13 de março de 2015

O Fantasma da Liberdade






Todo o homem tem direito de sonhar (pelo menos) a liberdade. Tal direito ainda não se encontra consignado em nenhuma Constituição. As Constituições, transformando-se quase sempre em lubrificadoras do poder, pendem a maior parte das vezes para o sacrossanto elemento coletivo, enumerando umas quantas “essências”.
A megalomania duma quinta ibérica chamada Portugal só tem paralelo nos devaneios quixotescos. Mas o Quixote, que recuperou a razão à hora da morte, é um “ ser de papel” do século XVII, não uma instituição lusitana do século XXI. Assim, a velha quimera segundo a qual este país deu “novos mundos ao mundo” só pode servir no presente, os interesses de algumas famílias assustadas com a perspetival de liberdade. Os materialistas que não são propriamente estúpidos, esforçam-se por apurar as condições concretas das transformações sociais. É pena que não se verifiquem em Portugal, País sujeito a múltiplas podridões, nunca dispôs de vitalidade suscetível de produzir a mínima revolução. O que Portugal possui em abundância, em zonas letradas ou não, é um enorme bando de vigaristas o que aliás em termos de materialismo histórico se explica perfeitamente: pirataria, saque sem grande obra civilizacional e repressão inquisitorial.
Já que se fala de inquisidores convém que se esclareça que tais entidades são, entre nós, símbolos e pilares da ordem. Quem inventou o milagre de Fátima sabia o que fazia, ao irmanar as autoridades republicanas da época com os diabos preparados para assarem “os pastorinhos”. Atribuir às autoridades de então uma tentativa de auto-de-fé constituiu, desgraçadamente, um truque eficaz e motivado por uma ampla tradição. E um filme estado-novista, que circulou apoteoticamente por todo o País, mostrava um lume feroz para o sacrifício dos três videntes, como se o inconsciente da justiça republicana desse tempo comungasse nos métodos do Santo Ofício. Será que esses arautos do milagre, de mão dada ao salazarismo, tinham até razão?...
Não queremos responder. Mas não nos esquivaremos a lembrar que houve um grande progresso na “revolução” de 1974:Desapareceu todo o anticlecarismo da Primeira Republica. Ou porque as múmias já pensam, medrosas, no “reino dos céus”, ou porque a conivência inquisitorial é mais profunda do que julga, ou porque – o que é pior!- Portugal é assim mesmo, reina o auto-de-fé nas consciências (ou nas inconsciências). Talvez por isso se use tanto o verbo “ queimar” em matéria de discurso político-familiar. Há políticos para ”queimar”, instituições para “queimar”, e até governos para “queimar”.
De queimadela em queimadela ainda um dia se apaga o ultimo reflexo da liberdade!
(Algumas reflexões deste texto, vem de um colóquio que tive a oportunidade de assistir do professor José Martins Garcia numa homenagem a Vitorino Nemésio)
Fernando Pereira
9/3/2015

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