19 de novembro de 2022

De muitos nasceu um País/ Edição Especial do Jornal de Angola 18/11/2022

 



De muitos nasceu um País 

No quadragésimo sétimo aniversário do dia mais extraordinário da nossa vida colectiva, vem-nos à memória o que eram os anos do antes desse Novembro do nosso contentamento.

                Com demasiada frequência vemos, ouvimos e lemos manifestações do tipo que no tempo do colono é que era bom, ninguém roubava, era tudo coisa boa, comidinha na mesa em abundância, e uns tropas portugueses que estavam em paz por manterem um território pacificado.

                Angola não era rigorosamente nada disso, e o colonialismo foi demasiado tenebroso para os angolanos, e só por pura estultícia se pode permitir comparar os maus tempos que vamos passando com algo bem pior que acabou nesse 11 de Novembro de 1975 do nosso encantamento.

                Entre o grande desenvolvimento que Angola tinha em termos económicos no tempo do colono, com índices de crescimento na ordem dos 16%, nunca ninguém terá ousado perguntar como se obtinham as mais valias? À custa de uma “requisição civil” de pessoas de determinadas regiões destacadas para outras bem longe, transportadas em camionetas sem bancos, recebendo salários miseráveis, que eram gastos na cantina de uma fazenda de café, sisal ou algodão aumentando o endividamento e a obrigatoriedade de trabalhar de sol a sol, coagidos por tratamentos desumanos infligidos pelas autoridades. A empreitada era condenada pela OIT, mas o “código do trabalho rural”, que em 1961 substituiu o Estatuto do Indigenato, obra “milagreira” de um Adriano Moreira recentemente falecido, foi nada mais nada menos que mudar tudo para que tudo ficasse exactamente na mesma.

                As pessoas por acaso sabem que em 1961, quando eclodiram as revoltas contra o sistema colonial implantado, Angola tinha apenas duas estradas asfaltadas (Luanda-Catete e Lobito-Benguela)? As pessoas sabem que até 1974 qualquer trabalhador negro tinha um cartão de trabalho que devia ser assinado pelo patrão, para justificar junto da autoridade que tinha carta de alforria para andar na rua? Se porventura não fosse assinado era preso e só era libertado quando o patrão lá fosse busca-lo!  

                Quando se olha para o que infelizmente hoje resta da Luanda colonial, que deveria ter sido preservado como marca identitária de uma determinada arquitetura de um período preciso, esquecemo-nos das condições miseráveis da maior parte dos bairros, onde o cantineiro vendia tudo e onde as rusgas eram frequentes, sendo rara a família que não tivesse perdido alguém só e apenas por um criminoso delito de consciência!

                As autoridades coloniais não precisavam de esconder o que pensavam. Marcelo Caetano, quando ministro do Ultramar escreveu num opusculo “Os nativos na Economia Africana”: “Os negros são indispensáveis como ajudantes,” mas “deviam ser dirigidos e rodeados por europeus”. Kaulza de Arriaga secretário de Estado da aeronáutica: “Os pretos são, de todos os povos do mundo, os menos inteligentes” e ainda outra pérola que numa justificação que os verdadeiros perigos de um estado colonial vinham dos “negros evoluídos”, adiantando logo que “Graças a Deus que nós portugueses não temos a possibilidade de fazer evoluir todos os negros.”

                Não acho que seja demasiado importante falar muito do passado que nos deu o 11 de Novembro de 1975, e vem-me sempre à lembrança o provérbio africano: “Por mais longa que seja a madrugada o amanhecer chega sempre”.

                Tive um professor, Vergílio Ferreira que num dos seus livros deixou uma ideia que me tem perseguido ao longo destes anos tantos: “Tenho uma saudade imensa do mundo que vai nascer”.

                Felizmente que Angola é um País de gente jovem, dificultadamente rejuvenescida, e terá sempre oportunidade de intervir para querer o melhor para si e para os seus. Quarente e sete anos é uma gota de água num contexto de um oceano. Nenhum País arrancou sem dificuldades, porque a maioria das vezes foi o criá-las que fez vencer a luta.

                Angola conquistou a sua independência porque houve gente que lutou por isso, pessoas que abandonaram famílias, amigos, companheiros de tanta coisa para lutarem sem meios para que hoje se possa ter o direito de dizer que as coisas estão mal, que há corrupção, que há amiguismo, e tudo o resto. Era um direito que no tempo em que Angola era uma colónia de Portugal, ao tempo um dos países mais atrasados da Europa, era negada de forma violenta a qualquer cidadão angolano que com alguma sorte podia passar um estágio no Penedo, Missombo, Tarrafal, S. Nicolau e outros lugares que não apareciam nas praias de areia fina dos postais ilustrados ou das revistas da sociedade branca de uma Luanda que acabava no asfalto.

                “Ninguém experimenta a profundidade do rio com os dois pés” e por isso ouse-se pensar no futuro, porque afinal é mesma a única coisa de que tenho saudades.

                Posso não gostar de muitos, que depois de terem lutado tiveram comportamentos censuráveis depois da libertação, mas também tenho o dever de lhes agradecer “o bocado de pão” pois deram a alegria imensa de sermos a nação que o futuro trará significadamente melhor, com mais instrução e mais igualitária na distribuição da riqueza!

                Vamos fazer um 11 de Novembro de 1975, novo a cada dia que passa!

 

Fernando Pereira 29/10/2022

 

 

               

2 comentários:

humberto de Monfalino disse...

Li e reli o intrelectualização do teu texto. Não tenho muito a depreciar e até não contesto algumas inverdades sobre o colonialismo portugues em Angola.Como o Luandino, sou um angolano que nasceu em Portugal.Com Viriato Cruz, Helder Neto, António Jacinto, André de Sousa, Pires Júnior e tantos outros, fomos parte do núcleo inicial reivindicativo da independência de Angola que veio a a acontecer em 75.O que para ti, hoje, é apenas informação especulativa e descontextualizada, para nós era, então, uma justa reivindicação de liberdade, hoje transmutada em utopia.Porque Angola,hoje, é mesmo uma utopia. Pergunta-te onde esta, hoje, a generosidade da nossa juventude. O porquê da nossa ausência.Não, meu caro, o colono faz, realizou, construiu e, na sua generalidade, foi humano no trato com o povo.Ajudou a construir um país.Ao longo dos meus 4o anos, nunca, mas mesmo nunca, conheci alguém com fome e sem trato de saúde... O que foi acontecendo até hoje? Experimenta, como matabicho, o 27 de Maio. Pergunta-te como comem, como vivem e em que trabalham, 7 milhoes de habitantes, numa cidade projectada para 800 mil.E, porque certamente tens consciência do aviltamento a que o povo é sujeito, pergunta ainda se os governos têm governado ou se se se governam. Um abraço.

Anónimo disse...

100% de acordo. Muitas verdades, algumas omissões e imprecisões no artigo do F.P. que já faz tempo que desconhece a actual realidade de Angola.

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