3 de fevereiro de 2012
Fado tropical/ Ágora/ Novo Jornal 211 / Luanda/ 3--2-2011
Agustina Bessa Luís é talvez uma das portuguesas que melhor escreve, embora os seus romances sejam algumas vezes entediantes no conteúdo, mas perfeitos na forma. Numa reflexão Agustina escreveu em tempos que “O medo faz as pessoas extravagantes, mas não as faz originais", e ainda "Uma nação não nasce duma ideia. Nasce dum contrato de homens livres que se inspiram nas insubmissões necessárias ao ministério dos povos sobre os seus infortúnios".
Esta introdução sugere-me, não sei se apropriadamente, que na transformação política de Angola passou-se de uma fase embrionária num marxismo-leninismo remendado, para uma fase actual de arremedo de narcisismo-leninismo. Vou tentar explicar: Vive-se com alguns preconceitos marxistas, estruturas policiais e politicas nalguns casos eivadas de leninismo, oportunista q.b. nalguns casos, e no contexto global, um narcisismo que nalguns momentos se confunde com epifenómeno de cariz novo-rico mas com léxico, insinuação e ameaça com contornos e tiques do pior do leninismo.
Provavelmente estou a cometer erros de avaliação, uma situação do tipo “sapateiro a querer ir para além da chinela”, mas esta é a minha leitura de algum enviesamento no quotidiano esfusiante do País, onde o presente é de confiança e estabilidade, apesar de encolhos nalguns aspectos de carácter social.
Mudando de assunto. Angola tem recebido milhares de expatriados nestes últimos anos, algumas delas pessoas que deixaram Angola antes do 11 de Novembro de 1975, e que não conseguem despir ainda alguma dose de catarse em situações do quotidiano, pese embora reconheçam o esforço feito pelas autoridades do País em termos de construção de equipamentos, melhoria da qualidade de vida das populações e uma dinâmica maior da economia.
Instados a comentar as transformações entre a Angola que deixaram inopinadamente, e o que vão vendo no regresso vamos assistindo a comentários, nalguns casos risíveis sobre múltiplos aspectos até atingindo foros de alienígena em situações particulares.
Nas romagens de saudade vão tirando fotos em catadupa, e na realidade metade da viagem que vão fazendo serão de olho na lente. Uma das coisas que os deixa muito tristes, a título de exemplo, acaba por ser o estado dos cinemas onde há trinta e cinco anos, quando tinham entre 12 e 30 anos, passavam tardes de encantamento recordando espectáculos e filmes que perpetuaram no tempo, assim tipo “Musica no Coração”, “My Fair Lady” ou o “Lawrence de Arábia” entre outros que ao tempo enchiam os ecrãs, os corações e hoje tudo isso misturado em recordações.
O estado do Miramar, N´gola, os desaparecidos Kipaka e Colonial, S. João, S. Paulo, África, Tivoli, SMAE, em Luanda e outros pelo país como o Arco-íris no Lubango e o Flamingo no Lobito, a título de exemplo, são as situações que os deixam mais tristes, não conseguindo perceber que todo o conceito do cinema e do espectáculo mudaram nos últimos vinte e cinco anos com a generalização do Vídeo/ DVD/ Torrents, e a existência de salas pequenas em superfícies comerciais, para a pouca gente que vai ver cinema fora de casa, sendo a juventude a maior utilizadora desses espaços com Coca-Cola e pipoca a acompanhar.
Faço-os sentir que em todas as cidades capitais da Europa fecharam mais cinemas que em Luanda, bastando ver a título de exemplo, que em Lisboa de todos os 56 nos anos 70, só o Londres ainda está a trabalhar, para não falar do Porto, cidade onde nasceu o cinema em Portugal, onde já não há nenhum dos que havia há quarenta anos, e já agora em Coimbra resiste o remodelado Gil Vicente porque pertence à Universidade e tem uma enorme utilização dos grupos teatrais universitários.
Em Lisboa a maior parte deles ou estão em ruínas (Condes, Olímpia, Arco Íris, Nimas, Alvalade, 404,Capitólio) ou foram demolidos para outras construções ou adaptados a outro tipo de comércio (O Salão Lisboa passou a loja de tecidos, o Animatógrafo a Sex-Shop com espectáculos ao vivo, e o Cinebolso uma loja de chineses, entre várias outras experiencias).
Talvez seja legítimo sentir que eles também são de Angola, porque não há proprietários da nacionalidade dos outros, mas também é absolutamente necessário respeitar os angolanos de hoje onde se fez uma sociedade africana que trouxe a identidade que se desejava, e já agora , a título de exemplo convém referir que esses cinemas de 1000 lugares eram mesmo de outro tempo que já se finou no revoltear da história.
Nós por vezes damos tiros nos pés, mas o que acontece também é que às vezes a asneira é tão grande que damos quatro tiros e aí temos pena de ter feito figura de solípedes.
Fernando Pereira
31/1/2012
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1 comentário:
Mais do que os edifícios, praias e avenidas, era uma atmosfera com vários ambientes sociais que existiu nas várias cidades de Angola que não mais se repetirá.
Os tempos são outros, as pessoas são outras, e mesmo naquele tempo colonial "os finalmentes" de Luanda já eram demasiado poluidos por gravatas e modernices.
Os mais novos do interior talvez tenham mais saudades do que os que só conheciam Luanda.
Mas a verdadeira atmosfera do cinema (ou futebol) à sexta sábado e Domingo, não se resumia apenas ao cinema e seus intervalos sociais, para muitos era antecipada por um encontro numa esplanada com familias ou colegas e à despedida era noutra esplanada com uns fininhos.
Por muito melhor ou pior que tudo se transforme jamais em Angola voltará a haver aquele ambiente, nem para os que fugiram nem para os que ficaram.
Para a solteirice ainda podia sair uma rebita no BO ou Marçal, ou uma tangalhada no Marialvas ou Choupal.
E normalmente as esplanadas fechavam a caixa registadora às 2 da manhã, sempre com freguesia.
Claro que sem as preocupações de leninismos à mistura até fica a ideia que existiu algo irreal.
E talvez tenha sido mesmo uma fantasia, toda aquela vida.
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