30 de novembro de 2012

Coimbra, a Angola Utópica! (III)/ Ágora/ Novo Jornal 254/ Luanda 30/12/2012





O “Quimbo dos Sobas” resultou da necessidade dos alunos angolanos possuírem uma casa sua já que os 1000-Y-Onários não tinham lugar para os que vinham. Inicialmente instalaram-se na Nicolau Chanterene, num andar que se denominava “Solar do Quimbo dos Sobas”. Em 1963/64 um grupo onde estava o médico Fernando Martinho, do Lubango e os homens do Huambo, Manuel Rui Monteiro e Segadães Tavares alugam uma casa ao Dr. Dantas, ao tempo proprietário da Clinica de Montes Claros para instalarem a entretanto aceite pelo Conselho de Republicas, a “Republica do Quimbo dos Sobas”. No Antero Quental, hoje praticamente em ruinas, o estado do edifício é para todos uma enorme amargura. “O Quimbo dos Sobas” tem muito a ver com os caboucos do nascimento do País, mais que não fosse porque Manuel Rui Monteiro, seu fundador, é o autor da letra do hino de Angola. Os hoje generais Joaquim Rangel, Roberto Leal Monteiro (Ngongo), João Saraiva de Carvalho (Tetembwa) e o assassinado a 27 de Maio de 1977 Comandante Eurico Gonçalves são alguns dos homens do “Quimbo” que saíram de Coimbra para se juntar à luta armada nas fileiras do MPLA. A PIDE era visita constante e Garcia Neto, outra vitima dos fraccionistas em 27 de Maio de 1977 e o falecido Fernando Sabrosa, médico, foram presos em 20/2/1970, o que motivou uma onda de solidariedade em toda a academia coimbrã para a sua rápida libertação. Por aqui ainda que por pouco tempo passou Gilberto Teixeira da Silva, o comandante Gika, morto em combate na 1º guerra de libertação do País, o jurista Aníbal Espírito Santo, um homem da Catumbela e Néne Pizarro, que conseguiu fugir um dia antes da PIDE fazer mais uma visita de “cortesia” ao Quimbo. António Trabulo do Lubango e alguns da prole, Fonseca Santos do Huambo e Benguela também estiveram na casa, aproveitando esta ocasião para fazer uma homenagem tardia ao Henrique José Fonseca Santos (Quicas), morto pela Unita em Fevereiro de 1979 no Longonjo. Jaka Jamba também passou pelo Quimbo e saiu para se juntar à UNITA. Rui Cruz, Aníbal João de Melo, Eloy Malaquias, Jaime Madaleno da Costa Carneiro, Hernani Santana, o malogrado Noélio da Conceição e outros reuniam regularmente nesta casa que durante muitos anos foi só um dos embriões do que viria a ser “República Popular de Angola” em Coimbra, mesmo com a vigilância atenta da PIDE a pouco mais de cem metros, na mesma rua. Não foram habitantes do Quimbo, mas eram habituais nas suas festas, e muitos “patos” proporcionaram a gente da casa, o Carlos Correia (Bóris) do Chinguar e o viola baixo dos Álamos, o Luis Filipe Colaço, que gravaram com José Afonso dois discos emblemáticos, “Cantigas do Maio” e o “Traz outro amigo Também”. Na gravação deste trabalho, Phil Colaço aproveita para sair para um exílio para o reencontro em 11 de Novembro de 1975.
Em Janeiro de 1975 Agostinho Neto reúne todos os angolanos residentes em Coimbra numa exígua sala do Hotel Oslo e incentiva-nos a lutarmos de todas as formas possíveis contra as ameaças que se preparavam para obstar à independência do País. Foi uma assembleia muito participada e discutida e Neto com serenidade ia refreando a nossa impetuosidade dos “verdes anos”. Não esqueci nunca mais esse momento, em tempos que eram bem difíceis.
É interessante fazer notar que o “centenário” do “Quimbo”, que mais não é que a festa anual de convívio entre novos e antigos repúblicos, se realiza desde sempre no dia 4 de Fevereiro, uma homenagem ao início da luta armada em Angola, outra iniciativa que muito aborrecia a PIDE.
O “Quimbo” está hoje em ruinas, mas antes de acabar só quero informar que há um grupo de antigos repúblicos que está a fazer um livro com a história completa da república e a participação dos seus elementos na história recente dos dois Países.
FIM
Fernando Pereira
5/11/2012

3 comentários:

Retornado disse...

Angola teve muito azar com o facto de a geração destas elites angolanas, principalmente a geração de Amilcar Cabral e Agostinho Neto, terem partido para as armas que estavam na moda, à maneira de Ché Guevara.

Embora não passassem de uns pacifistas, caíram em arranjar armas que iriam dar tiros nos próprios pés, quando não na cabeça.

cumprimentos

Fernando Manuel de Almeida Pereira disse...

Fernando Pereira, este comentário não everia estar aqui.
Recentemente acedi aqui no Facebook ao teu Blogue "Recordações da Casa Amarela, contendo um artigo teu no Novo Jornal (?): "Coimbra, a Angola Utópica! (III)/ Ágora/ Novo Jornal 254/ Luanda 30/12/2012". Artigo que está cheio de inverdades relativas ao então "Quimbo dos Sobas", agora "Kimbo dos Sobas"!
E que me atrevo a corrigir, pelo menos parcialmente!
O Quimbo dos Sobas nasce num 1º Andar da Nicolau Chanterenne, em 1962, sendo fundadores o José Machado Lopes (do Lobito), o Fernando Jaime Martinho (também do Lobito-Compão mas com o 7º ano feito no Diogo Cão), o Aníbal Espírito Santo (ainda mais um do Lobito, da Caponte), o António Faria (único não natural de Angola, andou no Alexandre Herculano no Huambo e veio fazer o 7º ano a Amarante), o Manuel Rui Monteiro (do Huambo, meu colega no 7º ano, mas em Direito), eu próprio, António Segadães Tavares vindo do Luau para o Alexandre Herculano (7º ano de Ciências) e o José Luís Cardoso, o Zequinha, ido da Catabola para o Lubango (onde fez o 7º ano de germânicas). Aqui estão os sete primeiros. Tivemos como “asilado político” o Dibulo, Celestino Costa, que chegou a primeiro-ministro de São Tomé e Príncipe!
Em janeiro de 1963 dá-se a primeira ampliação, com o aluguer do rés-do-chão da Nicolau Chanterenne, e a entrada de mais 5 angolanos: o Mário Fonseca Santos e o seu irmão, Henrique Fonseca Santos, oriundos do Huambo (irmãos do Jorge Fonseca Santos com quem te degladias sobre o Sporting), o José Henrique Marvão e o seu Carlos (Calucha), vindos de Luanda, e a acrescentar, também de Luanda, o Álvaro Henrique Fernandes, que se celebrizou como o “Capitão Fernandes” das armas para combater a reacção.
Na Nicolau Chanterenne, e mesmo nos primeiros tempos da Antero de Quental, nunca o Quimbo foi Solar ou o que quer que queiras. Diziamos nós, os fundadores, que as questões das praxes coimbrãs eram um assunto de portugueses que não diziam respeito aos angolanos.
É em Outubro/Novembro de 1964 que é alugado o edifício da Antero de Quental, em frente aos 1000-Y-Onários. Entra então muita gente nova, para o ano 1964/65: o Frederico Artur Silvestre, o Américo Rodrigues de Freitas, o António Trabulo, o Octávio Aquino Costa (Calulo), o Bragança (de São Tomé) e, já para o fim de 1965, o Saraiva Neto.
Já depois da minha ida para o Porto (1965/66), entram o Nene Pizarro, o Nini (Roberto Monteiro), o saudoso Garcia Neto, e muitos outros.
É com o Américo Freitas que se quebra a tradição, o Quimbo era para Angolanos, aceitando-se os santomistas que eram uma espécie de protetorado nosso, com o devido respeito. O primeiro “penetra”, cidadão português sem laços com Angola e que veio a ser concunhado do Américo, ambos do PC e por sua influência fazem com que o Quimbo passe a república, contra os desejos dos fundadores, e dando origem a uma cisão do Quimbo.
Para que conste, nunca o Gika (Gilberto Teixeira da Silva) esteve no Quimbo. Frequentava-o, o que é outra coisa. E no Quimbo esteve, e com ele o Jorge Alves Pires (então ainda Piriblos, mais tarde Pirica), no dia em que deram o salto para França, aí por Setembro de 1962. Mantivemo-nos à conversa até tarde no meu quarto, o que me permitiu herdar uns livros de estudo do Gika, entre os quais, lembro-me, da colecção “Que Sais’Je” um livro sobre estatística. A vida do Pirica em Moscovo e depois, foi romanceada pelo Pepetela em “A Estepe e o Planalto”, um dos melhores romances de amor que conheço, porque transcrevendo factos reais!
Afirmar que o Quicas foi morto pela UNITA é uma aleivosia; quem o provou? Entre os amigos e mesmo família (pergunta ao Jorge a sua opinião) o responsável podia muito bem ser o Pacavira, à época Comissário Provincial do Huambo, que tinha uma “ciumeira” tremenda do prestígio que o Quicas tinha entre as populações que ele desinteressadamente ajudava, e que assim fazia sombra ao Camarada Comissário. Já após a morte do Pacavira foram encontrados documentos que indicavam ter ele sido “informador da Pide”. António Segadães Tavares

Antonio Trabulo disse...

Se não tiveres nada a opor, irei partilhar este artigo no meu blogue "decaedela".
Abraço

Trabulo

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