Estado dos Desportos da RPA, divulgar estes textos, promovendo até o piratear de alguns excertos das suas obras, bem como a de outros autores como Manuel Sérgio, Noronha Feio, Melo de Carvalho, Teotónio Lima, admitindo o meu tremendo insucesso.

José Esteves foi nos anos cinquenta “desterrado” para o Liceu Salvador Correia, por motivos de ordem política, onde conviveu com alguns alunos que entretanto optaram por ir para a guerrilha na luta pela independência de Angola. Também em Luanda foi incomodado, porque era incómodo e ei-lo de novo devolvido ao Liceu D. João III em Coimbra onde estava colocado antes da sua “campanha africana”.

Figura prestigiada no universo da educação física, no contexto histórico e sociológico, José Esteves, merecia que eu me lembrasse dele, porque ajudou-me a ver o desporto com outros olhos nos mesmos óculos.

Acabei de ler o livro do jovem investigador Fernando Tavares Pimenta, “Portugal e o Seculo XX – Estado-Império e Descolonização (1890-1975), editado pela Afrontamento (5-2010). Fernando Pimenta tem merecido neste espaço um reconhecimento da excelência do trabalho de investigação que faz sobre Angola, de uma pessoa que não conhece, nem tem qualquer tipo de ligação ao território, a não ser fazer trabalhos universitários cientificamente valorosos em que o tema é o nosso País.

Este livro é diferente no que li nas três obras anteriores já publicadas, mas penso ser interessante, e de linguagem acessível sobre alguns períodos “penumbrosos” da história contemporânea comum de Angola e Portugal.

Bom Dia da Família a todos vós!

Fernando Pereira

13/12/2010





10 de dezembro de 2010

Senhor Governador da Provincia de Luanda/ Ágora/ Novo Jornal/ Luanda / 10/12/ "010




Desculpar-me à dirigir-me a si, nesta carta entreaberta, pouco tempo depois de ter sido empossado como o 16º governador da província de Luanda desde a independência, mas como começo a raiar o ensandecido com tantos estudos, soluções, projectos, discussões, e muitos milhões a desbaratar, apetece-me também dizer alguma coisinha!
Nasci em Luanda, em meados dos anos cinquenta, para ser mais preciso, quando acabou o comboio que atravessava a cidade desde o Bungo até perto do aeroporto velho.
Como a minha família era da burguesia colonial, nasci num quartinho virado para o Alto das Cruzes, na ex-casa de Saúde de Luanda, hoje Augusto Ngangula. Isto, faz-me lembrar uma certa gente que estava disposta a “partir os dentes à burguesia”, mas que pelos vistos deixou os maxilares em bom estado, pois hoje vêem-se muitos implantes e dentaduras em muitas reminiscências e tiques de outros tempos.
Conta-se que quando nasci e o Braga se transformou em Bairro do Café, havia um governador que marcava as ruas com riscos feitos na terra com a ponta do chapéu-de-chuva, o que deve ser verdade, pois o traçado de certas calçadas não lembravam a qualquer topógrafo com o teodolito avariado.
Vi a cidade crescer de camartelo em riste para destruir a zona comercial, em frente ao antigo porto pesqueiro, para construir o prédio do BCA (hoje BCP), e mais uns arremedos arquitectónicos do tipo. Essa saga destruidora não tem parado, com o intervalo dos anos da independência e seguintes a deixarem uma réstia de expectativa sobre a preservação do património edificado.
Desculpe este arrazoado, mas quando penso Luanda tenho muito medo da xenofilia, porque quem deve construir a alma da cidade são os que amam a cidade, tendo sido nascidos nela ou adoptando-a. Mas perante o que vejo acho que ninguém mesmo gosta desta cidade, e cada vez mais preferem o “quatro de Fevereiro” de Belas, ao “quatro de Fevereiro” onde presumivelmente o dinheiro devia ser trabalhado.
As cidades tem que ter alma própria, tem que ter um centro cívico onde as pessoas sintam como um lugar por onde foi passando não apenas a história da cidade, mas onde se faz a história de muita gente, e onde se constroem histórias. Cada esquina desse local é bom ou mau porque aconteceu algo que nos marcou, e Luanda não mantém rigorosamente nada disto.
Luanda não tem jardins, e os poucos que restam só são embelezados para que se vejam, e não para as pessoas poderem fruir num lazer, cada vez mais passado sobre quatro rodas, no meio de um coro de buzinadelas e com a pituitária cada vez mais insensível aos odores do óleo queimado, dos esgotos, de lixos e águas estagnadas.
Houve um governador colonial que perante a exiguidade de espaços verdes na cidade, disse que Luanda não precisava de verdura pública, porque todas as moradias tinham jardins e árvores e a cidade estava cheia de árvores na rua. Esta estulta opinião ao tempo, parece ser a desejável hoje, porque os jardins foram substituídos por depósitos de água, gasóleo e geradores; As árvores das ruas e estradas são cortadas para diminuir os passeios para dar novas oportunidades a que mais viaturas possam ficar no engarrafamento.
Luanda, não tem passeios decentes para quem gosta de andar nas cidades a pé, não tem espaços para nos sentarmos a ver quem passa, e largos com esplanadas onde possamos fruir de um espaço livre de buzinas, tubos de escape e ruídos atordoantes.
A cidade é insegura, mas a noção de insegurança em Luanda é de certa forma pervertida, porque são os cidadãos que a tornam insegura, quando se sente a cidade apenas na parte de dentro de cada um dos quintais ou apartamentos. Quando se perde a consciência da cidade enquanto colectivo, perde-se segurança para tudo, e é esse é o cerne do problema.
A ilha tornou-se um pechisbeque de luxo, com praias sujas e água demasiado acastanhada, para que possa ser o ex-líbris de uma cidade que não tem a garridice, os sabores e o gingar de muitas capitais africanas, nem tampouco nada parecido com o seu alter-ego : A Disneylandia dos adultos, o Dubai.
Sei que não vai conseguir mudar o que muitos estragaram, e seguramente não foram os seus antecessores, incluindo os do tempo colonial, que nalguns casos nem para administradores de condomínio serviriam, mas só lhe posso desejar que procure devolver a alma à cidade, ou melhor encontre-a que já é meio caminho andado, para que a cidade lhe fique reconhecida.


Fernando Pereira
6/12/2010

Portugal exige ser descolonizado!/ Jornal O Interior/ 10/12/2010



Como é comum dizer: “ele há coisas que não lembram nem ao menino Jesus”!


O eternamente putativo rei, Duarte Nuno, com mais uma imensidão de nomes de permeio, pai do príncipe da Beira, resolveu pedir a nacionalidade timorense. Aquele território, que já aturou corsários, portugueses, japoneses, indonésios e alguns timorenses de jaez duvidosa, acaba por levar com mais esta encomenda. Há povos que mereciam um pouco de tranquilidade e felicidade, mas não conseguem ter sorte nenhuma.

Outra figura de opereta que vai andando por aí Pedro Santana Lopes de seu nome, exigiu na TVI “que a senhora Merkel se defina uma vez por todas em relação ao projecto europeu”. Convenhamos que isto, antes de um conselho europeu, uma reunião do G-20 e uma cimeira da NATO, deve ter caído que nem uma bomba! A realidade é que a Senhora Merkel deve andar aflita q.b., pois ainda não respondeu a esta exigência do “inefável” Lopes.

Esta semana, o cada vez mais pesado Carlos César resolveu deliberar que os funcionários públicos nos Açores não seriam penalizados no ano de 2011, contrariando o preceituado no Orçamento Geral de Estado, e afirmando que “não iria ser necessário recorrer a verba nenhuma que onerasse o orçamento da região”. Acho que os tipos das ilhas andam há muito a gozar com os continentais, curiosamente com o beneplácito de todos os governantes, quer eles sejam do partido da direita da direita ou da esquerda da direita, vulgo do “Centrão”.

Já não me apetece falar dos dislates do Jardim, e cada vez menos quero saber do César que, mais discreto, não deixa de tratar dos seus servos da gleba açorianos, protegendo-os da “ira” dos continentais.

É tempo de Portugal se cumprir, como dizia o poeta, e descolonizar-se destas “regiões” autónomas que usam e abusam da paciência do continente, e acima de tudo à custa do erário público. Portugal, julgo que merece libertar-se dos Açores e da Madeira, e já bastaria de vez em quando encontrá-los nas reuniões da CPLP.

Talvez depois desta “varridela” Portugal consiga arrumar a casa e não ande a perder tempo com vitualhas políticas e eticamente intragáveis.

Com um pouco de sorte, o rei D. Nuno é capaz de pedir para ser cidadão dessas regiões, o que as populações locais merecem por manterem no poder gente com determinadas características e idiossincrasias a raiar a ” idiotacracia”.

Desculpem, mas fico um pouco irritado com o discurso dos coitadinhos, vítimas da insularidade, quando no início do ano vão começar a coroar a A23 e a A25 com uns pórticos para pagarmos o que eles nunca pagarão!

De pé, oh vítimas da interioridade!

Fernando Pereira

4/12/2010

3 de dezembro de 2010

“Primeiro estranha-se depois entranha-se !” / Ágora/ Novo Jornal / Luanda / 3-12-2010






Ocasionalmente, vamo-nos lembrando que a toponímia da cidade de Luanda, ter-se-á transformado num Nó Górdio que não será fácil de desatar nos tempos mais próximos.


Fez no pretérito 30 de Novembro, sessenta e cinco anos que morreu, provavelmente o maior poeta da língua portuguesa, Fernando Pessoa. Um génio, que perpassou fugazmente o eterno cinzentismo do País, e que entre absintos, aguardentes copos de “três vinténs”,estados de prostração emocional, deixou um património literário inolvidável, em todas as latitudes onde os enormes poetas são glorificados quase ao nível do Olimpo na Grécia antiga.

Narcisista, misógino, fechado consigo próprio, fisicamente franzino, talvez bipolar, tez quase transparente, invariavelmente vestido de preto, com hábitos de vida e com vícios bem definidos, Fernando Pessoa, é o orgulho da “língua portuguesa”, e o seu legado é trabalhado por cada vez mais sábios em instituições internacionais.

Profundamente criticado pelos neo-realistas, avultando a crítica de Álvaro Cunhal no seu livro “A Arte, o Artista e a Sociedade”(1996), editado pela Caminho, sobre a sua indiferença perante a luta do povo de Portugal e colónias contra Salazar, em que Pessoa é acusado de “ refugiar a sua obra no individualismo, ignorando as massas, e os escritores que as entusiasmavam para a luta com uma poesia mais combativa”.

Nunca partilhei esta ideia de Cunhal, e dos neo-realistas, pois Fernando Pessoa é só um dos maiores poetas da nossa língua comum e da poesia universal.

Luanda, teve uma rua com o nome de Fernando Pessoa, no Bairro da Vila Alice, numa transversal da Hoji-ya-Henda, e que fazia a ligação à rua da Casa 70. Actualmente essa rua chama-se A. Carreira, sem que se saiba quem foi a insigne figura, que teve a honra de substituir um dos poetas maiores da literatura europeia. Admito que foi alguém com alguma importância para ter nome de rua, mas confesso a minha ignorância, partilhada por muitos luandenses a quem perguntei quem era este Carreira.

Nesse bairro foram mantidos os nomes de Almeida Garrett, António Feijó, Antero Quental, Machado de Castro, António Feliciano de Castilho e outros poetas portugueses, que nem grande expressão tem nas suas terras, quanto mais para figurarem nas pracetas da capital de Angola. Fernando Pessoa “tramou-se”, já que o seu nome estava associado a uma rua grande. Se fosse uma esconsa praceta tinha sobrevivido, e o seu lugar obrigatório na toponímia de Luanda ter-se-ia mantido.

O que não deixa de ser no mínimo surreal, é que a Rua Bula Matadi, é partilhada em metade da sua extensão pelo General João de Almeida, o herói da “Pacificação dos Dembos”, um jarrão colonialista, digno de um lugar de relevo junto de algumas estátuas que jazem na fortaleza, como símbolos fechados de um tempo que passou!

Convenhamos que Luanda tem uma natureza idiossincrática interessante, e se começarmos na toponímia, ficamos estarrecidos. Na verdade, eu conheci Novo Redondo, Ngunza e Sumbe, por razões que nunca entendi muito bem, pelo que as circunstancias que afectam a cidade capital, exportam-se para o resto do território.

Não gostava de omitir a efeméride que comemora o falecimento do genial Pessoa, que numa penada só, enterrou-se a si e aos seus heterónimos (Ricardo Reis, Alberto Caeiro e Álvaro Campos) e o seu ortónimo (Bernardo Soares).

Em jeito de curiosidade, quando a Coca-cola se tentou implantar em Portugal, houve um concurso para uma frase publicitária, que definisse a bebida, e a que foi escolhida foi a de Fernando Pessoa: “Coca-cola, primeiro estranha-se depois entranha-se”!

O crítico literário Harold Bloom considerou a obra o "legado da língua portuguesa ao mundo".

Luanda podia timidamente devolver o nome da rua ao Fernando Pessoa, e ali perto, acabar com a de João de Almeida, que indiscutivelmente avilta o orgulho dos angolanos.



Fernando Pereira

28/11/2010

27 de novembro de 2010

Exílio: a Pátria Utópica / Ágora / Novo Jornal / Luanda / 27-11-2010






Quando me preparava para escrever a “Ágora” desta semana, recebi a notícia do falecimento de Maria Helena Moreira Rodrigues Maria.


Foi um Adolfo Maria naturalmente abalado que me telefonou, e achei que a inoportunidade de qualquer morte, pode ser a oportunidade de se incitar a um apelo à memória, e homenagear gente que preservou o anonimato, para dar o seu melhor na libertação e construção de um País.

Maria Helena Maria era uma transmontana de Chaves, que de forma empenhada, solidária, cúmplice, acompanhou o seu marido ao longo de mais de cinquenta anos nos tempos duros da perseguição e prisão pela PIDE, do exílio em Paris, Argel, Brazzaville.

Partilhou a euforia da liberdade emancipadora da Angola colonial, a emergente Republica Popular de Angola, demonstrando uma enorme coragem e sagacidade a defender o seu marido da prisão e da tortura na Angola independente, promovendo uma das mais rocambolescas vivencias de desaparecimento em Luanda, reaparecendo três anos depois de muitas peripécias, algumas a raiar o anedotário.

A Maria Helena dactilografou os primeiros manuais escolares do MPLA, para que as crianças angolanas no exílio, ou nas matas, pudessem aprender e ganhar a consciência de angolanos independentes, e forjassem novas motivações ideológicas, numa sociedade mais justa e democrática. No Centro de Estudos em Argel, apoiava as crianças, familiares de muitos exilados dos ex-CONCP (Conference of Nationalist Organizations of the Portuguese Colonies), ainda lhe sobrando forças para ir ao CEA, dar uma ajuda nas edições difundidas pela resistência ao colonialismo português.

Em Brazzavile, a sua casa foi sempre uma “casa de passagem” para todos os angolanos, engajados na luta de libertação, fazendo regularmente trabalho de montagem do “Vitória ou Morte”, nunca rejeitando nenhuma tarefa que o MPLA lhe exigisse.

Adolfo Maria, homem de enorme estrutura intelectual, probo, coerente na defesa do seu grande objectivo de vida, que era ver a Angola independente, teve a seu lado a companheira que nunca regateou sacrifícios, aceitando com um sorriso bonito, tantas agruras de um exílio pródigo em desilusões.

“Exílio: a Pátria Utópica”, é a melhor homenagem que posso fazer às mulheres que tudo largaram para seguir os seus companheiros, para uma luta que poderia ser “talvez nada”, mas que quando se empenhavam “era o mais que tudo”!

As mulheres angolanas, muitas ainda felizmente vivas, outras já falecidas, devemos uma parte do nosso Novembro de 1975, já que foram a verdadeira retaguarda, de um tempo em que tudo era esfomeadamente difícil.

A Maria Helena Maria, nada tinha de angolana quando iniciou o seu combate, merece o seu “bocado de pão”, pois trabalhou muito para sermos felizes um dia, e acabou sentindo-se angolana, sem pedir nada em troca.

Esta crónica, mais que uma homenagem a uma pessoa que acabou de nos deixar fisicamente, acaba por assumir umas gratidões, que teimamos em adiar, a tanta “anónima”, que deu o melhor de si, quando não havia gente, recursos, quadros, mas que por outro lado excedia-se em voluntarismo, vontade de fazer, e a convicção que um dia a “Vitória é Certa”.

A todas essas mulheres, não havendo muitos angolanos a agradecer, agradeço eu e penso que estou acompanhado.

Nesta hora dolorosa, quero reafirmar ao Adolfo Maria, a minha estima, e sobre o percurso de um homem, que pouco faz para ser lembrado, recomendo o livro do Fernando Tavares Pimenta, “Angola no Percurso de um Nacionalista”, editado pela Afrontamento.

Fernando Pereira

20/11/2011

19 de novembro de 2010

“Ich bin ein Berliner”/ Ágora/ Novo Jornal / Luanda/ 19/11/2011





"Ich bin ein Berliner" ("Eu sou um berlinense", em alemão) é uma citação de um discurso feito em 26 de Junho de 1963 pelo presidente dos Estados Unidos à época, John F. Kennedy, em Berlim Ocidental. Foi uma forma de enfatizar o apoio dos EUA aos alemães de Berlim, cidade dividida, num dos períodos mais quentes da “Guerra Fria”.


Lembrei-me disto, porque num destes dias vi com grande estupefacção, um título em letras garrafais: “Em Angola sou angolano”. Obviamente, que se isso não tivesse sido dito pelo Dr. Jorge Coelho, não me espantaria, fundamentalmente porque ele é o CEO de um grupo que é português, embora em Angola há sessenta anos.

Ficaria bem mais contente, por exemplo, que o escritor Gonçalo M. Tavares, nascido em Angola em 1970, o dissesse, até porque convenhamos, prefiro gente da cultura, do filantropismo, da ciência, do desporto a dignificarem Angola, que gente ligada ao mundo dos negócios, normalmente espaços pantanosos e simultaneamente obscuros.

Já que se falou do CEO do novo grupo empresarial que se constituiu em Angola, com base na vetusta firma Mota e CIA, vem-me à memória um jantar, no velho Hotel Turismo na baixa de Luanda, com o Sr. Manuel António da Mota.

No fim dos anos setenta, ou princípios de oitenta, eu vivia na Casa do Desportista, na Ilha de Luanda, e ocasionalmente jantava no Turismo com o meu amigo José Beleza dos Santos, ilustre penalista, hoje já retirado, e que ia de vez em quando a Luanda dar umas aulas na Faculdade de Direito da UAN, e fazer uns exames, no âmbito de uma colaboração entre as faculdades de Coimbra e Luanda.

Na altura o Turismo conseguia ser um hotel razoavelmente bom, com as limitações que se viviam então, e era um local de encontro de muitos viajantes que já conheciam a cidade e evitavam outros hotéis mais cosmopolitas.

Costumávamos jantar, numa sala no r/c, com uma montra virada para o edifício dos correios e para onde hoje está o Millenium e um “palito métrico”, um edifício horrível, igual a muitos que poluem o nosso olhar sobre a cidade de Luanda. Cada pessoa que entrava, dava as boas noites à sala toda, o que acabava por dar um ambiente de enorme familiaridade.

O José Beleza, certa vez convidou-me para jantar, e como naquele tempo, as combinações não estavam sujeitas ao sortilégio de qualquer humor, que um qualquer telemóvel rapidamente alteraria nos dias de hoje. Chego ao Turismo, à hora marcada e vejo-o sentado numa mesa com algumas pessoas que não conhecia, embora alguns já tinha visto no hotel, e apresenta-me sem muitas delongas.

Percebi que o José Beleza foi convidado pelo Sr. António Mota para jantar, à hora de almoço, e que não me teria conseguido avisar do “alargar de mesa”, e acabei por ir ficando a ouvir uma conversa sobre parcerias entre a Mota e o Ministério da Construção, para a constituição de uma U.E.M. (Unidade Económica Mista), que se chamava Paviterra.

O Senhor Manuel António da Mota era uma pessoa de idade, mas de uma enorme vitalidade, e muito conhecedor da realidade angolana, já que tinha andado trinta anos a trabalhar em várias áreas, pelo País todo.

Nessa noite estava entusiasmadíssimo, acompanhado de alguns técnicos, lembrando-me apenas o Sr. Brás do Namibe, já falecido, e o Engº Cunha, porque nos cruzámos noutros ócios.

Estava lá no jantar, um tipo execrável, que dizia que fazer estradas em Angola era deitar dinheiro à rua, porque bastava mesmo era aspergir uma camada de alcatrão, receber a “guita” e estava a estrada entregue. Baseava isso no número de tapetes que a “quatro de Fevereiro” já tinha levado, para estragar logo a seguir. Foi a única vez que me senti desconfortável no jantar, e o velho Mota, sagaz, percebeu que havia gente na mesa que não estava a gostar da conversa, onde ele se incluía, e mudou a conversa para outras temas.

Já que se fala em pintar macdam com alcatrão, como propunha o beócio que nos acompanhou no repasto, lembro-me de ouvir contar uma história em que o Eng.º Carloto de Castro, secretário da administração colonial das Obras Publicas, ao inaugurar um troço de estrada na região do Luena, pediu uma faca, ajoelhou-se, fez um corte, chamou o técnico, a quem balbuciou umas palavras, e “não inaugurava aquela estrada porque faltava asfalto colocado na caixa de compactação”.

Gostei de ter tido oportunidade de o conhecer, numa mesa onde estava o saudoso arquitecto Vasco Vieira da Costa (eternamente à espera do nome de uma rua em Luanda), o velho Lelo, o Chaves, e mais uns quantos, numa noite onde nos aguentámos até às 11,30h, forçados a abandonar a conversa, por causa do recolher obrigatório mais longo de sempre no mundo!

Gostei muito da sobriedade do António Manuel da Mota, no único contacto que tivemos, e curiosamente esse que tinha razões para se afirmar Angolano em Angola, nunca me lembro que o tivesse feito.



Fernando Pereira

15/11/2010

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