"Ich bin ein Berliner" ("Eu sou um berlinense", em alemão) é uma citação de um discurso feito em 26 de Junho de 1963 pelo presidente dos Estados Unidos à época, John F. Kennedy, em Berlim Ocidental. Foi uma forma de enfatizar o apoio dos EUA aos alemães de Berlim, cidade dividida, num dos períodos mais quentes da “Guerra Fria”.
Lembrei-me disto, porque num destes dias vi com grande estupefacção, um título em letras garrafais: “Em Angola sou angolano”. Obviamente, que se isso não tivesse sido dito pelo Dr. Jorge Coelho, não me espantaria, fundamentalmente porque ele é o CEO de um grupo que é português, embora em Angola há sessenta anos.
Ficaria bem mais contente, por exemplo, que o escritor Gonçalo M. Tavares, nascido em Angola em 1970, o dissesse, até porque convenhamos, prefiro gente da cultura, do filantropismo, da ciência, do desporto a dignificarem Angola, que gente ligada ao mundo dos negócios, normalmente espaços pantanosos e simultaneamente obscuros.
Já que se falou do CEO do novo grupo empresarial que se constituiu em Angola, com base na vetusta firma Mota e CIA, vem-me à memória um jantar, no velho Hotel Turismo na baixa de Luanda, com o Sr. Manuel António da Mota.
No fim dos anos setenta, ou princípios de oitenta, eu vivia na Casa do Desportista, na Ilha de Luanda, e ocasionalmente jantava no Turismo com o meu amigo José Beleza dos Santos, ilustre penalista, hoje já retirado, e que ia de vez em quando a Luanda dar umas aulas na Faculdade de Direito da UAN, e fazer uns exames, no âmbito de uma colaboração entre as faculdades de Coimbra e Luanda.
Na altura o Turismo conseguia ser um hotel razoavelmente bom, com as limitações que se viviam então, e era um local de encontro de muitos viajantes que já conheciam a cidade e evitavam outros hotéis mais cosmopolitas.
Costumávamos jantar, numa sala no r/c, com uma montra virada para o edifício dos correios e para onde hoje está o Millenium e um “palito métrico”, um edifício horrível, igual a muitos que poluem o nosso olhar sobre a cidade de Luanda. Cada pessoa que entrava, dava as boas noites à sala toda, o que acabava por dar um ambiente de enorme familiaridade.
O José Beleza, certa vez convidou-me para jantar, e como naquele tempo, as combinações não estavam sujeitas ao sortilégio de qualquer humor, que um qualquer telemóvel rapidamente alteraria nos dias de hoje. Chego ao Turismo, à hora marcada e vejo-o sentado numa mesa com algumas pessoas que não conhecia, embora alguns já tinha visto no hotel, e apresenta-me sem muitas delongas.
Percebi que o José Beleza foi convidado pelo Sr. António Mota para jantar, à hora de almoço, e que não me teria conseguido avisar do “alargar de mesa”, e acabei por ir ficando a ouvir uma conversa sobre parcerias entre a Mota e o Ministério da Construção, para a constituição de uma U.E.M. (Unidade Económica Mista), que se chamava Paviterra.
O Senhor Manuel António da Mota era uma pessoa de idade, mas de uma enorme vitalidade, e muito conhecedor da realidade angolana, já que tinha andado trinta anos a trabalhar em várias áreas, pelo País todo.
Nessa noite estava entusiasmadíssimo, acompanhado de alguns técnicos, lembrando-me apenas o Sr. Brás do Namibe, já falecido, e o Engº Cunha, porque nos cruzámos noutros ócios.
Estava lá no jantar, um tipo execrável, que dizia que fazer estradas em Angola era deitar dinheiro à rua, porque bastava mesmo era aspergir uma camada de alcatrão, receber a “guita” e estava a estrada entregue. Baseava isso no número de tapetes que a “quatro de Fevereiro” já tinha levado, para estragar logo a seguir. Foi a única vez que me senti desconfortável no jantar, e o velho Mota, sagaz, percebeu que havia gente na mesa que não estava a gostar da conversa, onde ele se incluía, e mudou a conversa para outras temas.
Já que se fala em pintar macdam com alcatrão, como propunha o beócio que nos acompanhou no repasto, lembro-me de ouvir contar uma história em que o Eng.º Carloto de Castro, secretário da administração colonial das Obras Publicas, ao inaugurar um troço de estrada na região do Luena, pediu uma faca, ajoelhou-se, fez um corte, chamou o técnico, a quem balbuciou umas palavras, e “não inaugurava aquela estrada porque faltava asfalto colocado na caixa de compactação”.
Gostei de ter tido oportunidade de o conhecer, numa mesa onde estava o saudoso arquitecto Vasco Vieira da Costa (eternamente à espera do nome de uma rua em Luanda), o velho Lelo, o Chaves, e mais uns quantos, numa noite onde nos aguentámos até às 11,30h, forçados a abandonar a conversa, por causa do recolher obrigatório mais longo de sempre no mundo!
Gostei muito da sobriedade do António Manuel da Mota, no único contacto que tivemos, e curiosamente esse que tinha razões para se afirmar Angolano em Angola, nunca me lembro que o tivesse feito.
Fernando Pereira
15/11/2010
1 comentário:
Há sócios que são sócios e estão de pé e sócios que não são sócios e estão sentados.
Ou há moralidade ou comem todos!
Enviar um comentário