12 de dezembro de 2008

Cidadão de Luanda / Novo Jornal / Ágora / Luanda 12-12-08





Restam em Luanda muito poucas estátuas, peanhas ou bustos do tempo colonial, teimosamente permanece a de Manuel Alves da Cunha, no jardim fronteiro ao edifício onde funciona a Universidade Católica de Angola.
Monsenhor Alves da Cunha foi uma figura incontornável na sociedade angolana desde que desembarcou nas Portas do Mar em Dezembro de 1901. As Portas do Mar eram o local onde as barcaças atracavam, com os passageiros que vinham em navios que ficavam fundeados na baía, e que era precisamente em frente ao Rialto, ali no largo dos Correios.
Tendo falecido em 1947, Alves da Cunha foi bem a imagem das relações estreitas entre a política e a religião, nos primeiros cinquenta anos do século passado. O Dr. Cunha veio para Luanda como vigário geral de um bispo de nome António Gomes Cardoso, e à morte deste em 1904, foi sendo sucessivamente nomeado pelos bispos que se seguiram, que por contingências diversas permaneciam pouco tempo no lugar, já que quase todos iam morrendo, pois a cidade era lugubremente doentia para certas pessoas que vinham da então metrópole.
Monsenhor Alves da Cunha foi durante 46 anos, um verdadeiro florentino. Contava-se em Luanda, aí pelos anos 30 uma história em que o monsenhor saindo do Paço episcopal, na cidade alta, passava pela estátua de Salvador Correia e parava, olhava para o alto da peanha e dizia: “Oh, Salvador Correia, aqui em Angola só os dois é que não comemos!”.
Alves da Cunha combateu tenazmente a “escravatura”, e foi o dinamizador da presença de Angola, com uma representação valorosa na “ Exposição colonial do Porto” em 1935, onde expôs a sua valiosa exposição etnográfica.
A sua actividade mais relevante foi a criação do Liceu em 1919, uma velha aspiração das forças vivas da colónia, tendo movimentado muitos esforços para se iniciar nesse mesmo ano as aulas, tendo sido ele um dos professores iniciais, não exigindo qualquer contrapartida do seu trabalho.
Foi vereador e vogal da Comissão administrativa de Luanda, entre 1914 e 1936, uma vezes de forma mais ou menos participada, mas sempre empenhado. Foi com Alves da Cunha que se urbanizou a zona do Maculusso e se ordenaram alguns bairros operários, obviamente com a inerente estratificação racial, que o colonialismo sempre desenvolveu como forma de domínio. Foi nessa altura que se começaram a criar estruturas para a municipalização das águas, a construção do matadouro, que era no Kinaxixe, ao lado de um belo edifício dos serviços pecuários, que foi vítima da sanha do camartelo, algo que acontece de tempos a tempos na “nossa cidade capital”, como dizia o saudoso Francisco Simons.
No domínio do saneamento, começou a exigir a construção de fossas sépticas e começou a estrada que ligava junto ao mar, a Samba à baía. Equilibrou as finanças municipais e criou códigos de regulamentos, posturas e emolumentos exigentes.
Foi ele que dinamizou a construção da Igreja e missão de S. Paulo, e era provavelmente a pessoa com maior importância na cidade, a quem muitos se dirigiam para ver satisfeitas algumas das suas pretensões.
Obviamente, que uma personagem deste quilate, na Luanda eternamente mesquinha e nalguns aspectos pacóvia, as histórias sobre Manuel Alves da Cunha abundavam, e esta reflecte bem a importância e a bonomia do homem.: Um rapaz chega a Luanda sem recomendações, e em vão vai procurando emprego.Cansado senta-se na peanha do Salvador Correia, em frente ao Paço Episcopal, e passa um indivíduo que lhe pergunta de onde era; Ele disse que era perto de Aveiro e que queria um emprego, ao que o outro disse, a gozar, para escrever uma carta ao Salvador Correia. O rapaz assim fez, mas lembrou-se que não tinha pedido a direcção e resolveu ir ao sítio onde tinha estado, para perguntar a alguém a direcção da pessoa, que pelos vistos era muito conhecida na terra. Perguntou ao primeiro que viu, a direcção, ao que o interpelado, respondeu que era um tipo de barbas compridas e brancas, que todos os dias passava ali. Apareceu o sacerdote, que coincidia com a descrição, ao que o rapaz perguntou, se ele era Salvador Correia, a que Alves da Cunha disse, que sim, e depois de ler a carta, mandou-o ir no dia seguinte ao Paço, onde lhe indicou o governo geral, onde o empregaram como jardineiro, e lhe disseram que quem ele andava à procura tinha morrido há 360 anos.
Já agora, a estátua está sem algumas letras, pelo que se pede que coloquem as que faltam, ou se tiram as que estão, para que não seja a actual situação motivo de dichotes.
Fernando Pereira 12/12/08

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