31 de maio de 2008

"SEJAMOS REALISTAS; EXIJAMOS O IMPOSSÍVEL” (Maio1968) / Ágora/ Novo Jornal / Luanda



“SEJAMOS REALISTAS; EXIJAMOS O IMPOSSÍVEL”
PARIS,MAIO 1968 (III)

De Gaulle era o presidente da França em Maio de 1968, e foi o principal visado pelos milhares de pessoas que se movimentavam em Nanterre (subúrbio de Paris, onde foi o “berço” da rebelião, mais propriamente na sua recém inaugurada universidade), na Sorbonne, no Quartier Latin, nas Tullerias ou nas fábricas da Renault, ou da Citroen, ou nos plenários nos Correios ou mesmo nas centrais de produção de electricidade.
O proeminente nariz do presidente francês, as pichagens nas paredes, as lojas fechadas, as barricadas com carros, as correrias constantes de polícias e manifestantes, a incessante actividade cultural que se desenrolava na rua, a incredulidade do cidadão parisiense e o fingir que nada se passa pelos milhares de imigrantes que viviam em Paris, “pintaram” um quadro algo absurdo. A sociedade luta entre o desmoronar e a reerguer-se num quadro de novos valores, novas opções sociais e uma maior contestação ao status quo prevalecente
O acesso aos bens de consumo, à educação e à cultura tinha sido democratizado. Os anos 60 foram os anos curiosos, contestatários e burgueses
O Maio de 1968 foi um movimento colectivo de contestação sistemática a tudo, como é revelador neste diálogo que vem nos “les tubes de Mai 68”, na faixa do disco “Sous les Pavés…la Plage”(Sob a calçada a praia), edição de L’ Observateur: “Contestez! Il faut toujours contester tout”, bradava alguém no pátio da Sorbonne. A este brado, um francês perguntou:”Mas não há nada que vocês não contestem?” “Há”, respondeu alguém:”O direito que todo o homem tem a viver dignamente”. Numa Paris em ebulição naquela Primavera de 68, viam-se bandeiras no Théatre de France, vermelha e negra, que diziam:” A libertação total do homem está para além da libertação económica, está na sua afirmação plena na vida”. Nos jornais de parede os títulos eram invariavelmente do tipo “Não é homem, mas sim o mundo que se tornou anormal”. Nos cartazes lia-se:”Eu participo, tu participas, ele participa, nós participamos, vós participais, eles lucram”. Os graffitis que enchiam as paredes da cidade clamavam por: “Enragez-vous” (Enfureçam-se).
Daniel Cohn-Bendit, aparece como uma das “figuras”, o que não deixa de ser paradoxal num movimento com as características colectivas do Maio de 1968, mas muito do seu protagonismo é-lhe conferido, pela obstinada perseguição xenófoba e racista, que as autoridades francesas lhe fizeram, apodando-o como “Judeu-alemão”, acompanhado pela posição do PCF, que o chamava de “anarquista alemão”.
Todos somos hoje herdeiros daqueles dias do viver colectivo de uma utopia, onde a contestação, a arte, a cultura, a musica, as relações humanas, as relações sociais, o enquadramento económico dos cidadãos, foi tudo motivo de contestação e de discussão.
Na Angola colonial, nada transpirava, e a guerra ia continuando e nada se ia alterando de significativo, apesar da cadeira de lona ter acabado com a vida política de António Salazar também nesse ano de 1968. A Universidade em Angola dava ainda os primeiros passos, e apesar de já haver um cine-clube com propostas interessantes ao nível da divulgação de determinado tipo de filmes, um Orfeon ainda embrionário, pouco mais havia ao nível do associativismo, e a bem dizer nada era contestado. Umas calças à boca de sino, uns cabelos compridos, umas cores garridas nas camisas, umas saias à Twiggy , e era o que mais se aproximava do movimento hippye, o sucedâneo americano do movimento parisiense de 1968. Em poucos grupos começou-se a ouvir Regianni, Brell, Brassens, Ferrat, Leo Férre, e tantos outros que marcaram com letras e musicas o nosso imaginário de um 1968 que fisicamente não vivemos.
Em Paris, a causa da liberdade dos povos das colónias sob dominação portuguesa foi motivo de discussão, nomeadamente entre os exilados portugueses, os cidadãos africanos e ainda bolseiros portugueses que ocuparam a Casa Gulbenkien, local onde alguns bolseiros da fundação viviam na capital francesa.
No quadragésimo aniversário da maior movimentação de utopia, gostávamos de poder dizer que estávamos à beira de outra do tipo, mas parece que o futuro próximo não nos vai fazer a vontade.
Resta-nos revisitar o passado!

Fernando Pereira
6/5/08

1 comentário:

mafegos disse...

É verdade,Karipande,passaram já 40 anos que o Salazar deu o tombo,mas a nossa Angola,que pouco tinha,hoje nada tem.Tem a liberdade,já me esquecia,mas não tem emprego,não tem comida,nunca estiveram tão mal como estão a não ser os teus companheiros de "route".Infelizmente ,já nem o café da Gabela bebem.

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