10 de dezembro de 2010

Senhor Governador da Provincia de Luanda/ Ágora/ Novo Jornal/ Luanda / 10/12/ "010




Desculpar-me à dirigir-me a si, nesta carta entreaberta, pouco tempo depois de ter sido empossado como o 16º governador da província de Luanda desde a independência, mas como começo a raiar o ensandecido com tantos estudos, soluções, projectos, discussões, e muitos milhões a desbaratar, apetece-me também dizer alguma coisinha!
Nasci em Luanda, em meados dos anos cinquenta, para ser mais preciso, quando acabou o comboio que atravessava a cidade desde o Bungo até perto do aeroporto velho.
Como a minha família era da burguesia colonial, nasci num quartinho virado para o Alto das Cruzes, na ex-casa de Saúde de Luanda, hoje Augusto Ngangula. Isto, faz-me lembrar uma certa gente que estava disposta a “partir os dentes à burguesia”, mas que pelos vistos deixou os maxilares em bom estado, pois hoje vêem-se muitos implantes e dentaduras em muitas reminiscências e tiques de outros tempos.
Conta-se que quando nasci e o Braga se transformou em Bairro do Café, havia um governador que marcava as ruas com riscos feitos na terra com a ponta do chapéu-de-chuva, o que deve ser verdade, pois o traçado de certas calçadas não lembravam a qualquer topógrafo com o teodolito avariado.
Vi a cidade crescer de camartelo em riste para destruir a zona comercial, em frente ao antigo porto pesqueiro, para construir o prédio do BCA (hoje BCP), e mais uns arremedos arquitectónicos do tipo. Essa saga destruidora não tem parado, com o intervalo dos anos da independência e seguintes a deixarem uma réstia de expectativa sobre a preservação do património edificado.
Desculpe este arrazoado, mas quando penso Luanda tenho muito medo da xenofilia, porque quem deve construir a alma da cidade são os que amam a cidade, tendo sido nascidos nela ou adoptando-a. Mas perante o que vejo acho que ninguém mesmo gosta desta cidade, e cada vez mais preferem o “quatro de Fevereiro” de Belas, ao “quatro de Fevereiro” onde presumivelmente o dinheiro devia ser trabalhado.
As cidades tem que ter alma própria, tem que ter um centro cívico onde as pessoas sintam como um lugar por onde foi passando não apenas a história da cidade, mas onde se faz a história de muita gente, e onde se constroem histórias. Cada esquina desse local é bom ou mau porque aconteceu algo que nos marcou, e Luanda não mantém rigorosamente nada disto.
Luanda não tem jardins, e os poucos que restam só são embelezados para que se vejam, e não para as pessoas poderem fruir num lazer, cada vez mais passado sobre quatro rodas, no meio de um coro de buzinadelas e com a pituitária cada vez mais insensível aos odores do óleo queimado, dos esgotos, de lixos e águas estagnadas.
Houve um governador colonial que perante a exiguidade de espaços verdes na cidade, disse que Luanda não precisava de verdura pública, porque todas as moradias tinham jardins e árvores e a cidade estava cheia de árvores na rua. Esta estulta opinião ao tempo, parece ser a desejável hoje, porque os jardins foram substituídos por depósitos de água, gasóleo e geradores; As árvores das ruas e estradas são cortadas para diminuir os passeios para dar novas oportunidades a que mais viaturas possam ficar no engarrafamento.
Luanda, não tem passeios decentes para quem gosta de andar nas cidades a pé, não tem espaços para nos sentarmos a ver quem passa, e largos com esplanadas onde possamos fruir de um espaço livre de buzinas, tubos de escape e ruídos atordoantes.
A cidade é insegura, mas a noção de insegurança em Luanda é de certa forma pervertida, porque são os cidadãos que a tornam insegura, quando se sente a cidade apenas na parte de dentro de cada um dos quintais ou apartamentos. Quando se perde a consciência da cidade enquanto colectivo, perde-se segurança para tudo, e é esse é o cerne do problema.
A ilha tornou-se um pechisbeque de luxo, com praias sujas e água demasiado acastanhada, para que possa ser o ex-líbris de uma cidade que não tem a garridice, os sabores e o gingar de muitas capitais africanas, nem tampouco nada parecido com o seu alter-ego : A Disneylandia dos adultos, o Dubai.
Sei que não vai conseguir mudar o que muitos estragaram, e seguramente não foram os seus antecessores, incluindo os do tempo colonial, que nalguns casos nem para administradores de condomínio serviriam, mas só lhe posso desejar que procure devolver a alma à cidade, ou melhor encontre-a que já é meio caminho andado, para que a cidade lhe fique reconhecida.


Fernando Pereira
6/12/2010

1 comentário:

Retornado disse...

O destino tem que se cumprir!

Que é o mesmo que dizer, ainda a procissão vai no adro!

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