16 de maio de 2008

INTERDIT D’INTERDIRE /Ágora / Novo Jornal Luanda





INTERDIT D’INTERDIRE
(Proibido proibir)
Paris, Maio 1968 (I)
Olhando a uma distancia de quarenta anos, é minha convicção que 1968 foi provavelmente o ano mais decisivo do século XX!
Foi o ano marcado pela contestação e pelo radicalismo, em que nada a partir daí ficou como dantes, e veja-se a título de exemplo uma estultice de Sarkosy, que diz alto e bom som que é preciso acabar com o que o Maio de 1968 trouxe à França, embora a sua recente ligação com a modelo Carla Bruni prove que o que ele disse se ficou pelas palavras.
1968 marca o início da contestação de rua à guerra do Vietname, o recrudescimento das actividades do Black Power e as consequentes irrupções de violência racial nos EUA, onde são assassinados Luther King e Bob Kennedy, inusitadas manifestações estudantis na Alemanha lideradas por Rudi Dutschke e a surpresa da crescente importância da Internacional Situacionista de Guy Debord, na França, foram alguns factores que surgiram num quadro muito generalizado de apelo à mudança, em que o ênfase maior é sem dúvida o Maio em Paris.
Num leste europeu, aparentemente “imune” a estas movimentações da “esquerda folcolórica” assiste-se no Abril, em Praga, o primeiro movimento tendente a reformar o regime socialista por dentro, no que vulgarmente ficou conhecido pela “Revolução de Veludo”. Dubcek tenta promover algumas alterações na Tchecoslováquia, no domínio das liberdades individuais. O movimento que ficou conhecido pela “Primavera de Praga”, foi reprimido em Agosto pelo exército soviético, o que trouxe clivagens profundas no movimento comunista internacional, admitindo-se mesmo que terá este incidente marcado o princípio do fim do leste europeu, enquanto espaço geopolítico.
No Vietname, em 1968 começou a ofensiva de Tet, decisiva na reviravolta na guerra, epílogo do domínio europeu e americano no sueste asiático. Richard Nixon, é empossado como presidente dos EUA, mantendo-se até que Watergate o obrigue a demitir-se passando por um vexame sem precedentes na história dos Estados Unidos.
Voltando a Paris, onde em 1789 eclodiu a rebelião que consagra os pilares fundamentais dos direitos do homem e do cidadão como “Igualdade, Liberdade, e Fraternidade” e vitória da primeira revolução burguesa na Europa. A Revolução Francesa é também o triunfo do iluminismo, enquanto filosofia, consagrada politicamente na “Magna Carta”saída da independência dos EUA em 1776.
Foi nessa mesma cidade que num outro Maio, mas em 1871, os trabalhadores tomaram o poder, no que se chamou a “Comuna de Paris”, que soçobrou às armas de MacMahon que chacinou 30.000 pessoas.
Paris é também a cidade emblemática na resistência ao ocupante nazi no dealbar dos anos 40 do século passado.

Alguem sabe que tuna é esta?


Esta foto é do Orfeon da Universidade de Luanda no dealbar dos anos 70!

Desta Tuna é que não sei rigorosamente nada...Haja quem dê umas dicas!

Antecipadamente grato
Fernando Pereira (Karipande)

15 de maio de 2008

Dias,Semanas, Anos...


Durante anos esta era a vista de Coimbra do meu quarto, fizesse chuva ou sol.Quando chegava à janela era esta a minha visão de Coimbra desde o dealbar dos 70...Já há muito que infelizmente larguei aquela janela virada para a torre, onde toca a velha cabra (ao fim da tarde) e o cabrão (logo de manhã).


Ó Coimbra do Mondego
e dos amores que eu lá tive
quem te não viu anda cego
quem te não ama não vive

Fernando Pereira

II Jogos da África Central/Pormenores da abertura



O meu cartão de identidade de coordenação dos 2ºs Jogos da àfrica Central em Luanda 1981


Jogos da África Central/ Delegação angolana no desfile!

Fotografias dos II Jogos da África Central/ Luanda/1981


Talvez por ter mencionado o trabalho da Sandra Roque no post anterior lembrei-me de começar a colocar fotos dos II Jogos da África Central realizados em Luanda...Começo por colocar a equipa de basquetebol representativa de Angola, com a Sandra, a Didi,a Guimarães,a Isabel Major,a Perpétua, e mais umas quantas que não me vem à lembradura.O Tonecas,o Sousa, o Barbosinha, o Miguel são outros de que me lembro!
Pode ser que com a ajuda de alguém eu lá vá e me lembre de todas!
Fernando Pereira

14 de maio de 2008

Recomendável e encomendável!

Sandra Roque and Alex Shankland, "Participation, mutation and political transition: new democratic spaces in peri-urban Angola," in _Spaces for change?: the politics of citizen participation in new democratic arenas_, ed. Andrea Cornwall and Vera Schattan P. Coelho (London: Zed Books, 2007)

De vez em quando vou à minha biblioteca!





SOBRE OS BEATLES


P'ra não dizer que não falei de flores!



Este tema de Geraldo Vandré...cantado no Maio de 1968 no Canecão!
Prá não dizer que não falei de flores
Geraldo Vandré
Composição: Geraldo Vandré



Caminhando e cantando
E seguindo a canção
Somos todos iguais
Braços dados ou não
Nas escolas, nas ruas
Campos, construções
Caminhando e cantando
E seguindo a canção...

Vem, vamos embora
Que esperar não é saber
Quem sabe faz a hora
Não espera acontecer...(2x)

Pelos campos há fome
Em grandes plantações
Pelas ruas marchando
Indecisos cordões
Ainda fazem da flor
Seu mais forte refrão
E acreditam nas flores
Vencendo o canhão...

Vem, vamos embora
Que esperar não é saber
Quem sabe faz a hora
Não espera acontecer...(2x)

Há soldados armados
Amados ou não
Quase todos perdidos
De armas na mão
Nos quartéis lhes ensinam
Uma antiga lição:
De morrer pela pátria
E viver sem razão...

Vem, vamos embora
Que esperar não é saber
Quem sabe faz a hora
Não espera acontecer...(2x)

Nas escolas, nas ruas
Campos, construções
Somos todos soldados
Armados ou não
Caminhando e cantando
E seguindo a canção
Somos todos iguais
Braços dados ou não...

Os amores na mente
As flores no chão
A certeza na frente
A história na mão
Caminhando e cantando
E seguindo a canção
Aprendendo e ensinando
Uma nova lição...

Vem, vamos embora
Que esperar não é saber
Quem sabe faz a hora
Não espera acontecer...(4x)


NOTÀVEL

Fernando Pereira

40 anos do Maio de 1968


Mas quero lá saber que o Sarkozy diga que tem de se enterrar o Maio de 1968! Continuo a gostar do movimento de rotura que foram esses dias de esperança naquela linda primavera das ruas de Paris!
Há pelo menos uma coisa que sei:Até há pouco tempo era-me indiferente que existisse o Senhor Bruni, mas sinceramente hoje acho que comecei a dar alguma importancia às idiotices que vai debitando...Porque há gente que até chegou a presidente da França.
Karipande

9 de maio de 2008

125 anos de José de Cluny /Novo Jornal/ 9 de Maio de 2008




Em Janeiro de 1883, aportaram a Landana, as primeiras religiosas das irmãs da Congregação das Irmãs de S. José de Cluny.
Foi o princípio de uma presença continuada de 125 anos de uma Congregação, iniciada em França, mais propriamente em 11 de Novembro de 1789, na esteira da vitória dos republicanos e jacobinos na revolução francesa.
A história da fundação desta Ordem, tem origem precisamente num episódio, relacionado com uma pretensa perseguição a membros do clero por parte dos republicanos franceses, o que leva a que a bretã Ana Maria Javouey, tenha feito voto para se dedicar ao missionarismo, tendo sido a sua primeira Madre Superiora.
Segundo o professor Martins dos Santos no seu excelente trabalho “Cultura, Educação e Ensino em Angola” diz a páginas tantas “No dia 15 de Maio de 1885, embarcaram em Lisboa, com destino a Angola, a bordo do vapor África, três religiosas de S. José de Cluny, que nos aparecem no documentos da época sob a designação de Irmãs Educadoras, por se dedicarem especialmente à obra educativa e às actividades escolares. Destinavam-se às colónias do planalto sul. O governador do distrito de Moçâmedes, Sebastião Nunes da Mata, empregou toda a sua influência para as reter na cidade, demovendo-as de se transferirem para o interior. Conseguiu os seus intentos e as religiosas estabeleceram-se ali, abrindo pouco depois a sua primeira escola. Segundo certas indicações que conseguimos obter, foi no dia 8 de Julho desse ano de 1885 que se fixaram em Moçâmedes. Foi a primeira povoação angolana a aproveitar-se da meritória acção das Irmãs Educadoras, se exceptuarmos a missão de Lândana, onde se estabeleceram em 1883, portanto dois anos mais cedo.”
Ainda se podia ler mais: “ No decorrer de 1897, chegaram a Angola algumas religiosas de S. José de Cluny, que se destinavam a Moçâmedes. O governador-geral António Duarte Ramada Curto, com o apoio de outros elementos de influência na cidade, instou com elas para se fixarem em Luanda. Desejava que abrissem uma escola, o que efectivamente fizeram; começou a funcionar no dia 1 de Dezembro desse ano, na Rua da Misericórdia.”
“Ainda a propósito dos referidos exames, o governador-geral Ramada Curto louvou, por portaria de 16 de Maio de 1900, as Irmãs Educadoras, nos termos seguintes: "Tendo eu confiado, em Dezembro de 1897, às Irmãs Educadoras, da Congregação de S. José de Cluny, a regência da cadeira de ensino primário, do sexo feminino, da cidade de Luanda, fechada por falta de alunas, e tendo presenciado o aumento sempre crescente do número de crianças matriculadas, vistas as informações prestadas com respeito à competência das professoras e aproveitamento das alunas, hei por conveniente louvar as Irmãs Educadoras, da referida congregação, que têm regido a escola, e em especial a superiora, Ir. Antónia Maria George, pelo zelo, competência e inteligência que têm demonstrado na regência da escola que lhes confiei". As Irmãs Educadoras agrupavam os seus alunos em cinco classes, conforme o seu adiantamento escolar. Por curiosidade, inserimos aqui o esquema do estudo ministrado: —Leitura, escrita e rudimentos de doutrina cristã; —Prática de ler, escrever e contar, e doutrina cristã; —Ler, escrever e contar, doutrina cristã e trabalhos manuais; —Gramática portuguesa, tabuada, aritmética, doutrina cristã e trabalhos manuais.”
Esta foi de uma forma sintética a relação das “madres” com a educação em Angola até à assinatura da Concordata de 10 de Julho de 1940, entre Portugal e a Santa Sé, onde se anexava o Acordo Missionário, que deu à Igreja Católica todas as facilidades e mordomias várias no ensino nas colónias, em detrimento de muitas outras confissões religiosas que ao tempo já trabalhavam na colónia, com algum empenho, tendo algumas sido perseguidas e os seus pastores e missionários presos ou expulsos dos territórios.
No fim dos anos 40, tendo em conta a exiguidade das instalações na Misericórdia, e com grande empenhamento do Monsenhor Alves da Cunha (aproveito para lembrar que parte das letras da peanha da sua estátua caíram, pelo que não seria mau que fossem lá colocadas de novo), foi-lhes dado um terreno na Rua do Kafako, que é nem mais nem menos que o nome muito antigo da rua que desemboca na Rua da Missão.
Ali se construiu um edifício de gosto revivalista-classizante, exemplar de “Arquitectura do Estado Novo”, vulgarmente conhecida pelo gosto “Português Suave”, que dada a sua volumetria, os seus portais, arcadas, frontões, torreões e pináculos é um edifício marcadamente matizado na paisagem urbana.
Desde 1953 até 1975, no colégio de S. José de Cluny em Luanda leccionou-se a raparigas desde a instrução primária até ao 5º ano do liceu, como era costume dizer-se ao tempo, em regime de externato, havendo também algumas alunas internas.
Esse edifício, que foi a seguir à Independência do País o Instituto Pré-Universitário de Luanda, foi entregue à Igreja Católica, aquando dos acordos entre o governo e o Papa Woityla, na sua passagem por Luanda no início dos anos 90.
Desse acordo, surgiu a possibilidade da instalação da Universidade Católica no edifício que sofreu para o efeito inúmeras obras de reparação e beneficiação.
No Huambo também foi criado no fim dos anos 50 um colégio com as características do de Luanda, também orientado pelas” irmãs de Cluny”, que para além destes colégios mais emblemáticos, tinham outros espalhados pelo território de Angola, como por exemplo em Cabinda, Namibe e Malange.
Muitas alunas passaram pelos colégios e internatos da “Congregação das Irmãs de S. José de Cluny”, o que não deixa de ser relevante em trabalhos futuros que se façam sobre o ensino em Angola, pois a sua presença durante 125 anos, perpetuou uma obra que merece cuidado respeito.

Fernando Pereira
7/05/07

Dar Asas à Memória IV/ Ágora/ Novo Jornal/ 9 de Maio 2008






Dar Asas à memória (IV)

É claro que no meio destes hotéis dos anos 50, ainda temos o “eterno” Hotel Globo, que convenhamos é um nome muito esquisito, e se bem me lembro do logótipo é a tromba de um elefante a pegar num globo, numa imitação afro-colonial do “Grande Ditador “ do Charlie Chaplin. O “Hotel Europa”, um nome muito adaptado à realidade(???), e que fica em frente ao Hotel Continental, e que era o hotel preferido das primeiras núpcias dos colonos que casavam por correspondência, e recebiam cada encomenda que alguém com comenda se queria livrar na “santa terrinha”; O bar no andar de baixo era o “arame farpado afiadíssimo” de tudo o que se passava na recepção, e convenhamos que as conversas não deviam ser sobre estética de poesia.
Havia ainda o Hotel Paris, que de hotel talvez tivesse apenas o nome e uma casa de banho privativa para o primeiro hóspede de dez quartos que a ocupasse, e que curiosamente é quase paredes meias com o Hotel Central, que rivalizava em qualidade. O Hotel Luso, que era uma casa cor de rosa engraçada , ali perto do Largo das Ingombotas, o Hotel Magestic, que era ali para os lados de S. Paulo e tinha muitas “limusines”de 15 toneladas à porta desde Pegasos, Bedfords, MANs,Fargos, Volvos, Mercedes, enfim muita “traseira” com encerado, e que tinha uma cervejaria anexa que era um local de grandes disputas de encanadores de “canhangulos”, uma medida de cerveja só disponível para os futuros “companheiros da cirrose”
Timidamente e com alguma “decência” lá foi aparecendo o Turismo e depois o Continental, mas isso já foi mais nos sessentas.
Este artigo é engraçado, começou com o aterrar no “Aeródromo Emílio de Carvalho” e no levantar no projecto do Keil do Amaral e do Simões de Carvalho do que foi o “Aeroporto Craveiro Lopes”, com um painel notável do Neves de Sousa no seu interior, e que é hoje o “Aeroporto 4 de Fevereiro”, com outro movimento, com outras gentes, com outros aviões, com outros pensares, mas às vezes com as mesmas ambições, o que é preocupante.
Como digo no início desta série de artigos, eu não conheci muitas destas coisas que falo com vida, mas ouvi e fui apreendendo. Quando passo nos locais, olho para as que ainda vão subsistindo, e lembro-me do que me foi contado sobre uma cidade, e vem-me à memória a saudade de um determinado futuro, que não passasse por deitar abaixo estruturas que foram poiso de outros ócios e outros negócios, mas que ainda fazem a alma da cidade a alguns.

Fernando Pereira 8/04/08

2 de maio de 2008

Dar Asas à Memória III/ Ágora/ Novo Jornal/ 18 Abril 2008






Dar Asas à memória (III)


Já que se fala de hotéis de Luanda dos anos 40 e 50, que tal lembrar o Miradouro, onde hoje é a sede da DNEFA, e que foi nos tempos do colonialismo a delegação da PIDE-DGS, de má memória a tanto angolano; É o que se chama o edifício de concepção errada, no local certo, e teria sido tão fácil faze-lo um hotel de referencia em Luanda, se tivessem tentado copiar as características fundamentais das características arquitectónicas da embaixada britânica ali mesmo ao lado, aliás um excelente exemplar de casa colonial vitoriana.
Nos anos 50 começaram a despontar na Luanda que prosperava, com a subida do preço dos produtos angolanos no mercado internacional, nomeadamente o café, um conjunto de empresários da hotelaria, ou melhor uns arrivistas que apostavam no ramo. O sobredimensionado Trigo, um espanhol, que aparece em Luanda e abre o Hotel Universo, ali na Rua Cirilo Conceição e Silva, em frente ao Nogueira Lda. (uma firma que era um império na RDC, e que começou por ter um barco-loja que subia e descia o rio Zaire sempre a vender e a reabastecer-se). Conheci este hotel muito bem pois foi meu poiso em miúdo, até vir viver para Luanda em 1963, e conheci muito bem o Trigo, que era de uma simpatia extrema, e que em determinada altura criou nas traseiras do seu “Universo” uma casa de fados, o “Pateo”, um nome castelhano para um local onde se cantava uma canção tipicamente portuguesa. Para além da casa de fados, o Trigo, abriu um night-club, que foi um excelente complemento para os negociantes do café selarem bons contratos, em que a líbido e o álcool, tantas vezes marado, proporcionavam excelentes mais-valias a muitos e quiçá a muitas, com a utilização frequente à velha “táctica do peru”.
Abre no inicio dos anos 50, na Avenida do Hospital (Av. da Assembleia Nacional), o “Hotel Angola”, estabelecimento de “elevada classe”, propriedade do Sr. Cunha, conhecido em Luanda pelo Cunha dos Caixões, pois era proprietário de uma funerária, a primeira já com algum “know-how” na matéria, como hoje é frequente dizer-se. O slogan, e creio que isto é quase má língua, é que com o aparecimento da funerária Cunha houve frases “tranquilizantes” e “edificantes” do tipo: “Agora já se pode morrer em Luanda” ou “ O Cunha trata de si na horizontal”, ou ainda “Vivo ou morto, Cunha ao seu serviço!”. Sem querer entrar muito em detalhes acho que é mais um paradoxo do sistema colonial, que é o “Cunha ter tanta importância na vida como na morte” e a mais sarcástica de todas “Cunha sempre consigo”.
O Hotel Angola, vivia paredes meias com a Pensão Sirius, e tinha umas varandas aprazíveis no rés do chão, um bar onde havia fados e uns dedilhadores de violas e guitarras, que tinham o condão de incomodar os hóspedes do hotel até às tantas da noite, quando toda a gente sabe que em Luanda o cedo erguer é quase desde tempos imorredoiros uma instituição, e a verdade é que praticava preços altíssimos, pouco compatíveis com a qualidade dos serviços prestados, já que os a prestar julgo que eram dispensáveis por todos!!!
Como os “hóspedes” da funerária reclamavam menos que os do “Hotel Angola”, e davam mais rendimento, o Cunha resolveu alienar o edifício para as instalações da Polícia Judiciária, que depois se transformou em DINIC, que ao passar para o edifício recentemente “colapsado”, deixou no seu lugar à Procuradoria Militar, actual proprietária do edifício, por sinal interessante do ponto de vista arquitectónico.

26 de abril de 2008

Dar Asas à Memória II/ Ágora/ Novo Jornal/ 18 Abril 2008



Dar Asas à memória (II)

Voltando à Luanda dos primeiros 50 anos do sec.xx, vem à “lembradura” dos mais velhos, a “horta do Raposo”, a “Casa dos Contos”, onde funcionou a repartição de Fazenda, a “Casa dos Lencastres”, e o “Palácio dos Fantasmas”, o mercado do “Kaponte” e ainda o tiro de canhão da fortaleza para dar o meio dia à cidade. O bairro do “Zangado”, o “Braga”, as marchas do “Kazecuta” ou a “Caxa Corneta”, marchas carnavalescas dos antigos, já não são nostalgias, porque quem as viveu, já quase não está cá para contar. A estação da cidade Alta, onde depois funcionou uma feira popular muito fraquinha, mas que foi onde pela primeira vez na vida ganhei uma resma de panelas, algo que nunca mais sucedeu. Sorte de principiante!
Este “folhetim”começou com o “Aeródromo Emílio de Carvalho”, e daí começámos a lembrar divagando e “devagarando” a Luanda de outras eras.
Essa “Linha Imperial” ao tempo fazia Lisboa a Luanda quase 31h, uma vez por semana, patindo o avião numa rota esquisitíssima por Leopoldville (Kinshassa),Elizabethville (Kissangany), Salisbury (Harare) e Lourenço Marques (Maputo), onde a tripulação descansava um dia e ei-los de volta pelos mesmos lugares até Lisboa, com uma paragem em Luanda de um dia e duas noites.
Inicialmente as tripulações ficaram no Hotel Avenida, ali na baixa, na Rua Sequeira Lukoki, e que segundo se dizia era “ o melhor de Luanda”, e em que os hóspedes reafirmavam que era um “hotel que reunia todas as carências e todos os factores negativos indesejáveis para um hotel condigno”.
Passaram depois pelo “Grande Hotel de Luanda” ali para os lados da Rua dos Mercadores, que está hoje em adiantado estado de degradação, e aqui lembro-me duma sala de jantar notável, com uns desenhos lindíssimos na parede de uma sala avarandada, que dava para um magnífico quintal com umas mesas debaixo de um caramanchão de buganvílias cor de rosa. Era de facto um excelente edifício, exemplar de um tempo em que se revelava algum bom gosto por parte de certa burguesia na capital.
Nesse tempo, ar condicionado só havia em edifícios governamentais, a luz ia e vinha, coisa que não faziam os mosquitos que vinham e ficavam, e nem os mosquiteiros aguentavam os seus assaltos. Era o tempo dos Petromax e das velas, que com a humidade deixavam um cheiro característico que incomodavam quem visitava Luanda, pela primeira vez.
No deambular por hotéis, os protagonistas destas aventuras, referenciavam ainda o “Atlantic Palace Hotel”, que era um edifício marcante, e que já foi abaixo, e que era um dos mais bonitos exemplares de “Arte Nova” em Luanda, ali na Rua Direita de Luanda (Muito mal chamada de Major Kanhangulo, pois era chamada de Rua Direita, porque foi a primeira “avenida” da urbe. Era rua direita porque todas as outras eram tortas). Esse hotel tinha uma varanda lindíssima, onde debaixo de uma pérgula de uma linda trepadeira, frente a um jardim de palmeiras, se tomava o melhor café de Luanda, segundo rezam as crónicas, e onde se congeminavam independências de Angola quase mensalmente, tendo sempre como factor de unidade a base do cálice de um qualquer cognac francês ou português de Gaia.

19 de abril de 2008

Dar Asas à Memória I/ Ágora/ Novo Jornal/ 18 Abril 2008




Dar Asas à memória (I)

Este artigo vai ser por episódios, por limitações inerentes à paginação do jornal, e porque resolvi dar uma volta a uma Luanda de outros tempos, que eu não vivi, mas que tento reproduzir de conversas que fui ouvindo ao longo de anos, em muitos lugares onde se passei e fui retendo imagens e sons para “memória futura”, que aqui tento reproduzir.
Começo pelo primeiro “aeroporto” de Luanda .Foi o “Aeródromo Emílio de Carvalho”, que teve inicialmente uma pista de aterragem de 600 metros, em macdame, que segundo diziam os aviadores dos Dakotas do fim dos anos 40, era apenas um lugar de “talvez”, pois eram imprevisíveis os resultados do aterrar ou levantar das aeronaves com segurança. Para além de ser uma pista “liliputeana”, havia o acrescido perigo com os buracos, não porque estivesse permanentemente esburacada, mas porque a pista teria sido construída sobre um antigo cemitério, o que permitia que não raras vezes o avião, ficasse com rodas do trem de aterragem dentro dessas covas com quase 2 metros de profundidade, o que naturalmente levantava problemas gravíssimos para a substituição pronta de peças.
Na “Linha Imperial”, nome que o general Humberto Delgado hiperbolicamente designou a rota aérea, pelas então colónias portuguesas em África, a TAP teve necessidade de passar a operar com o avião Skymaster, e houve necessidade de construir paralelamente á pista existente, uma outra de 1000m, em que este tipo de aviões pudesse operar sem grandes problemas.
Este “Aeródromo”, tinha as suas instalações no local onde hoje está instalada a Unidade Operativa Central dos Bombeiros, onde ainda se pode ver o que resta do hangar. A pista ocupava o terreno onde hoje se encontram alguns edifícios governamentais, escolas, pelo que o espaço aeroportuário era entre a Avenida Comandante Gika e a“Tourada”.
Era a cidade do “Comboio-bébé”, que percorria lentamente a marginal até à Igreja do Cabo, os “maximbombos” do Crista, o “batelão”, a loja do “Simão”, a tresandar a fuba, o “Catonho-Tonho”, vendilhão de anzóis, os gasolinas da “Carolina” nas “portas do mar”, a “Ponta da Mãe Isabel”, hoje Porto de Luanda, o Largo da Mutamba, com o seu caramanchão de buganvílias lilazes, a secular mulembeira, que albergava os táxis do “Costa Leite”, enfim dos tempos de uma cidade de salubridade duvidosa, pequenina, maneirinha e maldizente.
O coreto da Portugália com o Sambo a tocar, a lagoa do Kinaxixe, e a sua mulembeira, onde o velho Carmona tinha a sua máquina “a la minute”, que era nem mais nem menos que um balde, umas molas, um banco, uma corda, bem um equipamento que anos mais tarde foi substituído pela Polaroid, e que a digitalização arrumou em jeito de desforra desses fotógrafos que até fato e gravata tinham para fazer “o boneco”. Era a cidade das barrocas da “Companhia Indígena”, os “poços da Maianga, onde melhor era representada a estratificação social, pois havia o poço do rei, e a Maianga do Povo, mas que em determinada altura ambos esgotaram as suas reservas, dado o crescimento populacional da cidade. Hoje restam as ruínas no meio do casario, uma ali na subida do Catambor e outra na subida do Prenda.
De forma marginal, e aqui nas minhas confabulações com quem me lê, não deixa de ser para mim uma questão que pretendo ver desenvolvida, que é o facto de Luanda ser das poucas cidades capitais em África que não tem um rio no seu perímetro urbano!!!

13 de abril de 2008

A JOTA DOS RETORNADOS/ÁGORA/NOVO JORNAL













A Jota dos retornados

De uma penada, assistiu-se no panorama literário da escrita lusófona ao aparecimento da escrita da geração dos filhos dos que abandonaram Angola, vulgarmente conhecidos em Portugal pelos “Retornados”.
Li em pouco tempo um conjunto de dois livros, que estão em lugares de relevo nos escaparates das livrarias portuguesas:”Ultimo ano em Luanda” do Tiago Rebelo e “Os Retornados” do Júlio Magalhães.
O Tiago Rebelo, em termos literários para mim não era um desconhecido pois já tinha lido um seu romance, interessante num contexto de neófito da escrita, “O Tempo dos Amores Perfeitos”, em que a acção se desenrola no fim do século XIX, entre Luanda, Malange e a Lunda. Posso adiantar que o livro é prazenteiro, mas em certos aspectos deixa-se assemelhar a algo do tipo”Emílio Salgari em África”, na sua versão entusiasmante de Sandokan. Em relação ao seu mais recente livro sobre Luanda de 1975, é só um romance, adornado aqui e ali com umas pinceladas à Reis Ventura, misturadas com Pompílio da Cruz, João dos Reis, Mello Machado ou Valdemiro de Sousa, entre tantos outros escrevinhadores que resolveram escrever a esmo sobre “os malfadados Abril de 1974 e Novembro de 1975”!
“O Ultimo Ano em Luanda”, é um romance que fica muito aquém do seu primeiro trabalho, quer no discurso, quer na verosimilhança da história, e o repisar constantemente, que “os movimentos de libertação praticamente já tinham desaparecido”, é uma afirmação que dá vacuidade à tentativa de alinhamento com a história.
Numa análise breve ao livro “ Os Retornados”, posso afirmar que é um livro de histórias ouvidas, caldeadas, e no fim o que se pode dizer é que é um romance light sobre “indas e vidas”, mas também com enormes imprecisões, nos sucessivos contextos onde decorre a história do livro. O Júlio Magalhães é um excelente jornalista de um canal de televisão português, é plausível que continue a escrever, e certamente fascinado pela vivência da sua meninice em Luanda e no Lubango, irá fazer trabalhos que certamente poderão merecer mais encómios que este.
Estes livros, são escritos por duas pessoas que deixaram Angola num contexto complicado, mas acima de tudo embarcaram para outras paragens na puberdade, pelo que tudo o que escreveram, foi fruto do que foram ouvindo repetidamente em suas casas, e também no contexto das suas relações pessoais de então, associado a imagens algo desfocadas da infância.
O fascínio por África, tão presente na sociedade portuguesa de hoje, é um terreno fértil para o aparecimento destes romances, um pouco na esteira do sucesso do “Equador” do Miguel Sousa Tavares.
Convenhamos que estes romances enquadram em Angola, um pouco a sociedade do “Out of Africa”(!985),misturado com o “Dark of Sun”, traduzido para português pelo “Ultimo Comboio do Katanga”(1968).
Sem ser o meu género de leitura, posso afirmar que li de forma agradada, o livro do Júlio Magalhães, que recomendo sem qualquer reserva.
No contexto temporal dos romances citados, julgo oportuno recomendar a leitura do Ryszard Kapuscinski, no seu 1975-Angola/ Mais um dia de vida, recentemente reeditado pelo Campo das Letras em Portugal, que é o melhor livro sobre esse período que antecedeu a independência de Angola, opinião naturalmente subjectiva, mas amplamente partilhada.

Fernando Pereira 1/4/2008


4 de abril de 2008

SENHOR PATRIMÓNIO HISTÓRICO!/Ágora/Novo Jornal/4/0408







Aos 90 anos, o arquitecto Fernando Batalha revela uma lucidez inaudita, e continua a trabalhar de forma empenhadíssima num dos seus sete últimos trabalhos que tem preparados para serem editados.
Este homem viveu em Angola entre 1938 e 1983 (curiosa capicua), e continua a vivê-la em Portugal, sozinho, num quarto andar sem elevador, no meio de mapas, projectos, fotos, livros e milhares de documentos em páginas amarelecidas e na expectativa de ainda ver publicada o seu livro, “ As Povoações Históricas de Angola”, conforme confidenciou a Leonor Figueiredo do DN, em meados do pretérito ano.
O seu percurso confunde-se com quase todos os passados que deixaram património edificado em Angola, como pode ser atestado por inúmeros edifícios por todo o País. Para conseguir ser sintético q.b., cito a título de exemplo os projectos do Grande Hotel da Huíla, a Sé do Lubango, a reconstituição do palácio do governo, do “Grande Hotel de Angola”, o cinema Monumental em Benguela, o palácio do comércio no Lobito, o mercado municipal no Huambo, a escola da missão de São Paulo em Luanda e a administração do concelho do Uíge.
Foi um dos fundadores do ICOMOS (Angola), estrutura da UNESCO para a preservação dos monumentos e sítios, e foi um dos responsáveis pela recuperação da estrutura da antiga fábrica de metalurgia de “Nova Oeiras”, perto de Cassoalala, e que é o único exemplar de arqueologia industrial de Angola. Esta edificação foi uma pequena unidade de transformação de ferro, que surge em Angola, na esteira das estruturas industrias criadas por Marquês de Pombal no Brasil no fim do século XVIII.
Conseguiu que Massangano não fosse vítima das pilhagens dos comerciantes locais, que utilizavam para a construção das suas casas, as pedras aparelhadas dos edifícios da vila velha entretanto abandonada, promovendo algumas reedificações ainda visíveis, apesar do acentuado abandono que se tem verificado. A parte baixa do Dondo (a Manaus angolana, como alguém já se atreveu a chamar), símbolo de um florescente comércio da borracha, principalmente no século XIX, Cambambe, Muxima, forte de S. Fernando no Namibe, Igreja de Nossa Senhora do Pópulo em Benguela, alguns fortes de penetração em vários locais do País, alguns já desaparecidos pela erosão do tempo, foram alguns dos muitos trabalhos deste “Senhor Património Histórico”.
Em Luanda a ele se deve a existência de alguns edifícios, embora muitíssimo degradados. O edifício onde se encontra o Museu de Antropologia, foi recuperado pela então Diamang, com a colaboração do arquitecto Batalha, e é hoje um dos excelentes exemplares de uma casa senhorial colonial dos séculos XVIII e XIX, que merece ser olhado no meio de tanta insalubridade visual em altura e superfície na vizinhança.
O trabalho feito em torno destes edifícios e monumentos estão bem ilustrados e explicados no livro editado pela Vega, Angola/ Arquitectura e História, uma obra de grande honestidade e reveladora de enorme talento e sensibilidade para com legados que importa preservar.

28 de março de 2008

Houve fogo sem fumo/Ágora/ Novo Jornal-28/03/08








Houve fumo sem fogo!



Hoje, vou fazer uma homenagem a uma verdadeira instituição desaparecida na penumbra difusa da globalização. Pode parecer paradoxal, e quiçá mesmo socialmente desenquadrado, mas estou a falar dos cigarros Hermínios.
Verdadeiro decano dos tabacos angolanos, o Hermínios, nasce em 31 de Outubro de 1886, precisamente no dia da inauguração do Caminho-de-ferro de Luanda e Ambaca, e era vendido numa caixinha azul preta e vermelha a $390 cada maço. Partilhava com maços com nomes interessantes como Natália, Orientais, Presidentes, Pérola, Sultana, Jacintos, Francês nº 1 entre outros.
A partir de 1928, começaram a surgir por imperativos da concorrência (Ricardo Pires instala a ETA), novas marcas, e só mesmo o Hermínios resiste, ainda que com nova “roupagem”, a mesma que se manteve até aos quase dias de hoje. Macedónia, Rey, Estrellas, Alerta, e o Swing vão aparecendo, já como tabaco claro, o que leva a uma quebra do consumo dos Hermínios a partir de 1935. É engraçado que a marca Caricocos, surge como homenagem à firma Diogo e Companhia, empresa que ficava ali ao pé da Biker, nome porque era conhecida pelas populações do mato, na sua tentacular distribuição comercial, pela então colónia de Angola, nomeadamente no Norte.
Fui um fumador inveterado, e os Hermínios foram os cigarros que mais saudades me deixaram, mas digo-o quase off-record.
Digo sem rebuço que estes cigarros marcaram a história do século XX angolano.
Quem me ousa ler com regularidade, deve estar a dizer que ensandeci de vez, pois coloco os Hermínios num pedestal que ninguém ousaria sequer lembrar-se, mas a realidade é que assistiram a toda a história do sec. XX de Angola
Os Hermínios sobreviveram ao desastroso governo do “Rhodes” à portuguesa, Norton de Matos. Assistiu ao governo de Filomeno da Câmara e à implantação do tenebroso Acto Colonial, instrumento jurídico-administrativo que colocou os angolanos ao nível da escravatura. Manteve-se de chama acesa quando começou a contestação à ditadura Salazarenta e ao colonialismo do fim da 2ª Grande Guerra.
Foi com o seu aroma inigualável que se criaram tertúlias literárias, grupos de acção, movimentos de libertação, e foi também o primeiro cigarro que muitos ousámos fumar no desafio a penates, porque era provavelmente o mais parecido com aquela drogazinha inofensiva chamada marijuana. Sentíamo-nos de peito feito, quase mesmo a rebentar, pois era um cigarro que compartilhava personalidade.
O seu design era branco (pouco), azul-escuro (muito), vermelho (quanto baste) e manteve-se desde os anos 30 ao fim do século XX, com a mesma embalagem e com um leão de juba enorme, que parecia que todas as semanas ia a uma permanente num qualquer cabeleireiro do burgo.
Foi o verdadeiro símbolo da Angola independente, pois apesar de ser um cigarro com alguma utilização interclassista, era acima de tudo um tabaco afirmativo como rebeldia. Ninguém ousava ver um ex-colono ou candidato a futuro empresário, travestido de revolucionário fumar Hermínios; Fumava invariavelmente AC, Coimbra, Baia, Delta ou SL, e quando começou a epopeia do mercado voltou ao Marlboro, e se os negócios começassem a correr bem, faziam a única concessão conhecida aos cubanos, que era fumar Cohiba ou Monte Cristo.
Havia uns quantos que fumavam cachimbo, e o Ouro Preto foi-se mantendo, até a economia dar a maior importância ao ouro negro e as pessoas aconselhadas a fazer um check-up light q.b., passaram a deixar de fumar para poderem usufruir, e talvez fruir de muitos negócios, onde se pede que se atire muito fumo para certos olhos, e desejavelmente para certos olhares.
Desvou continuar a fazer a minha campanha pelos Hermínios, e guardo religiosamente um maço, que tanto me custou não fumar, mas quando olho para ele, sem comendas e recomendas, e vejo o preço do tempo em que o Kwanza era um rio com poucas barragens e com margens mais libertas, apetece-me mesmo continuar a quase idolatrá-lo.

Fernando Pereira
21/3/2008

22 de março de 2008

ANOS INQUIETOS/ Ágora/ Novo Jornal/ Angola




ANOS INQUIETOS


“Salazar tem um cancro, coitado do cancro” ou “Cancro, cumpre a tua função” eram das frases que iam correndo nas latadas da Coimbra de 1969.
Sei que alguns que vão ler este artigo, participaram de forma empenhada no movimento de contestação que irrompeu no ano de 1969, um pouco como reflexo do movimento estudantil de Maio de 1968 em Paris.
Para escrever sobre esses tempos, e fundamentalmente falar de angolanos em actividades nas crises académicas de 62 e 69 em Portugal, tive de reunir um conjunto de livros, com documentos e depoimentos, que me permitissem aqui escrever qualquer coisinha.
Sem querer ser muito exaustivo a justificar a bibliografia consultada, começo pelo livro “Anos Inquietos” de Manuela Cruzeiro e Rui Bebiano;”Anos Decisivos” do malogrado César Oliveira;”Grandes Planos” de Gabriela Lourenço, Jorge Costa e Paulo Pena;”Maio de 1968, trinta anos depois” de Maria Cândida Proença e Celso Cruzeiro em “Coimbra 1969”.
Porque foi o mais próximo, o já distante 17 de Abril de 1969, foi a ultima grande iniciativa estudantil de vulto contra o estado colonial-fascista.
Não vou falar das muitas razões dos movimentos estudantis, mas importa referir que serviram para solidificar grandes cumplicidades, e acima de tudo criar um forte sentimento de vontade de mudar o status quo prevalecente, que no caso dos angolanos engajados, era a luta pela emancipação e independência da sua terra.
Não vou recuar aos anos de 1962 onde os angolanos José Bernardino. João Nobre, Humberto Traça e Rui Pereira, entre outros, foram presos pela PIDE e seviciados, tendo como única acusação a “participação em associações de terroristas”., quando de facto foram detidos pelo simples crime de “delito de consciência”.
Sobre Coimbra/1969, apoio-me em depoimentos de pessoas conhecidas e também num livro recente de Teresa Carreiro: “Viver numa Republica de Estudantes em Coimbra 1960-70”, que de certa forma dá uma imagem do que foram esses “Anos inquietos”.
Entre vários nomes, que vamos aqui e ali encontrando em referencias múltiplas, com participação contextualizada no combate pela democraticidade do ensino, pelo fim da guerra colonial e consequente independência das colónias, encontramos nomes que hoje são pessoas do nosso quotidiano, outros que fazem parte da nossa memória, porque fisicamente já desapareceram, e outros que optaram por outras paragens, o que não quer dizer que tivessem optado por outras “aragens”.
Nesses anos Roberto Leal Ramos Monteiro (Ngongo), Saraiva de Carvalho (Tetembwa),Luis Filipe Pizarro(Nene),Orlando Rodrigues, To-Ze Miranda, Garcia Neto, Fernando Sabrosa, Fernando Martinho, Décio de Sousa, Carlos Batista, Luis Colaço, Gil Ferreira, Helder Neto, Eurico Gonçalves, Balonas, Manuel Rui Monteiro e tantos outros, foram determinantes num movimento que gerou sinergias importantes para um auspicioso futuro, que se revelou ao fim de pouco mais de um lustro.
Gostava de poder falar do “Kimbo dos Sobas”, dos “Mil-e-onários” e dos “Solares” que angolanos fundaram e onde viveram em Coimbra, com histórias que não devem ficar no cantamento de uns poucos para encantamento de uns quantos mais.
Há tempos que foram memória e tem de ser contados pelas pessoas que as viveram, enquanto a outra memória não desaparece.
PS: O meu texto, neste numero, seria sobre o livro de Cláudia Castelo, “Passagem para África”, um excelente livro diga-se de passagem. Acontece que tive o prazer de ler o comentário do António Melo, na magnífica “África 21” de Fevereiro, e só fiz o mais fácil, mas também o mais coerente: Assinei por baixo e naturalmente recomendo o comentário, e obviamente o livro.

Fernando Pereira 15 /3/2008

15 de março de 2008

Geração Africana IV/Ágora/Novo Jornal/Luanda





A GERAÇÂO AFRICANA (IV)

António Veloso, fez o projecto para a fábrica da Jomar, na estrada da Cuca (N’Gola Kiluange), e ainda alguns edifícios na Marginal, em terrenos divididos por vários proprietários oriundos do norte de Portugal, que entregaram essas obras aos seus “conterrâneos”, numa óptica regionalista, pois os arquitectos escolhidos, eram todos da Escola Superior de Belas Artes do Porto (Januário Godinho, Vieira da Costa, Adalberto Dias, Pereira da Costa, Pinto da Cunha e claro, António Veloso).
O arquitecto Jorge Chaves projectou a Fosforeira Angola e uma fábrica de tubos em 1958, e a estação de tratamento de Águas na Comandante Gika.
O BCA, obra “emblemática” na baixa da cidade, é da autoria de Januário Godinho, e a título de curiosidade refira-se que o projecto do Banco de Angola é do arquitecto Vasco Regaleira, que como Paulo Cunha (que fez o trabalho da zona do Porto de Luanda e largo fronteiro) não podem ser considerados “geração africana” pois nunca residiram, ou trabalharam continuadamente em Angola.
Há ainda alguns trabalhos do arquitecto Troufa Real, salientando entre várias, o projecto de uma dependência bancária no Largo da Maianga.
Para finalizar esta volta pela “Geração Africana” de arquitectos portugueses que trabalharam em Angola, seria injusto omitir o arquitecto Fernando Batalha, o único que em determinada época trabalhou na preservação do património, e do seu livro “ A arquitectura em Angola” falaremos noutra oportunidade. Este é um assunto da maior pertinência vir a ser aflorado, nos tempos mais próximos, tendo em conta a voracidade com que alguns interesses instalados se manifestam pelo “abate” de edifícios, que são indissociáveis do crescimento histórico sustentado da cidade, em determinados períodos da sua história de séculos.
Este livro do arquitecto José Manuel Fernandes, foi a única ajuda que tive para falar destes arquitectos, que marcaram a paisagem urbana da cidade de Luanda, num período de grande disponibilidade por parte de agentes económicos, para que a criatividade destes homens conseguisse possibilitar que todos nós usufruamos, nem que seja apenas em termos estéticos, de obras que afinal eram referenciáveis no domínio da arquitectura.
Não pretendi fazer juízos de valor, assentes em critérios técnicos de arquitectura, pois não tenho conhecimento para isso, mas acima de tudo aproveitei para apresentar um livro que senti que me obrigou a ver alguns edifícios na nossa cidade com outra atenção, e com outro olhar.


Fernando Pereira
14/3/08

10 de março de 2008

Geração Africana/ Ágora/ Novo Jornal/ III






A GERAÇÃO AFRICANA (III)


António Nunes e Silva Campino (1917-1997) teve como tese final do curso de arquitectura em Lisboa, o “Arranjo Turístico para a Ilha de Luanda”. Conhecido pela sua rectidão e probidade profissional ,foi um dos muitos arquitectos que teve muitos problemas com o regime da ditadura, e manteve-se em Angola até 1990.Entre as suas obras de referencia em Luanda temos o Prédio do Totobola, o edifício Auto-Avenida, ambos na baixa, o Comando Naval de Luanda e o edifício do actual hotel Meridian. Há uma história interessante deste arquitecto, que viu o seu 1º lugar no concurso do projecto da Sagrada Família, ser considerado pelo bispo de Luanda (D. Moisés Alves de Pinho) “muito arrojado”, e ter sido edificada a igreja no formato que conhecemos, em função do projecto classificado em 2º lugar.
Fernão Lopes Simões de Carvalho, nasce em Luanda em 1929, estuda no Salvador Correia e conclui o curso de arquitectura em Lisboa (1955). Para além de chefe do Gabinete de Urbanização da Câmara de Luanda, é professor no Liceu e desenvolve múltiplas actividades no sector privado. É seu o projecto do plano de urbanização do Futungo de Belas. Elaborou com uma equipa de arquitectos (António Campino, Domingos Silva, Luis Traquelim da Cruz, Fernando Alfredo Pereira, Rosas da Silva, Vasco Morais Soares ) o Plano Director de Luanda (1961-62). São projectos seus, ou em colaboração com colegas, os Bairros de Pescadores da Ilha de Luanda, o mercado do Kaputo, a capela e conjunto assistencial no Bairro do Kazenga, os blocos da PRECOL no bairro do Prenda, o edifício da RNA, a fábrica de refrigerantes Sofanco e ainda a colaboração com Keil do Amaral no projecto do aeroporto de Luanda.
João Garcia de Castilho (1915-), que com o seus irmãos Luis e Serafim, ambos arquitectos, constituíram com outros três irmãos (dos quais um engenheiro) uma empresa de arquitectura, engenharia e construção, sedeada em Luanda. Privei com alguns membros desta família, e sei das dificuldades que todos os Castilhos, tiveram para conseguir trabalhar no Portugal salazarista, pois o seu pai era um agricultor médio da Beira Alta, mas de fortes convicções republicanas, agravado por ligações de alguns membros do clã ao MUD. A aposta em Angola, acabou por ser a única alternativa de trabalho que tiveram, começando a ganhar alguma notoriedade com o edifício que hoje é da Sonangol (e que em tempos era conhecido, pelo edifício Carvalho e Freitas, na Mutamba) e é um dos melhores exemplares da arquitectura corbusiana em Luanda, e aparece de forma destacada, desde 1951, em revistas técnicas de arquitectura. São da sua autoria, em colaboração com o seu irmão Luis, o “Restauração”, onde actualmente funciona a Assembleia Nacional de Angola, o Cine-Esplanada Miramar, o edifício da União Comercial de Automóveis, a Casa Americana (onde funciona a ULA),o cinema Avis (Karl Marx- depois adulterada a sua estrutura), o edifício Cristália, na Rua da Missão, o Edifício Coqueiros, o edifício do Idelfonso Bordalo o da Companhia Nacional de Navegação, ambos na Marginal, bem como diversas habitações.


(CONTINUA)

Fernando Pereira 7/3/08

4 de março de 2008

Geração Africana/ Ágora/ Novo Jornal/ II







A GERAÇÃO AFRICANA (II)

Vasco Vieira da Costa, nasceu em Aveiro em 1911 e fixa-se em Luanda em 1960, tendo ido para o Porto em 1982, uns meses antes da sua morte. Com uma pequena participação na Exposição-Feira de Angola em 1938, o seu arranque dá-se com o projecto do Mercado do Kinaxixe (1950-52) na Praça do Kinaxixe (1953), construído pela firma “Castilhos”, um Bloco para os Servidores do Estado, na Rua Amílcar Cabral (Set Obres Modernes…1996), o conjunto pavilhonar, ainda que incompleto do Laboratório de Engenharia de Angola. São de sua autoria,o edifício da Diamang na Rua Lopes Lima, o prédio da Versalles, na Av. Rainha Ginga, o notável edifício do ministério das Obras Publicas, vulgarmente conhecido por edifício Mutamba (1968-69), com uma forte componente corbusiana, principalmente nas grelhagens, a Escola Inglesa (Futungo de Belas), a Guedal (oficina e stand),a torre Secil e a Câmara dos Despachantes na 4 de Fevereiro, a Anangola e ainda a fábrica da Fabimor. Houve muitos outros trabalhos que ele deixou em Luanda, de assinalável qualidade estética e de enorme versatilidade na sua funcionalidade. Vieira da Costa merece muito mais que estas parcas palavras, e penso que com o crescente numero de arquitectos angolanos, ele terá a homenagem que tem sido sucessivamente adiada.
José Pinto da Cunha, projectou nos anos 60, o primeiro duplex na Marginal, e numa pareceria com Simões de Carvalho, projectou o edifício da Rádio Nacional de Angola (Construída em terrenos onde houve uma exposição “ultramarina”, em cujos pavilhões, participaram alguns arquitectos residentes em Luanda nos anos 60), e a urbanização do Prenda para além de residências diversas, entre as quais a actual residência do embaixador de Portugal. O grande trabalho deste arquitecto, em sociedade com Pereira da Costa foi o edifício Cirilo, construído na baixa de Luanda, na Rua Major Kanhangulo, inaugurado em 1958, que é um trabalho ainda hoje de tomo, no quadro de um determinado período da arquitectura na África colonial.
Francisco Castro Rodrigues (1920-), só a partir de 1975, começa a trabalhar na capital, pelo que em Luanda tem poucos trabalhos com a sua assinatura. O seu trabalho, enquanto docente na faculdade de arquitectura da Universidade Agostinho Neto, é de enormíssima importância.
Há que salientar que o seu trabalho no Lobito é marcante em muitos espaços e locais da cidade, pelo que noutra ocasião, tentarei fazer uma súmula do trabalho notável deste arquitecto. Quando deixa Angola, em 1988, deixa no Lobito “cada esquina com o seu risco e traço”.


Fernando Pereira 29/02/08
CONTINUA

1 de março de 2008

Morreu quem nunca feriu a sua terra/ Novo Jornal /Luanda








O que retenho de Joaquim Pinto de Andrade, influenciado por amigos comuns e de encontros fugazes, é que era uma pessoa de um enorme humanismo, lúcido na análise da evolução da sociedade angolana nos últimos 50 anos, extremamente loquaz e sem manifestar ressentimentos significativos por alguém, tendo em conta o seu percurso político, desde os primórdios das organizações anti-colonialistas aos dias de hoje.
Estava a matutar no que havia de escrever, e de relance no escaparate dos livros na minha casa encontro um livro, já amarelecido pelo tempo, editado pelo advogado Mário Brochado Coelho: “Em defesa de Joaquim Pinto de Andrade”,Tribunal Plenário Criminal de Lisboa-4º juízo criminal/ Procº44/70.
Conforme relatos da época, este julgamento, foi acompanhado com particular atenção por imprensa e associações cívicas europeias e africanas, tendo em conta o prestígio do então Padre Joaquim Pinto de Andrade. Eram “companheiros” no julgamento, os angolanos Álvaro Santos, Raul Feio, Coelho da Cruz, Diana Andringa, Garcia Neto, Rui Ramos, Ferreira Neto e Fernando Sabrosa.
A acusação era assente numa insinuação soez, e logo se disponibilizaram pessoas de quadrantes ideológicos, profissões e actividades diferenciadas, a testemunhar a favor de Pinto de Andrade. Embora com as limitações inerentes à prática dos tribunais plenários, foram enviados por inúmeras igrejas europeias, advogados para assistir ao julgamento.
Tudo isto, aliado a um conjunto de encómios diversos atribuídos por organismos internacionais, ao longo da sua vida, é o facto de Joaquim Pinto de Andrade ter sido um dos símbolos importantes da luta pela independência de Angola. Neste momento, em que assistimos ao seu desaparecimento, aumenta em muitos de nós, a vontade de conhecermos um período de Angola em que ele foi protagonista, passando agruras várias, por defender um primado de não violência, numa sociedade de estratificação racial bem marcada, inerente a uma exploração económica onde a regra era a extorsão visando o lucro a qualquer preço, em que a palavra dignidade era espezinhada até no quotidiano mais pueril.
Quando desaparece Pinto de Andrade, Gentil Viana, Hugo de Menezes, Eduardo dos Santos, Eugénio Ferreira, António Cardoso, Henrique Abranches, Mário António e tantos outros, vemos partir pessoas que nos legariam testemunhos importantes para fazer a história contemporânea de Angola, que vai sendo sucessivamente adiada e reescrita ao sabor de conveniências circunstanciais.
Aproveitando, quero também deixar aqui uma pequena referencia, ao recente falecimento do engenheiro Paiva de Sousa.
Faço-o aqui, porque sei da estima recíproca, e porque o Paiva de Sousa foi uma pessoa que no tempo colonial, colocando em risco a sua família e os seus bens, apoiou sempre os presos políticos angolanos, dando-lhes sempre emprego na sua empresa (SIGA), e acompanhando os seus familiares, quando estes se encontravam nos calabouços do colonialismo.
Desapareceram dois homens bons, e aguardamos, que a sua justificada homenagem não seja atirada para as calendas gregas, como tem sido um mau hábito na memória colectiva no nosso País.

Fernando Pereira 25/2/08

23 de fevereiro de 2008

Fidel ao demitir-se, absolveu a história!/ Novo Jornal/ Luanda










Fidel ao demitir-se, absolveu a história!


Aqui há uns anos, numa entrevista, ouvi o Guillermo Cabrera Infante, que entre uma panóplia vasta de críticas ao regime político cubano, teve a possibilidade de reconhecer algo a Fidel de Castro, que foi dizer apenas isto: “Fidel teve o grande mérito de devolver em 1959 a dignidade ao povo cubano”!
Fidel de Castro, enquanto líder máximo da revolução cubana, foi para muitos da geração que me antecedeu, um verdadeiro símbolo da libertação dos povos, e um pouco por todo o mundo, ele foi aparecendo sempre como a referencia para um mundo mais igualitário, mais justo e acima de tudo mais rebelde, para isso contribuindo a forma ousada, como ele desafiou o gigante americano, a pouco mais de cem milhas marítimas de distancia do norte da ilha de Cuba.
A minha geração herdou alguma desta forma de ver o mundo, embora partilhada com a do malogrado Che Guevara, cuja foto de Alberto Korda, se mantém hoje por todo o mundo, salvaguardando contudo que muitos já o enterraram definitivamente, “abjurando” um tempo que merece ser recordado, como algo do tipo “nostalgia do futuro”.
Para fazer este pequeno texto, resolvi ir aos meus canhenhos, e encontrei a “Novembro “ 4/6 de Fevereiro a Abril de 1977, que acompanha detalhadamente a visita de Fidel de Castro a Angola, de 23 a 30 de Março de 1977. Concomitantemente peguei no trabalho de Gabriel Garcia Marques, sobre a operação “Carlota” (que está disponível na web), e com a vivência do quotidiano de Angola desses tempos, só posso sentir reconhecimento, pela forma como Castro sempre tratou Angola. Sei que provavelmente o que estou a dizer, não colherá grande unanimidade, mas independentemente de opções políticas erradas, ou de resultados próximos desconseguidos, seria injusto não fazer a homenagem devida a alguém que não se ficou apenas pelo perorar, mas que soube dizer presente quando muitos diziam não, e alguns diziam nim!
O recentemente falecido escritor polaco, Ryszard Kapuscinski, no seu livro “Mais um dia de vida -Angola 1975” (provavelmente o melhor livro sobre a descolonização de Angola, reeditado recentemente pelo “Campo das Letras”) faz já uma abordagem à presença de instrutores cubanos em Angola, ainda uns meses antes da independência de Angola, o que revela bem o empenho que havia por parte do governo de Cuba na independência de Angola.
Na retrospectiva política da vida de Fidel, que os seus habituais ou neófitos detractores sistematicamente diabolizam, que apenas largaria o poder quando morresse (o quotidiano dos enganos), o que avulta é o da defesa do povo cubano e a instalação de um socialismo de características muito peculiares. È de se ter em conta que em 1959, 90% das terras aráveis eram pertença de companhias americanas, que 92% da população era analfabeta, que a mortalidade infantil era igual ao Haiti, Republica Dominicana e Salvador e o resto… Os números que hoje dispomos distribuídos por estruturas independentes dão-nos uma realidade diferente, e quando se compara Cuba, com os países da América central ou meridional, a situação dos chamados parâmetros globais de desenvolvimento, colocam-na com próximo de países desenvolvidos, e convenhamos que a comparação deve ser feita com México, Paraguai, Venezuela, Colômbia, Jamaica, no essencial países com um quadro colonial parecido e com desenvolvimento e estrangulamentos económicos e sociais, muito parecidos no ultimo meio século do passado XX.
Obviamente que o percurso de Fidel de Castro Ruz ao longo de sessenta anos de combate político, tem os seus pecadilhos, as suas omissões, os seus erros, mas tem também um histórico de muita convicção, muita habilidade política e muita coerência ideológica, o que lhe permite granjear simpatias e ódios, não concitando indiferença, o que sempre deu a Cuba uma visibilidade pouco compatível, com os números da sua população ou da sua expressão territorial
A revolução cubana foi a ultima revolução romântica da história, assim como a Guerra civil de Espanha foi a ultima guerra romântica! Há um denominador comum para além da língua e afinidades culturais: Talvez o enorme Hemingway, um amigo de Cuba e de Fidel, um voluntário na Espanha dos anos 30.


Fernando Pereira
21/02/08

21 de fevereiro de 2008

Geração Africana/ Ágora/ Novo Jornal






A GERAÇÃO AFRICANA (I)

O artigo que me propus escrever, era com base no excelente livro do arquitecto José Manuel Fernandes, editado em 2002 pela Horizonte, e que é um repositório do trabalho de arquitectos portugueses nas colónias portuguesas num período de 1925-1975.
Quando me preparava para comentar este livro, sobreveio-me a vontade de destacar alguns trabalhos de arquitectos. Obviamente que o espaço que a Ágora dispõe é curto, para este exercício diletante em torno da arquitectura em Angola, principalmente na cidade de Luanda, pelo que irei repartir o texto em várias edições.
Luanda, teve um crescimento assinalável no ritmo da construção civil nos vinte e cinco anos anteriores à independência. A cidade espalhou-se, e apesar de uma ou outra tentativa isolada de estruturar a cidade, com um princípio ordenado de urbanismo, assente em princípios que proporcionassem a vivificação salutar dos cidadãos, ao invés instalou-se o “patobravismo”, com as consequências à vista.
Sem me querer alongar muito numa análise valorativa da cidade, embora concomitante com o comentário ao livro, acho que os trabalhos destes arquitectos ainda hoje são qualitativamente marcantes na paisagem urbana da cidade capital do País, e dando-lhes a importância merecida, consegue-se omitindo, ridicularizar os muitos que a estragaram.
Voltando ao livro, que presumo estar esgotado, pois teve uma edição restrita, acho que é de leitura obrigatória para todos os que queiram saber quem “marcou” as cidades das colónias, particularmente Luanda, ao longo meio século; Seria muito bom que o tivéssemos de novo nos escaparates das livrarias, tão brevemente quanto possível.
Por ter sido um dos que maior numero de obras tem em Luanda, e fundamentalmente por ter sido um dos grandes entusiastas da fundação da faculdade de arquitectura de Angola, começo por falar do arquitecto Vasco Vieira da Costa, que partilhou essa experiência com os arquitectos Manuel Correia Fernandes e Castro Rodrigues. Em nota “quase” de rodapé, e porque se falou da fundação da faculdade de arquitectura em Luanda, não gostaria de deixar de enaltecer, a paixão denodada do engenheiro Homero Leitão, da arquitecta Isabel Branco e do arquitecto Alves Costa, para além do enorme apoio da faculdade de arquitectura do Porto (Fernando Távora, Siza Vieira, Alcino Soutinho, e do escultor José Rodrigues, entre outros que me deslembro). Esta nota surge porque acompanhei muito de perto o entusiasmo de todos, em 1979/80, quando abriu, junto da faculdade de engenharia da Universidade Agostinho Neto, uma estrutura embrionária de um curso de arquitectura, que passado muito pouco tempo se autonomizou, tendo os primeiros licenciados surgido no fim do primeiro lustro dos anos oitenta.
Alongando esta nota de rodapé, ressalta a curiosidade do facto da maior parte dos arquitectos que trabalharam em Angola, pertencerem à escola de Belas-Artes do Porto, estrutura da qual só mais tarde a arquitectura emergiu com estatuto de total autonomia, criando uma faculdade de grande prestígio internacional.

22/2/08 (CONTINUA)
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