19 de agosto de 2011

MARABUNTA / Ágora/ Novo Jornal nº 187/ Luanda 19-8-2011





Hoje vou ter que ir ao baú do muito que ouvi, do pouco que vi e do bastante que imaginei relativamente à “Marabunta”
Para os menos familiarizados com estas coisas: Marabunta (Cheliomyrmex andicola) é uma formiga-correição que vive principalmente debaixo da terra nas selvas tropicais da América. É de cor avermelhada, tamanho médio, parecida com o Kissonde. Suas mandíbulas são em forma de garra e armadas com grandes espinhos, semelhantes a dentes, que permitem que elas se prendam às suas presas durante o ataque. Suas picadas são extremamente dolorosas, irritantes e paralisantes. A dor que provoca assemelha-se com a da picada das "formigas de fogo".São a única espécie que remove e consome carne de vertebrados, como lagartos, serpentes e pássaros, inclusive de animais de maior porte, até o homem.
Não vem muito a propósito, mas retenho na minha memória a invasão de uma horda de kissonde a um terreiro circundante às residências de uma exploração de café no Norte de Angola. Era miúdo, e recordo-me de ver milhões de formigas a deixarem lisinho o terreno por onde passavam, e a irromperem em direcção à fogueira entretanto ateada com gasolina, única forma de as conseguir parar e exterminá-las.
Vou falar de outra “Marabunta”, uma personagem famosa da Luanda dos anos cinquenta e sessenta e que já só conheci numa fase em que a sua áurea se teria já desvanecido. Era uma madeirense que terá emigrado para Luanda, na busca de uma vida que dificilmente encontrava na sua Madeira.
Segundo as vozes a “Marabunta” era uma mulher que desafiava a morrinha quotidiana da provinciana Luanda do antanho. Mulher vistosa, loura, despreconceituosa, ambiciosa, deslocava-se sempre num Chevrolet Corvette vermelho garrido descapotável, insinuando-se numa cidade que parava literalmente para a ver.
Constava-se que esse Corvette era do Ferreira da Massa, que tinha umas fazendas de café, abriu o Bowling ao pé do Hospital Militar, uma fábrica de massas num edifício onde funciona a representação consular da África do Sul, ali para os Coqueiros.
A “Marabunta”, apenas sei que se chamava Gracinda, alimentou muitas histórias e muita galga na Luanda dos anos sessenta e setenta, e só vê-la passar em frente ao Salvador Correia era para os que se empoleiravam no muro um verdadeiro troféu, imaginando pelos joelhos da senhora o torneamento do resto das pernas.
A “Marabunta” era muito ciosa nas suas relações, e conta-se que um daqueles fazendeiros do café enriquecido, quis gozar com ela; Depois dos “preliminares”, passou-lhe um cheque de 20 contos (atenção estamos no fim dos anos 40 e era muita massa) sabendo que aquela conta só tinha 18, ela foi ao Banco de Angola, e como era sobejamente conhecida o banco depositou os dois contos e ela levantou o cheque. O fazendeiro acabou gozado quando pensou que estava a lidar com alguma “amadora”.
Em determinada altura na hoje Avenida Valódia, estabeleceu-se na “Vidraria dos Combatentes”, paredes meias com o ” Punta del Pazo” , tendo comprado todo o material da “vidraria Leiriense”, ao lado da Saratoga ao pé do edifício na Mutamba que hoje alberga o Ministério das Finanças. Na cidade faziam-se conjecturas diversas, como é que ela teria conseguido o dinheiro para montar um estabelecimento, que era passagem obrigatória de miudagem e graudagem, por razões que pouco tinham a ver com vidros ou espelhos. Constava-se que tinha sido novo-rico do café do Golungo-Alto, que estava com ela amiúde no “Sporting” na 1ª rotunda da ilha, e que dizia em voz alta: “O meu dinheiro é inacabável”. Parece que a “Marabunta” sem muito esforço, provou o contrário em pouco tempo, tendo-o deixado falido. A realidade é que a senhora juntou-se entretanto com um furriel do exército colonial, que as más línguas da cidade chamavam de “furriel consorte” , mudou de carro, tendo comprado um Chevrolet Camaro amarelo, aí por volta de 1970. Nessa altura já envelhecia e vendeu por muito bom preço o único Corvette descapotável que havia em Angola, e que tinha a matrícula AMF- -?
Duas décadas de ouro, para o carro e para a Marabunta, afinal uma mulher que toda a cidade conhecia e contava histórias, muitas inventadas, mas que ainda hoje é recordada nas conversas de um cada vez maior número de pessoas, que cada vez mais se lembram do que se passou há muitos anos, e não se conseguem recordar o que fizeram uns dias antes.
Para lá caminho também!
Fernando Pereira
15-8-2011

6 comentários:

Luís Carlos Gomes Domingos disse...

Oh Camarada, agora deste uma de "biólogo"? "Para os menos familiarizados com estas coisas: Marabunta (Cheliomyrmex andicola) é uma formiga-correição que vive principalmente debaixo da terra nas selvas tropicais da América. É de cor avermelhada, tamanho médio, parecida com o Kissonde." Pois é, menosprezaste o Kissonde não fazendo referência ao nome científico do "bicho". Entraste na "fofoquice" dos velhos tempos?

Retornado disse...

O filme com Charleton Heston correu no Restauração e no Tropical em reposição com enorme exito talvez por causa do nome igual ao da dita senhora, a Marabunta.

Mas pelo que se lê no post, a senhora-profissional-do-sexo, investiu todo o produto nessa terra promissora.

Lá terá sido mais uma retornada com a roupa do corpo em ponte aérea.

Mesmo em 1961, quando a UPA matou alguns roceiros, a senhora recebia estes na rua Mota Fêo, num 1º andar frente à Guerin.

Se aguentou até 1974 e efectivamente investiu tudo nessa cidade maravilhosa, merecia uma rua com o nome dela.

O carro mais célebre que ela exibiu ao longo da marginal era um carrão americano igual ao das irmãs Mascarenhas, entre outros, claro.

Será que aquela Luanda existiu mesmo?

teresa disse...

Para quem não conheceu Luanda desses tempos, uma estória interessante, esta da Marabunta humana.

Unknown disse...

Ainda vi essa Sr em 1973.Era uma altura em que o carro já era mais interessante do que ela

Carlos Barradas disse...

O carro das irmãs Mascarenhas era um Studbaker azul eléctrico!!

Carlos Barradas disse...

O carro das irmãs Mascarenhas era um Studbaker azul eléctrico!!

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