14 de abril de 2023
8 de março de 2023
ESCREVER NA ÁGUA / o Interior / 8-3-2023
ESCREVER NA ÁGUA
“Há sempre qualquer coisa que está para acontecer, qualquer coisa que
eu devia perceber”
José Mário Branco “Ser
Solidário”.
Há mais de quarenta anos que
escrevo em jornais, revistas e em publicações diversas. Durante anos fui um
profissional da imprensa, e nunca deixei de exprimir as minhas opiniões, apesar
de por vezes as circunstâncias não serem as mais favoráveis para se escrever de
acordo com o muito que havia para mostrar. É a vida!
Continuo sem saber exatamente o
que se passa na transferência de competências da administração central para os
municípios, e acima de tudo gostava de perceber como é que algo que vai mexer
com tanta gente, alterar status quo prevalecente consegue ser ignorado entre os
pingos da chuva de uma informação cada vez mais marcada pelo sensacionalismo e
por agendas abastardadas por interesses que tem tudo menos a ver com o
interesse público.
A transferência de competências
tem trazido muitos problemas no País todo a pessoas, associações, IPSSs,
municípios, etc. Não parece trazer à administração central que cada vez alija
mais as suas responsabilidades para outros, num eufemismo do tipo de “espírito
descentralizador”, “aproximar as estruturas dos cidadãos”, e outras estultices
do tipo.
Nada disso. Perceber-se-ia o
espírito mas quando se promove esta atabalhoada e rudimentar transferência
esquecem-se dos recursos que existem, e o pior é que evitam lembrar-se que há
recursos suplementares que tem que ser entregues para que os serviços
transferidos funcionem, e que depois não andem nos habituais jogos de troca de
acusações quando as coisas correrem mal, e tem tudo para correr muito mal.
Os professores, uma profissão
indispensável em qualquer sociedade de exigência, tem estado na luta pelos seus
direitos. No essencial estou de acordo, mas recuso-me a aceitar que uma das
reivindicações seja não aceitar a municipalização do ensino, algo que já
acontece na maioria dos países da EU. O argumento é algo torpe para com
estruturas do poder local, de grande importância na Constituição da República
de 1976, e reconhecidamente como fator de desenvolvimento da democracia e da
liberdade.
O anátema que colocam sobre as
autarquias é aviltante, porque infelizmente também há compadrio e corrupção na
administração central, empresas publicas ou participadas pelo estado, pelo que
o que acontece nas Camaras é só a extensão de tudo o resto. Os professores, que
são respeitados pela grande maioria da população não devem partilhar as ideias
de grupos de pessoas detratoras do estado democrático, e devem exigir que a sua
luta seja para que as estruturas onde assenta a democracia sejam transparentes
e organizadas.
Sobre os recentes desenvolvimentos
da pedofilia da ICAR nada de novo e também sei que o futuro próximo vai tudo
ser ungido com santos óleos e as mãos lavadas com água benta. O exemplo do PR a
“engolir” o anel cardinalício não indicia nada a preceito. Há muitos anos que é
assim.
Recomendo sobre o assunto o filme
Spotlight - Segredos Revelados, de 2015, em que o tema são os abusos sexuais e
pedofilia na Igreja dependente do Cardeal de Boston. Os jornalistas do “The
Boston Globe” foram premiados com o prémio Pullitzer, neste grande trabalho de
investigação que abalou a Igreja Católica nos EUA e no Canadá no dealbar do
seculo XXI. Um dos melhores trabalhos de investigação do jornalismo recente, e
que teve consequências invulgares num sórdido esquema de violação e pedofilia
que a ICAR faz há seculos, sem que haja uma punição exemplar que possa dar
exemplo que provavelmente há um estado laico a funcionar.
Como dizia um “trânsfuga” do
Seminário do Fundão, o beirão Vergílio Ferreira: “Somos um povo de analfabetos.
Destes há alguns que não sabem ler”.
Fernando Pereira
5/3/2023
4 de fevereiro de 2023
Kimbo dos Sobas, pois, a Angola Utópica! / Jornal de Angola/ 4-2-2023
Kimbo dos Sobas, pois, a Angola
Utópica!
“… a fronteira entre a verdade e a mentira é um caminho no
deserto. Os homens dividem-se dos dois lados da fronteira. Quantos há que sabem
onde se encontra esse caminho de areia no meio da areia?
Existem,
no entanto, e eu sou um deles. Sem Medo também o sabia. Mas insistia que era um
caminho no deserto. Por isso se ria dos que diziam que era um trilho cortando,
nítido, o verde do Mayombe. Hoje sei que não há trilhos amarelos no meio do
verde.”
In Mayombe- Pepetela
Em
Coimbra havia uma “Republica “que comemorava o seu “centenário” a cada 4 de
Fevereiro. O Kimbo dos Sobas.
Vamos
começar por explicar o que era uma República no contexto da sociedade
estudantil de Coimbra ao longo do tempo. Era uma casa organizada por um
conjunto de estudantes, que tinha por missão fazer a sua gestão doméstica.
Estas casas tinham códigos de conduta bem definidos e tinha que haver uma
parcimoniosa gestão dos dinheiros para que se conseguisse pagar a renda, o
ordenado da empregada que ia às compras, fazia a comida, limpava os quartos e
tratava da roupa entre outras atribuições menores. Entre os “Repúblicos” havia mensalmente um
“mor”, que era a pessoa votada que em determinado mês tinha que fazer a
ginástica suficiente para que se conseguisse fazer face às despesas
quotidianas. Claro que havia um sobressalto constante e havia uma República que
até tinha uma alteração de uma célebre frase de Churchil: “Nunca tão poucos
deveram tanto a tantos”.
Já
houve oportunidade de justificar o nome centenário, exagero deliberado, e
também indiciador da importância atribuída pelos repúblicos às suas vivências
nestas comunidades.
Todas
as “Repúblicas” utilizam esta designação para referir o aniversário da fundação
da casa. Reivindica-se, com esta dilatação hiperbólica do tempo, a
indiscutibilidade das aprendizagens que nestas “escolas da vida” tinham lugar:
Um ano “dentro” de uma República valeria cem anos “fora” dela.
O
“Kimbo dos Sobas” foi a primeira casa só de estudantes angolanos criada em
Coimbra no fim dos anos 50. Havia uma outra, os “Milionários”, fundada por
Norberto Canha, hoje um ortopedista nonagenário natural do Huambo, o Orlando
Ferreira Rodrigues, do Chinguar, 1º director da TPA, juiz do TPR e professor
jubilado da Faculdade de Direito da UAN, o Mbeto Traça, o António José Miranda,
ambos generais reformados, o Manecas Balonas, médico recentemente falecido,
Oscar Monteiro, primeiro ministro da justiça de Moçambique, Fausto Martins da
Costa, psiquiatra já falecido, o Cardoso, um urologista de Moçambique, o Jonhy,
jurista de Cabo Verde, o Celestino Costa, ex-primeiro ministro de S. Tomé e
Príncipe, já falecido, entre outros de várias proveniências.
O
“Kimbo dos Sobas” é fundado numa casa alugada por um grupo de angolanos. Os seus
fundadores são o escritor e homem do Huambo Manuel Rui Monteiro, o cirurgião
nascido no Lepi Fenando Martinho, o jurista nascido no Lobito Aníbal Espírito
Santo, o engenheiro do Luau, Segadães Tavares, o Zé Cardoso, conhecido pelo
Zequinha da Gráfica, o cineasta António Faria e o Cacondense Machado Lopes.
Um dado
relevante tem a ver com o facto do “Kimbo dos Sobas”, ao tempo não formalmente
uma República, ser constituída basicamente por cidadãos do sul do território de
Angola, a que não era alheio o facto de só haver um liceu em Sá da Bandeira,
hoje Lubango, o Diogo Cão, que absorvia toda a gente filha de colono de terras
a sul do Quanza. È preciso realçar que nos dois liceus de Angola, os negros
contavam-se pelos dedos, pois eram inacessíveis por razões económicas a sua
frequência. Muitos eram filhos de
funcionários do caminho de ferro de Benguela a quem atribuíam bolsas, já que os
magros vencimentos, mesmo dos funcionários brancos, não permitiam enviar filhos
estudar para o sul. Havia também uma grande ligação entre Sá da Bandeira e
Coimbra, e a verdade é que para muitos era a Coimbra de Angola, com praxes e
capas, o que não acontecia no outro liceu, o Salvador Correia de Luanda que
absorvia as gentes a norte do Quanza.
Muitos
angolanos do sul e do norte acabaram por se conhecer e trilhar um caminho comum
em Coimbra e Lisboa quando vieram estudar, pois nem se conheciam, nem tampouco
conheciam as terras uns dos outros.
Antes
de voltar ao Kimbo dos Sobas, lembremos que Agostinho Neto, Lúcio Lara, João
Vieira Lopes, Manuel Videira, MacMahon Vitória Pereira, irmãos Couceiro,
Fernando Oliveira, Emílio Quental, Orlando Albuquerque, Alda Lara, Diógenes
Boavida, Mário Torres, Eduardo dos Santos e outros viveram na primeira metade
dos anos 50 em Coimbra, e a maior parte dele só acidentalmente se cruzou com os
angolanos que estiveram nos “Milionários” e no “Kimbo dos Sobas”.
O
“Kimbo dos Sobas”, e repetindo, começou por ser uma casa organizada de
estudantes angolanos acabou por ser, a par dos “Milionários” um espaço de
“fermentação” do espírito independentista, que ia proliferando no fim dos anos
50 e no dealbar dos anos 60. O espaço solidário em que se transformaram serviu
para apoiar em termos logísticos as fugas dos 150 em 1961 e uma outra que se
gorou em 1963. Nesta a PIDE foi ao “Kimbo dos Sobas” e prendeu Fernando
Martinho, Manuel Rui Monteiro e José Cardoso, que estiveram uns meses presos e
sujeitos a interrogatórios no Aljube, em Lisboa.
A
primeira fuga, que teve grande sucesso, foi toda acompanhada por dois
reverendos americanos em colaboração com organizações francesas de refugiados,
havendo razoável apoio económico, o que talvez evidencie que a CIA terá
patrocinado essa aventura coroada de êxito, que foi um verdadeiro golpe contra
a propaganda colonialista do Portugal de Salazar.
Por
tudo o muito que se viveu, antes da mudança de casa para a Rua Antero Quental
em Coimbra, paredes meias com os “Milionários”, já numa fase moribunda, e com a
delegação da PIDE , o “Kimbo dos Sobas” passou a ser uma porta aberta para
todos os angolanos que vinham a Coimbra.
Convém
esclarecer que era tradição as “Republicas” em Coimbra manterem a porta aberta,
num sinal de hospitalidade para com quem passava, e também pouco ou nada havia
para tirar já que a generalidade dos repúblicos era gente de poucas posses!
Na
altura da passagem do “Kimbo dos Sobas” para mais perto do centro nevrálgico da
Academia de Coimbra, ainda se discutia sem grande entusiasmo a passagem do
estatuto de residência a solar, etapa indispensável para passar a Republica, no
quadro do regulamento em vigor nas estruturas universitárias de estudantes da
Associação Académica de Coimbra.
Isso já
só aconteceu em meados da década de sessenta, e na crise estudantil de 1969, o
representante do Kimbo dos Sobas Roberto Leal Monteiro (o actual general
Ngongo) foi o escolhido para o Conselho de Republicas, órgão que iria escolher
os órgãos sociais da Associação Académica de Coimbra, que entretanto não foi
aceite pelo regime, o que era de todo evidente!
A fraca
ou quase nula participação de angolanos nas lutas académicas de 1962 e 1969
teve a ver com o sentir independentista que germinava, em que os angolanos em
Coimbra se sentiam desenquadrados da luta dos portugueses, e assumiam sem
reservas que a luta era outra, pela libertação de Angola e um apoio declarado
desde sempre ao MPLA. Era normal que isso acontecesse porque as pessoas
discutiam o que tinham vivenciado em Angola em termos de segregação social e
rácica, e perante uma partilha maior de novos enquadramentos ideológicos
conseguiam aumentar o seu lado certo de estarem nas coisas, e o inimigo a
abater era claramente o colonialismo português.
Da fuga
dos 150 elementos em 1961, de Coimbra foi muito badalada o “salto” de de França
(Ndalu), Chipenda, Araújo (Ben Barek), Fernando Avidago e José Julio (Foi
Director Geral dos Desportos em Moçambique) porque de um momento para o outro
desfalcaram a equipa da Académica de Coimbra onde todos eram jogadores de
eleição!
Ao
“Kimbo dos Sobas”, já nas novas instalações chegaram novos Repúblicos, e alguns
já de Luanda e de outras regiões do País. De certa forma a República começou a
ter uma unidade na angolanidade, e eram frequentes as visitas dos PIDEs a uma
casa que era olhada com cada vez maior desconfiança por parte das autoridades.
Porque
alguns dos iniciais saíram, outros que os substituíram deram o salto ou criaram
família, entraram na casa novos habitantes que reforçavam as convicções
independentistas que já eram chancela da casa. Entrou Nene Pizarro, Roberto
Leal Monteiro (Ngongo), João Saraiva de Carvalho (Tetembwa), Eurico Gonçalves
(morto em 27 de Maio de 1977), António Trabulo, Fonseca Santos, Garcia Neto
(também vitima do 27 de Maio de 1977), o médico falecido Fernando Sabrosa e
tantos que por lá passaram e outros em fugazes visitas de cortesia política
como foi o caso de Gilberto Teixeira da Silva (o comandante Gika) e o Quincas
Fonseca Santos cobardemente assassinado no Longonjo em 1979.
Com a
fuga de alguns elementos do Kimbo dos Sobas, não apenas pela ameaça de prisão,
mas para se envolverem na luta armada, a Republica teve que aceitar
portugueses, numa discussão que terá sido pouco pacífica, mas que permitiu que
gente solidária apoiasse a luta que se
ia fazendo por uma Angola que talvez um dia seja aquilo que muitos sonhavam,
nas longas noites de uma Coimbra que não era só fados, baladas, serenatas,
capas e tricanas, como muitos gostavam e gostam de a pintar.
Na
prisão de Garcia Neto e Fernando Sabrosa pela PIDE por exemplo foi determinante
a solidariedade dos Repúblicos e suas famílias de forma tentarem minorar o seu
sofrimento em Caxias, não lhe permitindo visitas, com o argumento soez de que
não eram familiares. Venceram-se algumas resistências!
Ao
fazer o “centenário” no 4 de Fevereiro, os repúblicos do “Kimbo dos Sobas”
assumiram qual era o seu posicionamento e sobretudo a forma corajosa de
encararem a sua opção, num tempo de violência muito dura sobre ideias que não
perpetuassem o fervor no Império
português, em que o seu grande ideólogo era Adriano Moreira, o homem que
reabriu o Tarrafal em 1961.
A
Angola utópica passou por muito lugar, e como se vê Coimbra também colocou o
“seu tijolo nos alicerces do mundo”, mas os muitos que viveram esses tempos,
apenas queriam que todos “tivessem o seu bocado de pão”
Fernando Pereira
28/01/2023
12 de janeiro de 2023
“Primeiro vem o estômago cheio, depois vem a ética” / O Interior/ 11-01-2023
“Primeiro vem o
estômago cheio, depois vem a ética”
O
título é de uma frase de Bertolt Brecht, e só circunstancialmente tem a ver com
o texto.
O Expresso fez 50 anos. Lembro-me
de ter comprado em Coimbra para o meu pai, o número um, por cinco escudos, num
tempo em que os jornais custavam 2,50 escudos, e que por andanças várias em
tantos locais acabou por desaparecer esse exemplar do meu baú das recordações.
Durante
décadas comprei o Expresso, lia-o mesmo quando não concordava com muito do que
se lá opinava e o critério do filtro das notícias. Fiz alguns artigos de
opinião há uns anos, que me valeram mais uns quantos impropérios por parte de
alguns leitores, mas é da vida!
O
Expresso foi uma lufada de ar fresco no cinzentismo da imprensa portuguesa de
então, e só o facto de Francisco Pinto Balsemão ter sido deputado da Acção
Nacional Popular pelo distrito da Guarda lhe terá valido alguma condescendência por parte de
uma censura feroz que Marcelo Caetano transformou num “Exame Prévio”, num período
em que se mudou tudo para que tudo ficasse na mesma.
O grupo
poderoso em que o Expresso se tornou ajudou a melhorar o panorama da
comunicação social em Portugal, mas ao mesmo tempo nota-se que não consegue por
vezes ir mais longe nas suas pesquisas, porque a imprensa não consegue sair do
invólucro económico onde a sociedade está inserida.
Li o
livro de Francisco Pinto Balsemão, e acho um documento interessante, embora
haja alguns casos, nomeadamente a situação do BES Brasil em 2015 que me
pareceram desculpas esfarrapadas para que o Expresso não tivesse dado
continuidade a uma investigação. Este é apenas um exemplo como poderia dar
muitos mais, como o silencio sobre os “Panamá Papers”, e outras investigações
que terão ficado adiadas para as calendas gregas.
Convém,
contudo, dizer que prefiro um Expresso como sempre foi, a outros que se arvoram
em independentes que tem gente que quando lhes cai a máscara afundam-se em
águas profundas na vertigem do poder. Parabéns ao Expresso, e não conto estar
cá quando fizer mais 50 anos.
O
jornalismo tem-se desprestigiado, não tanto porque a qualidade dos
profissionais tenha piorado, antes pelo contrário, já que hoje tem melhor
preparação e maior quantidade de recursos, mas porque há uma cada vez maior
intervenção das administrações das empresas de comunicação social nas direcções
dos órgãos e concomitantemente por aí abaixo.
Albert
Camus dizia “Nada é mais desprezível do que o respeito baseado no medo”. O
jornalismo não escapa ao “círculo de giz caucasiano”, que lhe é imposto pelo
endosso económico e pela coesão social que condiciona o nosso comportamento
coletivo.
Os
jornalistas hoje escrevem e falam pouco mais que o óbvio, e fazem o favor às
audiências através da chicana política a falarem de carros, salários e
indeminizações extraordinárias, que é algo importante, mas que não é tudo no
quotidiano do País, nem determinante para o futuro do bem estar dos cidadãos.
Por
acaso algum jornalista já foi instado a fazer um trabalho sobre a realidade da
atribuição de competências aos municípios na área social e as consequências e
desemprego que vão gerar um pouco por todo o País, para além de outras pouco
claras.
Este é
só um exemplo, como poderia dar muitos, sobre tantas palavras que se pedem a
silêncios que se perpetuam. Como dizia Jean Paul Sartre: “Todas as palavras têm
consequências, os silêncios também têm”.
Faz
também a 20 de janeiro, cinquenta anos que foi assassinado em Conacri, na República
da Guiné-Conacri, Amílcar Cabral, então líder do PAIGC (Partido Africano para a
Independência da Guiné e Cabo Verde). Porque foi um dos grandes da libertação
dos povos e o maior estratega da luta contra o colonialismo português, e porque
era um homem de grande craveira intelectual não gostaria de deixar de relevar
esta infausta efeméride.
Bom Ano de 2023, e façam como D. Diniz e desconfiem de rosas
em Janeiro!
Fernando Pereira
8/01/2023
14 de dezembro de 2022
Bonitas palavras não engordam gatos! / o Interior 14-12-2022
Bonitas palavras não engordam gatos!
O meu saudoso companheiro de algumas horas boas que vivi, o
Ruy Duarte de Carvalho, um dos mais brilhantes escritores da lusofonia, tem uma
frase que vai fazendo o meu quotidiano, e que é tão útil nos tempos que desvivemos:
“Há o que vi porque mo disseram, há o que vi sem mo terem dito, há o que conto
e o que não conto”!
Vivemos tempos estranhos e simultaneamente entranhos, porque
estamos perante uma realidade que tem um léxico ficcionalmente otimista e
exageradamente enganoso.
Perante um conjunto de problemas que nos vão afetando a
todos, na saúde, na educação, nos transportes, nas respostas sociais entre
outros assiste-se a uma verve de tantos milhões que às vezes não sei se estou
em Portugal ou trancado no cofre forte do tio Patinhas, uma das detestadas
figuras do delator Walt Disney.
Acho que o que se está a assistir acaba por ser kafkiano,
porque me parece estarmos com um discurso político de euforia por parte dos que
dirigem, quando no terreno a realidade é muito diferente e os problemas
avolumam-se sem que haja respostas locais. Em muitos sectores da atividade
económica e social há verdadeiros dramas, e quando os dirigentes são
confrontados com falta de recursos, por incumprimento do Estado as pessoas pouco
conhecedoras desafiam a mostrar os milhões apregoados todos os dias nas
parangonas da imprensa ou redes sociais.
Enquanto se conseguir estancar a montante, tudo vai correndo na perfeição do
discurso do otimismo e as situações desagradáveis que se vão desenvolvendo,
sempre vão tendo a desculpa dos danos causados por uma guerra que veio mesmo a
calhar numa altura em que se anteviam momentos difíceis na União Europeia e no
tal mundo globalizado que deixámos construir!
Confesso que faço minhas as palavras do Millor Fernandes,
escritor brasileiro recentemente falecido: “O desespero eu aguento. O que me
apavora é essa esperança”!
Cada vez temos menos respostas para tudo aquilo que julgámos
adquirido, e alguma falta de recato de quem nos dirige, traz em cada vez mais
sectores da população uma vontade de mudar para quem lhe oferece tudo que não
lhe pode dar, na proposta de alterar os princípios da democracia!
A estupidificação começou com a concorrência entre canais de
televisão e generalizou-se através do uso das redes sociais, onde prolifera a
devassa, a ignorância e a altivez de tantos, local ideal para denegrir
instituições e pessoas que são gente valorosa e que lutam ou lutaram pela
democracia e liberdade.
É nestas alturas que me recordo sempre de uma ideia de
Umberto Eco. O escritor e filósofo italiano apontou uma característica às redes
sociais, que dão o direito à palavra aos "imbecis que antes apenas falavam
nos bares, depois de uma taça de vinho, mas sem prejudicar a
coletividade". Acrescentou Umberto Eco que "normalmente, eles eram
imediatamente calados, mas agora têm o mesmo direito à palavra que um Prémio
Nobel".
Esta
ideia de Umberto Eco, que também foi uma autoridade no campo da semiótica, foi
lançada em 2015. Já lá vão uns anos. Mas o escritor fez questão de acrescentar
a seguinte ideia: "Antes das redes sociais, a televisão já havia colocado
o 'idiota da aldeia' num patamar em que este se sentia superior. O drama da
Internet é que ela promoveu o “idiota da aldeia” a detentor da verdade",
disse Umberto Eco quando um recebia mais um prémio na sua prestigiada carreira.
(José Abranches).
Resta-me
desejar umas Boas Festas e um Bom dia da Família a quase todos!
Fernando
Pereira
10/12/2022
1 de dezembro de 2022
Era uma Casa! /Jornal de Angola/ 29-11-2022
Era uma Casa!
“Trago em mim o inconciliável e é
este o meu motor Num universo de sim ou não, branco ou negro eu represento o talvez”
Pepetela
“Mayombe”
O
título deste artigo é o início de uma canção do Vinícius de Morais que
trauteávamos nos idos sessenta do século passado.
Como
estamos em tempo de efemérides, e neste caso os 47 do nosso 11 de Novembro era
justo trazer à lembrança o que foi a Casa dos Estudantes do Império, e o que
representou no contexto da luta de libertação nas colónias portuguesas.
Muitas
vezes a CEI foi propositadamente esquecida no contexto da luta, e ainda hoje,
ultrapassadas muitos anos parece que ainda se evita coloca-la num contexto
importante na afirmação dos valores independentistas, entre uns quantos que a
frequentaram de 1944 a 1965, data do seu encerramento.
A CEI,
ou a Casa, tinha instalações em Lisboa, na Av. Duque de Ávila, no Arco do Cego,
num prédio que ainda lá está e recuperado, em Coimbra num edifício já demolido
junto ao Penedo da Saudade e no Porto, de curta duração. A Casa em Coimbra
fechou em 1961, quando praticamente não tinha actividade, embora tivesse
editado um boletim cultural, “O Meridiano”, de que terão saído poucos números.
Para
além das actividades culturais, o nascer da afirmação de liberdade e libertação
e outras, a Casa conseguiu algo que raras vezes vejo salientado.
Foi
importante que angolanos se conhecessem, e que estes estabelecessem ligações
com estudantes das outras ex-colónias.
Na
realidade os angolanos que vinham estudar para Portugal só se conheciam dos
bancos do Salvador Correia em Luanda, e do Liceu Diogo Cão na então Sá da
Bandeira. Não se conheciam, salvo um caso ou outro, porque todos os do Sul de
Angola, e aqui incluíam-se as províncias em que a fronteira era a linha do Caminho
de Ferro de Benguela, iam estudar para o Liceu Diogo Cão, que era quem absorvia
as gentes dos colégios, missões e liceus do centro-sul do território. Todos os
alunos do centro-norte da “província” em iguais circunstâncias iam para o Liceu
Salvador Correia em Luanda.
Os
finalistas dos liceus de Angola conheceram-se em Lisboa na CEI, porque até aí
nem sabiam muito bem o que se passava num ou noutro estabelecimento de ensino.
Foi aqui que esta gente se juntou,
e se o espirito do então ministro das Colónias Francisco Vieira Machado,
secundado pelo comissário geral da Mocidade Portuguesa Marcelo Caetano, seria
juntar numa casa todos os estudantes das colónias para criar uma elite de
continuadores da “dilatação da fé e do Império”, conseguiu precisamente ajudar
a criar um grupo importante de gente que se afirmou disponível para lutar pela
libertação das colónias portuguesas, e que de certa forma foi o fermento de uma
estrutura chamada de CONCP (Conferencia das Organizações nacionalistas das
colónias portuguesas), que juntou muita gente da CEI engajada nos movimentos de
libertação!
Quando se fala da CEI há a
convicção que todos os milhares de pessoas que por lá passaram ao longo de 20
anos eram, ou tornaram-se convictos independentistas. Nada de mais enganador.
A maior parte utilizava a CEI
porque tinha um posto médico, uma procuradoria que ajudava os estudantes em
actos administrativos, fazia muitos bailes, projectava uns filmes com apoio de
cineclubes, saraus, desporto, promovia viagens e jogos florais. Era
significativo o numero dos que se
dedicaram à causa independentista, mas no geral foram muito mais os que não
ligavam a rigorosamente nada e queriam era só estudar, alguns quantos que
subiram nas estruturas do regime de então e muito poucos que até deram
informações à PIDE sobre actividades da Casa e algumas pessoas foram presas por
isso!
Sobre a CEI já muito se disse, e
já há muita publicação, mas convém dizer que a gente da CEI, que optou por “dar
o salto” foi sempre olhada com muita desconfiança no seio do “maquis” por
razões que se percebem. Afinal eram os privilegiados, porque podiam ter
estudado, enquanto outros eram os “condenados da terra” de que falava Fanon.
Se esta situação já era
complicada nos tempos da luta de libertação, ela tornou-se “silenciosamente
visível “nos primeiros anos de independência, onde perante algumas posições de
algum oportunismo, o argumento de que “andavas na CEI a divertir-te enquanto
outros comeram o pão que o diabo amassou” era quase chamar pequeno-burguês com
mentalidade colonialista.
Hoje as coisas já não estão tão
extremadas e este quase sinete da CEI já pouca gente utiliza, porque a maioria
dos frequentadores da Casa ou já morreram ou já estão com uma provecta idade, e
aos filhos não lhes foi transmitida grande parte desta situação que existiu ao
longo dos primeiros vinte anos da nossa independência.
Ao dizê-lo hoje, faço-o com a
convicção que foi defenestrada gente porque esteve na CEI, porque a opção,
oportunista na maior parte dos casos, em determinado contexto era a do
operário-camponês na direcção de estruturas políticas e económicas, e depois
resultou no que vimos em determinada altura.
Ainda vamos a tempo de dar valor
a essa juventude que na CEI sonhou o futuro, e que afinal vai dizendo “não foi
isto que se combinou”!
Fernando Pereira
26/11/2022
19 de novembro de 2022
De muitos nasceu um País/ Edição Especial do Jornal de Angola 18/11/2022
De muitos nasceu um País
No quadragésimo sétimo aniversário do dia mais extraordinário da nossa vida colectiva, vem-nos à memória o que eram os anos do antes desse Novembro do nosso contentamento.
Com
demasiada frequência vemos, ouvimos e lemos manifestações do tipo que no tempo
do colono é que era bom, ninguém roubava, era tudo coisa boa, comidinha na mesa
em abundância, e uns tropas portugueses que estavam em paz por manterem um
território pacificado.
Angola
não era rigorosamente nada disso, e o colonialismo foi demasiado tenebroso para
os angolanos, e só por pura estultícia se pode permitir comparar os maus tempos
que vamos passando com algo bem pior que acabou nesse 11 de Novembro de 1975 do
nosso encantamento.
Entre o
grande desenvolvimento que Angola tinha em termos económicos no tempo do
colono, com índices de crescimento na ordem dos 16%, nunca ninguém terá ousado
perguntar como se obtinham as mais valias? À custa de uma “requisição civil” de
pessoas de determinadas regiões destacadas para outras bem longe, transportadas
em camionetas sem bancos, recebendo salários miseráveis, que eram gastos na
cantina de uma fazenda de café, sisal ou algodão aumentando o endividamento e a
obrigatoriedade de trabalhar de sol a sol, coagidos por tratamentos desumanos
infligidos pelas autoridades. A empreitada era condenada pela OIT, mas o “código
do trabalho rural”, que em 1961 substituiu o Estatuto do Indigenato, obra “milagreira”
de um Adriano Moreira recentemente falecido, foi nada mais nada menos que mudar
tudo para que tudo ficasse exactamente na mesma.
As
pessoas por acaso sabem que em 1961, quando eclodiram as revoltas contra o
sistema colonial implantado, Angola tinha apenas duas estradas asfaltadas
(Luanda-Catete e Lobito-Benguela)? As pessoas sabem que até 1974 qualquer
trabalhador negro tinha um cartão de trabalho que devia ser assinado pelo
patrão, para justificar junto da autoridade que tinha carta de alforria para
andar na rua? Se porventura não fosse assinado era preso e só era libertado
quando o patrão lá fosse busca-lo!
Quando
se olha para o que infelizmente hoje resta da Luanda colonial, que deveria ter
sido preservado como marca identitária de uma determinada arquitetura de um
período preciso, esquecemo-nos das condições miseráveis da maior parte dos
bairros, onde o cantineiro vendia tudo e onde as rusgas eram frequentes, sendo
rara a família que não tivesse perdido alguém só e apenas por um criminoso
delito de consciência!
As
autoridades coloniais não precisavam de esconder o que pensavam. Marcelo
Caetano, quando ministro do Ultramar escreveu num opusculo “Os nativos na
Economia Africana”: “Os negros são indispensáveis como ajudantes,” mas “deviam
ser dirigidos e rodeados por europeus”. Kaulza de Arriaga secretário de Estado
da aeronáutica: “Os pretos são, de todos os povos do mundo, os menos
inteligentes” e ainda outra pérola que numa justificação que os verdadeiros
perigos de um estado colonial vinham dos “negros evoluídos”, adiantando logo
que “Graças a Deus que nós portugueses não temos a possibilidade de fazer
evoluir todos os negros.”
Não
acho que seja demasiado importante falar muito do passado que nos deu o 11 de Novembro
de 1975, e vem-me sempre à lembrança o provérbio africano: “Por mais longa que
seja a madrugada o amanhecer chega sempre”.
Tive um
professor, Vergílio Ferreira que num dos seus livros deixou uma ideia que me
tem perseguido ao longo destes anos tantos: “Tenho uma saudade imensa do mundo
que vai nascer”.
Felizmente
que Angola é um País de gente jovem, dificultadamente rejuvenescida, e terá
sempre oportunidade de intervir para querer o melhor para si e para os seus.
Quarente e sete anos é uma gota de água num contexto de um oceano. Nenhum País
arrancou sem dificuldades, porque a maioria das vezes foi o criá-las que fez
vencer a luta.
Angola
conquistou a sua independência porque houve gente que lutou por isso, pessoas
que abandonaram famílias, amigos, companheiros de tanta coisa para lutarem sem
meios para que hoje se possa ter o direito de dizer que as coisas estão mal,
que há corrupção, que há amiguismo, e tudo o resto. Era um direito que no tempo
em que Angola era uma colónia de Portugal, ao tempo um dos países mais
atrasados da Europa, era negada de forma violenta a qualquer cidadão angolano
que com alguma sorte podia passar um estágio no Penedo, Missombo, Tarrafal, S.
Nicolau e outros lugares que não apareciam nas praias de areia fina dos postais
ilustrados ou das revistas da sociedade branca de uma Luanda que acabava no
asfalto.
“Ninguém
experimenta a profundidade do rio com os dois pés” e por isso ouse-se pensar no
futuro, porque afinal é mesma a única coisa de que tenho saudades.
Posso
não gostar de muitos, que depois de terem lutado tiveram comportamentos
censuráveis depois da libertação, mas também tenho o dever de lhes agradecer “o
bocado de pão” pois deram a alegria imensa de sermos a nação que o futuro trará
significadamente melhor, com mais instrução e mais igualitária na distribuição
da riqueza!
Vamos
fazer um 11 de Novembro de 1975, novo a cada dia que passa!
Fernando Pereira 29/10/2022
15 de setembro de 2022
Au revoir Silvye! /O Interior /13-09-2022
Au revoir Silvye!
“E setembro chegou/ vamo-nos separar/o
Verão terminou/diremos au revoir/ela vai pra Paris e eu vou ficar/ Vou ficar
infeliz e Sylvie vou lembrar.”
Esta canção surgiu nos anos sessenta
pela voz imorredoira do saudoso “Duo Ouro Negro”, e rapidamente entrou pelos
ouvidos dos cidadãos desses tempos, que a cantavam com grande entusiasmo. Tinha
um estribilho simples e que não causava engulhos às zelosas autoridades de
então.
Lembrei-me desta canção porque Setembro
chegou e acabou o Verão, com a rentrée política dos partidos, com os lideres e
o resto da malta com um bronzeado interessante a falarem do futuro de todos, do
dos outros, tudo em abono do seu próprio.
Julho e Agosto foram sempre meses de
ciclismo de estrada, com entusiasmo no acompanhamento das voltas, as festas, as
romarias e os pasme-se, os incêndios!
Há muitas décadas, das muitas que começo
a ter, que vou assistindo aos incêndios, uns com maior intensidade, outros com
menos, mas sempre tema recorrente na agenda dos políticos nesta altura do ano.
Ao longo das décadas o incêndio tem
sempre culpados; Antes do 25 de Abril eram os terroristas, depois de 1974
passaram a ser os comunistas, que queriam o País queimado, depois os
madeireiros, entretanto a culpa passou a recair nos pastores, anos depois nas
celuloses, e entre outros culpados de menor expressão, o aquecimento global.
Não pretendo ser mais um especialista em
fogos, que muitas vezes são os mesmos que discutem na imprensa pandemias,
guerra na Ucrânia, SNS, e a partir deste último fim de semana mortes de reis,
valetes e damas!
Durante uns dias o interior de que
ninguém fala durante o ano inteiro e que o País real só sabe que é um
território vasto para lá de Vila Franca de Xira é notícia porque está a arder.
Aí aparecem as soluções de sempre para
que tudo normalmente fique na mesma, e muitos debitam opiniões no mínimo
ridículas para quem vive o quotidiano destas regiões o ano inteiro. A culpa é
do eucalipto, dizem algumas mentes brilhantes, mesmo quando os fogos deflagram
e desenvolvem-se onde não há uma única árvore dessas. A culpa é do pinheiro que
é resinoso, mesmo que haja poucas espécies. O que é preciso é plantar
azinheiras, carvalhos, sequoias ou mesmo liquidâmbar ou magnólias. Muita desta
gente não sabe a diferença entre um freixo, um plátano, uma olaia, um choupo ou
jacarandá. Mas as televisões dão-lhe voz e falam com uma autoridade tamanha,
que só o desconhecimento total do entrevistador lhe permite o desfilar
continuado de dislates.
No terreno uns pobres jornalistas, mal
pagos e com o editor a exigir-lhes num quase “bulling” informativo, que
insistam nas perguntas mais idiotas, num cenário de fumo, vento, desorientação
perfeitamente justificada por parte das pessoas. Um verdadeiro serviço de
calamidade pública é exatamente o que esta situação na informação merece ser
referenciado.
Os bombeiros, gente de grande
voluntarismo, e por vezes algum excesso de aventureirismo acabam por ser a
parte mais fragilizada de tudo isto. A maior parte do equipamento disponível é
para fogos urbanos aliada à deficiente preparação do quadro de pessoal que se
reforça no Verão, acaba por resultar algumas vezes na incompreensão por parte
dos que vão vendo os seus bens em perigo. Todos opinam, tratam-nos mal, mas na
hora da aflição chamam-nos. Se um bombeiro porventura soubesse quanto ganha um
militar numa missão no Kosovo ou no Mali por conta da ONU talvez pensasse duas
vezes antes de responder com prontidão à sirene. Mas é da vida!
Acho que não são necessários relatórios,
nem visitas de grupos de ministros ou secretários de estado porque tudo vai ser
sempre igual, e cada Verão que temos vai arder o que ardeu há cinco anos, pois
já há material combustível “recuperado” para o “espetáculo” incêndio, e por
incúria ou crime a coisa repete-se. Nada a fazer!
Talvez seja eu que não percebo nada de
fogos e sou irrealista, mas só vos digo que para o ano há mais!
Fernando Pereira
12/09/2022
8 de junho de 2022
DESALENTO / o Interior / Guarda 8-6-2022
DESALENTO
Os
Monty Python não seriam admitidos na TV hoje, disse em 2008, Terry Jones,
diretor e ator de um dos mais notáveis filmes do grupo, a “Vida de Brian”.
Se
ainda fosse vivo, Jones iria ainda sentir hoje quão atuais são as suas palavras,
e pelo caminho que as coisas estão a levar a perenidade do que disse no fim do
segundo lustro do século.
Vive-se
hoje num permanente estado de censura à opinião discordante do status quo
prevalecente. Chafurda-se no maniqueísmo
absoluto em que ou se está com tudo que nos fazem crer que é verdade, ou contra
a outra verdade que alguns podem acreditar que seja válida, mas que aos olhos
do absoluto esta última é algo de herético ou demoníaco!
Não são
bons os momentos que vivemos, e não auguram nada de bom nos difíceis tempos que
se avizinham.
Vamos
vivendo com as recordações de outros tempos onde a diferença e a tolerância eram
fator de progresso, de estímulo, de liberdade e de democracia participada.
Lord
Acton é o autor da famosa frase: "O poder tende a corromper, e o poder
absoluto corrompe absolutamente”. Infelizmente é a verdade que as situações que
nos criam obrigam, e que a maioria ache
que a inevitabilidade das poucas opções que existem sejam sempre produto de
entidades difusas, que não tem nada a ver com os que mandam, que efetivamente
só não repetem a estafada frase salazarenta que
“se soubessem quanto custa governar todos obedeciam”, e alguns que só a
não dizem por pudor.
Maquiavel
sintetiza de certa forma os termos com que a política e a informação com que
quotidianamente vamos vivendo: “Os poderosos criam dificuldades para vender
facilidades”!
Num
tempo de “Guerra quente” em que se vive,
está-se perante uma invasão injustificada e ilegítima de um autocrata a uma Ucrânia governada por um
protagonista que aparece mais vezes a teatralizar do que a apresentar propostas
que ajudem a resolver uma situação em que o seu povo será sempre o único
sacrificado de obscuros interesses económicos e estratégicos que o transcendem.
Não vou
entrar em pormenores porque há especialistas a esmo, mas isto tudo tresanda-me
a um jogo de interesses, a um realinhamento económico e a algo que não vai dar
bom resultado, para a maior parte dos intervenientes, nomeadamente a obesa e
abúlica União Europeia. Vai olhando para o seu umbigo com um olho e com o outro
para os inimigos que os EUA lhes arranjam. O problema dos americanos é tentarem
um “New Deal” requentado, onde falta provavelmente um homem da dimensão do
Roosevelt, provavelmente o último grande presidente de um País que é bem mais
que um continente, e que não deixa de ter aspirações de controlar o mundo.
O
invasor Putin, que curiosamente tem como único partido de oposição, o partido
comunista com 20% na Duma, sabe que a Europa está de cócoras, sem um exército
determinado a fazer valer a sua soberania e os seus interesses económicos,
decidiu atacar de forma algo cobarde outra absurdocracia que é a Ucrania onde o
Zelensky ilegalizou 11 partidos, desde a esquerda ao centro, um dos quais o
social-democrata. Talvez tenha lido Gil Vicente: “ Mais vale um asno que me
carregue do que um cavalo que me derrube”!
Nesta
guerra de informação de um sentido só, para onde enviam jornalistas sem
conhecimentos e com a cartilha posta e imposta vai-se tentando moldar opiniões,
sem tampouco saber que quando isto estiver a doer no quotidiano das pessoas, já
não haja resposta para a propaganda, que é muito diferente de informação.
Porque
gosto de ser informado precisava de saber o que pensa e dizem os outros lados
da guerra, mas isso foi-nos retirado de forma abrupta, e assim só há inimigos
ou amigos, não nos dando a possibilidade de questionar se podemos nem estar de
um lado ou de outro, ou mesmo em lado algum.
“Os
medíocres falam de pessoas, os sofríveis comentam factos e os bons debatem
ideias”
Fernando Pereira
5/6/2022
14 de abril de 2022
“Enquanto há morte há esperança” / o Interior / Guarda 14-04-2022
“Enquanto há morte há
esperança”
Esta frase de Lampedusa serve de
título a uma crónica que desdesejaria ter alguma vez escrito.
No dealbar da invasão da Ucrânia
por parte do exército russo escrevi aqui que iria haver um povo e uma terra
sacrificada e esses seriam os ucranianos e a Ucrânia. Tudo o resto são os
habituais “danos colaterais”, um devaneio semântico que os americanos nos foram
habituando nas suas múltiplas intervenções ao nível global ao longo dos anos,
com assassínios em massa!
Os ucranianos estão completamente
sós a verem as bombas a caírem-lhe em cima, e talvez seja altura de perguntar
porque é que não houve esforços suficientes para que não se chegasse a esta
situação, e as que aí virão com consequências inevitavelmente piores.
Vamos assistindo ao cinismo
habitual das circunstâncias, um desfilar de solidariedades que o tempo revelará
muito ténues, e um espetáculo soez de manipulação entre desgraça e morte.
Churchil, uma das figuras marcantes da política inglesa do século XX disse que
“em tempos de guerra a verdade é tão preciosa que precisa de ser protegida por
uma muralha de mentiras”.
O futuro de ontem vai ser
diferente do futuro de amanhã e o que vamos assistir é ao desmoronar das
ideologias, o crescimento da xenofobia e o polvilhar de nacionalismo serôdios
que irão mostrar que o mundo vai ser menos tolerante e equilibrado.
Em vez de se buscarem
oportunidades para a paz, continua-se num frenesim armamentista que
dificilmente irá melhorar o que quer que seja, e quando se chegar ao tempo de
reconstrução de uma Ucrânia dilacerada e destruída aí virão os de sempre a
enviarem ajuda que vai parar a engordar organizações obesas tipo ONU e ONGs na
sua quase totalidade.
Quando em 2001 o Afeganistão se
livrou dos talibãs os EUA pegaram em Hamid Karzai para estabelecer um regime
democrático. A comunidade internacional achou que o país precisava de ajuda
internacional. Logo chegaram a Cabul uma horda de representantes da ONU, e uma
miríade de ONGs com uma legião de trabalhadores humanitários em jactos privados
e acampamentos dignos das mil e uma noites.
No Afeganistão entraram milhares
de milhões de dólares e antes de reconstruir os escombros em que estava o País,
que continuou até ao recente regresso dos talibans, sem escolas, hospitais e
outros serviços públicos importantes para a generalidade dos afegãos. A
primeira fatia do dinheiro foi, pasme-se, para contratar uma linha aérea para
transportar funcionários da ONU e outros funcionários internacionais de um lado
para o outro. Contrataram-se professores e burocratas anglófonos para apoiarem
o trabalho (?) desses funcionários, pagando ordenados de luxo para o nível
afegão. Retiraram-nos de um esforço de apoio colectivo a comunidades para
fazerem serviços que se revelaram dispensáveis e aumentaram os níveis de
corrupção, que os talibans exploraram para o seu regresso ao poder.
A título de exemplo, num distrito remoto do
Afeganistão esses funcionários promoveram
a construção de abrigos, com ajuda de fundos da comunidade internacional.
Ismail Khan, governante do novo poder afegão era o líder de um cartel de
camionagem que transportou uns desadequados barrotes de madeira, que pouco mais
serviram que para lenha. Dos milhões prometidos a essa comunidade, a
distribuição foi esta: 20% foram retidos para cobrir as despesas da sede da ONU
em Genebra, do restante foi distribuído por 3 ONGs em lotes de 20% tendo uma
delas construído com esse dinheiro a sua sede em Bruxelas. O que restou foi
pago a Khan para comprar os barrotes no Irão. Ainda chegou alguma coisa, muita
sorte tiveram os aldeões, algo que outros não o podem dizer.
Isto que aconteceu no Afeganistão
não é caso virgem, e segundo estudos e relatórios sobre fraudes destas
distribuições de fundos internacionais, apenas entre 10 e 20% dos fundos
atribuídos chegam ao destino. Perde-se o resto por tantos “humanitários”, ONGs
e ONU por todo o mundo, e pela corrupção gerada pela gestão destes fundos!!
Este será só um dos filmes que se
espera na Ucrania?
Como diria John Lennon: “Lutar
pela paz é como fazer amor pela virgindade”!
Para não esquecer porque estamos
em Abril. 25 de Abril de 1974 SEMPRE!!
Fernando Pereira
11/4/2022
10 de março de 2022
ENERGIA DE MAU PORTE- O Interior/ Guarda 10/3/2022
ENERGIA DE MAU PORTE.
Confesso que ando
significativamente apreensivo por quase tudo, principalmente porque o futuro
vai-se turvando com as mesmas nuvens que ensombraram o passado.
Não vou
“Ucranear” porque de certa forma tem sido feito até à exaustão, e só consigo
lembrar a frase simples de Juliette Greco: “A chuva ajuda todas as plantas a
crescer, mesmo as venenosas”. Lastimo que no fim de tudo isto, que não sei
quando será, e que repercussões sobrevirão, o povo ucraniano estará francamente
mal e a Ucrânia dilacerada com uma divida enorme de uma guerra posta e imposta
por interesses, que não são exatamente os seus.
A
solidariedade hoje é uma palavra que faz parte do cardápio dos média, e eles
não querem em circunstância alguma que haja assuntos mortos e rapidamente os
vemos mudar a agulha e transformar conflitos cobertos até à exaustão em guerras
esquecidas um pouco por todo o lado. Tem sido assim que nos servem o menu do
tipo agência de viagens do horror, eis-nos transportados para a Síria, Somália,
Líbia, Sérvia, Palestina, Myanmar, Congo, Tchetchénia e tanto lugar onde se
sobrevive e morre apenas, fruto de interesses obscuros, e sempre em nome da
liberdade!
Como
diz Mia Couto, “contra factos só há argumentos”.
Como
anda uma cruzada muito grande contra a exploração de lítio nas regiões onde
quase ninguém vive, e como vejo a contestação e a fundamentação da maior parte
de encarniçados defensores do ambiente e a reboque umas palavras de cátedra por
parte de autarcas, fica a pergunta: Como vamos resolver os problemas do
ambiente sem as baterias dos telemóveis, do armazenamento das centrais
fotovoltaicas, das centrais eólicas, dos carros elétricos e tantas outras
aplicações? Sabem, é que tudo isso é feito de lítio, e tem que se ir buscar
onde o há!
Eu não
sou contra a exploração de lítio, nem de qualquer outro minério que possa
trazer riqueza a zonas despovoadas e sem atividade económica sustentada. Sou a
favor desde que haja estudos de impacto ambientais sérios e independentes, e
que as entidades fiscalizem o trabalho das concessionárias de forma continuada
de forma a salvaguardar o viver dos cidadãos nos territórios onde essas
explorações irão inevitavelmente existir. A experiência não tem sido boa, daí
justificados receios das gentes, por isso tem que se adequar a legislação e a
punição de eventuais prevaricadores a uma intervenção maior por parte das
autarquias e autoridades do ambiente. Aí o lítio e outros minerais passarão a
ser uma mais-valia em territórios de baixa densidade e de parcos recursos
económicos.
Estamos
num período muito complicado, em que se fecharam as centrais a carvão e bem,
apesar de forma pouco prudente, e a fatura energética sobe porque as barragens
que iriam produzir eletricidade estão nos mínimos de segurança. Importa-se
matéria-prima fóssil a preços proibitivos que acabam por ter que ser
exageradamente altos, com reflexos no tecido produtivo do País, e poluentes o
suficiente para cada vez estarmos mais longe das metas traçadas para o controle
de emissões de carbono para a atmosfera.
Pode
parecer uma heresia, mas sou há muito defensor da energia do futuro, a nuclear.
É a energia mais limpa, mais barata e a mais segura. Há no mundo 451 em
funcionamento e há 58 em construção, para além de projetos de quase mais de
duas centenas. Até hoje houve problemas sérios em três centrais, todas por
motivos diferentes e só Chernobyl por razões de tontearia política foi a que
teve piores consequências.
Sei que muitos, dos poucos que me
leem estarão surpreendidos com estas afirmações que servirão, pelo menos, para
um debate de ontem, o futuro energético na região e a exploração dos recursos
existentes!
Temos
que nos deixar de meias verdades sobre estes e outros assuntos, porque como diz
um provérbio chinês, “meia verdade é sempre uma mentira inteira”.
Fernando Pereira
6/03/2022
15 de janeiro de 2022
Despandemizemo-nos rapidamente! / O Interior / 14-01-2021
Despandemizemo-nos
rapidamente!
Nos tempos que correm e nas
circunstâncias que ocorrem, socorro-me da frase de João Guimarães Rosa: “Medo
não, mas perdi a vontade de ter coragem”.
Estamos
em plena campanha eleitoral de um plebiscito que deveria ter sido evitado, que
irá reposicionar tudo mais ou menos na mesma, e que a partir de trinta deste
mês serão atribuídas culpas a esmo, e
logo se irá ver quem aparecerá assim como o dragão no nevoeiro escocês de Loch
Ness.
“Ninguém
experimenta a profundidade de um rio com os dois pés” é um provérbio bantu que
exprime um pouco a situação prevalecente. Uns porque queriam reafirmar poder
pessoal, outros afirmarem o seu “grupo de status”, uns quantos a tentarem dar
resposta a sensibilidades internas, poucos a tentarem forçar o mando sozinhos,
e também alguns que tendo tudo um pouco a ganhar fazem o estardalhaço habitual
contra uma democracia que lhes dá visibilidade e palco, para abastardização dos
valores de solidariedade e liberdade. Sobre estes últimos lembro a frase de
Hélia Correia: “A ameaça da ignorância muda de face, mas não muda de maldade”.
Não
estou entusiasmado, melhor estou quase abúlico em relação a um processo
eleitoral que nada augura de bom e que tem sido de uma confrangedora falta de
ideias e propostas, pelos intervenientes de sempre nalguns casos e de há muito
noutros.
Os
raros debates que vou vendo são entediantes, os que viraram comentadores andam
sempre em volta dos lugares comuns, e a prepararem-se para dizer em breve tudo
ao contrário, do que previram com o mesmo ar cândido com que hoje vertem
verdades absolutas.
Ao
interior lá aparecem com um ar sorridente, mas simultaneamente enfatuado, os que
encontraram com assinalável esforço de encosto as prebendas de um lugar de fato
e gravata, que me faz sempre lembrar o anúncio da lisboeta Rosicler nos anos
sessenta do século passado: “a loja que veste hoje o homem de amanhã”!
Em suma
vem oferecer milhões para milhares de coisas, sem que haja alguém que faça a
comezinha pergunta: Como se obtém dinheiro para tudo isso?
É o
folclore habitual do muito que virá, mas que se perde no caminho.
Por
falar em idas e vindas, e como sou um utilizador de comboios, resolvi um destes
dias voltar a Lisboa pela renovada Linha da Beira Baixa. Apanhei o Intercidades
na Guarda e lá fui até Lisboa. Como vinha no mesmo dia resolvi fazer o percurso
inverso, que me pareceu adequado. Porque preciso de uma ficha para utilizar o
PC, e só a 1ª classe disponibiliza o serviço, utilizo-a com frequência, embora
até ao Entroncamento não seja fácil arranjar bilhete nessa carruagem porque é
ocupada por funcionários da CP e familiares, o que acho no mínimo ridículo, que
quem paga o serviço fica sem a poder utilizar.
A verdade é que até à Covilhã o comboio vinha composto, daí até à Guarda
dei-me conta que era o único passageiro num percurso em que o comboio parou em
cinco ermos, ou apeadeiros, e demorei 55 minutos. De Lisboa à Covilhã o comboio
para em 8 estações e demora 3h e 40 minutos.
Poderia
alongar-me, sobre a falta de limpeza, sabão e papel nas casas de banho, mas
acho que é estoico fazer-se uma viagem a Lisboa de comboio, em que um
passageiro anda 9 horas, se quiser ir e vir no mesmo dia!
Como
diz Gonçalo Miguel Tavares: “A impaciência dos passageiros não pode acelerar o
comboio”
Bom Ano
de 2022 e vamos tentando despandemizarmo-nos!
Fernando Pereira
10/01/2022