6 de fevereiro de 2006
25 de Abril...Alguns comentários
As revoluções não surgem por decreto.O 25 de Abril de 1974 é o corolário lógico do fim das indecisões que o fascismo de Salazar e sem Salazar tinham alimentado de forma doentia e sem qualquer tipo de solução.O 25 de Abril é o corolário lógico, da fraude eleitoral de 1958, do Santa Maria, do 4 de Fevereiro,da queda de Goa, Damão e Diu, da Abrilada de 1961,do início e recrudescimento da luta armada em três palcos de guerra, e por aí fora.No plano interno é a luta pelo horário de trabalho por parte dos trabalhadores rurais, horário de 8h, são as greves nas fábricas e empresas por melhores direitos, são as greves académicas de 1962 e 1969, é a crescente fuga de gente para a Europa e o isolamento crescente de Portugal na cena política mundial.O 25 de Abril de 1974 é uma data que devolve aos cidadãos portugueses e aos povos sob dominação colonial uma nova identidade e uma nova dignidade.Não foi feito por aventureiros, como aqui já se insinuou, mas sim por aqueles que esperaram e deseperaram por uma solução tardia para os problemas que se arrastavam para um pantano de consequencias perversas.Hoje quase trinta anos, podemos dizer que valeu a pena, e que podemos dar aos nossos filhos em Portugal ou no resto dos novos países de expressão portuguesa,um mundo melhor, de liberdade, de participação cívica e de perspectivas de futuro assente na melhoria da qualidade de vida de todos os cidadãos.Podemos dar as voltas que quisermos, pessoalizar as razões para se afirmar o contrário, mas de facto foram esses muitos homens fardados, que imediatamente tiveram uma adesão popular extraordinária, a quem se devem liberdades fundamentais, sem as quais não conseguimos respirar.Como em todas as revoluções ou processos políticos, há avanços e recuos,há situações mais obscuras e menos, há aproveitamentos dos oportunismos que campeiam em qqer sistema político, mas temos de ter em conta que Abril valeu a pena...Por Tudo.....!!
Para quem andava distraído, antes do 25 de Abril, lembro as "sábias palavras" do então mais alto magistrado da Nação...Américo Tomás, vulgo, cabeça de Tarro...Era só para lembrar que nessa altura ele era o Chefe de Estado do Minho a Timor...."Memórias de Tomás" (I)"Eu por mim próprio, não me decidi a escrever as «Minhas Memórias». Decidiram-me. É que, estando quase toda a gente, ex-chefes de gabinete, ex-subsecretários de Estado, ex-secretários de Estado, ex-ministros, ex-chefes de Governo, escrevendo as suas memórias, a minha família começou a insistir comigo para que escrevesse as minhas «Memórias», na medida em que, disseram-me, mal me ficaria não escrever, também eu próprio, as minhas «Memórias».Habituado a falar e não a escrever, contando, segundo as minhas contas, nove mil trezentos e sessenta e quatro alocuções por sobre o território nacional, isto é, continente, ilhas adjacentes e províncias ultramarinas, não minto!, nove mil trezentos e sessenta e cinco alocuções por sobre o território nacional e internacional, ligadas ao meu cargo de Presidente da República, - eu nunca me afeitei a usar a caneta, coisa que disse repetidamente a minha família.Não tive sucesso, como é obvio, dado que me compraram uma caneta e ma deixaram fechada na mão.Foi então que, pegando na caneta, carreguei no botão do gravador e comecei: "Senhor bispo da diocese, senhor ministro das Obras Públicas, senhor governador civil, senhor presidente da câmara municipal, senhor presidente da junta de freguesia, minhas senhoras e meus senhores" [in, revista Opção, Ano II, nº 30]"É esta, portanto, a ultima cerimónia que se passa na cidade da Guarda e eu não quero deixar passar esta oportunidade sem agradecer ao bom povo desta terra o seu entusiasmo, o carinho com que recebeu o Chefe do Estado. A chuva não teve qualquer influência no entusiasmo das populações. Elas vivem numa terra de granito, e a chuva não as apoquenta " A Guarda é um distrito de bons portugueses, de portugueses de uma só face, portugueses, portanto, sempre prontos a defender a terra que os viu nascer. E a Guarda tem uma particularidade: é a cidade mais alta da Metrópole" [ididem, discurso na Guarda, in Século]" É uma terra [Gouveia] bem interessante, porque estando numa cova, está a mais de 700 metros de altitude. Pois o que desejo, sr. Presidente, para poder pagar, de qualquer forma a dívida que contraí, é que esta gente tenha um futuro feliz, abençoado por Deus. Que assim seja, para contentamento vosso e para contentamento meu " [ibidem, em Gouveia, segundo O Século, 1/6/1964]
25 DE ABRILEsta é a madrugada que eu esperava
O dia inicial inteiro e limpo
Onde emergimos da noite e do silêncio
E livres habitamos a substância do tempo
Sophia de Mello Breyner Andresen
Minha querida amiga R.
Lembras-te qd chegámos de Luanda,naquele outouno frio de 197...??? Lembras-te concerteza meu amor...O cinzento das casas, das pessoas, dos polícias, dos governantes,de tudo....Portugal estava pintado de cinzento....O nosso pequeno quarto, num 3º andar de um prédio com uma entrada lugrube,onde uma enfezada assava dias inteiros a apanhar malhas de meias??Lembras-te das nossas primeiras aulas e o que por lá acontecia???Lembras-te da primeira carga policial que apanhámos só pq resolvemos ver pq é que outros colegas nossos apanhavam pancada??Lembras-te dos comunicados que começámos a distribuir??'Lembras-te das noites de discussão que tinhamos em casa de L....???E a aflição que foi qd a Pide foi a casa de L....???Os dias de angustia que se seguiram, com aqueles dois sempre junto aquela cabine telefónica amarela, com uma gabardine e um chapéu enterrados, sem que nunca lhe conseguissemos ver a cara???Lembras-te de A...vir ter conosco certa noite e dizer que eu teria de sair pois L...falou e não havia hipótese...Ainda por cima comigo era pior porque era das colónias...Lembras-te??? Apartir dessa noite lembro-me eu...Fui para os lados deO...numa casa relativamente distante da aldeia, onde a comida era coisa que só se via de tempos a tempos e chegar à janela era do pior...No rádio da sala iamos ouvindo coisas bonitas...mas por cá tudo na lesma...Recebi e ainda guardo a tua carta e não hesito em colocá-la, pq ainda a guardo....As vezes, apetece-me estar a conversar contigo ao pe da lareira (que bonita eh a luz que da aos nossos rostos), com tu gostas."As vezes, tenho vontade de estar contigo na praia, em Luanda, como eu gosto.As vezes podia ser na ribeira do teu jardim, onde tu gostas, mas tambem ao fim do dia olhando o nosso mar de Angola, porque eh especial.Podia dar-te a mao e ate encostar a cabeca no teu ombro. Teria vontade de te abracar com forca e dizer-te ao ouvido... que gosto bue de ti.Mas, e depois?"....de facto....Tanto chorei qd a recebi...e compreendi que de facto....nada...a resignação....Numa qualquer madrugada de Abril,que não foi bem qualquer, foi o princípio de tudo...Abril, 25/1974...Lembro-me bem querida R., peguei na carta que me tinhas enviado amargurada e eis-me a caminho de uma Lisboa que vi diferente, vi pela primeira vez, Lisboa diferentemente bonita, gente linda, alegria,e o frenetismo de uma liberdade que tanto ousámos e que afinal estava ali.Lembras-te como nos beijámos nesse dia....Lembras-te como vagueamos numa LIsboa que era enfim nossa, e que sentimos que pele de galinha por todos nós de termos medo de tanta euforia....Mas não esta liberdade tinhamos que a gozar , querida R,podia ser efémera e não podíamos perder um minuto que fosse que não a desfrutássemos...Pela primeira vez sentimos liberdade e pela primeira vez olhamo-nos nos olhos e sentimos que a nossa Angola, a Angola independente estava perto.Querida R...o tempo e as circunstancias da vida separaram-nos, mas ambos vimos subir a nossa bandeira bi-color com a roda dentada,catana e estrelinha no Novembro do nosso mui grande contentamento.Escrevo-te 30 anos depois...depois de muita coisa, para te agradecer o que passámos nesses anos de lutas, alegrias, angustias, incertezas e quiçá muito oportunismo....Mas não interessa quero pegar na carta já amarelecidda pelo tempo e fazer tudo aquilo que desejávamos fazer nos anos da ditadura e do ostracismo...O 25 de Abril não foi nosso, mas tb foi nosso e por isso querida R...hoje sinto-te como ontem a desfilar por Lisboa de mãos dadas a cantar e a ebriar-nos por aquela contagiante amálgama de gente que sentia a diferença da linda palavra....LIBERDADE....Querida R, lembras-te qd os dois declamávamos Eluard,façamo-lo sempre onde quer que estejamos...porque de facto Estamos juntos...sempre e por perto!!!!
Fernando Pereira
LIBERTÉ - LIVRE OUVERT
Sobre meus cadernos de escolar
Sobre minha escrivaninha e as árvores
Sobre o sabre e sobre a neve Eu escrevi teu nome
Sobre todas as páginas lidas
Sobre todas as páginas brancas
Pedra sangue papel ou cinza
Eu escrevi teu nome
Sobre as imagens douradas
Sobre as armas dos guerreiros
Sobre a coroa dos reis Eu escrevi teu nome
Sobre a floresta e o deserto
Sobre os ninhos sobre os ornamentos
Sobre os ecos de minha infância
Eu escrevi teu nome
Sobre as maravilhas das noites
Sobre o pão branco das jornadas
Sobre as estações Eu escrevi teu nome
Sobre os campos sobre o horizonte
Sobre as asas dos pássaros
E sobre o moinho das sombras
Eu escrevi teu nome
Sobre cada sobre de aurora
Sobre o mar sobre os barcos
Sobre a montanha demente
Eu escrevi teu nome
Sobre a espuma das nuvens
Sobre os suores das tempestades
Sobre a chuva espessa e monótona
Eu escrevi teu nome
Sobre as formas cintilantes
Sobre os sinos de cores
Sobre a verdade física
Eu escrevi teu nome
Sobre os sentimentos despertados
Sobre as rotas percorridas
Sobre os lugares que passamos
Eu escrevi teu nome
Sobre a lâmpada que acende
Sobre a lâmpada que apaga
Sobre minhas casas reunidas
Eu escrevi teu nome
Sobre o fruto cortado em dois
Do espelho e do meu quarto
Sobre minha cama vazia
Eu escrevi teu nome
Sobre meu cão guloso e terno
Sobre suas orelhas em pé
Sobre sua pata manca
Eu escrevi teu nome
Sobre o trampolim de minha porta
Sobre os objetos familiares
Sobre a onda do fogo abençoado
Eu escrevi teu nome Sobre a carne viva
Sobre a face dos meus amigos
Sobre cada mão que se estende
Eu escrevi teu nome
Sobre a vidraça das surpresas
Sobre os lábios atentos
Bem embaixo do silêncio
Eu escrevi teu nome
Sobre meus refúgios destruídos
Sobre minhas frases desabadas
Sobre os muros do meu tédio
Eu escrevi teu nome
Sobre a ausência sem desejo
Sobre a solidão nua
Sobre as marcas da morte
Eu escrevi teu nome
E pelo poder de uma palavra
Eu recomeço minha vida
Eu nasci para te conhecer
Para te nomear:
Liberdade
Talvez não fosse mau de todo ler excertos da conferencia de Vasco Gonçalves na Covilhã sobre o 25 de Abril....Agarrou nos destinos do País logo após o derrube do regime. Vasco Gonçalves, militar de carreira que chega a general através do Movimento das Forças Armadas (MFA) e de todo o papel desempenhado no derrube do fascismo, explica os tempos conturbados do PREC.O anfiteatro da Parada, local onde em tempos estiveram também as vozes e os comandos militares da Covilhã, enche-se agora para ouvir o chefe dos II, III, IV e V Governos Provisórios. A esta personagem se devem canções como "Força, força companheiro Vasco", mas também "reformas essenciais que prepararam Portugal para a adesão à Comunidade Europeia".A convite do Partido Comunista, o general Vasco trouxe à Covilhã um resumo alargado das medidas que julgou "melhores para uma nação à beira da guerra civil". Palavras conturbadas por uma voz cansada, a mesma que contribuiu para "a viragem à esquerda de toda uma pátria". Logo na criação do MFA, Vasco Gonçalves lembra que "existiam cores políticas de todos os quadrantes". No entanto, considera natural que após a libertação de um regime de "extrema-direita" e com o aparecimento do PCP e PS, "o País estivesse mais simpatizante com políticas dessa área". Aliança Povo/MFA foi motor da revolução"A terra para quem a trabalha", um slogan repetido vezes sem conta pelo Portugal de Abril. Uma das mais importantes, mas "também das mais polémicas" medidas tomadas pelo executivo de Vasco Gonçalves, prende-se com a Reforma Agrária. A constituição de cooperativas e a distribuição de terras "foi uma medida difícil".No entanto, o general não sente que "tivesse agido de forma incorrecta". Antes pelo contrário, "era necessário tirar da fome e da miséria um povo oprimido". O fosso entre ricos e pobres, naquele tempo "era imenso". Talvez venha daí a explicação para a "adesão expontânea" dos populares ao movimento revolucionário. O motor da revolução "foi o povo e a sua ligação às forças armadas".Políticas desajustadasMesmo fora da vida política activa, o criador do "Gonçalvismo" tece várias críticas ao actual Governo. Para Vasco Gonçalves, "um homem que será sempre contra a liberalização dos mercados", as actuais políticas de contenção "vêm hipotecar o futuro do País". Para o antigo primeiro-ministro, deveria de existir "uma maior justiça social", em todos os campos.Outra das medidas que julga "contrárias ao espírito português" tem a ver com a ajuda de Portugal aos Estados Unidos na invasão do Iraque. Vasco Gonçalves mostra-se contra "ideias terroristas para combater o terrorismo". O apelo "para mudar toda esta situação", fica na arma do povo, "aquela que Abril veio implementar e que é a mais importante de todas: o voto".
Recuperei este fio...e hoje apetece-me dar-te a mão de novo companheira R...Abril somos todos...E ainda bem que o somos sempre!!!Em 25 de Abril de 1974, Portugal reencontrou-se com os seus valores de liberdade, de esperança, de futuro...A esses homens que interpretando fielmente a vontade de um povo dorido responderam PRESENTE... Minha queria R, é tão bonito rever o rosto juvenil de um saudoso SAlgueiro Maia, é tão bonito revermo-nos nas ruas apinhadas de gente numa LIsboa feliz com lágrimas de contentamento, é tão...Tanta coisa que nunca mais esqueceremos como um dos dias mais importantes da nossa vida colectiva. Ver os cravos vermelhos no cinzentismo de uma Lisboa que virava as costas para um rio que ia dar a um mar onde tão poucos fizeram tanto mal a tanta gente...Hoje já nada disso interessa, pq sentimos a nossa auto-estima a crescer nos floridos canos das armas que encheram Lisboa numa manhã cinzenta, mas que se tornou na tarde mais gostosa de todas as tardes da nossa vida. Sentimos aqui que era o fim de qualquer coisa mau e o princípio do fim pq tanto lutámos...A Independencia do nosso País. Em Angola Abril fez-se em 11 de Novembro de 1975, e a nossa rubra e preta bandeira com a dentada, a catana e a estrelinha subiram ao mastro, com a guarda de honra merecida, pelos sobreviventes do 4 de Fevereiro de 1961. Aquele largo de Luanda, chegou a todo o mundo, e qd se hasteou uma bandeira, foi o subir um grito de liberdade e de dignidade para um povo que há muito o desejava, pq lutou por ela, e pq sentiu a sua liberdade...As naus de outrora deixaram-nos o tecido para a bandeira e a lingua com que nos entendemos, mas tb essas naus levaram muito da tralha que nunca mais desejaríamos e desejamos ter.31 anos de Abril, olho para ti , minha querida R, e continuas linda como naquela manhã em que nos abraçámos numa qualquer praça de Lisboa libertada...A tua boca continua como duas pétalas de cravo vermelho, e o teu sorriso continua a ser o mesmo...a Liberdade...Nunca deixarás de ser bonita, pq nunca deixaremos que te toquem...Pq Abril somos mais que tu e eu, Abril somos milhões e nunca ng parou o que milhões quiseram...Deixa-me abraçar-te R...no Abril que temos dentro de nós...eternamente Abril, eternamente nós...
Fernando Pereira
Subscrever:
Enviar feedback (Atom)
Sem comentários:
Enviar um comentário