4 de outubro de 2008

MEMÓRIAS DE ADRIANO/ NOVO JORNAL/ ÁGORA/ LUANDA





MEMÓRIAS DE ADRIANO

O livro de Marguerite Yourcenar, “Memórias de Adriano”, foi provavelmente dos mais fascinantes livros que li na minha vida, e curiosamente um dos poucos que mereceram que o tivesse relido.
Não é propriamente sobre o livro de Yourcenar que irei escrever, mas que é adequado adaptá-lo ao contexto da análise de vida de Adriano João Sebastião, não se me oferece qualquer dúvida.
Acho que é da mais elementar justiça, falar do livro “Dos campos de algodão aos dias de hoje”, uma saga histórica que os fautores da historiografia angolana nunca poderão esquecer de referenciar.
O livro, edição do autor, saiu do prelo em 1993, teve uma circulação limitada, alguma pobreza na apresentação gráfica, com folhas mal coladas à lombada, mas em tudo o resto com uma sobriedade descritiva, sem outra pretensão que não seja a de deixar um testemunho vivido, e em muitos casos sobrevivido, a gerações de angolanos que felizmente não viveram as agruras da segregação colonial.
O livro é prefaciado pelo escritor Raul David, já falecido há alguns anos, em todo é um percurso de determinação, sofrimento, coragem e desprendimento de uma pessoa que escolheu o caminho mais difícil, mas também o mais correcto.
Este documento humano, de uma enorme importância no contexto da luta de libertação, desde a década de 30 a 60, é feito numa linguagem muito simples, sem rancores, e com uma carga de ternura só própria de uma pessoa de grande carácter e de profunda dedicação a causas da libertação, da justiça e da independência do País.
Nas quase 150 páginas do livro, Adriano Sebastião fala das movimentações políticas em que participou, nas cadeias onde esteve, nas circunstancias em que foi preso, no sofrimento dos seus companheiros de cárcere, nas dissidências oportunistas de uns quantos, em suma num período muito fecundo de um movimento popular de libertação de Angola, ainda sem MPLA.
No meio de toda esta descrição, de uma vivencia continuada de luta, Adriano Sebastião nunca deixa de fazer referencia a seus pais, às dificuldades que passou, desde que aos oito anos teve o seu primeiro trabalho, o ter que arranjar a estrada, até à sua vida de casado, onde fruto das circunstancias políticas, tinha que ter dolorosas separações da sua esposa e suas filhas, personagens constantes ao longo da obra, onde não consegue esconder uma embevecida ternura.
O que é ainda revelador de grande estatura moral deste “Senador” angolano, é a sua frontalidade ao criticar atitudes de outros, que quando passaram a ocupar lugares de relevo no aparelho doe Estado, esqueceram completamente solidariedades e cumplicidades passadas, alijando amigos, para treparem rapidamente os patamares que os levassem ao poder (ex. Pag. 111 o.c.).
A minha relação com Adriano João Sebastião, coincidiu com o período em que exerceu o cargo de primeiro embaixador da Republica Popular de Angola em Portugal, para onde foi nomeado por Agostinho Neto em Abril de 1978, na sequencia do encontro de Bissau entre os presidentes de Angola e Portugal, Agostinho Neto e Ramalho Eanes respectivamente, que quebraram um degelo nas relações entre os dois Países.
Ocasionalmente era chamado pelo embaixador Adriano Sebastião, para uma ou outra tarefa, nomeadamente na área da educação, o que posso adiantar é que para além da S. finíssima educação, da sua bonomia, a imagem que mantenho é a de um homem probo, dedicado à causa publica, à sua família, aos seus amigos e acima de tudo refém dos seus valores.
Os seus tempos de embaixador não foram particularmente fáceis, pois as circunstancias que rodeavam as relações entre Angola e Portugal eram de permanente conflitualidade, ao nível da imprensa, de lobbies vários e até no contexto institucional. Tentou gerir tudo isso sem a jactância que outros imprimiam, assumindo uma actuação discretíssima.
Em Luanda também ia havendo movimentações, no sentido de dificultar a sua acção, e pressionar dessa forma a sua rápida substituição, mas não alterou a forma de estar no seu posto, mantendo incólume o prestígio e ajudando muita gente com o saber acumulado.
Gente como Adriano Sebastião são referencias de um passado que a história de Angola escreverá com realce.

Fernando Pereira
26/09/08

1 comentário:

Anónimo disse...

Karipas.. seráz possivel alguns excertos do livro? onde pode ser obtido?

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