6 de novembro de 2009

5º Ano de Praia/ Ágora/ Novo Jornal /6-11-09



Numa viagem recente ao Lobito, vi no início da Restinga, provavelmente a melhor denominação de uma casa de import-export no País. A casa localizada na Av. de Moçambique nº 4, tem o pomposo nome de “5º ano de praia”, que de facto é de uma originalidade enorme, e mesmo que não venha a ser uma sociedade com grande futuro comercial, ficará indelevelmente ligada ao léxico comercial da cidade.
Já que falamos em nomes de estabelecimentos comerciais, e recuando no tempo, o que vemos é que dos anos 40 ao fim dos anos 60, o nome mais apetecido para qualquer estabelecimento comercial era Império, e caso não fosse possível algum correlativo, tipo Imperial. No dealbar dos anos 70, já não dava grande emoção o nome, pois o estertor presumia-se próximo.
Houve o Salão Império, cabeleireiro afamado (antes da concorrência das cabeleiras postiças, do ainda não BANIF Roque), ao pé do actual MIREX, a foto Império, perto da Mutamba, o cine-Império, hoje Atlantico, a sapataria Império na baixa, o Hotel Império por cima do Centro Aníbal de Melo, que já foi o CITA e as primeiras instalações do Banco Comercial de Angola, em suma um conjunto de Impérios que se espalhavam de Cabinda ao Cunene, na esteira do Império do Minho a Timor.
Havia, onde hoje está o canibalizado Hotel Turismo, perto da Senhora dos Remédios, uma casa muito bonita que foi em tempos o restaurante Império, orgulho da família Oliveira, e que não tinha nada a ver com a cervejaria Imperial, situada até meados dos anos 60 na marginal, no local onde esteve a companhia russa de aviação Aeroflot.
O Zé Oliveira, um colono que depois de vários e bem sucedidos empregos, o ultimo dos quais no desaparecido Atlantic Palace Hotel, que teria merecido ser conservado para memória futura, já que era um dos poucos exemplares de arte nova na cidade de Luanda, tomou de trespasse o Império. Para ilustrar quais eram as dificuldades de um industrial de hotelaria nos anos 50 em Luanda socorro-me do depoimento de seu filho, José Carlos Oliveira: “Os artigos finos para a confecção de refeições vinham especialmente de três conceituados importadores: O Joaquim Valente, que tinha os enchidos e presuntos Mata, o leite em pó Klim, vindo dos EUA; a Casa Africana, com a sua afamada manteiga Zarco, recebida com frequência da Ilha da Madeira, o belo bacalhau e o fino azeite…; o Pinho e Arvela primava pelo melhor arroz, o melhor feijão manteiga, a marmelada e o excelente queijo da serra e flamengo, além de óptima mortadela; e a Royal conhecida pelo excelente fiambre e pasteis de nata; Todos estes estabelecimentos distavam escassas dezenas de metros uns dos outros, em plena baixa de Luanda”
Para abreviar o peixe era comprado aos pescadores da ilha do Cabo, ou aos “amadores de pesca” que usavam armadilhas de bordão, as “muzuas”, que eram assinaladas com bóias de mafumeira, num local onde hoje é o porto de Luanda, e que era uma língua de areia que ia até à casa de reclusão. Pargos, garoupas, linguados, cherne, carapaus eram as espécies que iam enriquecer a cozinha do Império.
Esta é uma parte da descrição que o José Carlos Oliveira, antropólogo, mestre em Estudos Africanos, faz desses anos 50, num livro interessante e muito pouco divulgado chamado “Comerciante do Mato”, prefaciado pelo Dr. José Carlos Venancio, ilustre catedrático da Universidade da Beira Interior, mas que talvez mereça uma leitura.
Este artigo sugere-me que um dia destes conte neste espaço, o que foram os grandes mixordeiros de vinhos e bebidas importadas numa determinada fase de Luanda, não esquecendo os peritos na contrafacção de rótulos, onde havia o maior mestre de seu nome Porfírio Martins.
Fernando Pereira
3/11/09

30 de outubro de 2009

Viva a Malta do Liceu/ Ágora / Novo Jornal / Luanda/ 30-10-09



Na sexta-feira passada fui à apresentação do livro “Viva a Malta do Liceu”, num anfiteatro a” rebentar pelas costuras”, no Campo Grande em Lisboa.
Graficamente apelativo, profusamente ilustrado, com depoimentos muito interessantes, este livro que marca os 90 anos da criação do Liceu Salvador Correia, é um trabalho profícuo e de enorme qualidade.
Dentro da sociedade colonial, o Liceu Salvador Correia, de forma ainda que timorata, conseguiu dentro dos seus muros, manter um espírito de solidariedade, de sã convivência e de tolerância, contrastante com a realidade no contexto da cidade, muito bem ilustrado no livro, pelos depoimentos de antigos alunos: Adolfo Maria, a socióloga Ana Saint-Maurice e o economista Ennes Ferreira.
O arquitecto José de Melo Carvalheira faz um artigo notável, sobre a evolução do projecto do Liceu, da autoria do arquitecto António Costa e Silva, que é quase uma “lição de sapiência”, sobre o que foram os tempos que antecederam o ar condicionado e a “espelhiocracia” que tem tomado conta da cidade nestes tempos de desenvolvimento, no caso, insustentado!
Guilherme Espírito Santo, Onofre dos Santos, Paula Pena, Paulette Lopes, Nicolau Santos, Justino Pinto de Andrade, Fernando Nobre, Fernando Vaz da Conceição, Carlos Cruz, Carlos Pacheco, Daniel Leite, Artur Queiroz, Adélia Cohen, José Eduardo dos Santos, Rui Clington, José Carlos Venâncio, Reginaldo Silva, Aníbal Russo, Joffre Justino, Margarida Mercês de Melo, José Carlos Machado Rodrigues, Marta Cochat-Osório, Susana Neto e tantos outros que seria fastidioso enumerá-los todos, escreveram depoimentos que mostram que pessoas de gerações diferentes, com percursos de vida pessoal, profissional e política divergente, conseguem juntar-se em torno de um espírito materializado em realizações de relevo, onde toda a gente diz presente, num espírito completamente descomprometido, solidário e assumidamente de convívio salutar.
O “Novo Jornal” está muito bem representado no livro, pelo Fernando Pacheco, Carlos Ferreira (Cassé), Jerónimo Belo e já agora por mim próprio.
A equipa deste livro, que saiu de uma colaboração entre a Associação dos Antigos Alunos do Salvador Correia e um conjunto de pessoas e entidades, é constituída por Miguel Anacoreta Correia, Anabela Simão, Eurico Simeão Neto, Jerónimo Belo, João Eloy, José Lobo do Amaral, José Maria Pimentel, Manuel Ennes Ferreira e Rogério Pacheco, que num curto espaço de dez meses, com uma colaboração entusiasta de muita gente, conseguiram pôr nas livrarias um trabalho de excelência.
Soube que muita gente em Luanda foi convidada a participar, mas a adesão foi mais contida que em Portugal, e gostaria muito que o meu amigo Pedro Guerra Marques, presidente da AAALSC-MYK, tivesse participado, já que representa uma geração do Liceu da Angola independente. O Pedro, para além de presidente da direcção da Associação, é simultaneamente filho e sobrinho de duas figuras de referencia do Liceu Salvador Correia, infelizmente já falecidos: O José Luís e Valério Guerra Marques, pessoas que a memória dos angolanos nunca devia olvidar, pela dignidade profissional, disponibilidade política e probidade sem mácula, que caracterizaram as suas vidas, vividas com grande entusiasmo.
Já que se fala em pessoas de enorme carácter, ex-alunos do Liceu Salvador Correia, é imperioso não esquecer o malogrado Marcolino Meireles, que foi pioneiro de todo este movimento em torno da ideia do associativismo do “Liceu”. Foi ele que deu o primeiro toque para reunir toda a gente em volta de uma mesa, as pessoas reencontraram-se, e desde aí os encontros multiplicaram-se, os eventos sucederam-se e retomou-se o espírito do “Liceu”. Marcolino Meireles foi uma pessoa que dedicou toda a sua vida ao mais difícil: Juntar as pessoas e galvanizá-las para causas! Fê-lo enquanto dirigente da Federação de Xadrez, enquanto fundador e primeiro presidente AAALSC-MYK, e mesmo limitado pela a doença que o vitimaria, ainda lhe sobrou força bastante para criar uma associação que conseguisse meios ao diagnóstico precoce do cancro.
Por tudo isto Marcolino Meireles, a eterna gratidão de todos!
Fernando Pereira
27/10/09

25 de outubro de 2009

A emenda vem do ouvido, o juízo da multidão/ Ágora/ Novo Jornal/ Luanda/ 23-10-09




“O que faz uma nação grande não é tanto os seus grandes homens, mas a estrutura dos seus inumeráveis medíocres”
Ortega Y Gasset (Madrid 1883-1955)
A propósito de um vídeo de uma multifacetada actriz brasileira, Maitê Proença, com talentos sublimados há tantos anos, levantou-se um coro de indignação que há muito se não via por terras de “além ar”(Portugal).
Vi o vídeo, que é uma parte de um programa “Saia Justa” do canal de cabo, GNT, e sinceramente a única coisa que consegui, foi mesmo encontrar alguma similitude na forma como Angola e os angolanos são tratados na blogosfera por alguns expatriados que falam o português, e que trabalham em Angola, de forma recorrente.
Só me apetece citar Eça de Queiroz, que no fim do século XIX, e ainda o número dos países que falavam português no mundo se limitava ao Brasil, dizia:” O brasileiro tem o defeito dos portugueses só que dilatados pelo calor”.
Desapetece-me ter que vir aqui, usar os estafados argumentos de um e outro lado, sobre a forma algo ignara como por vezes se embeiçam as partes envolvidas, mas a realidade é que o angolano pode ter muito defeito, pode dizer muito mal de tudo o que é seu, mas detesta que escarneçam das suas idiossincrasias colectivas.
Tudo isto me fez recuar no tempo, e resolvi reler um dos poucos exemplares que existem de literatura colonial, “ O Velo de Oiro” do escritor Henrique Galvão. Quando se diz literatura colonial, procura distinguir-se do que depois se apelidou de “literatura ultramarina”, que teve um serviçal permanente, Amândio César; acolitado por uns quantos apaniguados ideológicos, como Forjaz Trigueiros, Joaquim Paço de Arcos e outros.
Henrique Galvão (1895-1970) era um integralista indefectível, foi governador da Huíla, inspector superior do Ministério das Colónias, Secretário da Exposição Colonial do Porto, Director da Emissora Nacional e depois disso tudo intransigente opositor de Salazar, o primeiro homem no mundo a desviar um avião por motivos políticos, assim como a figura central do desvio do paquete português “Santa Maria”, que para além da denúncia do regime salazarista (Salazar, que tem como seu maior panegírico, com visibilidade, Jaime Nogueira Pinto), terá tido uma enorme importância, senão determinante, no levantamento de 4 de Fevereiro de 1961.
“O Velo de Oiro” (1931) é uma obra que deveria ser reeditada em Portugal, e devia ser lida pelos portugueses que demandam Angola na busca do dinheiro fácil, ou na procura de resolver os problemas que deixaram noutros lados, e que nalgumas circunstâncias só os agravam! É curioso como é que um livro escrito há 73 anos, tem tanta actualidade, pois “ o sonho que comanda a vida”, nem sempre tem um final razoável, e raras vezes um final feliz. “ O Velo de Oiro”, é basicamente a história de Rodrigo que embarca para África atraído pelo enriquecimento fácil, buscando muito dinheiro e pouco trabalho, e toda a narrativa é construído nas ilusões e desilusões numa África, que nada tinha a ver com o que ouviu e imaginava na sua aldeia distante.
Henrique Galvão ainda tem outro dentro da mesma sequencia, “O Sol dos Trópicos” (1936), mas já contextualizado de outra forma, talvez mais parecido com uma intervenção de Lobo Antunes na fase do “Esplendor de Portugal” ou o seu quase ignorado livro “As Naus”, uma critica muito conseguida ao colonialismo, socorrendo-se das figuras históricas, tão ao gosto da ideologia corporativista.
Há um provérbio popular umbundo que diz: “Ndao lia esila ku ka pohgolole. Ci kasi oko, haiko ci kasi oko”, que quer dizer mais ou menos “não devemos esperar escapar às dificuldades, indo para outra aldeia!
Gostava de poder integrar aqui, porque julgo pertinente no enquadramento do que se tem escrito, a obra de Gilberto Freyre, adaptada às circunstâncias de hoje, e a todo este movimento de gente que faz do “aeroporto 4 de Fevereiro”, primeiro local de peregrinação da lusofonia.
Por razões de enquadramento gráfico, e como pode ser um tema servido de forma “requentada”, sem que perca actualidade, a ele havemos de vir mais cedo que tarde!
Fernando Pereira 14/10/09

16 de outubro de 2009

“ O futuro caminha para o passado”/ Ágora/ Novo Jornal / Luanda /16-10-09



“ O futuro caminha para o passado”
Edgar Morin (Paris-1921)
Há muitas coisas perturbadoras na Angola de hoje, que devem até ter sido sempre perturbantes, só que a nossa idade, o empenho nas tarefas de construir alguma coisa que assumíamos nossa, ou mesmo exercícios de expiação continuados, dava-nos uma couraça de alguma complacência que hoje destoleramos.
Uma das coisas que me confunde seriamente nas viagens pelo interior, ou mesmo uma passagem por mercados e esquinas de comércio informal em Luanda, é a quantidade de carvão à venda.
Numa Angola onde os atentados ambientais são quotidianos, a desarborização em série para o fabrico do carvão, pode trazer consequências de alguma gravidade num futuro próximo, com o abate indiscriminado das árvores, sem que haja uma reposição que permita que zonas que conheci frondosas, sejam hoje paisagens de erva rasteira, e nalguns casos já um pouco tipo solo lunar, algo que não é alheia a rápida degradação do solo africano.
Podia falar da actividade despudorada de alguns madeireiros também, mas a realidade é que é matéria que não conheço o suficiente, para poder sustentar uma discussão, pelo que tudo que aqui escrevo fica em jeito de “bitaite”!
Ao longo das décadas de 60 e 70 o Caminho de Ferro de Benguela, plantou entre o Cubal e o Luau , 95.000.000 de eucaliptos, o que transformou Angola no segundo território do mundo com maior numero de eucaliptos plantados, só ultrapassado pela Austrália, de onde a espécie é originária. O CFB fez esta plantação com o objectivo de utilizar a madeira como lenha, já que era substancialmente mais barata que o gasóleo.
A verdade é que esta enormidade de eucaliptos, que nunca foi avaliada em termos ambientais, levantou logo outro tipo de perspectivas de negócio, que passaria pela substituição da obsoleta fábrica de papel do Alto-Catumbela, através do seu reequipamento por maquinaria de última geração. A fábrica, com tecnologia sueca estava encaixotada para embarcar para o Lobito em 1974, mas com a degradação da situação militar, acabou por ser instalada na Figueira da Foz no dealbar dos anos 80, a Soporcel, ao tempo o maior fabricante de pasta de papel da Europa meridional.
Já que se falou em Caminho de Ferro de Benguela, que hoje está a ser reabilitado por empresas chinesas denegrido por certa mujimbice estulta de Luanda, com o argumento que” os chineses nada percebem de comboios (!!!)”,podemos dar um olhar rápido sobre estes1348Km de linha, para além de 301 Km de ramais (Cuima por exemplo).
O CFB surge objectivamente como uma necessidade de embaratecer, em termos de transporte os minérios do Shaba no Congo. Para o porto da Beira a distancia era de 2735km, bem menos que a distância a Capetown (3965km), a outra alternativa.
Não vou entrar em pormenores sobre a história do CFB, que em 2001 passou na totalidade para a posse do Estado Angolano, conforme ficara previsto na sua adjudicação em 28 de Novembro de 1902, mas sim lembrar que o Lobito de hoje deve a sua existência ao CFB, à população de Benguela que queria um lugar menos insalubre e ao comércio da borracha no fim do século XIX.
Benguela era uma sonolenta vilória, onde o tempo passava para passar o tempo, e os construtores ingleses do CFB quando ali chegaram deparam-se com “quase nada”, e como tiveram que trazer tudo, decidiram fazê-lo no referenciado Lobito, onde as águas da sua baía iriam acolher um dos melhores portos da África ocidental. O Lobito era uma língua de areia com choupanas de pescadores, local de alguma “pirataria”, conhecido pela Catumbela das ostras, ou a Catumbela da água salgada.
Começaram a construir armazéns, cais acostáveis, instalações administrativas, casas dos encarregados e empregados, hospital, serviços sociais e locais de lazer e desporto; O Lobito Spots Club, de instalações modelares, era um lugar de eleição no Lobito, mas também um dos locais que não procurava esconder a segregação racial e social da sociedade do Lobito ao longo de décadas, muito diferente da Benguela crioula.
O Hotel Terminus, com construção iniciada nos anos 20 é o único hotel angolano que tem características que o podem colocar como um hotel de charme em África, pois a sua construção obedeceu a características muito peculiares, e no seu interior respira-se uma atmosfera de histórias múltiplas de viajantes, andarilhos, aventureiros, gente normal, num enquadramento arquitectónico único no País.
È sempre muito bom ir ao Términus, e apesar de terem desaparecido alguns murais do Neves de Sousa e algum mobiliário que me habituei a ver desde miúdo, tudo faz voar a minha imaginação.
Se passarem por lá vejam as fotos das paredes e recuperem um pouco o “reviver o passado no Lobito”!

Fernando Pereira
9/10/09

10 de outubro de 2009

Anatomia a som de caixa/ Ágora/ Novo Jornal/ Luanda/ 9-10-09


Aleixo de Abreu, médico alentejano licenciado em Coimbra, vem para Angola em 1594, como médico pessoal de Furtado de Mendonça, nomeado por Filipe I, governador de Angola.
Durante os quinze anos em que esteve em Angola, o licenciado tentou estudar dois flagelos horríveis, o mal de Luanda e o bicho. Para o primeiro os barbeiros e curandeiros, tentavam encontrar a cura, já o segundo a mezinha era beber todas as madrugadas um cálice de aguardente.
O mal de Luanda era o escorbuto, como provou Aleixo de Abreu no seu livro sobre enfermidades tropicais, e o bicho era uma doença intestinal originada por vermes, uma “rectite epidémica gangrenosa” como hoje pode ser dito.
O livro escrito em latim e traduzido para castelhano tem o título completo: Tratado de las siete enfermedades, de la inflammacion universal del hígado, zirbo, piloron e riñones, y la obstrucion, de la satiriasi, y fievre maligna y pasion hypocondríaca. Llena otros três tratados, del mal de Loanda, del guzano, y las fuentes e sedades, e é publicado em Lisboa em 1623, tornando-se o primeiro tratado de medicina tropical publicado no mundo.
Já que se fala em medicina, é bom que se saiba que a 11 de Setembro de 1791, na folha 2, verso, do livro V do registo de bandos, Anos 1790-1793, o coronel de cavalaria Manuel de Almeida e Vasconcelos, a propósito da chegada a Loanda do “ilustre médico formado nas melhores academias europeias”, Doutor José Pinto de Azevedo, decidiu abrir uma “escola com aula de medicina prática, com instruções anatómicas, em benefício de todos aqueles que quiserem seguir a profissão”.
Terá sido provavelmente a primeira tentativa de criar uma “faculdade de medicina” em Luanda, pois pouco se soube da sua duração para além da oficialização. Em 1845 é criada em Luanda uma escola médica, à semelhança de Goa, mas para além do decreto nada andou, e Angola teve de esperar pelo dealbar dos anos sessenta do século XX para finalmente ver instalada uma faculdade de medicina, nuns Estudos Gerais Universitários, que se transformaram em Universidade de Luanda.
Há uma história interessante sobre a criação dos Estudos Gerais Universitários, em que são intérpretes Salazar, Adriano Moreira ao tempo ministro do Ultramar, Galvão Teles, ministro da Educação, Veiga Simão, pela comissão instaladora da universidade de Lourenço Marques e André Navarro, da mesma comissão mas de Luanda. Veiga Simão, contou-me que entraram todos para uma sala escuríssima e gelada do palacete de S. Bento em Lisboa, instados a sentarem-se por Salazar, que ofereceu mantas a todos os presentes, num dia de fim de Inverno. Era um quadro surrealista com várias pessoas de mantas partilhadas sobre as pernas!
Começaram a conversar sobre o assunto que os levava ali, e tinha a ver com a instalação do ensino universitário nas colónias, em que Salazar enfatizava o discurso com “ a demasiada instrução que os terroristas poderiam vir a usufruir, e a criarem-se focos de tensão semelhantes às que se viviam em Portugal” (Recorde-se que ainda estavam frescas as grandes movimentações estudantis de 1962, que paralisaram as academias portuguesas durante um lapso grande de tempo). Todos contrariavam esta opinião de Salazar, com os cuidados habituais de não entrar em choque, com as opiniões do chefe supremo. A conversa ia fluindo, e entretanto Salazar levanta-se, e diz a todos: “Se querem dar cursos superiores aos pretos é lá convosco, mas também já não acho que seja tempo de insistir muito, pelo que podem sair daqui com a certeza que assinarei o decreto da criação dos Estudos Universitários em Luanda e Lourenço Marques”, como aliás acabou por ser assinado a 21 de Abril de 1962.
O contentamento era enorme, não partilhado pelo sisudo Salazar, e Veiga Simão era de todos o mais efusivo, pedindo a Salazar para telefonar para Lourenço Marques onde estava muita gente ansiosa por saber o desenvolvimento da conversa. Salazar, com aquela figura mista de seráfico e sardónico aconselha Veiga Simão: “ Senhor Professor, era bom começar a reduzir gastos de instalação, o telefone é caro e o telegrama faz o mesmo efeito”
Parte deste artigo foi feito com recurso ao livro de Ilídio Rocha. Portugueses em África, editado pelo Círculo dos Leitores em 1993.

Fernando Pereira
5/10/09

3 de outubro de 2009

Há cada latitude.../Ágora/ Novo Jornal / Luanda/ 3-10-09



No dealbar dos anos 70, era habitual na Europa os universitários fazerem o Inter-Rail, uma viagem pelos países que quisessem, com um bilhete que dava para um mês.
O bilhete era barato, mochila às costas, tenda partilhada com companheiros, um fogão camping gás, uma frigideira, uma leiteira, um prato e uma caneca de alumínio, um par de calças de ganga, várias t-shirts, um camisolão de lã, uma toalha, muita papa Cerelac, Nestum e leite condensado Moça, muito pouco dinheiro distribuído por tudo o que era buraco e uma bolsa de cabedal ao pescoço onde colocávamos o Passaporte e o cartão internacional de estudante.
As viagens de comboio são fascinantes, e quando são longas permitem toda uma série de sentimentos cruzados, aliados à contemplação, que o balançar sereno das carruagens nos traz num estado de completo desprendimento. Recordar Agatha Christie nos seus incontornáveis ‘4.50 from Paddington”, ou “Murder on Orient Express”, Zola em “La Bête Humaine”, “Desert Rails” de L.P. Holmes, Sepulveda no seu brilhante “ Patagónia Express”,Tolstoi, Remo Ceserani, Machado de Assis, Eça de Queirós entre tantos outros, é fazer o mundo com bonitas palavras escritas sobre carris.
Nessa viagem dormíamos nas viagens durante as noites nos comboios, nos lugares mais incríveis das carruagens, nas salas das gares, nos jardins públicos, às vezes nos parques de campismo e muito ocasionalmente nas pousadas da juventude. Não vou descrever minuciosamente essa viagem, mas que de facto deu para fazer coisas que nunca mais na vida tivemos oportunidade de fazer, durante vinte e poucos dias, num ambiente de grande companheirismo, de enorme solidariedade, e num querer conhecer o mais possível uma Europa, que para nós angolanos, era ao tempo de igual fascínio o que o Dubai é hoje para certos angolanos!
Nos canais de Amesterdão, estávamos sentados num cais a ver o movimento dos barcos e a comermos a nossa frugal refeição diária, e naturalmente falávamos alto sem cuidados com a linguagem. A determinada altura uma senhora que nos estava a observar, pergunta-nos num português quase perfeito, de onde éramos; Respondemos que éramos de Angola, e muito surpreendidos ficámos quando ela disse que conhecia muito bem Angola, e pelo que descreveu conhecia-a bem melhor que alguns de nós. A sua ligação a Angola, justificava-se pelo facto do irmão ser padre no Chinguar, tendo-nos contado algumas peripécias das suas visitas em Angola, acompanhamento adequado e sempre lembrado opíparo lanche, que nós já não tínhamos desde que arrancámos de Coimbra.
Rapidamente esquecemos este lanche, porque a viagem teve peripécias mais interessantes para recordar, mas a verdade é que este lanche provou ser providencial uns anos mais tarde, noutras circunstâncias e noutras latitudes.
Fiz pelo País, múltiplas viagens na discussão da carta do desporto angolano, e no estatuto das associações desportivas angolanas, acompanhado com o meu amigo, António Sousa Santos, insigne mestre do desporto que Rui Mingas em boa hora recrutou para a SEEFD. Uma dessas viagens foi ao Huambo e ao Kuito. No Huambo estávamos no hotel Almirante, um verdadeiro exemplo kitsch e a tresandar a Lifebuoy em todos os objectos, andares, ancoras, bombordos e estribordos, numa decoração delirante e a provocar uma hilaridade impossível de conter. Saímos de manhã cedo, “depois da camioneta de carreira”, porque assim se saberia se haveria impedimentos na estrada, e eis-nos num Fiat 128 a caminho do Kuito, tendo-nos limitado a beber um café e umas bolachas de qualidade duvidosa; Passámos Tcikala-Tchiloango, a pedra do Alemão, onde reza a história que se terá suicidado um alemão aí residente quando soube da derrota da Alemanha na 2ª guerra, Katchiungo, e numa curva apertada, por baixo de uma ponte do CFB, eis que aparece o nome da terra: Chinguar. Conheço algumas pessoas ilustres dessa terra como o meu amigo Orlando Ferreira Rodrigues e o Carlos Correia, físico, catedrático da Universidade de Coimbra, e acompanhante de viola do Zeca Afonso, mais conhecido por Bóris, pelas semelhanças com o actor britânico Boris Karloff ( 1887-1969).
Nesse dia lembrei-me do lanche de Amesterdão uns anos antes, e fiz questão de visitar o padre, que perante uma reserva inicial, ficou encantado ao saber em que circunstancias tinha conhecido a sua irmã. O padre Arnaldo convidou-nos para um lauto pequeno-almoço, que destoava do quotidiano daquele tempo, em que ele dizia que só não podia ser melhor, porque na semana anterior as “gloriosas Faplas tinham surripiado umas galinhas do galinheiro da paróquia (sic)”. Encheu-nos o carro de iguarias, como cestos de morangos que carregámos no regresso ao Huambo, e ainda tive o prazer de ouvir os agradecimentos do motorista ao padre, de forma reconhecida e repetida: “Muito obrigado camarada padre”! Passei por lá algumas vezes e sempre partilhámos o que havia para comer, e trocarmos conversas interessantes, o que não é fácil em mim dado alguma formação assumidamente anti-clerical.
Sei que o padre Arnaldo já morreu há muito, mas o Chinguar deve-lhe muito e deixou muitos amigos entre toda aquela gente, como posso testemunhar pelo conjunto de pessoas que sempre o relembram com palavras de saudade e embevecimento.
Amesterdam, foi uma das músicas míticas de Jacques Brel, que se fosse vivo teria feito em Abril deste ano oitenta anos! Também não o esquecemos!

Fernando Pereira
28/09/09

26 de setembro de 2009

Algumas Malhas que o Império Teceu/ Ágora / Novo Jornal / Luanda/ 25-09-09


Numa das recentes edições deste jornal, vieram um conjunto de artigos sobre a falência do projecto de Aldeia Nova, no município de Waku-Kungo.
Não me surpreende esta situação, pois em Waku-Kungo aproveitaram-se recursos físicos de um projecto que foi um sorvedouro de dinheiro no tempo colonial, sem contrapartidas, aliado ao conceito de kibutz, que em Israel se revelaram um fracasso económico e social, só mantido por questões de natureza política.
Na fase de arremedo socialista de Angola, e no ano da agricultura, resolveram fazer-se experiencias que não lembravam a ninguém, e também o fracasso económico foi uma evidência ao fim de pouco tempo, com experiencias búlgaras de discutível natureza até do ponto de vista do equilíbrio ambiental.
A Cela, tal como a Matala, foram uma “exposição do Portugal rural dos tamancos” nos trópicos, patrocinado pela propaganda do Império Colonial. Santa Comba, em homenagem ao sinistro Salazar, era o centro de um conjunto de aldeias, que começaram por sorver e talvez em premonição assim se há-de manter. No tempo colonial, não sei se por caturrice, por onirismo, por onanismo patriótico ou por laivos de nescialidade, insistiu-se nos colonatos do tipo do sec. XIX. Uma colónia Amish na África Austral, até que não devia ficar mal nos conceitos bafientos do centro decisório do Império! Sobram exemplos maus para não se bater na tecla errada de novo!
Já que começámos a falar de heranças más, lembro que uma que se perpetuou ao longo do tempo, e tem a ver com a entrava massiva de familiares em determinados lugares quando alguém da família ascende a uma estrutura de direcção. Contava-se nos anos 50, que no Porto do Lobito, entrou um funcionário superior de apelido Rato, e nos meses seguintes entraram quatro Ratos para esse serviço, tendo o director do Porto, perguntado “se com tanto Rato não seria melhor admitir um gato para dar conta desta rataria”!
Ainda no mesmo contexto, houve um governador-geral que polvilhou a administração pública de muitos afilhados, até que quando vagou o cargo de arcebispo, a piada que constava em Luanda era: “Bem, aguentem a vaga, tenho um primo seminarista lá na santa terrinha que está quase padre…”
Nos anos 40 circulava pouca moeda em Angola, e os comerciantes utilizavam o chamado “vale”, ou a caderneta de débito (ou “aponte”).
Um vale era um pequeno papel, situação aparentemente privilegiada para o devedor, pois podia perder-se com facilidade, onde escrevia: Vale 12 angolares, punha assinatura, a data e podia levar a mercadoria. O pagamento era para as “calendas gregas” , ou dia de S. Nunca.
Contava-se uma piada de que um comerciante não conseguia acabar com os ratos que lhe dizimavam a mercadoria no armazém. Eram segundo a terminologia oficial, colonos ratos. Eram espertos, vorazes e começaram a “explorar as riquezas do País”. Alguém o aconselhou a colocar um pedaço de queijo na ratoeira, mas como na década de 40 não se fabricavam queijos industriais, ele seguindo o processo mercantil em curso, colocou na ratoeira um vale onde escreveu: 1 queijo; No dia seguinte foi lá e estava no local, um vale que tinha escrito 1 rato.
Agradeço algumas destas histórias ao Luis do Chinguar, mas há uma que aconteceu comigo em N’Dalatando, quando lá fui a um casamento. Numa sala cheia de gente, chamou-me à atenção, um idoso, branco, vestido com um fato algo antiquado, e que destoava de todo da generalidade dos convidados.
Disseram-me que era Santos Diniz, um colono que terá sido dos maiores do norte de Angola no tempo colonial, e que resolveu ficar “porque já tinha saído da terra há quase 60 anos”. Depois de uma conversa interessante, já que tínhamos conhecidos comuns, ele pergunta-me: “Sabe, camarada Fernando Pereira, qual a diferença entre uma cobra e um cantineiro?”; Disse que não, e nem esbocei pensar nalguma resposta! SD disse-me então “A cobra não tem orelha para colocar o lápis”!
Sei que morreu passado pouco tempo, mas nunca mais esqueci esta conversa, com o dono dos “DINIZES” , onde conheci o Barrigana, grande guarda redes do FC Porto recentemente falecido, então treinador da equipa “que mais cerveja bebia em Angola”, pois deslocava-se num autocarro Mercedes ao Moxico, a Tombwa, enfim a todo o lado, já que só Luanda, o Negage e o Uige eram mais perto.
As malhas que o Império foi tecendo!

Fernando Pereira
20/9/09

17 de setembro de 2009

Lobito, Angola





Estas fotos foram tiradas por mim numa rua central do Lobito.
Uma das fotos, com a árvore pequenina na caleira foi tirada em Novembro de 1999. A outra foi tirada no mesmo local em Maio de 2009.
Parece que ao fotografar da primeira vez fui premonitório no que iria a acontecer!
A primeira foto ainda foi com máquina de rolo, a segunda já digital...


Fernando Pereira

O que interessa é a Associação! / Ágora / Novo Jornal/ Luanda/ 17-09-09



Quando titubeantemente, a então Republica Popular de Angola, dava os seus primeiros passos de uma independência sofrida, um grupo de portugueses cooperantes fundou no fim dos anos setenta, em Luanda a Associação 25 de Abril.
Eram portugueses progressistas, solidários e que partilhavam com os angolanos as dificuldades de um quotidiano de uma Luanda onde nada era fácil, e a frugalidade e a escassez andavam de braço dado.
Cadete Leite, Vasco Grandão Ramos, António Sousa Santos, Augusto Nelson Batista, Campos da Lito-Tipo e tantos outros, constituíram as bases de um projecto de intervenção cívica na comunidade luandense, e reconstruíram um espaço em ruínas, que se tem perpetuado, em frente ao portão da polícia nas traseiras da vetusta Lello.
Num bonito edifício de traça colonial do século XIX, com um pátio interior, entre paredes de pedra grossas, colunatas e madeiras exóticas, surgiu um local de encontro, um lugar de partilha e sobretudo um espaço de entusiasmo colectivo, pelos avanços de um País que teimosamente queria ser novo.
Era um local de boas tertúlias, em frente ao bilhar ou numa mesa com uma chávena de um descolorado café à frente, nas noites quentinhas de uma Luanda, que esperava calmamente o pôr do recolher obrigatório, que envolvia a cidade num manto de silencio.
Festas, folias, exposições, apresentações de livros ou só mesmo uma conversa, tudo se “apretextava” para nos deslocarmos à associação, onde os angolanos se sentiam em casa.
Eram tempos interessantes, e ainda hoje gosto de por lá passar, ver gente, comer e beber, e sentir que ali foi tudo construído com enorme voluntariado, quiçá mesmo militância em torno de valores de solidariedade e respeito entre comunidades que se estimavam.
Era para falar nesses tempos em que se importava pouco e importávamo-nos muito já que hoje, curiosamente importamos muito e importamo-nos pouco! Quando olhamos para uma blogosfera, para alguns locais em Luanda, em aviões, ou para os comentários quotidianamente feitos em praias e festas sobre Angola por parte de alguns portugueses e brasileiros, ficamos atónitos, tal a forma despudorada e soes como alguns escrevem, falam e publicitam Angola.
Tem total liberdade para o fazer, algo que se esquecem de referenciar, mas realmente acaba até por ser execrável ler e ouvir certa gente a falar do País que lhes mitiga a fome (desculpem o excessivo da expressão mas estou exasperado!).
Aos portugueses em Angola, não se lhes pede o que muitos portugueses fizeram pelo País, porque provavelmente tem uma formatação em que valores como a solidariedade e a militância, já não fazem parte sequer de um léxico quanto mais de uma prática quotidiana, mas pede-se-lhes algum comedimento, pois não é bonito insultar-se a casa de acolhimento, ainda que temporária.
Estão em Angola porque são precisos, e necessitam também de estar, por isso limitem-se a trabalhar já que são pagos para isso! Os cubanos, os chineses, os franceses, os russos e outras comunidades, trabalham tanto ou mais que os estrangeiros de língua veicular portuguesa, e não andam a inundar a blogosfera de que tudo que em Angola se passa é corrupção, miséria, nepotismo ou fartar vilanagem.
Este artigo é direccionado a um pequeno grupo de cidadãos lusófonos, não devendo tomar-se a nuvem por Juno, pois a crescente comunidade que fala português que escolheu Angola como País de trabalho, nada tem a ver com desvarios de alguns dos seus membros.
Vão até à Associação 25 de Abril, ali na baixa de Luanda e vejam que há coisas interessantes em Luanda, e esta sim, muito dignifica a lusofonia.

Fernando Pereira
14/09/09

11 de setembro de 2009

Os “Ficheiros” não são fixes!/ Ágora/ Novo Jornal/ Luanda 11-09-09



Na esteira do que tem acontecido com alguma frequência, acabou por dar à estampa um novo livro, sobre um tema estafado, e que é nem mais nem menos que uma obra menor, com um título pomposo: “Ficheiros secretos da descolonização de Angola”.
A autora, Leonor Figueiredo, inicialmente jornalista do sensacionalista “Correio da Manhã”, e depois do asséptico ” Diário de Notícias”, resolveu fazer um livro, onde ao contrário do que sugere o título, poucos “ficheiros secretos” aparecem, numa de muita benevolência nesta avaliação.
Avultam no livro depoimentos, a maioria dos quais já reproduzidas noutras obras de igual jaez, e alguns relatos de “pesquisas”, que em nada tem a ver com a realidade nalgumas circunstancias, fazendo nalguns casos lembrar o 007, feito pelo inimitável Sean Connery, indiscutivelmente o melhor James Bond de todos.
Há alguns depoimentos interessantes do general Heitor Almendra, esse sim actor importante, de uma determinada fase, da conturbada história de Angola de 1974/75, e a quem se pede, que publique um documento circunstanciado do que se passou nesses tempos, para acabar de vez com algumas hipóteses, que se tem transformado rapidamente em teses, tantas vezes hiperbolizadas.
As razões do aparecimento deste livro, surgem num depoimento da autora a um jornal: “Nunca tinha pensado em pegar no assunto, até que, há uns anos, começaram a ser publicados livros de fotografias de Angola e Moçambique. Eu fiz essa reportagem, e nessa altura, em conversa com a Zita Seabra [editora da Alêtheia], que procurava material sobre as ex-colónias, disse-lhe a brincar: ‘se eu algum dia contasse a história da minha família...’. Diz-me ela: “escreva que eu publico”. E esta pequena conversa veio abrir um cofre que estava fechado a sete chaves, há muitos anos. Nós não mandamos na nossa cabeça, não é? Saltou qualquer coisa e decidi: ‘vou escrever a história do meu pai.’ Eu sempre achei que nós, retornados, e eu odiamos esta palavra , fomos mal compreendidos cá. “. A realidade é que sobre o pai ao longo do livro, os depoimentos são poucos, e do que nos apercebemos é que o leitmotiv vai-se desvanecendo, à medida que o livro vai decorrendo, com partes que não sendo totalmente plagiadas de outras obras já lidas e referenciadas, acabam por ser mais do mesmo.
Um livro para esquecer, e só a grandiloquência do título pode levar algum incauto a adquiri-lo, pois de ficheiros tem muito pouco e de secretos absolutamente nada.
Já que faz afirmações sobre certas pessoas, desprovida de uma enorme sensatez, e nalguns casos até extraordinariamente lesiva do seu bom nome e probidade intelectual e cívica, pois conheço-as bem e há muito tempo, acho que não devo ser condescendente para com a autora.
Para quem leu o livro do Botelho, dos generais Gonçalves Ribeiro, Silva Cardoso e Amaro Bernardo, escusa de ler este, pois é uma síntese francamente má de todos esses.
Já que o assunto é presumivelmente livros, aconteceu-me recentemente passar num alfarrabista e comprei um policial da “Regra do Jogo”, editado em 1984, “A Morte do Artista”, de Artur Cortez, pseudónimo do escritor Modesto Navarro. Este policial tem a particularidade de ter no seu enredo, a versão romanceada do processo instrutório do “processo Kamanga”, que marcou a justiça angolana na primeira metade da década de 80.
Ainda no mesmo alfarrabista, adquiri um verdadeiro romance, com ficheiros secretos e morte à mistura, que pelos vistos tem escapado a tanto escriba, que de um momento para o outro apareceram qual cogumelos em caules de árvores. O livro chama-se Secret Mission: Angola, da autoria de um tal Don Smith, e foi publicado no longínquo 1970, editado simultaneamente pela Award Books em New York, e Tandem Books em Londres. Uma pérola sobre a “guerra fria” em África nos anos 60.
Houve alguém que disse, que só a abundância de livros maus, é que valoriza os poucos livros bons!
Fernando Pereira
7/9/09

4 de setembro de 2009

Trinca-Fortes (II) /Ágora/ Novo Jornal/ Luanda /4-9-09



Lembro-me como Camões foi ignobilmente tratado, pelas autoridades coloniais de Luanda no início da década de 70, e só corroboro o que António Lobo Antunes escreveu sobre as “horríveis estátuas de Luanda”, pelos vistos má tradição que se mantém, tendo em consideração a estatuária da Luanda actual.
Ao colocar no meio de uma miserável rotundazinha, numa peanha de 80cm, um Camões com 2,10m, muito magro, com uma bunda algo saliente, e com uma pena numa mão, umas folhas tamanho A4 na outra e uma coroa de folhas de oliveira na cabeça, que vista ao longe mais parecia um gorro de dormir, foi só gozar com o poeta maior da Lusofonia. Escusado será dizer que no olho uma “curitas”, sempre lhe daria mais dignidade que a pala que lhe puseram.
Este monumento, que era motivo da hilaridade geral da população, era conhecido em Luanda, pelo "Sinaleiro", e de facto foi de longe a pior homenagem que lhe poderiam ter feito, pois fizeram ali um "mix" entre um jogador da NBA, um bailarino do Bolshoi, um eunuco de um qualquer imperador e uma sacerdotisa vestal de Delfos. Hoje está num jardim no meio da fortaleza de Luanda, onde está o Diogo Cão à porta por não ter cabimento lá dentro, e com o rabo voltado para a cidade, numa atitude de embirração por o terem tirado defronte do Palácio de Vidro, ou o “palácio das mil virgens”como era conhecido no tempo colonial, o actual ministério do Comércio e Turismo, pelo inusitado número de mulheres que então por lá trabalhavam.
Voltando a falar de Camões, que segundo reza a história está sepultado no mosteiro dos Jerónimos, ao pé do notável absintista Fernando Pessoa. Ora Camões não "tinha dinheiro para mandar tocar um cego", frase que nunca foi tão oportuna, quanto mais para ir parar a um cemitério, e que anos mais tarde o fossem lá buscar para ir acabar nos Jerónimos! Duvidosa a versão, mas corrente e recorrente!
Consta a história que o rapaz era danado para as curvas, e um pouco por todo o lado foi semeando rivalidades e batendo-se por amores. Alguém achava que ele se iria meter em Macau a escrever numa gruta lúgubre? Obviamente, que para ele aquilo era a Gruta Garbo, pois era por lá que ele ia conhecendo e criando íntimos com ninfas, que eram parecidas com a Gretha Garbo, menos no Garbo. Ir para uma gruta, sem luz, um “semiótico” escrever com uma pena, era pedir para se acreditar demais!
Camões devia ser um gajo fixe, pois segundo se sabe das suas vidas paralelas gostava muito de vinhaça, e apesar de ser herdeiro de fidalgo, ele afinfava umas bebedeiras e inebriava-se com vapores carnais, um pouco tipo "vai a todas". E o maganão tinha jeito para o engate, como se prova o verso que fazia a todas, que lhe dava acrescidos favores nos seus engates.
Verdadeira referência para todos os lusófonos, pois escrevia, bebia, engatava, andava á cacetada e cantava. A imagem que perdura é muito diferente de tantas anedotas que a história pariu. Actualmente era considerado um devasso, um escritor marginal, um "terror" dos bons costumes, enfim um tipo, que só quando morresse, teria direito a que dissessem que tinha "morrido um homem bom"! O homem foi o verdadeiro "Corto Maltese", mas mais refinado que a personagem notável do Hugo Pratt, e só não foi o Fernão Mendes Pinto, porque o outro era a mitomania no seu máximo esplendor.
Sei que Luis Vaz de Camões foi sendo sucessivamente aproveitado ao longo dos séculos, pelos poderes ou pelos que contestatários, mas ninguém deixará de admitir que o que fez fê-lo magistralmente, e não deixa de ser o António Carlos Jobim do século XVI, século primeiro da globalização!

Fernando Pereira
22/08/09

2 de setembro de 2009

Trinca Fortes (I)/ Ágora/ Novo Jornal / Luanda/ 29/8/09



A Lusofonia tem as suas vacas sagradas, e admitamos sem rebuço que Luís de Camões é uma delas, já que é um dos símbolos maiores da escrita em língua portuguesa!
Não vou escrever sobre Luís Vaz de Camões, da forma hermética que o discurso oficial e oficioso da Lusofonia nos habituou, mas sim do verdadeiro "Trinca Fortes", com as características inerentes ao português suave de Fernão Mendes Pinto miscigenado com o Fado Tropical de Chico Buarque.
Da linguagem da filosofia, tentou-se criar uma ciência independente: "A Semiótica"! Realmente a primeira proeminente figura da Semiótica mundial foi Luís de Camões, ombreando com o Capitão Gancho e mais recentemente com o ex- ministro da defesa Israelita Moshe Dyan. O comum destes tipos era só terem um olho, ou apropriadamente dizerem, trazer tudo debaixo de olho!
Mas falando de Luís Vaz de Camões, que tem para aí dez terras a assumirem que nasceu por lá! Lisboa (os lisboetas só ainda não assumiram que o Pinto da Costa nasceu lá, porque ainda é vivo, e inevitavelmente daqui a 500 anos irão, de certeza fazer-lhe uma estátua e colocarem uma lápide numa casa a dizer:”Aqui presumivelmente nasceu Jorge Nuno de Lima Pinto da Costa, homem sério, vencedor como nenhum outro, incompreendido no seu tempo!”) Santarém, Coimbra, Constança, Porto, Linhares da Beira, outras e paradoxalmente no meio de todas Olhão, que presumo por um devaneio humorístico, pois só faltaria, terem dito, que o homem teria nascido no demolido bairro da Boavista em Luanda.
O Luís de Camões fascina-me em muitos aspectos! Começando pelo seu fim, ele personifica algum pechisbeckismo dos portugueses. Estar na miséria, e ter um escravo com nome económico, Jau, para mendigar por ele. Tinha uma tença, que revela bem que o problema das reformas é já um problema antigo, que não lhe dava para sobreviver, e vai daí arranja um escravo para cobrir alguma zona da cidade; Será que o Jau limpava as crinas dos cavalos com escovas quando paravam num sinaleiro, já que ao tempo semáforos só alimentados a carbureto ou a azeite? Esta de ter um escravo para pedir esmola é coisa grande!
Outra coisa que me fascina, é o facto de ele ter atravessado o mar da China, com os Lusíadas numa mão no meio da tempestade. Sinceramente era demais, sem um olho e só com um braço, o homem merecia uma toalha da GANT á chegada, um chá e uns scones quentinhos! Como ainda não havia a indústria da petroquímica, nem os derivados do petróleo, não se pensava sequer nos sacos de polietileno, para embrulhar o notável canto IX dos Lusíadas, que no Salvador Correia só um professor de português numa de clandestinidade ousou mencionar. Houve alguém que insistiu presumir, que todo esse episódio terá acontecido entre Tombwa e a Costa dos Esqueletos, provavelmente na foz do Cunene.
Já vem de longe, as faltas de apoio aos criadores e à cultura!
Outra coisa que me fascina é ele andar sempre metido com o olho pelas casadas, o que o obrigou a "ser olho por olho, dente por dente", prevalecendo no caso dele o “olho por olho”!
Deixo o “olho por olho” pois não faltaria muito para ser acusado de revelar alguma homofobia no que estou a escrever, fruto de leituras enviesadas que alguns fazem destes escritos.


(CONTINUA)

21 de agosto de 2009

Drogas, Sexo e Rock Roll/ Ágora / Novo Jornal / Luanda 21-08-09



Comemoraram-se neste início de semana, quarenta anos sobre a realização do festival de Woodstock, acontecimento musical marcante de uma geração que determinou que a partir daquele momento nada deveria passar a ser como antes!
Por obra e graça de um conjunto de cinco “candidatos” a empresários, que publicaram no New York Times e no Wall Street Journal, um anuncio que dizia literalmente isto: "Jovens com capital ilimitado buscam oportunidades de investimento legítimas, interessantes, e propostas de negócios". Montaram um esquema que proporcionasse a venda de bilhetes, em lojas de venda de discos em Nova York e pelo correio, para os três dias de festival.
Inicialmente as contas estavam feitas para 200.000 pessoas, o que já começava a ser demasiado para o pequeno espaço da cidade de [Bethel, onde se realizou o festival, que acabou por ser declarada “zona de calamidade publica”, pois acorreram 500.000 pessoas que derrubaram as cercas, e criaram embaraços enormes para a logística e apoio médico nos dias em que o festival foi decorrendo.
O festival inevitavelmente passou a gratuito, pois foi impossível cobrar o que quer que fosse, e acabou por ser o ponto culminante da contestação à guerra do Vietname, para além de ter constituído o maior marco referencial do movimento hippy, que acabou por marcar a alteração dos costumes dos anos setenta, e que não anteviam que pudessem ter surgido uns anos 80 tão cinzentos e conformistas.
Joan Baez, Arlo Guthrie, filho de Woody Guthrie, Ravi Shankar, Richie Heavens, Santana, Creedence Clearwater Revivel, Janis Joplin, The Who, Jefferson Airplane, Joe Cocker, Crosby, Still § Nash, Neil Young, Jimi Hendrix, Blood Sweet and Tears, foram só alguns das muitas bandas e músicos que desfilaram em 15, 16 e 17 de Agosto de 1969, naquela minúscula cidade que quase entupias as estradas do estado de Nova York, e que terá abanado as bases do conservadorismo cínico em que assentava a sociedade americana dos anos 60, herança de um maccarthysmo e da perseguição torpe a qualquer projecto liberalizante, de tendências vagamente conotadas com alguma esquerda, ainda que ideologicamente difusa.
Nada antevia que da geração de Woodstock viessem a sair alguns dos “jovens turcos” do Reaganismo, período marcadamente conservador, que terá sido uma resposta ao “desvario dos anos 60” como disse em determinado momento um conselheiro de segurança de Reagan, Oliver North, depois implicado numa obscura troca de armas em que envolvia o Irão e as forças que tentavam derrubar os Sandinistas na Nicarágua.
A propósito do falecido ex-presidente Ronald Reagan, lembro uma anedota interessante que era muito contada no epílogo da “Guerra Fria”, talvez actual q.b., tendo em conta a globalização e a circulação desregulada de capitais num capitalismo globalizado, que por acaso já teve outro nome mais em voga noutros tempos ainda não muito recuados: Imperialismo.
Reagan nunca perdeu o cabotinismo que sempre o caracterizou, como actor de filmes de segunda série, e volta e meia pegava no telefone vermelho e ligava a Brejnev, então todo-poderoso de uma União Soviética, que tentava afinar estrofes para os amanhãs que deveriam cantar, e que emudeceram ao primeiro safanão.
A conversa telefónica de Reagan era que estava a ter um sono em que o Kremlin, estava pintado de azul vermelho e branco, e onde estava hasteada a bandeira vermelha da foice, martelo e estrela, estava uma bandeira americana com 51 Estados ( a bandeira norte americana tem actualmente 50 estrelas). Brejnev não gostou da piada e no dia seguinte “ vingou-se” e telefonou a Reagan, dizendo que também tinha tido um sonho e que na Casa Branca estava definitivamente hasteada a bandeira vermelha com a foice, o martelo e a estrela. Reagan, porque tinha alguma fibra de cowboy, resolveu ligar na noite seguinte e disse a Brejnev, que concordava com o sonho dele no dia anterior, mas que ele também tinha sonhado que uma bandeira igual estava no alto da cúpula principal uma bandeira vermelha, com a foice, o martelo e a estrela, e Brejnev terá dito que não achava nada de extraordinário, pois era a bandeira que lá flutuava desde 1917, mas Reagan disse que em baixo estava escrito em caracteres chineses: Bem vindo à Republica Popular da China!
Desculpar-me-ão este devaneio, mas há dias em que as crónicas que temos que ir fazendo não saem assim tão bem, como comemorar quarenta anos de Woodstock mereceriam!
Fernando Pereira
17/08/09

16 de agosto de 2009

Passadeiras/ Ágora / Novo Jornal 14-08-09 / Luanda



Até há poucos dias nunca tinha ouvido falar de Iain Macmillon (1938-2006), mas quando no pretérito 8 de Agosto, uma imensidão de fãs, se deslocou à famosa passadeira de Abbey Road, para comemorar o quadragésimo aniversário do lançamento do último LP dos Beatles, fiquei a saber que a foto perene foi sua.
Em Londres, em frente ao estúdio de gravação, a passadeira de Abbey Road transformou-se na “zebra” mais conhecida do mundo, cenário simples da capa do último LP gravado pelos quatro de Liverpool.
Já que se fala de musica, por se “efermizar” quadragésimos aniversários, lembro ter tido a oportunidade de “telever” um dos programas de ruptura, no espaço televisivo português nos anos sessenta, o efémero mas sempre lembrado Zip-Zip.
Vivia circunstancialmente em Lisboa, e partilhava o entusiasmo possível de uma significativa fatia de telespectadores, que invariavelmente todas as segundas feiras de Abril a Outubro desse cada vez mais distante 1969, se juntavam aos magotes para ver um programa, que destoava claramente do cinzentismo criptofascista da cultura então prevalecente.
Eu era um adolescente, que gostava de música, e que tinha o privilégio de ter um hábito ganho precocemente, o da leitura, pelo que comecei a ver o Zip-Zip com um interesse enorme.
Neste programa, que o meu professor de português no Liceu Camões, o escritor Vergílio Ferreira, nos incentivou a ver com detalhe, comecei a conhecer muita gente que nem sonhava que existia, e cantores de que nunca ouvira falar e que nada tinha a ver com o nacional-cançonetismo, que animava o Portugal do Minho a Timor.
José Afonso que a 2 de Agosto faria 80 anos, já conhecia, pois tinha sido colega da minha mãe em Coimbra, embora o que cantou no Zip-Zip foi uma surpresa, e todo o conjunto dos chamados “baladeiros”, foram motivadores para passar a entrar noutros conceitos musicais.
Francisco Naia, Fanhais, Hugo Maia de Loureiro, Filarmónica Fraude, Duarte e Círiaco, Carlos Moniz, Manuel Freire, José Jorge Letria, Carlos Bastos, Julio Pereira, José Barata Moura e tantos outros que anos mais tarde deram tons e palavras a um libertador 25 de Abril de 1974.
Nesse programa de Fialho Gouveia, Raul Solnado, já falecidos, Carlos Cruz e José Nuno Martins surge um “baladeiro” de trinta anos, angolano, atleta do Benfica e do Belenenses, que faz a sua aparição no mundo da musica, e passou a ser a voz de Angola com maior notoriedade em Portugal. Rui Mingas, com uma camisola de malha clara, cantou Ixi Ami – Minha Terra, e o Teatro Villaret quase vinha abaixo, perante a estupefacção dos espectadores pela voz que acabava de ser revelada.
Foi a primeira vez que vi o Rui Mingas, e apesar da diferença dos anos se manterem, numa verdade do senhor de La Palice, continuo a admirá-lo como intérprete de excelência, para além de uma amizade e respeito que me habituei a aumentar a cada momento, lastimando apenas que a musica de Angola só o consiga ter a espaços muito prolongados no tempo.
Tanta vez trauteei a “Cantiga por Luciana”, entusiasmado pela versão de Rui Mingas, que é indiscutivelmente melhor que a de Evinha, vencedora do quarto Festival Internacional da Canção do Rio de Janeiro em 1969.
Rui Mingas, que há quarenta anos estava provavelmente longe de pensar que seis anos depois, iria partilhar com Manuel Rui Monteiro tanta coisa bonita, principalmente o hino que acompanhou a subida da vermelha, negra e amarela roda dentada, catana e estrela do Novembro de todo o nosso contentamento.
Atrasados, aqui ficam os parabéns para o Rui Mingas, que este ano comemorou quarenta anos do dia 12 de Maio de 1969, dia em que fez trinta anos!

Fernando Pereira
11/08/09

10 de agosto de 2009

Divagando/ Ágora / Novo Jornal/ Luanda / 7-08-09




Luanda nos anos cinquenta era uma cidade calma, mas com a estratificação social bem demarcada em todos os locais de trabalho, ócio, cultura e habitação.
A cidade tinha começado a desenvolver-se, com as receitas provenientes das súbitas subidas das cotações do café no mercado internacional, e começava a ganhar algum movimento, e a importar, ainda que de uma forma algo pacóvia algumas “modas”, assumindo a xenofilia dos costumes, hábito transversal à sociedade angolana desde há décadas.
No Largo ex-D. Fernando, hoje Rainha Jinga, em frente ao “megatéreo” que é a sede da Sonangol na Baixa de Luanda, em meados dos anos 50, era colocado um pano branco na Casa da Palmeira, como era conhecido o edifício da Lello, e à noite passavam desenhos animados, anúncios diversos e algumas revistas de actualidades. Foi a primeira experiencia de cinema ao ar livre na cidade, para a população, mas com uma duração efémera.
A Casa da Palmeira, ou o Palácio da Palmeira, como também era chamado esse imóvel magnífico que ainda se vai perpetuando na baixa de Luanda, por causa da palmeira de ferro que serve para tapar o saguão das escadas para os andares superiores, onde inicialmente houve uma pequena pensão de má qualidade. Tinha no telhado um reclame à pasta medicinal Couto e ao óleo Bardhall; Mais tarde veio a Pelikan e a Kodak!
Já que estamos por este Largo, neste passeio pela Luanda de gerações e olhando para o prédio onde funciona o Millenium (Angola), lembro-me de ter sido antes, o DOI do BNA, a Escola de Formação Bancária e antes de 1975, a sede do Banco de Crédito Comercial e Industrial, pertença do grupo Quina, a firma Martins e Macedo, representante em Angola de várias marcas de automóveis, lubrificantes, baterias e correlativos. Até aqui, ainda me lembro, mas já não sou suficiente velho para me lembrar da existência do Hotel Colonial, que foi demolido entretanto.
O edifício dos Correios lá se vai mantendo em recuperação, o que deixa alguma esperança no ar que o desvario camarteleiro ainda não tem rédea livre, e que o omnipresente valor de mercado, ainda esbarra com a assertiva disponibilidade para deixar intactos alguns edifícios que fazem parte da memória colectiva da cidade.
A Igreja dos Remédios, que de vez em quando vai levando uma lavagem, foi “despromovida” de Sé Catedral, mas ainda se vai mantendo como um espaço agradável no meio de tanto frenesim destruitório e construtório, que vai imperando à volta. Por acaso fui baptizado nessa Igreja, nos idos anos cinquenta, e convenhamos que só me lembro disso quando lá tenho que passar e esperar vinte minutos que o trânsito vá fluindo.
Se o imóvel onde tem funcionado a Sonangol, tem alguma dignidade e mostra um período marcante do desenvolvimento da cidade, a mastodôntica sede actual, não consegue fazer esquecer uma das mais bonitas montras de Luanda, que era a da Farmácia Dantas Valladas. No tempo colonial a pastelaria Gelo, deu lugar a um banco, o que prova que a indiferença pelo património não é causa de agora; Era um espaço muito bonito e com personalidade, e hoje, mesmo o Banco, que acabou com o Gelo, foi engolido por um dos prédios espelhado do centro da cidade.
Não consigo perceber, por mais que tentem, porque é que Angola, sendo uma terra de desafogo em território, tem que estar tudo concentradinho no município das Ingombotas. A bem dizer todos os ministérios lá estão, excepto o das Pescas.
Desculpem-me qualquer coisa, mas às vezes acho que em certos detalhes importantes não se consegue ultrapassar para além das Ingombotas!
Fernando Pereira
2/08/09

31 de julho de 2009

Tempo do Frias/ Ágora/ Novo Jornal / Luanda / 31-7-09



Como é o tempo do fresquinho, e como muita gente está de férias, nada melhor que um tema aligeirado, aguardando calmamente que “atrás dos tempos vem tempos e outros tempos hão-de vir”, como canta o Fausto, um homem do Huambo.
Numa recente viagem a Benguela, e depois de comer no “Olho”(!!!), um lúgubre restaurante junto à praia de Porto Amboim, e subindo em direcção ao morro Cambiri, veio-me à lembrança, uma discussão acalorada com o meu amigo Tchaveka, sobre a eventual importância desta baia no decurso da 2ª Guerra Mundial.
Tchaveka argumentava, mais com o argumento do pulmão, que teria havido um acordo secreto entre Roosevelt e Salazar, para que Porto Amboim fosse local de acolhimento da 7ª Esquadra naval americana, pois era a única baia no Atlântico com capacidade para albergar tamanha força. Admito que seja verdade que tenha havido este acordo, mas foi tão secreto que até hoje nunca ouvi falar dele a não ser pelo Tchaveka, não colocando em causa a sua verosimilhança. Mas não foi tão secreto assim, porque o Tchaveka tem-no divulgado insistentemente.
Este “acordo” traz-me à lembrança as histórias do Engenheiro António Frias, jogador de futebol da Académica de Coimbra na década de 40, que acompanhei nas tertúlias coimbrãs nos anos 70. O Frias era uma figura imponente, um autêntico cilindro de 2m3 de volume, onde acumulava entre gordura e órgãos um peso de 125Kg, a exigir continuadamente alimento e bebida a uma voracidade invulgar, a qualquer hora do dia ou da noite!
O Frias, contava histórias perfeitamente inacreditáveis, do tipo de certa vez jogar ao Campo do Lima no Porto, contra o Académico do Porto, com um sol azul, sem uma nuvem; Às páginas tantas, vem uma nuvem, em perfeito estilo de Hitchcok, com muitas gaivotas à volta, e mesmo por cima do centro do campo cai uma chuvada que interrompe o jogo, já que a chuva era de peixes, desde tainhas, douradas, carapau, pescada, corvina, enfim um verdadeiro “arrastão”! Contradizer o Frias não era fácil, já que o argumento físico era de peso e o mau feitio era um aliado conhecido.
O Frias, porque era um teimoso recorrente, resolve deixar a engenharia electrotécnica e passa para a engenharia militar, e ei-lo mobilizado em Angola para a tropa colonial.
Uma vez falava-se de Angola, e o Frias diz-me: “Você não percebe nada de Angola, sabe que Angola é tão rica que as solas dos sapatos se gastam numa semana, e os pneus dos carros em menos tempo?” Eu fiquei surpreendido e disse-lhe que nunca me tinha acontecido nada disso, e o Frias aos berros a dizer que em Angola a massa asfáltica misturava-se com pedras dos rios, que eram diamantes, que eram muito duros e nada resistia nas estradas e ruas asfaltadas recentemente! “ E sabe que o Rio Zaire é tão caudaloso, que até quarenta metros no oceano a água é doce?” “Sabe onde é que eu em Angola estrelava os ovos? No capot do Jeep!” “Uma vez em Angola estava a jogar a bola num aquartelamento, e rematei com tanta força que matei uma pacaça que estava a beber numa charca perto!” “Em Angola passávamos de carro em picadas, e ficávamos cinco minutos sem ver nada, e com o corpo cheio de pó de talco, que nalguns casos era perfumado!” País muito rico mesmo, que não se podia beber água porque sabia a petróleo”.
O Engº Frias era impagável, e certa vez pediu-me para lhe levar gindungo, e assim fiz; Mal abriu o saco pegou numa mão cheia, e valentão como julgava ser, pôs na boca, e o rosto ruboresceu, sem conseguir abri-la, nem dizer palavra em dez minutos, com todo a gente a gozar, já que era uma oportunidade única de nos rirmos do Frias à sua frente.
Desculpem este devaneio, mas não me apetecia escrever sobre outra coisa qualquer!

Fernando Pereira
26/7/09

Jornalismo de Angola de luto!/ Novo Jornal/ Luanda 31-07-09



Morreu aos 75 anos a jornalista Edite Soeiro.
Começou a sua actividade em 1950 num jornal de Benguela, “ O Intransigente”, tendo depois embarcado para Lisboa onde começa a trabalhar na Flama.
Da Flama, transita para a revista angolana Notícia, onde se torna a primeira mulher a embrenhar-se na mata e a acompanhar os soldados portugueses na guerra colonial, normalmente acompanhada pelo fotógrafo Fernando Farinha.
Quando falece abruptamente João Charrula de Azevedo, a Neográfica, empresa proprietária da Notícia é adquirida, ainda que com alguns contornos de mecenato, pelo industrial Manoel Vinhas, que decide renovar o parque gráfico e passar a publicar em simultâneo uma edição em Luanda, Lisboa e Lourenço Marques (Maputo).
A delegação de Lisboa vai ser chefiada por Edite Soeiro, tornando-se das primeiras mulheres a assumir lugares de chefia na imprensa portuguesa.
Corajosa, coerente e profundamente exigente consigo, e também com quem trabalhava, aparece na fundação da primeira empresa colectiva de jornalistas, a Projornal, proprietário do semanário “ O Jornal”, que depois deu origem à revista “Visão”, tendo sempre pertencido aos seus quadros e trabalhando com grande rigor, que lhe permitiu receber muitos prémios e louvores, o ultimo dos quais, o Prémio Gazeta em 2006, já então algo debilitada fisicamente.
Edite Soeiro entrevistou a poetisa Natália Correia para a Notícia, curiosamente uma entrevista que a censura deixou passar na íntegra em Luanda, mas que sofreu cortes na edição de Lisboa.
Luis Pacheco, cáustico com tudo e quase todos, teve em Edite Soeiro uma boa amiga e que lhe desculpou muito atraso e ausências nas crónicas do Notícia, sendo o único cronista que recebia adiantado.
A sua morte, como a do Júlio Guerra, do Acácio Barradas, deixam Angola mais pobre, porque deram muito a um jornalismo de causas e de rigor, num tempo em que fazer jornalismo em Angola obrigava a compromissos, algo que eles nunca aceitaram.
Não podíamos deixar de evocar esta triste notícia, que nos caiu num 27 de Julho de 2009.

Fernando Pereira 28/07/09

24 de julho de 2009

O Mato e o Morro /Ágora/ Novo Jornal / Luanda 24-7-09



Na Luanda colonial, ali para os lados do Prenda, havia um conjunto de ruas com uma toponímia no mínimo curiosa. Era a rua dos Funantes, que entrelaçava com a rua dos Sertanejos, e que por sua vez acabava na rua dos Empacaceiros (caçadores de pacaças).
O Funante, o Pombeiro (Pumbeiro ou Pumbuelo) e o Aviado faziam parte de uma estratificação “corporativa”, no contexto de determinado patamar da economia colonial até ao dealbar do século XX.
Conde de Ficalho sobre as relações entre o Pombeiro, o chefe de mercadores e o seu subalterno, o “Funante” dizia o seguinte: “…Outras relações mais sérias e úteis se começaram desde Noronha Montanha, montado em boi cavalo, acompanhado de intérprete, guia e carregadores logo a desenvolver… Negociantes portugueses, chamados Funantes, penetravam e penetram até ao coração de África, ou mandam ali emissários, denominados, na África Ocidental Portuguesa, aviados e Pombeiros e na oriental Moçambazes”.
O Funante estava sempre na mão do dono da feitoria, pois não tendo capital próprio, obrigava-se a aceitar as condições do dono da mercadoria, que impunha percentagens altíssimas, nada muito diferente das instituições de referência do capitalismo moderno, os Bancos.
Segundo António de Oliveira Cadornega, para “disciplinar” um comércio, que liberalizado não dava impostos ao reino de Portugal, em 1761, o governador António de Vasconcelos, obrigou-se a fazer alterações, limitando o negócio a cinco capitanias mores: Muxima, Massangano, Cambambe, Pedras de Mapungo e Ambaca.
Cresceu assim um tentacular comércio de mato, que muitos já conhecemos, e que foi a teia da perpetuação colonial em Angola, mas também foi o factor decisivo para a delimitação das actuais fronteiras do País, no âmbito da Conferencia de Berlim de !885, recomendando para o efeito uma leitura de um livro interessante, muito documentado, e com o rigor judrídico indispensável: “Aspectos da delimitação das fronteiras de Angola”, do professor da faculdade de direito da Universidade Agostinho Neto, Joaquim Dias Marques de Oliveira, editado pela Coimbra Editora, à venda em Luanda e no Lobito, onde aliás há uma belíssima livraria, a ocupar uma parte da estação do CFB.
Nesta passagem pelas figuras do tempo colonial, que andavam pela mata, havia um elemento fundamental, o Kambulador, um quase ilusionista, indivíduo de” insuspeita” oratória, hábil tocador de instrumentos musicais, e muito loquaz na procura de agradar ao chefe tribal. Hoje, podemos denominá-lo o que diz em gíria de forma depreciativa, o “grande artista”!
Associado a tudo isto surgem alguns termos adaptados ao negócio, e o que mais se tem perpetuado e passou a ser transversal a toda a língua portuguesa, é indiscutivelmente a Kandonga, que segundo a Enciclopédia Ilustrada Portuguesa de 1899 é “um contrabando de comestíveis, para os subtrair aos direitos de consumo”, sendo naturalmente um candongueiro, “homem que se emprega na candonga”, segundo o dicionário Lello de 1986.
Este artigo dá para muita coisa, e poderemos começar por aqui e escrever o que foi o comércio, os malabarismos, agentes, dependências, mixordices e por aí fora, não hesitando em pegar nalguns testemunhos de livros ou outros, principalmente do Dr. José Carlos de Oliveira, “ O comerciante do mato”, ou recorrer ao tributo do saudosos Raul David, Domingos Van Dunem e a Uanhenga Xitu, entre vários.
Quanto ao título, um devaneio brejeiro, que a tropa colonial usava sobre um mote de uma companhia qualquer: “Mato ou Morro”, que queria dizer que quando o inimigo estava no mato, eles iam para o morro, quando o inimigo ia para o morro, eles iam para o mato”
Havemos de trocar mais algumas ideias sobre o assunto!

Fernando Pereira
19/7/09

17 de julho de 2009

OBSERVATÒRIO DA MULEMBA / Ágora/ Novo Jornal / Luanda 18-7-09



“Este é um pequeno passo para o homem, mas um enorme salto para a humanidade”
Frase lapidar proferida em 20 de Julho de 1969, por Neil Armstrong,o primeiro homem a colocar o pé na lua.
Quarenta anos depois, a Terra e a Lua continuam à mesma distância, e as interrogações sobre o entusiasmo inicial do projecto e o seu crescente esmorecimento, vão permanecendo fora dos interesses quotidianos dos terráqueos. Por cá muito mudou, mas a realidade é que na Lua tudo parece estar calmo, a aguardar novas visitas e um renovado entusiasmo, pelo menos igual ao da Apolo XI, nave que levou os astronautas para a primeira abordagem ao “ mar da tranquilidade”.
Na Luanda serôdia desse final dos anos sessenta, sem emissões de televisão, o acompanhamento em directo desse acontecimento, só foi possível pela tenacidade de duas saudosas figuras: Sebastião Coelho e Bettencourt Faria.
Cúmplices durante muitos anos no programa de boa memória “Café da Noite”, onde Carlos Mar Bettencourt Faria tinha a rubrica “ O Cosmos em sua casa”( 1164 edições, até 25 de Fevereiro de 1975, fim do programa, por circunstancias conhecidas). O programa era emitido dos “Estúdios Norte”, num prédio hoje “premeditadamente” arruinado na Travessa da Sé.
Tive o privilégio de ter conhecido Bettencourt Faria, com ele ter convivido, e acima de tudo por me ter sempre fascinado e permitir-me toda uma série de sonhos e viagens exploratórias por um imaginário fértil de criança e adolescente. Era amigo do meu pai, e no cacimbo depois de um almoço domingueiro no Cacuaco a visita ao “Observatório da Mulemba” era uma quase rotina, a 13 km de Luanda, num tempo em que o controle da cidade era em frente à prisão.
A loquacidade e o entusiasmo de Bettencourt Faria eram extraordinários, e o que fascinava ainda mais era a forma como nos explicava tudo, quer no domínio da astronomia, astrofísica, mecânica, oceanografia, mineralogia, fazendo da “Mulemba” uma experiencia irrepetível. Tudo que era para mim entediante nas carteiras do Salvador Correia, era tão simples nas explicações do “cientista autodidacta”.
No cada vez mais longínquo 1969, Bettencourt Faria falou com Armstrong e Aldrin, nesse feito imperecível, que os luandenses tiveram o privilégio de acompanhar através de imagens sonoras, fruto da colaboração de B. Faria com a NASA.
Com uma enorme dimensão humana, despojado de todo o tipo de interesses materiais, avançadíssimo para a época, Bettencourt Faria aporta a Luanda aos 24 anos para trabalhar na Diamang. O seu “autodidatismo”, é motivo de ostracização por parte de alguns poucos “cientistas” da terra, o que não obstou que colaborasse com a NASA e simultaneamente com alguns astrofísicos da ex-URSS, e prova disso foi as experiencias partilhadas com o projecto Apolo e Sputnik, tendo neste caso, sido a Mulemba o único observatório africano a fotografar os sinais emitidos pelo satélite soviético.
Com muitas dificuldades económicas, B. Faria só recebeu uma vez o apoio de 500 contos da Gulbenkian, fruto do conhecimento que Mário António de Oliveira, ao tempo director da Fundação, que já o conhecia do Observatório João Capelo, onde o “ Wernher von Braun” angolano ia com frequência buscar livros, “que nalguns casos ninguém se tinha dado ao trabalho de abrir”.
Apesar de instado a dormir num local mais seguro, nos conturbados tempos do dealbar da independência de Angola, teimou em permanecer na Mulemba onde foi barbaramente assassinado em 4 de Julho de 1976, levantando-se no exterior um coro de comentários, em que o MPLA teria instigado o crime. Pura estultícia, já que o móbil do assassínio, foi comprovadamente motivado para assaltar um homem bom, de parcos haveres, mas de muitos saberes.
A comunidade científica angolana era muito pobre, e a morte de Bettencourt Faria fez que ela passasse a ser paupérrima, e neste quadragésimo aniversário da 1ª viagem do homem à Lua, fez-me bem relembrar o homem do “Observatório da Mulemba”, o lugar de todos os sonhos.
Angola devia recordá-lo mais vezes!

Fernando Pereira 11/07/09
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