28 de outubro de 2011

A subjectividade é a verdade?/ Ágora/ Novo Jornal nº 197/ Luanda/ 28-10-2011



O El Pais iniciou um conjunto de reportagens sobre um dos aspectos mais negros do período franquista: o roubo de crianças. É um trabalho notável em que mais uma vez o diário espanhol mostra por que é um dos grandes jornais do mundo.
É um dos poucos jornais que leio com redobrada atenção, pelo rigor da informação, a isenção dos seus artigos de opinião e a credibilidade que o estatuto do jornal transmite desde a sua fundação em quatro de Maio de 1976, logo a seguir ao desaparecimento do ditador Francisco Franco, marcando o início da abertura política que levou á democracia constitucional espanhola.
Este trabalho sobre as crianças roubadas às famílias dos republicanos, que entretanto foram fuzilados, é uma questão candente na Espanha actual, com traumatismos enormes no seio da sociedade. Há familiares do primeiro-ministro Zapatero nestas circunstâncias, já que o seu avô foi vítima dos algozes do franquismo.
Conviver com a memória tem sido difícil para os familiares nos mais de setenta anos do fim de uma das guerras mais sangrentas que a história viveu, e quando assistimos ao derrube das emblemáticas estátuas do franquismo, vemos que foi necessária coragem e acima de tudo maturidade cívica e democrática para que tudo esteja a ser feito sem convulsões de maior numa Espanha de excessos e profundamente católica. Tive o privilégio de ter assistido em Santander, ainda que por casualidade, o arriar da última estátua equestre de Franco em toda a Espanha. Todos os que assistimos a esse evento numa pequena praça não muito longe da catedral fizemo-lo quase em silêncio, num qualquer exercício catártico em memória dos que foram barbaramente assassinados pela “falange”.
O El País é uma referência obrigatória para todos os jornais e jornalistas, pois sempre conseguiu a objectividade e a independência no tratamento da informação, escolhe os seus colaboradores numa base rigorosa de qualidade e nunca foi bandeira de causas que o pudessem transformar num panfleto, onde muita imprensa cai quase sem se dar conta.
Fiquei particularmente desapontado com a atribuição à escritora Maria Eugénia Neto o Prémio Nacional de Cultura e Arte, edição 2011, na categoria de Literatura, não conseguindo encontrar uma justificação qualitativa para galardoar a sua obra, com tão honrosa distinção.
Naturalmente que a subjectividade da minha opinião tem o valor que lhe quiserem dar, mas de facto continuo a pensar que um prémio de literatura devia ser outorgado a um escritor que tivesse um percurso de obra mais multifacetado como por exemplo Arnaldo Santos ou Carlos Ferreira (Cassé), entre alguns outros que há muito emergirem com qualidade nas letras angolanas.
Talvez não tenha nada a ver com isto, mas recordei-me de uma entrevista de António Jacinto do Amaral Martins (1924-1991) a Michel Laban (1936-2008) em 1988: “Nos anos 50, quando começámos o tal movimento dos Novos Intelectuais, de romper com a tradição – já não vamos dizer portuguesa, mas a tradição da literatura que se fazia, foi fácil, muito fácil para mim, enveredar por aquele caminho: eram realidades que eu conhecia muito bem… Eu conheci a vida dos contratados, conhecia a situação dos camponeses no interior, de modos que não houve necessidade nem de fazer pesquisa, nem de fantasiar: era a pura realidade que conhecia”.
Como contista usou o pseudónimo de Orlando Távora e foi, também, um nome destacado da geração “Mensagem”. Ainda o poeta, a Michel Laban:
(…) já eram mais posições políticas do que verdadeiramente literárias. Até porque, na altura, eu e outros nos considerávamos escritores muito medíocres, poetas medíocres, mesmo principiantes… O que era preciso era dar uma mensagem política. Os meios? O que era acessível era a poesia: então, pois, seria a poesia. Se houvesse outra possibilidade seria outra… (…).
Às vezes temos que nos lembrar que não podemos olhar só para o nosso umbigo, ou colocar lá um diamante para que nós e tudo que nos rodeia olhemos para o mesmo sítio. Quando não partilhamos as críticas de José Agualusa a Agostinho Neto, por muitas razões, pelas que apontou António Jacinto, temos que ser mais assertivos nas nossas opções para evitarmos que “Na floresta outros bichos falem de cor”!
“Sincere words are not eleegant; elegant words are not sincere” Lao Tse.



Fernando Pereira
23/10/2011

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