4 de novembro de 2011
O 11 está a caminho / Ágora/ Novo Jornal nº198 / Luanda 4-11-2011
“Somos Independentes, Seremos Socialistas”, era uma frase muito em voga no dealbar da independência há trinta e seis anos. Somos independentes, mas não seremos socialistas, pelo andar da carruagem.
A história que vou contar passou-se comigo recentemente num bar numa cidade portuguesa, e reflecte um pouco a selectividade com que o desfiar da memória está cheia de perversidade junto de gente que não viveu o antes de Novembro de 1975. O bar estava “composto” e um tipo preto com a bandeira de Angola ao peito e ia provocando as pessoas sem que ninguém lhe dissesse o que quer que fosse, porque vem sempre da pior forma o estigma do racismo de sinal contrário: Não dizer nada porque “é de cor” e é chato! Eu a certa altura levantei-me e disse-lhe: “ Acaba mas é com a palhaçada, que ainda por cima tens aí uma bandeira que merece respeito, e que custou o sacrifício de muita gente”; o tipo olhou-me e diz-me: “Oh Kota, e que tens tu a ver com isso, também te sacrificaste?” Eu, tomando em parte dores de parto alheio disse-lhe que “por acaso até me sacrifiquei para te dar um País”, e ele acto contínuo respondeu-me: “ Boa merda fizeste”!
Confesso que esta conversa deixou-me siderado, porque era um rapaz com cerca de trinta anos, e tudo o que podia saber para comparar só porque alguém lhe contou, de forma enviesada.
Pouco importa para o caso, porque digo sem qualquer rebuço que o angolano vive indiscutivelmente melhor hoje que vivia no tempo colonial. Alguns dos que me lêem vão dizer que ensandeci definitivamente tal a forma peremptória como reafirmo que a Angola de hoje é para o angolano um espaço de vida e de liberdade bem melhor que no “tempo do colono”.
Hão-de vir os muitos que se foram esquecendo que já no período final do tempo colonial em Luanda havia um documento chamado cartão de residência, passado nas esquadras da polícia dos bairros e obrigatório que qualquer pessoa o trouxesse consigo, assim como um documento de trabalho que era aviltante para o cidadão, que no caso de não o possuir ia bater com os costados na cadeia, até que o patrão o fosse libertar, ou dar-lhe a carta de alforria.
Claro que não vou recuar aos tempos da vigência do Acto Colonial, nem a tudo que foi acabando no fim dos anos cinquenta por imposições de revoltas, que tiveram visibilidade internacional e obrigaram as autoridades portuguesas a fazer concessões, muitas das quais apenas no campo da retórica e da cosmética.
Não vou falar do tempo colonial, porque na realidade já passou, e ainda bem.
Os angolanos depois de tantos anos a andarem à “porra e à massa”uns contra os outros acabaram por começar a construir uma nação, num quadro de diversidade, num estado com instituições e acima de tudo a encararem o futuro com redobrada confiança.
Não me estou a violentar por estar a escrever este quase panegírico à Republica de Angola, porque o que vamos assistindo um pouco por todo o País é um trabalho de recuperação de infra-estruturas excelente, a dotação de meios indispensáveis à melhoria das condições sociais da população, nomeadamente nos campos da saúde e da educação. Já aqui tenho discordado da forma como muitas vezes tem sido feitas determinadas estruturas, e não concordo com as decisões que por vezes são tomadas em relação a algumas questões, mas não se pode deixar de reconhecer que tem havido empenho para que muito tenha emergido neste início de século no País.
Pois, mas a corrupção, o enriquecimento desmesurado de gente ligada a determinados círculos, a opacidade das decisões em estruturas governativas e empresas estatais, a pouca eficiência da justiça ou a falta de liberdade de imprensa, também merecem profunda reflexão e fazem parte da evolução da democracia, da integração de jovens quadros licenciados em Angola ou no exterior e uma cada vez maior participação em movimentos cívicos de defesa de valores que já nada tem a ver com o longínquo 11 de Novembro de 1975.
A maior parte da população de Angola já não viveu o passado colonial, e se mostra alguma nostalgia é porque quem conta teve que fazer um exercício selectivo de memória para objectivamente transformar esse período numa realidade edénica, algo que nunca foi.
Mas também é com essa realidade de gente que em 11 de Novembro de 1975 não tinha nascido ou estaria na infância ou adolescência, que se exige um futuro diferente para o País, e também urge que acabem alguns estigmas que pontualmente são utilizados de forma oportunista.
Gosto muito da Angola independente, e acima de tudo entusiasma-me ver o muito que se faz e que tem pouca visibilidade no exterior.
É indispensável que a afirmação ideológica regresse ao País de forma a libertar as novas gerações do fantasma de um passado que pouco tinha a relevar.
Fernando Pereira
31/10/2011
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3 comentários:
“ Boa merda fizeste”!
Este angolano que diz isto, faz-me lembrar aqueles portugas que elegeram "Salazar" como o maior português da história.
São pessoas com má disposição.
Mas a culpa não deve ser da burrice deles, deve ser da ASAE.
É que com estes anos de comemorações nem todos brindámos com bom champanhe, alguns só lhe calhou espumante ordinário...que dá uma dor de cabeça!!!
E a ASAE não devia permitir a venda de certas mixordias que deixam as pessoas mal dispostas.
Quando o champanhe é bom, vemos o mundo côr de rosa.
Quando certo dia dos anos 50, Portugal foi goleado pela Austria 9-1, golo de José Aguas e guarda redes Barrigana do FCP, dizia um rádio-ouvinte na taberna onde havia o único rádio da aldeia:
"suêmos mas ganhêmos"
O tinto era do melhor!
Cumprimentos
Será que o Atlantic teria sido aquilo que se transformou numa pensão na rua direita de Luanda, junto à Robert Hudson frente ao palácio de ferro?
Penso que só pode ser isso.
Mas que vida e que gente!
Sim, é esse mesmo...Tinha uma pérgola muito bonuta, e era um belíssimo edifício, demolido para ser construída a sede da ENDIAMA (ex-Diamang)
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