21 de fevereiro de 2009

Turismo talvez tenha hora / Novo Jornal /Luanda/ Economia/

Por razões profissionais, já que sou um pequeno empresário de turismo, e simultaneamente agente dinamizador do associativismo nessa área, faço normalmente um périplo anual por um conjunto de eventos de promoção turística.
A título de exemplo, em finais de Novembro do ano passado visitei uma interessante feira de turismo da natureza, aventura, enologia e rural, na cidade espanhola de Valladolid. A INTUR, realiza-se todos os anos e é um evento interessante na promoção de um segmento de turismo que começa a ser cada vez mais procurado, em alternativa ao que vulgarmente é denominado por turismo massificado, aglutinador de recursos e gentes e factor de crescente relevância no PIB de muitos Países.
Em Janeiro, eis-me “peregrino” a duas feiras que acompanho há muitos anos, a bem dizer desde a sua primeira edição no caso da Bolsa de Turismo de Lisboa (BTL), a partir da 3ª edição da Feria Internacional de Turismo (FITUR) em Madrid, que é das maiores feiras de promoção turística do mundo, a par da World Travel Market de Londres, em princípios de Novembro, da BIT em Milão, e da ITB em Berlim, entre Fevereiro e Março.
Sucintamente, posso dizer que a BTL, é quase que um aperitivo para a grande mostra de Madrid, uma semana depois. A maior parte dos expositores são autarquias, regiões de turismo, algumas cadeias hoteleiras portuguesas , organismos institucionais, e um conjunto de pavilhões estrangeiros, cada vez menos diga-se de passagem, pois o mercado português é comercialmente pouco atractivo, e depende fundamentalmente de operadores espanhóis com outra capacidade financeira para intervenção no agressivo mercado do turismo.
Angola, na BTL teve o seu pavilhão, pouco diferente do que tinha no ano anterior, mas substancialmente melhor que os pavilhões que marcaram a presença do País nas primeiras participações neste evento que decorre anualmente na Feira Internacional de Lisboa.
Obviamente que é um pavilhão concorrido, não só pelas expectativas comerciais, mas acima de tudo, por todo o conjunto de sentimentos que se misturam entre agentes turísticos, visitantes e entidades diversas.
Não sei se os negócios foram muitos, mas o pavilhão pareceu-me com a apresentação pouco apelativa na sua decoração, se compararmos por exemplo com Cabo-Verde. Não se consegue perceber muito bem, se o objectivo era motivar pessoas para fazerem turismo em Angola, ou investir em infra-estruturas ou assumirem-se parecerias.
Acho que estava gente a mais no interior do pavilhão, e apesar da cordialidade e simpatia do pessoal presente, quem deveria explicar estava sempre ausente. Penso que são coisas a corrigir, e nesta minha opinião subjectiva, não gostaria de deixar a ideia que me parece algo descabido mostrar-se um artesanato que hoje se encontra em qualquer esquina de uma cidade média europeia, como factor de apelo ao visitante que vai olhando os diferentes pavilhões de países presentes.
Na FITUR, em Madrid, no Campo Ferial Juan Carlos, num faraónico espaço, fiz uma cuidada visita à feira, onde a Espanha mostra a razão de ser o terceiro destino turístico mundial.
Quando o lazer passou a ser olhado como complemento de uma actividade laboral com melhores resultados, houve um conjunto de países que imediatamente se lançaram na rentabilidade dos seus recursos naturais, na sua cultura, na gastronomia e na amenidade do seu clima como forma de aumentarem as suas fontes de receita e equilibrarem a balança comercial com países terceiros. A Espanha que dispunha de todos estes recursos, iniciou nos anos 60 uma agressiva campanha promocional, que associada a uma rigorosa regulamentação e aplicação legislativa continuada, um melhoramento de infra-estruturas de apoio, a um ciclópico esforço de construção de empreendimentos turísticos de boa qualidade e acima de tudo com a criação de muitas escolas médias e superiores de formação de técnicos de turismo, permitiu ser dos países onde a percentagem de importância no seu PIB, é das maiores do mundo, tudo na ordem entre os 8 a 11%.
Naturalmente que uma parte significativa da minha curiosidade, ia para o pavilhão de Angola, patrocinado pelo Ministério do Comércio e Turismo, e o que desde já importa realçar foi o ter encontrado um pavilhão mais calmo, com gente muito simpática e nos momentos de conversa que mantive achei que havia uma sintonia perfeita entre as minhas duvidas e expectativas, num quadro de algum realismo no futuro do turismo de Angola.
Em Madrid, achei o pavilhão de Angola ainda mais pobre, talvez iludido pelo facto dos termos de comparação serem maiores. Acho despiciendo que se continuem a utilizar referencias a fotos e cartazes, iguais às do CITA dos anos 60. A iconografia do turismo mudou, o marketing é diferente, e acho que deveria haver um cuidado acrescido ao dar uma visibilidade a um País como o nosso, que durante muito tempo foi notícia pelos piores motivos.
Saliento que esta é uma opinião subjectiva, e com propósitos construtivos, já que há pelo menos algo de muito bom, que não me canso de realçar, que é o factor humano, presente nesta FITUR 2009, gente muito boa e com enorme vontade de ver trabalho realizado.
Acho completamente descabido que continuemos a divulgar posters pouco vincados, com imagens dos megatéreos que enchem a baixa de Luanda de hoje, e que fazem fugir a sete pés alguém de bom gosto; a Welwitchia desenquadrada do seu habitat, e umas imagens de uns hotéis, que são iguais a qualquer edifício de classe média-baixa em qualquer parte do mundo.
Questionei-me a título de exemplo, ao relevo dado a um cartaz com a foto do Cristo-Rei que está no Lubango, que é uma cópia algo miserável do Cristo-Rei de Almada, que por sua vez é uma decalque pechisbeque do Cristo-Rei do Rio de Janeiro,;Aquele Cristo-Rei levará alguém a Angola? Tem de ser muito criteriosa a escolha, e talvez se chegue à conclusão que temos por ora pouca coisa de diferente para vender, que é disso que se trata quando se vai a um evento com estas características.
A presença de Angola neste tipo de eventos, merecerá um cuidado supletivo, mas antes de tudo temos de reflectir sobre que turismo queremos, que investimentos estamos disponíveis a fazer, que trabalho se há-de fazer na formação dos recursos humanos, e acima de tudo explicar às pessoas que se vão alterar hábitos comportamentais, e que vai haver assimetrias regionais, que devem ser percebidas e entendidas. Isto é um trabalho que tem de ser partilhado pelo Ministério da Cultura, Educação, Administração do Território, Interior, Ambiente e naturalmente o Comércio e Turismo.
Frases do tipo de que “daqui a dez anos Angola será um país de turismo” são fáceis de dizer, mas já não estou tão certo na sua materialização, enquanto o turismo não for encarado como uma industria, a do lazer, grande conquista dos trabalhadores no século XX, e objectivamente imporem-se regras, e uma enorme seriedade na captação de investimentos, e assumirem-se vontades de algumas mudanças de mentalidades e inerentemente comportamentais.
Tanto o que julgo saber este jornal, está a preparar um conjunto de conferencias sobre vários temas, que poderão ser estruturantes no quadro de desenvolvimento de Angola nos próximos dez anos, e também sei que um dos debates previstos será o turismo, pelo que a controvérsia pode começar a passar por aqui.

Fernando Pereira
14 /2/09

Turismo talvez tenha hora / Novo Jornal /Luanda/ Economia/ 21-2-09



Por razões profissionais, já que sou um pequeno empresário de turismo, e simultaneamente agente dinamizador do associativismo nessa área, faço normalmente um périplo anual por um conjunto de eventos de promoção turística.
A título de exemplo, em finais de Novembro do ano passado visitei uma interessante feira de turismo da natureza, aventura, enologia e rural, na cidade espanhola de Valladolid. A INTUR, realiza-se todos os anos e é um evento interessante na promoção de um segmento de turismo que começa a ser cada vez mais procurado, em alternativa ao que vulgarmente é denominado por turismo massificado, aglutinador de recursos e gentes e factor de crescente relevância no PIB de muitos Países.
Em Janeiro, eis-me “peregrino” a duas feiras que acompanho há muitos anos, a bem dizer desde a sua primeira edição no caso da Bolsa de Turismo de Lisboa (BTL), a partir da 3ª edição da Feria Internacional de Turismo (FITUR) em Madrid, que é das maiores feiras de promoção turística do mundo, a par da World Travel Market de Londres, em princípios de Novembro, da BIT em Milão, e da ITB em Berlim, entre Fevereiro e Março.
Sucintamente, posso dizer que a BTL, é quase que um aperitivo para a grande mostra de Madrid, uma semana depois. A maior parte dos expositores são autarquias, regiões de turismo, algumas cadeias hoteleiras portuguesas , organismos institucionais, e um conjunto de pavilhões estrangeiros, cada vez menos diga-se de passagem, pois o mercado português é comercialmente pouco atractivo, e depende fundamentalmente de operadores espanhóis com outra capacidade financeira para intervenção no agressivo mercado do turismo.
Angola, na BTL teve o seu pavilhão, pouco diferente do que tinha no ano anterior, mas substancialmente melhor que os pavilhões que marcaram a presença do País nas primeiras participações neste evento que decorre anualmente na Feira Internacional de Lisboa.
Obviamente que é um pavilhão concorrido, não só pelas expectativas comerciais, mas acima de tudo, por todo o conjunto de sentimentos que se misturam entre agentes turísticos, visitantes e entidades diversas.
Não sei se os negócios foram muitos, mas o pavilhão pareceu-me com a apresentação pouco apelativa na sua decoração, se compararmos por exemplo com Cabo-Verde. Não se consegue perceber muito bem, se o objectivo era motivar pessoas para fazerem turismo em Angola, ou investir em infra-estruturas ou assumirem-se parecerias.
Acho que estava gente a mais no interior do pavilhão, e apesar da cordialidade e simpatia do pessoal presente, quem deveria explicar estava sempre ausente. Penso que são coisas a corrigir, e nesta minha opinião subjectiva, não gostaria de deixar a ideia que me parece algo descabido mostrar-se um artesanato que hoje se encontra em qualquer esquina de uma cidade média europeia, como factor de apelo ao visitante que vai olhando os diferentes pavilhões de países presentes.
Na FITUR, em Madrid, no Campo Ferial Juan Carlos, num faraónico espaço, fiz uma cuidada visita à feira, onde a Espanha mostra a razão de ser o terceiro destino turístico mundial.
Quando o lazer passou a ser olhado como complemento de uma actividade laboral com melhores resultados, houve um conjunto de países que imediatamente se lançaram na rentabilidade dos seus recursos naturais, na sua cultura, na gastronomia e na amenidade do seu clima como forma de aumentarem as suas fontes de receita e equilibrarem a balança comercial com países terceiros. A Espanha que dispunha de todos estes recursos, iniciou nos anos 60 uma agressiva campanha promocional, que associada a uma rigorosa regulamentação e aplicação legislativa continuada, um melhoramento de infra-estruturas de apoio, a um ciclópico esforço de construção de empreendimentos turísticos de boa qualidade e acima de tudo com a criação de muitas escolas médias e superiores de formação de técnicos de turismo, permitiu ser dos países onde a percentagem de importância no seu PIB, é das maiores do mundo, tudo na ordem entre os 8 a 11%.
Naturalmente que uma parte significativa da minha curiosidade, ia para o pavilhão de Angola, patrocinado pelo Ministério do Comércio e Turismo, e o que desde já importa realçar foi o ter encontrado um pavilhão mais calmo, com gente muito simpática e nos momentos de conversa que mantive achei que havia uma sintonia perfeita entre as minhas duvidas e expectativas, num quadro de algum realismo no futuro do turismo de Angola.
Em Madrid, achei o pavilhão de Angola ainda mais pobre, talvez iludido pelo facto dos termos de comparação serem maiores. Acho despiciendo que se continuem a utilizar referencias a fotos e cartazes, iguais às do CITA dos anos 60. A iconografia do turismo mudou, o marketing é diferente, e acho que deveria haver um cuidado acrescido ao dar uma visibilidade a um País como o nosso, que durante muito tempo foi notícia pelos piores motivos.
Saliento que esta é uma opinião subjectiva, e com propósitos construtivos, já que há pelo menos algo de muito bom, que não me canso de realçar, que é o factor humano, presente nesta FITUR 2009, gente muito boa e com enorme vontade de ver trabalho realizado.
Acho completamente descabido que continuemos a divulgar posters pouco vincados, com imagens dos megatéreos que enchem a baixa de Luanda de hoje, e que fazem fugir a sete pés alguém de bom gosto; a Welwitchia desenquadrada do seu habitat, e umas imagens de uns hotéis, que são iguais a qualquer edifício de classe média-baixa em qualquer parte do mundo.
Questionei-me a título de exemplo, ao relevo dado a um cartaz com a foto do Cristo-Rei que está no Lubango, que é uma cópia algo miserável do Cristo-Rei de Almada, que por sua vez é uma decalque pechisbeque do Cristo-Rei do Rio de Janeiro,;Aquele Cristo-Rei levará alguém a Angola? Tem de ser muito criteriosa a escolha, e talvez se chegue à conclusão que temos por ora pouca coisa de diferente para vender, que é disso que se trata quando se vai a um evento com estas características.
A presença de Angola neste tipo de eventos, merecerá um cuidado supletivo, mas antes de tudo temos de reflectir sobre que turismo queremos, que investimentos estamos disponíveis a fazer, que trabalho se há-de fazer na formação dos recursos humanos, e acima de tudo explicar às pessoas que se vão alterar hábitos comportamentais, e que vai haver assimetrias regionais, que devem ser percebidas e entendidas. Isto é um trabalho que tem de ser partilhado pelo Ministério da Cultura, Educação, Administração do Território, Interior, Ambiente e naturalmente o Comércio e Turismo.
Frases do tipo de que “daqui a dez anos Angola será um país de turismo” são fáceis de dizer, mas já não estou tão certo na sua materialização, enquanto o turismo não for encarado como uma industria, a do lazer, grande conquista dos trabalhadores no século XX, e objectivamente imporem-se regras, e uma enorme seriedade na captação de investimentos, e assumirem-se vontades de algumas mudanças de mentalidades e inerentemente comportamentais.
Tanto o que julgo saber este jornal, está a preparar um conjunto de conferencias sobre vários temas, que poderão ser estruturantes no quadro de desenvolvimento de Angola nos próximos dez anos, e também sei que um dos debates previstos será o turismo, pelo que a controvérsia pode começar a passar por aqui.

Fernando Pereira
14 /2/09

16 de fevereiro de 2009

O Senhor Cuca / Novo Jornal / Luanda / Ágora 13-02-09







Esta crónica de hoje pode parecer desfasada do tempo, mas acho-a pertinente, apesar de esperar críticas quanto à sua oportunidade. Achei que era um tema interessante, no quadro do reduzido espaço industrial angolano no tempo colonial, e sobretudo porque há uns quantos vivos e com boa memória, para falarem de um homem que foi o símbolo maior da industria na colónia.
Manuel Carvalho Brito das Vinhas nasce em Lisboa em 1920, e faleceu no Brasil em 1977, oriundo de uma família tradicionalmente ligada às bebidas nomeadamente aos vinhos, às águas engarrafadas e acima de tudo às cervejas.
É nesta actividade que Manuel Vinhas se implanta em Angola, criando o grupo Cuca, inicialmente ligada á lisboeta Fábrica Imperial de Cervejas, mas que para além das fábricas de cerveja Cuca em Luanda e no Huambo, vê o grupo alargar a sua intervenção para os refrigerantes, cápsulas, industria vidreira (em colaboração com Idelfonso Bordalo), agro-pecuária, transportes, comunicação social, imobiliário e numa determinada fase a entrada forte na Neográfica, editora da revista”Notícia” Entrou também no capital do” Comércio”de Luanda, algo que lhe terá custado alguns amargos de boca por parte da polícia política de Salazar, e também por parte de alguns sectores das autoridades coloniais, que gostavam pouco de alguma “liberdade”.
Recentemente surgiu nas livrarias um livro, editado pela “Oficina do Livro”, de Filipe Fernandes e Luis Villalobos, “Negócios Vigiados”, que mostra com algum detalhe as reservas por parte das autoridades coloniais às movimentações económicas, à actividade cívica, editorial e política de Manuel Vinhas.
O livro, que surge com documentação inédita, motivada pela abertura dos arquivos da PIDE-DGS, mostra que Manuel Vinhas foi um industrial que não se terá deixado enlear pelas panaceias do sistema colonial, tendo sido um crítico fervoroso, através de edições suas, nomeadamente a controversa “ Para um diálogo sobre Angola”, opúsculo retirado pela censura, em que Vinhas é “enxovalhado” publicamente no Diário de Notícias de Lisboa. Esse artigo, não assinado é um ror de acusações a Manuel Vinhas chamando-o de colaborador com os “terroristas” do MPLA e da UPA, chegando ao ponto de o colocar na incómoda situação,de dizer que o industrial ter-se-ia deslocado a Leopoldville para jantar com uma amiga declaradamente militante do “MPLA”. Porque foi uma carta muito dura, em anos de repressão violenta, o empresário pediu o direito de resposta, que lhe foi concedido no interior do jornal em 20 de Abril de 1963, em que ele rebate todos os pontos em que é visado no artigo em questão, sem contudo deixar de polvilhar pontualmente algumas críticas à forma como era conduzida a política colonial.
Manuel Vinhas, teria a concepção de uma independência do tipo Rodésia, isto pelo menos é o meu entendimento da leitura que fiz do livro, “Profissão Exilado”, editado pela Meridiano em 1976, com prefácio de Agostinho da Silva e posfácio do intrépido Luis Pacheco.
Para além dessa vertente de industrial, de homem de convicções, Manuel Vinhas foi um verdadeira mecenas das artes e letras portuguesas, pois apoiou Julio Pomar, Vespeira, Neves de Sousa, Mário Silva, entre muitos que então debutavam na difícil caminhada da pequena notoriedade nas artes, como apoiou Luis Pacheco, Acácio Barradas, Edite Soeiro, Ary dos Santos, Cesariny e o grande O’ Neill, só para falar de alguns das letras, a quem deu guarida na sua “Notícia”, pois todos eles tinham as portas completamente fechadas noutros locais, motivado por reservas do seu posicionamento político.
Peguei, para fazer este pequeno percurso sobre um homem que desmereceria ser ignorado, no quadro da industria e da comunicação social angolana, em vários livros, um dos quais do Henrique Guerra “Angola, Estruturas económicas e Sociais” de 1973, bem como o da Maria Belmira Martins, “Sociedade e Grupos em Portugal” de 1972.
Manuel Vinhas, não foi só o fundador da Cuca, foi provavelmente o primeiro a fazer perceber que os trabalhadores merecem ordenados compatíveis com as suas necessidades básicas, a criar condições para que tivessem acesso à cultura e ao desporto e que não fossem apenas números, e tratados ao jeito de qualquer Kleenex , do tipo usa e deita fora.
Em alguns casos, e nalgumas coisas, no nosso País fazia bem um Vinhas revisited!

Fernando Pereira

14 de fevereiro de 2009

Angola: Trincheira firme da revolução em África! / Ágora / Novo Jornal/ Luanda /21-2-09



Resolvi arrumar umas tralhas que cá vai havendo por casa, tentando que desta vez não me irritasse, e pegasse em parte das coisas que desarrumei e fosse colocar no lixo. Arrependo-me sempre mais tarde de o ter feito, porque nestas movimentações já se perderam verdadeiras pérolas.
Pego aqui numa bandeirinha, das que agitávamos aí nos anos 70 e 80,quando algum dignitário estrangeiro nos visitava, numa “manifestação espontânea”, assim do tipo “sábado vermelho” ou campanhas de “emulação socialista”, e vejo uma das frases mais extraordinárias dos nossos tempos revolucionários: “Antes morrermos todos que deixar passar o inimigo”. Esta frase é o máximo do kitschismo do léxico revolucionário. Assim do mesmo tipo, só esta: “Que importa que o inimigo ataque ao amanhecer se as FAPLAs não dormem.”
No ano de 1980 o slogan oficial era “Ano do Congresso Extraordinário do MPLA-Partido do Trabalho, e da Criação da Assembleia do Povo”, que precedeu o 1979 “Ano da Educação”e o de 1978, “Ano da Agricultura”. Em 1981 foi “o Ano da Disciplina e do Controlo”, e o em 1982, “Ano da Organização Económica e da Vigilância Popular” , 1983 o “Ano do Reforço da Organização” e por aí fora.
Frases do tipo “Somos independentes, Seremos socialistas”, “Mais Unidade, Melhor Organização, Maior Produção”, “No socialismo a agricultura é a base e a industria o factor decisivo”, ou “Fieis ao Presidente Neto lutemos pela independência económica” profusamente distribuídas em outdoors colocados pelo País , dentro do quadro geral do “Produzir para Resistir”.
Vem-me à memória, slogans que nos entusiasmavam num período em que muitos de nós tínhamos outras opções, e ainda hoje sentimos nostalgia de algumas do tipo: “Firmes nas trincheiras, decididos na produção”, “Estamos em guerra e cada cidadão é e deve sentir-se necessariamente um soldado”, frase do Presidente Agostinho Neto, de um discurso em que apelava para uma batalha generalizada pela mobilização de recursos humanos e materiais visando a defesa do território.
Continuando este artigo preguiçoso, recordo que “A disciplina é um factor determinante na vitória de toda a Revolução”,” Por cada combatente da liberdade que tomba mais aumenta a nossa raiva contra o inimigo invasor e imperialista”, e a quase trinta anos de distancia, estas e outras palavras de ordem fazem-nos recordar momentos imorredoiros na vida do debutar de um País.
Há várias palavras de ordem que foram mazinhas q.b, e uma delass sinceramente só me deixou descansado quando desapareceu, pois dizia isto apenas “A Produção liberta o homem”, e sinceramente associei sempre esta frase às palavras sinistras que encimavam a entrada do campo da morte de Aushwitz .
“A Luta Continua”, a “Vitória é Certa”, tem sido imagens de marca, depois de durante muitos anos terem acompanhado o “Viva o Poder Popular”, que começou a cair em desuso quando o fato de marca e a gravata, substituiu o interessante “safari”, mais adaptado aos rigores do clima, mas menos vistoso!
Como tudo isto foi decorrendo durante o período do “cinturão de FAPLA”, que era nem mais nem menos que o nome do peixe -espada , que a par do carapau frito, “personagens” emblemáticas e recorrentes de um determinado período de mingua da gastronomia angolana.
Um dia estava no Polo-Norte, uns dias antes de encerrar de vez, ali no prédio da Sonangol, e resolvi comer o carapau frito com arroz, que me dava direito a dois búlgaros de cerveja, tudo isto numa ponta do balcão, já que o snack bar não tinha mesas.
Ao meu lado estava um indivíduo, que dizia textualmente isto:” És um herói, os portugueses bazaram mas resististe, os sul-africanos foram e tu resististe, os zairenses fugiram e resististe, o socialismo científico instalou-se e tu resististe, és o único que nunca largou esta”trincheira firme da revolução em África”. Olhei para o lado para tentar ver com quem falava o meu companheiro ocasional de repasto, e vi que era um discurso para efectivamente um enorme resistente: O carapau que estava no prato, fritinho e emoldurado por um pastoso arroz branco.
Tempos bons, dos” 11 poemas em Novembro” do Manuel Rui Monteiro ,e do Zito, cozinheiro na casa do desportista, coordenador de célula do MPLA-PT nos Desportos, que me respondia às minhas duvidas sobre a implantação do socialismo em Angola, da seguinte forma: “Camarada Fernando Pereira, o nosso socialismo não é um socialismo qualquer, é diferente dos outros, é científico”!!!

Fernando Pereira

6 de fevereiro de 2009

DAR FUTURO AO PASSADO! / Ágora / Novo Jornal / Luanda 5-2-09



Presumo que muito em breve, nos escaparates das livrarias, vai surgir um livro de boas memórias do Dr. Eugénio Ferreira, com o título “Um cabouqueiro da angolanidade”.
Editada pelo “Campo das Letras” este trabalho de Eugénio Monteiro Ferreira (Eniuka) e Carlos Ferreira (Cassé) sobre o percurso de vida de seu pai como advogado, professor, dirigente associativo, interventor político, dinamizador cultural e como cidadão, é sobretudo um caminhar, com toda a honestidade, pela última metade do século XX em Angola.
Este trabalho, com fotos que mereciam melhor tratamento gráfico, é rica pela excelência da recolha documental, pela escolha do contexto dos assuntos descritos e merecedores dos maiores encómios pela escrita usada.
A obra é dividida por algumas vivencias na sua trajectória, fotografias, documentos diversos e uma miscelânea de opiniões, depoimentos, referências, correspondência variada, em síntese um acervo rigorosamente seleccionado, que nos consegue prender a uma personagem que foi um indiscutível “senador” da probidade, da liberdade, da cultura e do humanismo, num passado de uma Angola que teve visíveis transformações, em que Eugénio Ferreira foi protagonista de tomo.
O livro é feito de outros livros, que o Dr. Eugénio Ferreira foi publicando ao longo da sua vida, desde que em 1943 aporta a Angola, onde começa por trabalhar na Diamang, e de onde sai quando lhe é colocada a questão do casamento, já que ele queria desposar a mestiça Maria Áurea Monteiro, extremosa senhora, e “esse tipo de misturas não eram bem vistas pelos directores da companhia”. A opção foi óbvia, tendo em conta a sua formação humanista e o que lhe dizia o seu coração, prescindindo de um percurso profissional que lhe augurava enormes proventos, mas escolhendo a mãe dos seus filhos e a sua companheira até ao fim da vida.
Eugénio Ferreira foi dinamizador da Sociedade Cultural de Angola, onde ocupou o cargo de presidente da Direcção e da Assembleia Geral. Bobella Mota, Ilídio Machado, Mário António Fernandes de Oliveira, Viriato da Cruz, António Jacinto do Amaral Martins, Alfredo Margarido e outros, transformaram a Luanda dos anos quarenta e cinquenta no contexto cultural, através de concertos e audições de música, concursos literários, feiras do livro, saraus e conferencias, tudo olhado com desconfiança pelas autoridades locais, que viam este espaço como um verdadeiro viveiro de nacionalismos, justificadamente diga-se de passagem.
Neste contexto, o livro é muito útil para situar a sistematicamente ignorada Sociedade Cultural de Angola, no contexto da sociedade crioula de Luanda e no construir de uma consciência nacionalista por parte de muitos dos seus membros, frequentando-a simultaneamente com a Liga Africana e a Anangola.
O período que corresponde à eclosão do golpe militar de 25 de Abril de 1974 em Portugal, e a independência de Angola, é uma das partes seguramente mais importantes do livro, já que no contexto documental e de depoimentos diversos, “subverte “de forma verosímil, muito do que tem vindo a ser dito e escrito ao longo de décadas, com o intuito deliberado de fazer a história à medida das histórias e conveniências de uns quantos.
O Movimento Democrático de Angola, e o seu papel no dealbar dos dias do fim do Império, merecem uma detalhada atenção por parte dos autores, já que Eugénio Ferreira, foi o presidente desse primeiro movimento cívico a constituir-se em Angola, e surgiram sempre opiniões e versões díspares sobre o papel que o MDA teve na transição do poder colonial para a então RPAngola. Este livro traz alguma luz ao assunto, e talvez tenha reaberto uma nova frente para a memória futura da história de Angola.
Eugénio Ferreira foi uma pessoa serena, ponderada, nunca embarcou em demagogias, soube sempre manter à distância os poderes e as pessoas que aviltavam os seus valores. Sóbrio na sua vida quotidiana, era um homem imensamente culto, maçom como Aquilino Ribeiro, ligado à Seara Nova e Vértice, revistas onde se revelaram os nomes grandes do neo-realismo.
A Eugénio Ferreira foi-lhe outorgada a nacionalidade angolana pelo Dr. Agostinho Neto, o que terá sido a maior homenagem que Angola lhe podia ter feito, porque este ilustre causídico nunca se furtou de defender os injustiçados e os defensores da libertação do País.
Eugénio Ferreira, um verdadeiro cabouqueiro da angolanidade!
Fernando Pereira
26/01/09

30 de janeiro de 2009

Ganhar para o tabaco!/ Ágora / Novo Jornal / Luanda 30-01-09



A industria do tabaco foi a primeira de todas as industrias regulares de Angola.
Desembarca em Luanda José Jacinto Ferreira da Cruz , que já tinha enriquecido no Brasil na industria tabaqueira, tendo investido na primeira fábrica de tabacos de Angola, importando máquinas de Inglaterra, algum picado de Havana, e instalando-se numa casa alugada perto da Igreja dos Remédios.
Paralelamente a tudo isto, José Cruz, sabendo que na região de Golungo Alto havia uma excelente qualidade de Nicociana, planta do tabaco que se dá bem em todo o País, decidiu fazer aí uma plantação e simultaneamente estabelecer contactos com “fornecedores” locais, que consumiam um charuto artesanal de excelente qualidade, segundo relatos da época.
Consta-se também que no Bumbo, a 28 léguas do Namibe, para o interior havia uma extraordinária qualidade de tabaco, o que terá levado Henk Rink, mais tarde a fundar a Empresa de Tabacos da Huíla de efémera existência, por problemas com as autoridades coloniais.
Ainda sobre a qualidade do tabaco do Golungo Alto, há uma antiga referencia a uma “fábrica” em 1833, propriedade do soba local, Bango Aquitamba.
Um pouco lateralmente ao que aqui tem sido dito, o tabaco foi provavelmente dos mais cobiçados produtos ao longo de séculos, e causas de disputas acesas pelo seu fabrico e comercialização, tendo em conta que desde que passou a ser comercializado na Europa, qualquer poder político viu nele uma excelente forma de conseguir recursos financeiros regulares, à custa de impostos e resultados de concessões por períodos de tempo determinados.
Foi motivo de discussão na Revolução Francesa e levou à queda de alguns governos, pois a solução de “régie” que se impôs, era permeável a muitas influencias e subornos. Foi assim um pouco por toda a Europa e foi também de grande importância na queda da 1ª Republica portuguesa, já que Alfredo da Silva, dono da imperial CUF, tinha então sido preterido num contrato de concessão, tendo-lhe a ditadura atribuído a concessão, pelos serviços prestados a favor do golpe militar de 28 de Maio de 1926, nascendo então a “Tabaqueira”, depois ligada à SUT.
Voltando a Angola, assistimos em 1884 à compra por José Jacinto Cruz de um prédio virado para a Baía, actualmente em degradação acentuada, onde se instala uma fábrica a sério, onde trabalhavam trinta pessoas, com máquinas inovadoras de pique do tabaco, embaladoras, prensas, estufas e até uma tipografia para confeccionar as suas próprias embalagens.
Na enfadonha e provinciana Luanda desse tempo, este activo industrial não deixou de impressionar os comerciantes da urbe, que o destacaram para Presidente da Câmara, tendo sido ele a figurar no acto da inauguração dos trabalhos do Caminho de Ferro de Luanda e Ambaca (31 de Outubro de 1886), de que foi um dos promotores e entusiastas.
“Flor do Dande”, Picado “Holandez”, “Meio Forte”, “Repicado”, os charutos “Jacinto”, e uns cigarros sem nome vendidos em maços de 600g. Mais tarde apareceram o “Francês nº1”, “Estrella”, “São Rafael” e os “Hermínios” de boa memória.
A sua morte levou a uma situação de instabilidade, e o BNU exerceu uma hipoteca na fábrica, que depois de reaberta nas mãos de empresários da então Metrópole, deu origem à Sociedade Colonial de Tabacos (16 de Maio de 1916) e depois à FTU, que virou SUT até hoje, embora a “tabaquear “já noutro lugar.
Para além da FTU e da efémera empresa da Huíla, constituíram-se e continuaram a laborar a fábrica SITAL em Benguela, dos famosos Java, Baía e SL, e a ETA, empresa do industrial Ricardo Pires, conhecida pelo Coimbra e Senador.
A FTU, tinha o Swing, o universal AC, o Luanda e o Belmar, entre os famosos Francesinhos.
Para finalizar há uma história interessantemente do BELMAR, que quando apareceu, nos fins dos anos 60, foi-lhe logo colado a uma frase: Bairros Em Lisboa Mostram Angola Roubada!


Fernando Pereira
18/01/09

23 de janeiro de 2009

Efemerizando!!! / Ágora / Novo Jornal / Luanda 23-01-09



Em 15 de Janeiro de 1975, foi assinado entre o MPLA, UNITA e FNLA e Portugal o famigerado “Acordo do Alvor”, que Agostinho Neto sempre recordou como “Acordos da Penina”.
Gustavo Costa numa crónica recente neste hebdomadário, mostra alguma indignação por não terem sido chamadas “outras gentes” à partilha do poder na independência de 11 de Novembro de 1975.
È desnecessário estar aqui a refutar algumas das afirmações do Gustavo Costa, relativamente ao assunto, mas esqueceu-se do chamado “factor português” nas conversações, e a pressa de se resolver um problema que já vinha durando catorze anos, sem solução política e militar à vista.
As colónias sempre foram um factor de discussão abafada no quotidiano de Portugal e nos territórios por si ocupados, e procurava-se de todo, que toda a gente se fosse esquecendo delas, ou melhor que apenas uns quantos pudessem beneficiar.
Em 1931, no “Jornal” escreveu-se: “Para o futuro que antevejo para Portugal, as colónias não só não são precisas para nada como são um fardo”. Não foi preso o colunista porque era um beberrão, que as pessoas não davam grande crédito. Era Fernando Pessoa, provavelmente um dos maiores poetas da língua portuguesa.
Voltando a outros temas mais brandos, lembrei-me que Popeye fez oitenta anos. E. C. Segar criou este marinheiro, herói da BD e da “espinafrocracia americana”, que conseguiu que as mães americanas fizessem os seus filhos comer espinafres, aumentando o seu consumo, na ordem dos 30% na dieta alimentar dos estadunidenses.
A anoréctica Olívia Palito, sua eterna namorada, sempre disputada com o Brutus, um musculado de corpo e mente, de mau aspecto, que exigia a Popeye o recurso à dopagem: os espinafres.
As campanhas anti-tabágicas que já tinham obrigado o Lucky-Luke a alterar a sua imagem, obrigaram Popeye a largar o seu cachimbo, o que lhe terá retirado alguma piada, bem como refrear alguma da sua força, já que houve contestação por parte de pedopsiquiatras, sobre a violência de algumas das suas manifestações na tela.
Já que se fala em efemérides na BD, comemorou-se também recentemente os oitenta anos do primeiro aparecimento do famoso e controverso repórter “Tintin”.
O belga Hergé (Georges Prosper Remi (22 de maio 1907 - 3 de março 1983), o seu criador é um dos mais reputados da BD europeia, numa Bélgica de grande tradição na Banda Desenhada.
Independentemente da misoginia de Tintin, ou as sua discutida homosexualidade, uma das situações que me confunde é a sua extraordinária popularidade no Congo, pois a sua obra “Tintin no Congo” é eivada de um racismo, que de facto pode e deve ser considerado um dos livros de referencia no racismo, rivalizando num patamar de igualdade, com os filmes interpretados por Johnny Weissmuller, ou aquela versão esquisita da Agencia Portuguesa de Revistas do “Fantasma”, uma lusa criação do tipo “Homem Aranha” em plena selva equatorial, conhecido pelo “Duende que caminha”!!!
Já que hoje falei de tanta coisa diferente, porque não encerrar com algo que nada que tenha ver com o que já se escreveu: «Deixa-me falar-te sobre os muito ricos», disse um dia F. Scott Fitzgerald. «Eles são diferentes de ti e de mim.» Ao que Ernest Hemingway replicou: «Sim… Têm mais dinheiro.»!

Fernando Pereira
17/01/09

11 de janeiro de 2009

Há Livros e Livres!!! / Ágora / Novo Jornal /Luanda 9-01-09




Coincidindo com o fim do ano de 2008, acabei de ler um “tijolo” de perto de mil páginas, editado pela D. Quixote, de Jonatham Littel, “As Benevolentes”, livro que tenho vindo a citar nalgumas das minhas crónicas recentes.
Admito que foi um livro, que não me deixou indiferente, e a espaços criou-me mesmo sentimentos díspares e naturalmente confusos. É o primeiro livro que leio escrito por um dos “vencidos” da IIª guerra, e o que chega a ser pungente é a minúcia das descrições da brutalidade e das belezas nas envolvências, de alguém que passados estes anos todos está suficientemente bem consigo próprio, para nem hoje nem nunca ter pedido desculpa a quem quer que seja.
Em determinadas fases do livro, perplexamente reflectia sobre o que é que me levava a ler, uma descrição simultaneamente fria e também polvilhada de afectos mecânicos pontualmente. A verdade é que sem esforço lia, mas com o assumir, idiotamente diga-se de passagem, de algumas culpas perante os que levaram uma bala na nuca, ou que foram fuzilados perante os seus familiares, como o autor descreve com os pormenores mais sórdidos, mas também sem cupidez, cometendo todas as barbaridades por obrigação fundamentalmente, e na descrição com a convicção, que estava certo.
É também um livro da história do terceiro Reich, a sua esquizofrenia burocrática, que tentava esconder fraquezas, complexos e que servia objectivamente, para que nunca se permitisse que uma parca porção de duvida, pudesse em qualquer circunstancia, macular o discurso oficial fanatizado e com objectivos bem determinados, como tardiamente muitos deram infelizmente conta.
Saio da leitura das “Benevolentes” com mais taquicardia, e numa ou noutra descrição mentalmente nauseado, do que o autor, J. Littel, oficial das SS, que viveu calmamente até hoje para nos contar como foi do lado de Hitler, sem emoções, e com a convicção que era aquilo que tinha que se fazer, e nada havia para se arrepender.
Quem tiver oportunidade, leia o livro, nem que pontualmente chegue à varanda a encher o peito de ar, porque está perante uma obra imorredoira da literatura universal contemporânea.
No Natal, ou melhor no Dia da Família, como prefiro o 25 de Dezembro, recuperando uma designação, dos tempos em que Angola procurava a via para o socialismo científico, recebi um presente. Quem mo deu, fê-lo com o objectivo claro de me provocar, mas azar o seu, pois soube-me bem receber o livro do Jaime Nogueira Pinto, “Jogos Africanos”, editado pela “ Esfera dos Livros”, em Novembro de 2008.
Li-o, com um pouco mais de agrado do que tinha acontecido com outros dele, nomeadamente “A Direita e as Direitas”, editado pela Difel, numa altura em que ele, como eu ainda tinha muitas dioptrias nos óculos, em 1996, embora víssemos claramente que os caminhos que trilhávamos não era igual.
À medida que lia o livro do Nogueira Pinto, que o Ennes Ferreira, na sua ultima crónica do Expresso, compara com alguma piada e também com oportunidade, ao “Tintin no Congo” do belga Hergé, veio-me à memória os livros do Jorge Jardim e do Hugo Seia, para ficar por aqui.
O “Jogos Africanos”, é de facto um livro simpático para com a figura do Jaime Nogueira Pinto, e tenta não ser antipático com ninguém, o que só é uma virtude, por exemplo, para um dono de hotel e não para um politólogo, nova denominação no léxico da comunicação social, de umas pessoas sempre muito “bem informadas”, mas em que as coisas correm invariavelmente de forma contrária ao que comentaram.
Andou por muito lugar a recomendar paz e a apoiar líderes guerreiros para que se encomendasse a paz, sempre muito determinado nas suas convicções de homem de direita, temente a Deus, defensor do Império e grande defensor da paz e da ordem salazarista.
Já li o livro por vocês: Agradeçam-me, pois poupei-vos tempo!

Fernando Pereira
4/1/09

31 de dezembro de 2008

Cuba elevada a 50! / Novo Jornal / Luanda 31-12-08



No recente festival de cinema de Havana, um dos mais prestigiados eventos culturais da América latina, os filmes de Steven Sordebergh, “Che, el argentino” e “El guerrillero”, em que o actor porto-riquenho Benicio del Toro protagonizou a figura de Che Guevara, e em que Rodrigo Santoro faz de Raul de Castro, foram vibrantemente aplaudidos por uma assistência que durante cinco horas viu os filmes em exibição.
Estes dois filmes, tem um particular significado neste cinquentenário do fim da ditadura de Fulgencio Batista, pois conseguem fazer uma abordagem de Che Guevara, num contexto fora da iconografia do regime, e também distante da diabolização que os cubanos exilados nos EUA fazem de Ernesto, Fidel ou Raul. O Granma, jornal cubano, faz um elogio ao filme, o que de certa forma surpreende quem sempre se habituou à imagem estereotipada das figuras da revolução, “deificadas” nas paginas do diário controlado pelo Partido Comunista Cubano.
Ao invés, estes filmes foram objecto de repudio, assumindo alguma violência, por parte dos cubanos de Miami, que viram estas produções como uma “encomenda” por parte do regime para “branquear” estes 50 anos de poder dos “barbudos”.
Quando nasci, já Fidel de Castro lutava contra a ditadura cubana, um Fidel que poderia ter sido um brilhante advogado, idolatrado pelos cubanos como basquetebolista de eleição, educado em colégios de jesuítas, e filho de um galego com algum património, que contrastava com a maioria da população da ilha, miseravelmente paga numa agricultura que beneficiava as grandes companhias açucareiras estado-unidenses.
Para além das fotografias brilhantes da agencia Magnum, e de muitos filmes de televisões americanas, é na saga do Padrinho de Coppola, que ganhou o Óscar na sua versão I e II, que o projectado fim de ano de 1958, ganha uma dimensão universal, e que dá a imagem fiel do que era Cuba nessa altura, um prostíbulo e um casino gigante dos EUA, lugar onde se cruzavam todas as jogadas torpes do crime e do lucro fácil.
Em 1990, num filme de Sidney Pollack, “Havana”, Robert Redford, Lena Olin, Alan Arkin, recria-se a atmosfera desse “reveillon” estragado pela fuga de Batista e a consequente entrada dos “sobreviventes da Sierra Maestra” em Cuba, lideradas por Camilo Cienfuegos, que abre assim caminho à entrada triunfal de Che e Fidel em Havana, em 8 de Janeiro de 1959.
Pela generosidade dos seus protagonistas, pela afronta aos valores de uma América profundamente anti-comunista, muito marcada pela paranóia do Maccartismo, associadas às propostas inovadoras de democratização social e melhoria das condições de vida do povo cubano, a revolução cubana afirmou-se como o período mais marcante para as gerações do pós-guerra no mundo.
Ao longo de todo o meu processo de maturação política, os valores saídos da revolução cubana sempre me foram caros, embora pontualmente discorde de algumas decisões, que abastardaram motivações que na sua essência eram marcadamente solidárias e progressistas.
Não foi a revolução cubana, a aldeia gaulesa criada por Goscinny e Urdezo, nem Fidel e Che foram o Ásterix e Obélix das Caraíbas, porque a realidade é que os guerrilheiros que entraram em Havana naquele longínquo 1958/59, não estavam determinados a mais que devolverem dignidade a seu povo, como até confirmam os seus detratores como Arrabal, Rsendo Canto Hernandez, Guillermo Cabrera Infante, Zoé Valdés e outros.
Cuba foi o primeiro país no mundo que levou a cabo uma campanha de alfabetização generalizada, e conseguiu em cinquenta anos inverter as estatísticas de 87% de analfabetos, para uns residuais 5%, numero só possível em países com economia estabilizada. Desenvolveu um grande programa de saúde, o que lhe permite responder cabalmente à sua população, conseguindo também dar resposta a um numero crescente de solicitações de diferentes países, alguns dos quais a cantarem loas ao seu progresso continuado.
A “ operação Carlota”, que vai caindo no esquecimento dos angolanos, que convenhamos nunca foram muito pródigos em memória colectiva, foi um factor determinante para a independência da então Republica Popular de Angola, e consequente inversão de valores na parte austral do continente. Foi o início de uma ajuda massiva, que já vinha do tempo da luta armada, mas que alguns sectores da nossa sociedade vão desdenhando. Não defendo contudo, a presença cubana na Etiópia, já que a prática do regime de Hailé Mariam foi reprovável em todos os domínios.
Cinquenta anos depois, e socorrendo-me do livro de Ignacio Ramonet,” Fidel de Castro- Biografia a duas vozes”, editado pelo Campo das Letras, só me resta também ficar com as entrelinhas numa frase de Fidel: “ Será que as revoluções estão condenadas a afundarem-se ou será que os homens poderão fazer com que as revoluções se afundem?”
Se me perguntarem se Cuba foi o que sonhava ser algo tipo Utopia de “Thomas Morus”, acho que não, até porque há questões para que nunca obtive respostas óbvias como a existência da a pena de morte, o cercear das liberdades individuais, as prisões discricionárias, e fundamentalmente que me façam sustentar com objectividade a alegada irreversibilidade do socialismo.
Ao fim deste tempo, mantenho pela Cuba revolucionária um grande respeito, como também continuo a defender determinados valores que tem sido mote da revolução cubana, e quando recentemente a especulativa revista americana Forbes, disse que Fidel era a décima fortuna do mundo, e justificava tudo isso com os resultados das empresas estaduais cubanas, ele indignou-se e pediu provas, e nunca mais se falou no assunto, o que prova que Fidel ainda vai tendo a sua importância para os EUA. É algo incrível pois a dimensão, o estado de desenvolvimento, o circunstancialismo social deve ser pesado não numa comparação com os poderosos Estados Unidos, mas com o Haiti, Salvador, Costa Rica, Nicarágua, Panamá e por aí fora num mesmo contexto geográfico e económico.
Neste reveillon de 2008/9 digo que estes cinquenta anos valeram a pena, mesmo que Cuba entre em breve numa nova ordem de economia de mercado e também só mesmo de mercadoria, o que não é o melhor!

Fernando Pereira
29/12/08

24 de dezembro de 2008

Angola, os Brancos e a Independência/ Ágora/ Novo Jornal-Luanda 23/12/08



Desde há um mês que sabia, que o trabalho académico, de alguns anos, de Fernando Tavares Pimenta estava disponível nas livrarias, numa edição da magnífica “Biblioteca das Ciências Sociais”, da Editora Afrontamento.
A obra, “ Angola, os Brancos e a Independência” é o trabalho de tese de doutoramento em História e Civilização, apresentada em Florença em 2007, e surge no contexto de outros trabalhos, já aqui referidos, como os “Brancos de Angola- Autonomismo e Nacionalismo 1900/1961”, editado em 2005 pela Minerva /Coimbra, e outro em que revela a probidade intelectual de Adolfo Maria, no livro da Afrontamento “Angola no percurso de um Nacionalista” (2006).
Esta trabalho recente de Fernando Pimenta, é de um enorme rigor, numa bem conseguida recolha no campo documental e com recurso a muitos depoimentos de pessoas ideologicamente matizadas de forma diferenciada, o que lhe confere uma extraordinária verosimilhança.
Percorre todas as múltiplas tentativas emancipalistas ao longo do século XX, desde as que foram ocorrendo nos primeiros vinte anos do século, particularmente nas disputas entre as proeminentes associações corporativas de colonos de Luanda e do Sul de Angola, onde se destaca a de Benguela, situação que vai sendo repetida ao longo do século até ao eclodir da luta armada.
O colonialismo de Norton de Matos (sobre este assunto, saiu um recomendável livro de Maria Alexandre Dáskalos, editado pela Minerva, muito recentemente), a presença das lojas Maçónicas, as associações comerciais e industriais em determinados contextos de colonos mais arreigados a lutarem por um certo autonomismo, as relações com o clero, nomeadamente Manuel Alves da Cunha e o Cónego Manuel das Neves, a “fermentação” da FUA, a Sociedade Cultural de Angola, a Liga Africana, as edições Imbondeiro, foi tudo escalpelizado neste brilhante trabalho.
A presença de brancos, no contexto dos movimentos de libertação, onde a versão “comicieira” não coincidia com a praxis quotidiana na fase de luta, ou na fase de transição para a independência, merecem uma reflexão cuidada por parte do autor. Não deixa Fernando Pimenta de contextualizar alguns movimentos de brancos, que se foram sucedendo visando a rodezialização de Angola em diversos períodos, nomeadamente nos anos 60, e particularmente nos meses que se seguiram à eclosão do 25 de Abril de 1974 em Portugal.
Seria fastidioso, e provavelmente fautor de opiniões dispares, se viesse para aqui comentar o livro, como uma obra política de circunstancia. A realidade é que estamos perante uma obra académica, de um assunto que merece cuidado, e hoje com cada vez mais actualidade e necessidade de discussão, sustentada por factos concretos, e não por arrufos, êxtases ou oportunismos pontuais.
Este livro não especula, assenta em factos e não será alheio a circunstancia do autor, ser um jovem académico brilhante, nascido em 1980, português, sem relação alguma com África, e que fez uma opção clara no seu percurso de investigação.
Este caso, não é virgem no domínio da história e ciências sociais da língua portuguesa, onde encontramos jovens doutorados, ou investigadores como Cláudia Castelo., Valentim Alexandre e Margarida Calafate Ribeiro entre outros, que com a introdução de novas tecnologias na investigação, com a reabertura de arquivos diversos, e com a distancia física e emocional de acontecimentos, permitem dar-nos um olhar novo, e mais realista de um tempo que vivemos com muito entusiasmo, mas também por vezes com diminuída clarividência.
Ao Fernando Tavares Pimenta, como angolano, tenho de lhe agradecer este excelente contributo que dá ao meu País, porque de facto vem ajudar-nos a discutir identidades e olhares, que por vezes não estamos muito habituados, talvez por força de algo de extraordinário que temos, que é o de sermos sempre desenrascados perante o enrascanço quase permanente, mesmo no nosso convívio quotidiano “amargo e doce”.
Um livro a adquirir com carácter de prioridade.

Fernando Pereira
24/12/08

Ouvi dizer, que há países onde se gasta dinheiro para emagrecer!


Fazer um artigo sobre o ano que passou, por muito mau que o ano tivesse sido, é significativamente melhor que fazer um artigo sobre o ano que aí vem.
O ano de que estamos prestes a ver como passado, vai ser um ano cheio de efemérides daqui por uns anos, e cá estarei seguramente, para as referir se acaso algumas confirmarem, as mudanças prováveis de um futuro próximo.
Dando uma volta por Luanda, continuamos a assistir a mais um ano em que se fala de muita construção civil, mas não se consegue ler, ver ou ouvir em algum lado gente a falar de esgotos, seu tratamento e conservação. Sobre isto lembro-me da irritação de um amigo meu, que era presidente de câmara de uma cidade , que dizia que os “presidentes de junta só falam em enterrar dinheiro, pois pedem sempre esgotos”, ao que ele respondia, “peçam coisas cá para cima, coisas que se vejam, agora esgotos ninguém vê nem dá votos!”
Se conseguirmos que uma pequena parte dos projectos de arquitetura ousem ser construídos, a cidade só conseguirá ser mais feia e insalubre para a vista, e para o habitar das gentes. Continuou-se a imitar o desordenamento urbano colonial, construindo megatéreos envidraçados, verdadeiros atentados ao ambiente, já que nada tem a ver com as características do clima, e com a prodigalidade da exposição solar.
A manter-se o quadro de crise internacional dos fundos, algo que me faz sorrir, pois a maior parte da população mundial viveu sempre com os fundos das panelas vazios, vamos assistir a uma crise sem precedentes, pois tudo o que sucedeu, não foi nada que já nem tivesse acontecido noutras alturas, e sempre Angola se saiu mal desses períodos.
Se fosse nos tempos do “caminhar seguro para o socialismo”, teríamos que arranjar a sigla anual que emulasse as pessoas na “vitória na batalha da produção”, e atrever-me-ia a colocar o “Ano em que estivemos em parte nenhuma”, título de uma obra sobre a experiencia africana de Che Guevara, que poderá ser o que acontecerá a nível mundial no ano de 2009.
A eleição de Barak Obama nos EUAs, tem uma marca de extraordinária relevância no quadro das referencias para o futuro, num mundo onde o racismo tenderá a esbater-se, e a ser cada vez mais desejavelmente uma coisa para a antropologia estudar. Quanto à sua política tenho naturais reservas, pois apesar de algumas boas intenções não vejo meios e condições objectivas para alterar muito nuns EUA, que procuram com políticas diferenciadas, reabilitar a sua imagem de liberdade e de defesa dos direitos do homem, características basilares do seu quadro constitucional.
Vamos deixar 2008, com eleições feitas e em 2009 lá virão outras, que julgo não irão alterar o quadro geral da orientação política do País, e qualquer alteração a nível económico, será sempre ditada pelas vagas sucessivas da maré vazante das economias mundiais.
Escolhi para vos dizer até para o ano a foto do final de “Tempos Modernos”, um filme de Charlie Chaplin, que pode ser premonitório de alguns tempos que aí vem, e que é sobre tempos seguintes ao crash de 1929. Esta cena de Charlie Chaplin e Paulette Goddard no filme de 1936 (Modern Times) é uma das mais emblemáticas da história do cinema.

Fernando Pereira

17/12/08

Quando chegam os reis Magos?



Foi há uns anos na LAC que o meu amigo Orlando Rodrigues, quando confrontado com a pergunta sacramental, sobre o que desejava para os angolanos no Natal, ele terá dito que com os números alarmantes de HIV /SIDA, com a quantidade de desnutridos, com a insegurança, enfim com tudo que eram desgraças era difícil desejar um bom Natal às pessoas.
Óbviamente que o tempo passou, já que isto foi dito num contexto em que já se tinha medo do dia seguinte, em tempos que se dizia que a “Angola de hoje é melhor que a de amanhã e a de depois de amanhã será bem melhor que a de ontem”, mas prevalecem algumas realidades confrangedoras, que me inibem de ser um “natalista” optimista.
Eu não gosto do Natal, melhor não gosto do que comummente é designado pelo “espírito natalício”, um estado de espírito algo esquisito, em que todos sentem que devem fazer uma boa acção, ou um conjunto de boas acções, assim como os seguidores de Baden Powell vão tentando fazer uma vez por dia, como forma de catarse para expiar pecadilhos diversos, feitos durante o ano.
Sinceramente, eu gostava muito mais do “Dia da Família”, dos tempos de um socialismo a caminhar pesadamente para o científico, do que gosto da época do Natal, destes tempos de capitalismo emergentemente pujante e criativamente hipócrita.
Ver uma árvore decorada com enfeites na Assembleia Nacional, é o topo do kitsch que tem sido o quotidiano da Luanda actual, que curiosamente me mereciam comentários do mesmo tipo, que o escritor português António Lobo Antunes fez da sociedade luandense na antecâmara do finar do colonialismo, em livros como “Os cus de Judas”, “ as Naus” ou nas suas cartas de guerra no “D’ este viver aqui neste papel descripto”.
Lembro-me do Natal no Uíge, onde vivi a minha meninice, e recordo-me de ter em casa uma árvore de folhas postiças de plástico, polvilhada de algodão hidrófilo, a tentar ilustrar uma coisa que só muito mais tarde vi, que era a neve, com uma série de penduricalhos a imitarem anjos, camelos e reis magos. Parece que era hábito as coisas postiças, pois nos anos sessenta, uma das coisas que muito dinheiro deu a ganhar a Horácio Roque foram as cabeleiras, com que se passeavam as senhoras da burguesia colonial, nos sítios in da cidade ao tempo, o Clube Naval ou o Clube de Caçadores entre outros lugares badalados.
Podia mesmo continuar aqui a debitar mais um conjunto de argumentos, para mostrar que esta festa de solidariedade tem muito pouco, e que nem a figura do Pai-Natal obeso, com destacada proeminência ventral, contrariando todas as recomendações de nutricionistas e endocrinologistas, consegue transmitir a bonomia generalizada que se pretende da época.
O Pai-Natal, que secundarizou o vetusto “menino Jesus das palhinhas”, foi “usurpado” com grande eficácia para todas as partes envolvidas, a uma globalizada marca de refrigerantes e acabou por fazer entrar o “espírito de Natal” entre judeus, muçulmanos, budistas, agnósticos e por aí fora, ficando apenas para os católicos como S. Nicolau. Um bom negócio para todos!
Como indefectível adepto do FC do Porto e do 1º de Agosto, ouso encerrar um artigo sobre o Natal, com a provocação de que a semelhança entre o Benfica e o Pai Natal é que ambos são vermelhos, aparecem uma vez no ano e só os parvos acreditam neles.
Um Bom Natal a todos que gosto todos os dias!


Fernando Pereira

19 de dezembro de 2008

Jean Depara, percurso de um fotógrafo angolano./ Ágora/ Novo Jornal/ Luanda 19-12-08





Bilbao é provavelmente uma cidade que fica fora de quase todos os circuitos de referencia, para gentes com grande dinamismo para o negócio, para o ócio e acima de tudo para fazerem de beócios.
Faz agora um aninho, que aproveitei um périplo pelo País Basco, e tive oportunidade, melhor dizendo, criei a oportunidade, de ir ver a exposição 100% África no museu Guggenheim, essa verdadeira obra prima de Frank Gehry, que transformou a degradada zona, da decrépita industria metalo-mecânica de Bilbau, num espaço apelativa à modernidade e á fruição dos bilbaínos, em torno de um edificio que será uma obra imorredoira.
Durante seis meses, essa museu acolheu uma exposição de trinta e cinco artistas da África subsaariana que mostraram numa colectiva de artes-plásticas e fotografia, argumentos artísticos que os europeus nunca tinham visto em termos de um conjunto tão diversificado.
Neste edifício, onde acaba por ser difícil as pessoas alhearem-se do espaço criado, por muito que o revisitem, todo o 3º piso foi ocupado por esta exposição, que se deveu a Jean Pigozzi, um suíço, herdeiro dos patrões da Simca, com um misto de profissional e de diletante como fotógrafo, riquíssimo, e que desde 1989 com a colaboração do seu conservador André Magnin, tem adquirido em África tudo o que acha que valorize a sua colecção, que é já a maior colecção de arte contemporânea africana com um acervo de milhares de obras diversas.
Nesta exposição de 25 artistas, que a CAACART da Pigozzi Colection e o Guugenheim de Bilbao deram a conhecer, releva-se o facto de entre algumas obras de alguns desconhecidos, ou menos conhecidos, estarem trabalhos de Abu Bakarr Mansaray, (1970), da Serra Leoa, e Pascale Marthine Tayou (1967) dos Camarões e de Pathy Tshindele (1976) de Kinshasa. Notou-se contudo algum desiquilíbrio pois de Moçambique estava apenas Titos Mabota(1963), da África do Sul apenas Esther Mahlangu (1935) e ninguém de Angola.
Se nas artes plásticas não encontrámos nenhum angolano, já na fotografia encontrámos Jean Depara, que nasceu em 1928 em Kboklolo no norte de Angola, e chega a Kinshasa em 1951, cidade onde acidentalmente pega numa Adox e começa a fotografar, tendo deixado de o fazer apenas quando da sua morte em 1997, na cidade onde se casou e viveu desde o dealbar dos anos 50.
Depara nos trabalhos expostos, mostra a noite em Kinshasa e noutras cidades da RDC, onde há fotos notáveis das rumbas, cha-cha-chas, bem como muitos testemunhos de night-clubs, principalmente onde actuava o cantor “zairense” Franco, tendo nessa altura aberto o estúdio Jean Whisky Depara, onde até ao seu encerramento em 1989, a fotografia a preto e branco testemunhou três décadas da noite congolesa.
Paradoxalmente, as suas fotos só começaram a ser expostas na Europa e em África, depois da sua morte, quando Pigozzi comprou todo o seu acervo.
Era bom que em Angola pudessem ver uma exposição de Jean Depara, nem que fosse só com as fotos que vi no Guggenheim, pelo que creio que há-de haver vontade bastante, para que isso possa ser uma realidade em breve.
Para já o que posso dizer é que na Tate Modern em Londres, e até 31/3/09, Seydou Keitha do Mali tem uma exposição de fotos, que mostram um quotidiano interessante, polvilhado de gentes de Bamako.
Confesso que fiquei maravilhado com o que vi, naquela visita à referencia maior de Bilbao, que é uma das cidades europeias mais equilibradas arquitetónicamente dentro de um conceito de cidade de vale e montanha, e onde se tem desenvolvido ao longo de décadas propostas de urbanismo interessantíssimas.


Fernando Pereira
10/12/08

12 de dezembro de 2008

Cidadão de Luanda / Novo Jornal / Ágora / Luanda 12-12-08





Restam em Luanda muito poucas estátuas, peanhas ou bustos do tempo colonial, teimosamente permanece a de Manuel Alves da Cunha, no jardim fronteiro ao edifício onde funciona a Universidade Católica de Angola.
Monsenhor Alves da Cunha foi uma figura incontornável na sociedade angolana desde que desembarcou nas Portas do Mar em Dezembro de 1901. As Portas do Mar eram o local onde as barcaças atracavam, com os passageiros que vinham em navios que ficavam fundeados na baía, e que era precisamente em frente ao Rialto, ali no largo dos Correios.
Tendo falecido em 1947, Alves da Cunha foi bem a imagem das relações estreitas entre a política e a religião, nos primeiros cinquenta anos do século passado. O Dr. Cunha veio para Luanda como vigário geral de um bispo de nome António Gomes Cardoso, e à morte deste em 1904, foi sendo sucessivamente nomeado pelos bispos que se seguiram, que por contingências diversas permaneciam pouco tempo no lugar, já que quase todos iam morrendo, pois a cidade era lugubremente doentia para certas pessoas que vinham da então metrópole.
Monsenhor Alves da Cunha foi durante 46 anos, um verdadeiro florentino. Contava-se em Luanda, aí pelos anos 30 uma história em que o monsenhor saindo do Paço episcopal, na cidade alta, passava pela estátua de Salvador Correia e parava, olhava para o alto da peanha e dizia: “Oh, Salvador Correia, aqui em Angola só os dois é que não comemos!”.
Alves da Cunha combateu tenazmente a “escravatura”, e foi o dinamizador da presença de Angola, com uma representação valorosa na “ Exposição colonial do Porto” em 1935, onde expôs a sua valiosa exposição etnográfica.
A sua actividade mais relevante foi a criação do Liceu em 1919, uma velha aspiração das forças vivas da colónia, tendo movimentado muitos esforços para se iniciar nesse mesmo ano as aulas, tendo sido ele um dos professores iniciais, não exigindo qualquer contrapartida do seu trabalho.
Foi vereador e vogal da Comissão administrativa de Luanda, entre 1914 e 1936, uma vezes de forma mais ou menos participada, mas sempre empenhado. Foi com Alves da Cunha que se urbanizou a zona do Maculusso e se ordenaram alguns bairros operários, obviamente com a inerente estratificação racial, que o colonialismo sempre desenvolveu como forma de domínio. Foi nessa altura que se começaram a criar estruturas para a municipalização das águas, a construção do matadouro, que era no Kinaxixe, ao lado de um belo edifício dos serviços pecuários, que foi vítima da sanha do camartelo, algo que acontece de tempos a tempos na “nossa cidade capital”, como dizia o saudoso Francisco Simons.
No domínio do saneamento, começou a exigir a construção de fossas sépticas e começou a estrada que ligava junto ao mar, a Samba à baía. Equilibrou as finanças municipais e criou códigos de regulamentos, posturas e emolumentos exigentes.
Foi ele que dinamizou a construção da Igreja e missão de S. Paulo, e era provavelmente a pessoa com maior importância na cidade, a quem muitos se dirigiam para ver satisfeitas algumas das suas pretensões.
Obviamente, que uma personagem deste quilate, na Luanda eternamente mesquinha e nalguns aspectos pacóvia, as histórias sobre Manuel Alves da Cunha abundavam, e esta reflecte bem a importância e a bonomia do homem.: Um rapaz chega a Luanda sem recomendações, e em vão vai procurando emprego.Cansado senta-se na peanha do Salvador Correia, em frente ao Paço Episcopal, e passa um indivíduo que lhe pergunta de onde era; Ele disse que era perto de Aveiro e que queria um emprego, ao que o outro disse, a gozar, para escrever uma carta ao Salvador Correia. O rapaz assim fez, mas lembrou-se que não tinha pedido a direcção e resolveu ir ao sítio onde tinha estado, para perguntar a alguém a direcção da pessoa, que pelos vistos era muito conhecida na terra. Perguntou ao primeiro que viu, a direcção, ao que o interpelado, respondeu que era um tipo de barbas compridas e brancas, que todos os dias passava ali. Apareceu o sacerdote, que coincidia com a descrição, ao que o rapaz perguntou, se ele era Salvador Correia, a que Alves da Cunha disse, que sim, e depois de ler a carta, mandou-o ir no dia seguinte ao Paço, onde lhe indicou o governo geral, onde o empregaram como jardineiro, e lhe disseram que quem ele andava à procura tinha morrido há 360 anos.
Já agora, a estátua está sem algumas letras, pelo que se pede que coloquem as que faltam, ou se tiram as que estão, para que não seja a actual situação motivo de dichotes.
Fernando Pereira 12/12/08

5 de dezembro de 2008

História cruzada/ Ágora/ Novo Jornal/ Luanda 5-12-08



Tem sido recorrentes as queixas, principalmente de sectores desafectos ao MPLA , de serem relegadas para um quase anonimato, ou deturpações premeditadas, a participação de alguns elementos na luta de libertação de Angola, contra o colonialismo português.
Numa leitura cuidada do livro de Samuel Chiwale, “Cruzei-me com a história”, editado pela Sextante em Lisboa (Julho de 2008), fico com a ideia que estou perante o relato, de alguém que poderia dar uma contribuição significativa à luta armada, mas o que se vai revelando na autobiografia, é que há omissões, que talvez pudessem esclarecer “pecadilhos” do movimento/ partido de que o autor foi seu fundador.
“Cruzei-me com a história”, talvez seja um título demasiado pretensioso, tendo em conta o conteúdo do livro, em que o autor quer dar uma imagem de grande seriedade, e não duvido dela em qualquer circunstancia, mas que faz uma descrição de determinados factos, com uma enorme ingenuidade, que só se me ocorre dizer que há um grande “estampanço com a história em certos cruzamentos”.
Para além do que Samuel Chiwale manifesta do movimento anti-colonial em Angola e em África, associada ás circunstancias que o levaram com Savimbi à fundação da UNITA, mostra que não se conta tudo, pois com a difusão da informação, a abertura de processos confidenciais na PIDE e no Departamento de Estado Americano, levam a concluir que há algumas arestas que não são coincidentes.
Há uns tempos atrás li o livro de Alcides Sakala Simões, “Memórias de um guerrilheiro”, editado em 2006, pela D. Quixote, e achei um livro interessante, aqui e ali polvilhado com alguma imprecisão em termos de datas e que em circunstancia alguma põe em causa as decisões controversas de Savimbi, ao longo do tempo em que estiveram juntos.
Aqui estes livros coincidem, e Chivwale, que acompanhou Savimbi desde a fundação da UNITA, é pouco preciso na complacência como o movimento de Savimbi era visto pelas autoridades portuguesas, algumas cumplicidades que surgem referidas por generais portuguesas de ideologia radicalmente diferente, e também relatórios da PIDE /DGS, hoje tornados públicos, que só reafirma o que se vai sabendo há 35 anos pelo menos.
O autor omite alguns fuzilamentos, nomeadamente Tito Chigunji e Wilson Santos, os “autos de fé” e consequentes rituais sórdidos de queima de pessoas em fogueiras e até mesmo castigos corporais exercidos por Savimbi sobre proeminentes dirigentes da UNITA, alguns hoje referentes na estrutura política, militar e empresarial da Republica de Angola,.O próprio Chiwale, explica ainda que utilizando alguma condescendência, a forma como a BRINDE, lhe terá quase preparada a tumba, para além de outras formas ignóbeis com que foi tratado e que o levaram a um estado de degradação física e emocional a raiar o quase suicídio.
Por tudo isto, acho que se quiserem ser protagonistas da história de Angola, ou se querem que o líder, que revelava um indiscutível ascendente sobre os seus companheiros, passe a figurar nessa história com alguma relevância, devem em todas as circunstancias contar as verdades sobre omissões que se vão perpetuando, avolumando-se com o decorrer do tempo, e a ganharem contornos de exageros com o desaparecimento das testemunhas desses momentos.
Quando assim acontecer, então sim podem dizer e escrever:”Cruzei-me com a história”!

Fernando Pereira 1/12/08

Morreu Michel Laban – importante estudioso da literatura lusófona/ Novo Jornal/ Luanda 5/12/08






Há algum tempo que se aguardava este infeliz desenlace, pois Michel Laban já se encontrava doente há uns tempos, pelo que o seu falecimento em 25 de Novembro, não foi surpresa para ninguém.
Aos 62 anos, Michel Laban deixa a literatura africana de expressão oficial portuguesa mais pobre, com a sua morte em Paris.
Nascido na Argélia, em Constantine, formado pela universidade de Argel em literatura geral, e em Paris em espanhol e português. Foi professor de francês em Lima no Peru, de espanhol no Norte de França e a partir de 1974 é professor de português num liceu de Paris. A partir daí, começa a dar aulas de tradução na escola onde faz todo o seu percurso académico como professor de literatura africana de Expressão Portuguesa, na Universidade de Paris III.
Numa equipa da UNESCO, desloca-se a Angola inserido num programa de formação de professores do ensino secundário em Luanda e no Huambo, em 1977 e 1978.
Foi através de Luandino Vieira, que Michel Laban se começou a interessar e a divulgar a literatura africana de expressão portuguesa, pois em 1979 apresentou na Universidade de Paris IV, uma tese sobre “A obra literária de Luandino Vieira”, tendo traduzido para francês algumas das suas obras, iniciando-se com o “No Antigamente na Vida”, para a reputada editora Gallimard.
A primeira vez que tive contacto com ML, foi através de um trabalho das edições 70, de Maio de 1980, com o título “Luandino- José Luandino Vieira e a sua obra”, em que faz uma entrevista excelente, e que dá a conhecer facetas do Luandino que pouca gente conhecia, e através dele percursos de pessoas, que não aparecendo na primeira fila da historiografia presente de Angola, foram determinantes no êxito da sua luta, e irão certamente ter o lugar merecido, num contexto histórico futuro da independência do País.
Numa iniciativa notável, a Fundação Engº António Almeida, com a colaboração da Elf, da embaixada angolana na UNESCO, ao tempo como embaixador, o saudoso Domingos Van-Dunem e da UEA, sairam dois volumes com o título “Angola, Encontro com Escritores” (1991), em que Michel Laban faz uma entrevista ao conjunto dos mais importantes escritores angolanos, nascidos em toda a primeira metade do século XX.
Esta obra, há muito esgotada, é indispensavelmente uma das melhores fontes para todos os que se interessem pela literatura e história contemporânea de Angola, feita com uma seriedade partilhada entre Laban e os seus entrevistados.
A partir desta obra,ML partiu para outras obras do tipo “Encontro com escritores” englobando autores de Moçambique e Cabo Verde, trabalhos feitos entre 1991 e 1998.Atrevo-me a dizer que Michel Laban com este trabalho ombreia com o “Reino de Caliban” de Manuel Ferreira e “A Noite grávida dos punhais” de Mário Pinto de Andrade, que são as “selectas literárias” de dimensão maior da poesia africana de expressão oficial portuguesa.
Para além da direcção do departamento de literaturas africanas de expressão portuguesa na universidade de Paris III, Laban era tradutor de muito escritor lusófono, entre eles José Cardoso Pires, Germano de Almeida, Pepetela, Luis Bernardo Howana, Graciliano Ramos, para além do já citado Luandino.
A melhor homenagem que lhe pode ser feita nesta hora de desenlace, é esperar que se veja continuado o seu trabalho.

Fernando Pereira 1/12/08
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