1 de outubro de 2010

"AVULSISES"/ Ágora/ Novo Jornal / Luanda 2-10-2010


Horácio Sá Viana Rebelo, foi governador-geral de Angola no período entre 1957 e 1960. Para além de ser um sportinguista dos quatro costados, e a quem se deve a edificação do complexo desportivo e sede do Sporting de Luanda junto ao estádio dos Coqueiros, a sua passagem pela colónia foi marcada por algum crescimento económico, face à excelente cotação do café no mercado internacional na primeira metade da década de 50.


Por falar em Sporting de Luanda, não posso deixar de trazer à lembrança uma frase emblemática do Luis Vaz, presidente vários mandatos, numa entrevista ao semanário Notícia no início da década de 70: “ A minha relação com o Benfica é esta: A única coisa que eu tenho vermelha em casa é o tapete, onde esfrego os pés e entro com os sapatos limpos em casa”. Luis “Verde”, como também era conhecido, quando se referia a alguém do Benfica dizia que “só conseguia usar uma linguagem: a tiro!”. Esta frase testemunhei-a eu, quando ele discutia com prosélito sportinguismo um Sporting-Benfica, que tinha estado a comentar durante horas com os decibéis desregulados, após ouvir entusiasmado o relato na Emissora Nacional portuguesa em onda curta.

Voltando a Sá Viana Rebelo, havia uma história em Angola, que sugestionava que a pousada de Kalandula, ao tempo Duque de Bragança, teria sido feita para servir o casamento de sua filha. O local era paradisíaco, mas a realidade é que a pousada nunca conseguiu qualquer viabilidade económica, para além de uma progressiva degradação, e já só abriu com alguma regularidade no toque a finados da presença colonial portuguesa em Angola.

Visitei-a, miúdo nos anos sessenta, quando o asfalto era só até ao Lombe, lembro-me de a ver fechada, com vidros estilhaçados, e com o equipamento cheio de ferrugem, assim como os elevadores completamente deteriorados.

A pousada foi feita a meio da encosta, onde se avistava toda a monumentalidade das quedas, mas também levava com a “espuma” provocada pelas águas revoltas do Lucala, e que assim levou ao deteriorar rápido de uma estrutura, que nasceu debaixo de fortes suspeitas quanto à sua real utilidade e necessidade. Citando o angolano Fausto Bordalo Dias numa das suas canções: “Atrás de tempos vem tempos e outros tempos hão-de vir”!

Mudando de assunto, na busca de algumas histórias da história algo rocambolesca que foi a construção do Caminho de Ferro do Ambaca, e que depois das vicissitudes da sua falência, se transformou no Caminho de Ferro de Angola, vai de Luanda a Malange, ficando para ser continuada até ao Luau, depois de ter sido alterado o plano inicial, que previa ir do Lucala à então Leopoldeville (Kinshassa), descobri que Bento Gonçalves (1902-1942), primeiro secretário-geral do Partido Comunista Português foi trabalhador das oficinas do CFA.

Efectivamente, na busca de melhores oportunidades resolveu deixar o Alfeite (ao tempo Arsenal da Marinha em Lisboa), onde trabalhava e entre 1924 e 1926, tendo sido um propulsor de um movimento sindical com alguma importância ao nível dos Caminhos de Ferro de Angola, o que o levou a “ser convidado a regressar a Portugal”.

Preso em 1936, faleceu no Tarrafal, Cabo Verde em 1942 com a biliose, e ainda hoje é uma referência para os comunistas portugueses, pelo estoicismo com que enfrentou a doença na dureza das condições do campo, como documentaram para memória futura alguns colegas seus de cativeiro.

Sem pretender ser pérfido, sobre os novos olhares sobre o Tarrafal, no politicamente correcto branquear da história, o que se pode dizer é que Bento Gonçalves “morreu na praia”!

Acho que a estultícia, para ter alguma verosimilhança, e ser levada a sério também terá os seus limites, e certa gente merece respeito, pelo empenho que demonstraram na luta, mesmo que as diferenças ideológicas existam!



Fernando Pereira

28/09/2010

24 de setembro de 2010

C'est un joli nom, camarade!/Ágora/ Novo Jornal / Luanda / 25-9-2010

Alves Redol (1911-1969), foi um dos emblemáticos precursores do neo-realismo em Portugal, movimento cultural de inspiração marxista que teve enorme importância entre a crise de 1929 até ao fim dos anos 50, um pouco por toda a Europa, particularmente na literatura, artes plásticas e cinema (“Roma, Cidade Aberta” de Rosselini é a obra mais emblemática nesta arte)

Um escritor fascinante, Alves Redol, descreve a miséria e a pobreza de um Portugal, principalmente os que vivem nos tugúrios das margens do Tejo a escassas dezenas de km da Lisboa, capital do Império. Gaibéus, Avieiros e Barranco de Cegos, são algumas das obras de um escritor que descreveu de forma inigualável, as margens, o sofrimento, a vida, a luta e a morte de um “Tejo que levas as águas”, que bem cantou esse esquecido amigo de Angola, Adriano Correia de Oliveira.

Redol parte aos 16 anos para Angola em 1928, entusiasmado na aventura de uma vida que dizia “busco, e não encontro cá”, da sua Alhandra tão glosada nas suas obras. Deslumbra-se com a viagem, onde do alto do seu beliche, num habitáculo pequeno e sórdido, que era a terceira classe dos navios, observava tudo ao mínimo detalhe para descrever a viagem minuciosamente no “Vida Ribatejana”, jornal com que colaborou.

Aqui há um hiato na historiografia de militância de Alves Redol, inicialmente do MUD (onde andaram também Agostinho Neto e Lúcio Lara, entre outros nacionalistas africanos), e posteriormente no Partido Comunista Português, já que o jovem Alves Redol, tornou-se um entusiasta das colónias portuguesas, particularmente da obra discutível de Norton de Matos. Sobre este assunto, refira-se a propósito que só no seu V Congresso do PCP, em 1957 no Estoril, se afirma peremptoriamente anti-colonialista, assumindo desde então um alinhamento com os movimentos independentistas das colónias portuguesas, mantendo um importante apoio à sua luta, hoje muitas vezes esquecida e distorcida injustamente.

Alves Redol, começa por trabalhar na Direcção de Fazenda da colónia, e saúda algumas posições então tomadas pelo então ministro das finanças da ditadura, Oliveira Salazar, nomeadamente nos apoios aos colonos “testemunho às virtudes religiosas e cívicas, que de fracos mortais fizeram história”.

Regressa em 1932 a Portugal, com uma imagem muito marcada da importância do Império Colonial, assumindo uma posição quase homérica da afirmação de Portugal no mundo, em frases do tipo “…singravam ao mar em busca de florestas de oiro, de quimeras encantadas, donde qualquer outro povo não tivesse chegado, onde só a bandeira das quinas pudesse governar”.

Só em 1936, Redol começa a despir alguma do seu entusiasmo pró-colonialista, e isso revela-se num conto, “Kangondo”, publicado num jornal do PCP, “o Diabo”, onde ele faz o corte com África, para se dedicar ao seu Ribatejo e à luta do seu povo por ter uma dignidade que já não teve oportunidade de ver, já que a morte não o deixou assistir ao Abril de 1974.

Houve quem tivesse visto alguma similitude, na obra de Alves Redol com a de Castro Soromenho (1910-1968), principalmente em “Homens sem Caminho”, “A maravilhosa Viagem”, mas sinceramente nunca vi grandes convergências, nos pressupostos do neo-realismo, embora assuma que sou um leigo na matéria.

No passado dia 13 de Setembro comemoraram-se os oitenta anos da festa do L’ Humanité, órgão central do PC Francês, onde me deslumbrei quando em 1978, vi ao vivo os míticos Pink Floyd, no palco central de um espaço de cerca de 70 hectares no “Parc Départamental de La Courneuve”, nos arredores de Paris.

Gostava de lá ter estado, para ver a grande homenagem que a “Fete de L’Huma” fez a Jean Ferrat, um dos grandes da canção francesa de intervenção falecido há uns meses (13 de Março de 2010), e também ao enorme José Saramago, o Nobel português recentemente desaparecido.

“C'est un joli nom, camarade


C'est un joli nom, tu sais


Dans mon coeur battant la chamade


Pour qu'il revive à jamais

Se marient cerise et grenade


Aux cent fleurs du mois de mai”

Jean Ferrat (1930-2010) “Camarade”

Havemos de voltar!



Fernando Pereira

21/09/2010

17 de setembro de 2010

Queria não ter tido razão! / Ágora/ Novo Jornal/ Luanda 18-09-2010


Numa das últimas crónicas, neste espaço fui premonitório sobre o livro de Leonor Figueiredo dedicada a Sita Valles.


Disse nessa crónica: “ Recebi um convite para o lançamento do livro de Leonor Figueiredo, com o título de “ Sita Vales – Revolucionária, Comunista até à morte”. Conheci Sita Vales, e lembro-a como uma mulher notável, inteligência brilhante, combativa, algo sectária, determinada como poucos, e sempre lamentei o seu precoce desaparecimento… Não vou ao lançamento, porque acho que a Sita Vales merecia melhor biógrafa, que a autora de uma estulta obra: “ Ficheiros Secretos da Descolonização de Angola”, e porque mereceria melhor editora que a “Aletheia”, uma editora do tipo “Perspectivas e Realidades” com saias!” (SIC)

Li o livro, e digo-o com toda a sinceridade, preferiria não ter tido razão antes do tempo. Pareceu-me uma versão avermelhada de um livro da Condessa de Segur, o que é no mínimo lastimável, para quem tem memória do percurso combativo de Sita Valles.

Descontextualizado da realidade política e militar de Angola ao tempo, muita confusão nos depoimentos e uma tentativa pueril de fazer um libelo ao MPLA e ao governo da RPA de então, misturando factos que terão sido ali colocados, ao jeito de como um tanoeiro fecha uma pipa.

Desapetece-me perder tempo com o livro, e o mais sensato conselho que posso dar é nem o lerem, por razões profiláticas e porque nada traz de novo a algo que é importante ser explicado, sem ser com versões foto novelescas: O que foi o 27 de Maio de 1977.

Mudando a agulha, para temas mais sérios, assumidamente com maior qualidade dos intervenientes, fiquei agradado com a reedição pelo D. Quixote, de duas obras emblemáticas do brasileiro Machado de Assis (1839-!908), “Memórias póstumas de Brás Cubas”, e o “Dom Casmurro”, provavelmente o melhor poeta brasileiro.

O angolano Mário António de Oliveira (1934-1989), foi professor de literatura brasileira na faculdade de letras da Universidade de Lisboa, e invariavelmente começava a primeira aula do semestre com uma provocação: “A literatura brasileira é muito melhor do que a portuguesa”; Burburinho na sala, e ele volta-se a rir para o quadro onde escreve uns versos de Castro Alves. Nunca perdeu o seu ar de rebeldia e a sua costela provocatória!

Voltando a Machado de Assis, vale a pena elogiar a pessoa, ou o grupo de pessoas, que tinha o critério da escolha da importação dos livros no tempo do “Único”, pois importaram-se muitos livros do Brasil, dando a conhecer, José Alencar, Bernardo Guimarães, Olavo Bilac, Castro Alves, Graciliano Ramos, Jorge Amado e outros praticamente desconhecidos da maioria dos angolanos que se habituaram a ler depois da independência. Havia depois uns quantos opinativos, em que a configuração das orelhas não dava para colocar um lápis, que verberavam o que vinha para as livrarias, dizendo que só havia edições da Novosti e da Progresso, embora até houvesse lá uns quantos livros de um “desconhecido” chamado Saramago, que foi o único Nobel de língua portuguesa. Eu descobri livros que reli com o mesmo prazer que me deu quando os li pela primeira vez, como por exemplo “O Alienista” de Machado de Assis.

Continuando na saga de reedições, é excelente que tenham começado a reeditar “O Diário” de Miguel Torga (!907-1995), pseudónimo literário de Adolfo Correia da Rocha, meu antigo otorrinolaringologista, pessoa de ar austero, mas de lindas palavras, imaginadas muitas delas, num dos locais mais bonitos da Europa, em São Leonardo de Galafura, miradouro onde se avista toda a beleza e dureza das terras do Douro.

Já que se fala em reedições de coisas bonitas, o que o início da crónica não permitia antever, relembro que toda a obra de Aquilino Ribeiro está a sair ainda que paulatinamente, recomendável e quiçá encomendável.

Foi o Dr. Eugénio Ferreira, que me meteu o “bichinho “ do Aquilino, e nunca esquecerei que me emprestou “o Malhadinhas”, que li num ápice.

Aquilino Ribeiro, foi uma figura controversa da história de Portugal, sendo mais um combatente que um resistente, e que desde o estertor da monarquia ao dealbar do fascismo lutou sempre com tenacidade, pelos valores da liberdade, da solidariedade e da cidadania plena dos portugueses.

“Olhos brancos em cara portuguesa ou é filho da puta ou erro da natureza”, dizia Aquilino, e com esta acabo, numa crónica que foi feita por ter tido razão antes do tempo!

Fernando Pereira

14/09/2010

10 de setembro de 2010

Ao Correr da Pena/ Ágora/ Novo Jornal/ Luanda 11-09-2010


Na alta de Luanda, onde começa a haver finalmente alguma preocupação em preservar alguns edifícios emblemáticos, lembro-me de ir várias vezes, contrariado, ao Palácio do Prado, propriedade do comerciante, filantropo e comendador José Maria do Prado, doado à sua morte em 1889 ao “Instituto Feminino D. Pedro V”, onde se manteve até ser transferido para novas instalações em 1971.


No início dos anos sessenta, a minha mãe tinha o hábito de fazer voluntariado no instituto, e já sabia que uma vez por semana, se estivesse em Luanda sem aulas, era coagido a acompanhá-la a uma casa de aspecto sórdido, pejada de crianças, com umas freiras de permeio, e uns quartos com dezenas de camas empoleiradas. Esta casa ficava na confluência da ruas do Casuno com a do Sol, precisamente no lado oposto do largo onde hoje está instalado o Tribunal Constitucional na cidade Alta.

Era uma tarde roubada às minhas brincadeiras de rua, e nem algumas lamúrias junto de minha mãe, conseguiam demovê-la para que eu pudesse ao menos ir até ao “Parque Heróis de Chaves”, hoje “Parque da Independência”, onde em vez de vasos, flores e caminhos bem cuidados, vemos carros estacionados, lixo e a prova cabal da inexistência de toilettes públicas na cidade, montes de moscas varejeiras deleitando-se perante excrementos, que nauseiam as pituitárias menos sensíveis.

O “Asilo” assim chamado foi inaugurado com toda a pompa e circunstância, em 1854, num prédio chamado Casa das Torres, em frente à Sé de Luanda, surgiu de um movimento de comerciantes, amanuenses e governantes na sequencia de uma situação em que eram protagonistas duas jovens brancas de 12 e 13 anos, tendo ficado órfãs, e para sobreviver permitiam-se a todos os expedientes, o que colocou a cidade num estado de exaltação, e daí a mobilização para a construção de um lar de desvalidos.

Com o tempo e a frequência das visitas, fui fazendo algumas amigas, que abandonei no início da puberdade, já que deixei de ter idade para ser autorizado a entrar no “D. Pedro V”, tendo a minha mãe dado a alforria, quando efectivamente eu começava a não o desejar, por razões óbvias.

No ano de 1965, tive um choque enorme, quando ao ouvir o noticiário da Emissora Oficial, soube que vinte e oito das muitas que conhecia, tinham morrido, porque numa drogaria por traz do Ministério das Finanças, que ardeu misteriosamente há poucos anos, foi vendido um líquido para os piolhos, tendo o “droguista” dado por engano DDT. Fiquei muito triste, e tentei saber quem tinham sido as infelizes, que naturalmente conhecia, e várias vezes tentei subir ao prédio da Mercearia Delgado, que era o único edifício contíguo alto q.b., para ver se conseguia ver alguém para lá dos altos muros da mansão do Prado, prédio já demolido há uns anos.

Tive que recorrer aos bons ofícios de uma vizinha minha, que estudava no S. José de Cluny, onde andavam algumas das raparigas do orfanato, para saber se algumas das minhas amigas tinha morrido; Não fiquei parcialmente aliviado, porque uma das de quem gostava mais, tinha sucumbido.

Foi uma tragédia enorme, que provocou grande consternação em Luanda, há precisamente quarenta e cinco anos.

Por falar em sucumbir, fez esta semana setenta anos do início do Blitz (7-9-1940) o bombardeamento sucessivo, que a aviação alemã fez sobre Londres e outras cidades inglesas na IIª Guerra Mundial. Foi determinante para engajar a população inglesa na defesa do seu território, o maior esforço de mobilização de sempre do Reino Unido, liderado por um Winston Churchill, que invariavelmente perguntava todas as manhãs se” a cúpula da Catedral de S. Paulo estava intacta”? Como a resposta era afirmativa, Churchill cada vez mais entusiasmo colocava na defesa do seu território.

Bom para a guerra Winston Churchill, idolatrado pelos ingleses, perde as primeiras eleições em paz. Ironias do destino!



Fernando Pereira

7/9/2010

5 de setembro de 2010

Cabeças coroadas? /Ágora/ Novo Jornal / Luanda/ 4-09-2010


Muitas vezes escrevemos algumas das nossas crónicas numa pressinha! O resultado tem um denominador comum: É penoso para quem escreve e fundamentalmente para quem lê.


Quero pedir-vos desculpa pelo conjunto de vulgaridades desta crónica, mas a realidade é que estou sem um estímulo forte, que me permita escrever a parecer razoavelmente bem.

Ouvi recentemente uma conversa entre umas senhoras, já a caminharem para provecta idade, e que para as festas em Luanda nos anos sessenta, levavam as cabeleiras coreanas louras que o falecido Horácio Roque vendia, a lembrarem-se das “mises “ que faziam na “Ana Bolena”, para tentar resplandecer nas festas do Clube dos Caçadores e do Clube Naval, locais eleitos pela burguesia colonial para as suas noites mais badaladas.

A “Ana Bolena” era o salão de cabeleireiro mais afamado da cidade, perto do que é hoje o prédio da BP, e era uma autentica escola de cabeleireiros, já que quase todas as muito aperfeiçoadas profissionais que montavam salão desde a Cuca ao Catambor, referenciavam essa escola, a que não eram alheios os olhares libidinosamente encervejados do androceu“Amazonas”, do outro lado da avenida dos Restauradores, hoje Rainha Jinga!

Faz-me alguma confusão, um salão de cabeleireiro homenagear uma rainha de Inglaterra, que morreu decapitada na Torre de Londres. Eu acho uma situação no mínimo hilariante, como acharia dar o nome de Yull Brinner a uma barbearia. Ana Bolena era uma nobre francesa por quem Henrique VIII se apaixonou, exigiu que o Papa anulasse o seu casamento com Catarina de Aragão, e como o Papa Clemente VII excomungou o Rei, este resolveu fundar a Igreja Anglicana, e torná-la religião de estado, algo que ainda acontece hoje em Inglaterra, em que a rainha é a entidade máxima da Igreja. Para que conste foi mãe de Isabel I de Inglaterra (1533).

“Ana Bolena”, o cabeleireiro, destronou em fama o “Salão Império”, situado num primeiro andar ao lado do Hotel Avenida, que por sua vez está localizado numa rua (!!!) com o máximo de cem metros, ali para os lados do antigo Palácio do Comércio, hoje MIREX. Olhando a história, penso que esta alteração, foi premonitória sobre o futuro do que veio a acontecer em Angola: A cabeça do império acabou decepada!

Havia ao tempo uns malandros da vela, modalidade muito querida pela “BUFA” (designação “reviralhista” da Mocidade Portuguesa, que iam esperar as meninas da “Ana Bolena”, vogando à bolina.

Porque estamos em momentos de generalidades, hoje peguei num esquecido pacote de “Ouro Preto”, um tabaco de cachimbo que a FTU produziu, e que fumei até me assaltarem a casa e me terem roubado uma pequenina, mas preciosa colecção de cachimbos. Era um tabaco notável, e se estivesse muito seco, carregávamos-lhe com um bocado de whisky, e em nada era pior que o Mayflower, o Balkan Sobranie, Amphora, ou outros picados para cachimbo. Embora tenha deixado de fumar, não esqueço aquele aroma de um tempo em que nos primeiros tempos da independência, só alguns saboreávamos mesmo esse néctar.

Foi um “Ouro Preto” que nunca trouxe muitas contas e interesses acrescidos ao País. Fumá-lo, vendo bem algumas coisas até foi uma coisa boa!

Fernando Pereira

31-8-2010

3 de setembro de 2010

Ceausescu em Paris! / Novo Jornal/ Luanda/ 4-9-2010


Assiste-se na Europa, a um recrudescimento de fenómenos de xenofobia e racismo, que abrem caminho, a cenários políticos perigosos num futuro não muito distante.
A recente decisão do governo francês de expulsar os cidadãos de etnia cigana, aliado ao veto de Paris, de impedir a entrada da Roménia no espaço Shengen, é um claríssimo recuo de uma vivencia inter-étnica e multicultural deve ser a comunidade de países.
As tímidas manifestações condenatórias a esta atitude, trazem-me à lembrança Brecht :”Levaram os ciganos, mas como não sou cigano, não me importei”, e na realidade a Europa, ciosa dos valores assentes na sua herança judaico-cristã, vai tentando assim, esconder a sua incapacidade de lidar com minorias, com hábitos e costumes dificilmente enquadráveis na dinâmica económica e social do espaço de uma União Europeia algo asséptica.
Não me surpreende quando uma bosta, um tal Jean Marie Le Pen, que para além de ter seguidores e votantes, tem entre a sua corja mais intima, uma filha, uma tal Pierrete Le Pen, tão fascista e racista como o seu asqueroso pai. Para justificar a compra de uma mansão de família, no campo, como alternativa à sua morada de Paris, disse que precisava de «uma casa onde os filhos vissem vacas, em vez de árabes». Para ver vacas, a descendência de Le Pen não precisa de ir para o campo. Basta deixar-se estar em casa, em família!
Cinquenta anos depois da morte, de um dos seus prémios Nobel da literatura, Albert Camus (1913-1960), não deixa de causar alguma apreensão, estas aleivosias dos responsáveis eleitos do país, onde eclodiu a primeira revolução burguesa da história, onde se estabeleceu a comuna de Paris, que lutou contra o nazismo e que tem como símbolos a Liberdade, a Igualdade e a Fraternidade.
A Argélia e a França disputam o tributo literário de Albert Camus, e a realidade é que no “Estrangeiro”, “a Peste”, “o Mito de Sisifo”, A Queda”, seus romances referenciais, encontramos uma identificação clara com a Argélia, para onde por circunstâncias dramáticas da sua vida familiar teve que viver grande parte da sua infância e juventude.
Embora um “Pied Noir”, foi sempre um simpatizante da causa da FLN Argelina, o que lhe terá valido alguns ódios, por parte dos colonos franceses que abandonaram a Argélia no fim da década de 50. “La Bataille d'Algiers” (1966), primeira longa-metragem argelina, é um excelente documento sobre esses tempos de esperança e fulgor independentista.
Albert Camus é um dos escritores que mais me entusiasmaram, e os seus romances e ensaios sobre o existencialismo foram decisivos, na afirmação política em determinado período da minha juventude. Nos anos sessenta e setenta do século XX, Sartre, Camus e Senghor, dominaram grandes discussões, em oposição a Aragon, Althusser,Marcuse, Krivine, e outros grandes do pensamento e da filosofia política Europeia.
Quando hoje assistimos aos deprimentes exemplos do pequeno Sarkosy, interrogamo-nos onde anda determinada gente, que projectou esperança naquele distante Maio de 1968, e que transformou a França, no País de caros valores dos cidadãos de todas as latitudes.
Porque esta história da expulsão dos ciganos romenos, já começa a ter muitas adesões de outros governos europeus, é motivo de preocupação quanto baste.
Também estou preocupado, porque neste caso estou de acordo com o Ratzinger, que talvez finalmente tenha uma oportunidade, de expiar os silêncios e as cumplicidades espúrias de Pio XII com Mussolini e Hitler.
Vou sentar-me de novo a rever “La Megio Gioventú” ( A Melhor Juventude) de Marco Tullio Giordana, um filme nostálgico, premiado em Cannes em 2003, sobre uma Itália e uma Europa percorrida em quarenta anos. Adquiram-no, vejam-no, e vão ver que no fim ficam a dizer muito menos mal de mim!
Fernando Pereira
30/08/2010

27 de agosto de 2010

É preciso acreditar/ Ágora/ Novo Jornal / Luanda 28-8-2010



Quotidianamente na comunicação social angolana, o enfoque é sobre situações bizarras, nepotismo exacerbado, desmandos de mandos públicos ou atitudes que promovam nemésicas situações.
Eu próprio me sinto muitas vezes tentado, a falar do que é quase óbvio na sociedade angolana actual, transformar algo em notícia e ser relevada. Raras vezes, falamos do que de Angola tem de extraordinariamente bom, e que nos faz acreditar no País, como o fomos fazendo ao longo de três décadas e meia. Simone de Beauvoir, dizia apropriadamente sobre uma situação semelhante: “ É horrível assistir à agonia de uma esperança”!
Isto tudo vem a propósito de uma notícia que me “encheu as medidas” esta semana, e que tem a ver com a redução dos casos de tuberculose para metade do ano transacto, o que é motivo de grande orgulho para todo o angolano, já que merece uma referência destacada por parte da OMS. Os nossos “profetas da desgraça”, olham com desconfiança para os números, mas eu estou-me pouco importando, quero acreditar que é verdade, porque Angola tem muita gente de grande valor, que não anda pelo jet-set, pelas festas pejadas de opíparos sabores, circunstanciais paixões e odores desinspirados.
Ao longo do tempo, houve investimentos na saúde das populações de Angola e os esforços nalguns casos foram assinaláveis, embora também haja o reverso da medalha.
Aqui há uns tempos ao ler o livro de Miguel Pinto Pereira, editado em Portugal pela “Sopa das Letras”, com o título “O ano em que devia morrer”, mostra quão inequívoco foi o investimento de Angola no recrutamento de médicos, enfermeiros e paramédicos no dealbar da independência, e acima de tudo quais os esforços que foram feitos para combater a poliomielite entre as crianças. É um depoimento insuspeito, de um médico cubano, que descobre a sua “Litlle Havana” no Lobito, pois começa e acaba o livro num sistemático ataque à Cuba que emerge com Fidel de Castro. Acho que poucos angolanos se deram conta desse esforço, mas é importante realçá-lo, principalmente em tempos em que tudo é mais fácil, e certas coisas facilitadas, o que também não é muito bom!
Gosto muito de notícias destas, como gosto de ver esforços na construção de escolas, bolsas de estudo no exterior e um apoio maior às famílias para que o sucesso do País no futuro, seja fruto do investimento que tem sido feito, embora por vezes de forma descontinuada, por razões conhecidas.
Em 1979, o ano foi dedicado à Formação de Quadros em todo o País. O então partido único MPLA-PT, decidiu que o governo, apesar da guerra, devia levar a educação de forma generalizada a todo o País e toda a população.
Seguindo o critério, alicerçado no método de Paulo Freire (1921-1997), educador brasileiro da célebre “Pedagogia do Oprimido”(1970) e “Educação como prática da liberdade” (1967), de que quem sabia mais, mesmo que fosse pouco mais, devia ensinar quem não sabia nada, conseguiu-se levar a alfabetização aos mais recônditos lugares de Angola, o que valeu ao País um prémio da UNESCO pelo combate pela elevação cultural dos cidadãos, no fim dos anos 70.
Nesse ano de 1979, quando o dólar era eternamente cotado a 29, 622 Kz, acordou-se com Portugal o envio de 2446 professores para o II e III nível do ensino de base, a ordenados que variavam entre os 45.000Kz e os 60.000Kz,direito a transporte, uma viagem anual paga, casa mobilada e equipada, e transferência de 50% do ordenado em dólares, para além de loja especial (quem não se lembra da Padaria Lima, transformada em loja do cooperante?). Não falo aqui dos acordos para professores universitários, mas em breve fá-lo-ei, porque estou suficientemente documentado para o fazer.
Vale pois a pena recordar, que Angola não é propriamente um espaço frequentado pelos irmãos Dalton do Lucky Luke, essa imorredoira BD do Morris e Goscinnye.
Já agora não esqueçamos Augé (2001): “ A memória e o esquecimento são solidários, ambas necessárias ao pleno emprego do tempo”!

Fernando Pereira
24/08/2010

20 de agosto de 2010

O Colonialismo nunca existiu!/Ágora/ Novo Jornal/ Luanda/ 21-8-2010



“Sobre a nudez crua da verdade, o manto diáfano da fantasia”
Eça de Queiroz


Saiu recentemente um livro do jornalista e escritor cabo-verdiano José Vicente Lopes, nascido na cidade do Mindelo em 1959, Tarrafal- Chão Bom, Memórias e Verdades (II Volumes). Editado pelo Instituto de Investigação e do Património Culturais, (2010).
Li o livro, e na realidade estamos perante mais uma tentativa, ainda que dissimulada de branquear o fascismo e o colonialismo.
Em dois volumes, e apesar de ter ficado com a convicção que é um trabalho valoroso, na busca de alguma seriedade, acaba por centrar grande parte do leitmotiv do sua pesquisa, no relatório das visitas da Cruz Vermelha Internacional ao tenebroso Tarrafal, símbolo maior da repressão do colonial-fascismo português desde a década de 30 do século XX.
Contraria milhares de depoimentos escritos e gravados ao longo de mais de trinta e cinco anos, e no caso de Angola contraria os minuciosos trabalhos de Dalila Cabrita Mateus, “Memórias do Colonialismo e da Guerra” ASA (11-2006), ou a PIDE- DGS na Guerra Colonial 1961-74, edições Terra Mar (5-2004). Mendes de Carvalho, em várias obras e depoimentos, centenas de outros em boletins da MUNAF, e outros que conheço, e por lá passaram muito mal não mereciam esta afronta.
O Tarrafal era para uns observadores suíços, que não falaram com os prisioneiros um ressort de luxo! Enfim… Comparados com prisões africanas era um paraíso! Desculpem mas já agora cumpre-me perguntar ao autor deste panegírico de prisões, se alguém perguntou que delitos tinham os tais” beneficiados com prisão em local paradisíaco”,e o que é que objectivamente tinham feito! O único crime que cometeram foi o de delito de opinião, e por apoiar a independência dos seus países sob tutela do colonialismo português.
Começo a ficar um pouco farto desta “lavagem “ do que foi o colonialismo, de que nem Portugal nem as colónias tinham culpa.
O José Vicente Lopes parece não ser suficientemente crescido, para perceber que a uma missão da CVI, ou outra estrutura internacional que fosse a uma prisão com as autoridades coloniais, era muito fácil sair ludibriada, e nem precisavam de lhe enviar umas meretrizes aos quartos do hotel, para que a infidelidade no relatório fosse tão grande.
O José Vicente Lopes, pegue no “Alvorada em Abril” do Otelo Saraiva de Carvalho, e veja como ele explica como é que os jornalistas estrangeiros, e os observadores da ONU, foram a Madina do Boé, em plena Guiné Bissau, sem nunca saírem dum périplo de 40km ao redor de Bissau!
José Vicente Lopes, olhe que anjos há nos altares, e a maior parte das vezes estão cheios de pó e teias de aranha!
Não há prisões boas para prisioneiros de consciência. A gente que “Tarrafalou”, foi gente que queria que a sua terra tivesse um percurso coerente, com a história contemporânea, e Adriano Moreira e todos directores do Tarrafal, mais não foram gente que não merece a menor comiseração, por muito bons chefes de família que fossem, e talvez mesmo benfiquistas e tementes a Deus.
Penso poder dizer-vos que estão perante um livro a evitar!
Recebi um convite para o lançamento do livro de Leonor Figueiredo, com o título de “ Sita Vales – Revolucionária, Comunista até à morte”.
Conheci Sita Vales, e lembro-a como uma mulher notável, inteligência brilhante, combativa, algo sectária, determinada como poucos, e sempre lamentei o seu precoce desaparecimento, para além da forma hedionda como ocorreu. Nada, mas rigorosamente nada, vale mais que a vida de uma pessoa, e embora divergente nalgumas posições, o seu desaparecimento ainda faz sangrar o coração dos angolanos, e ainda hoje me lembro dela, com um lindo sorriso de esperança numa Angola sonhada para ser diferente. Era muito bonita a Sita!
Não vou ao lançamento, porque acho que a Sita Vales merecia melhor biógrafa, que a autora de uma estulta obra: “ Ficheiros Secretos da Descolonização de Angola”, e porque mereceria melhor editora que a “Aletheia”, uma editora do tipo “Perspectivas e Realidades” com saias!
Que me desculpem, mas o Colonialismo existiu e as marcas ficaram, e desapetece-me um dia ir visitar o Crown Plazza Tarrafall!


Fernando Pereira
20/8/2010

14 de agosto de 2010

Subterraneos da Liberdade/ Ágora/ Novo Jornal/ Luanda 14-8-2010



Fiquei muito agradado, quando constatei que a editora D. Quixote, reeditou os “Subterrâneos da Liberdade”, trilogia escrita por Jorge Amado (1912-2001) em 1954, e que se assume como denúncia, e a consequente luta do povo brasileiro, contra a ditadura fascista de Getulio Vargas.
Um conjunto de três livros, “Os Ásperos Tempos”,” A Agonia da Noite” e “ A Luz do Tunel”, exalta-se a vivacidade com que se descreve a luta e a organização do PC Brasileiro, a prisão e a tortura que sofrem os oponentes ao “Estado Novo” de Vargas e a construção da esperança num Brasil livre e mais equalitário.
Um romance que irradia optimismo, mesmo naqueles sombrios anos em que as ditaduras proliferavam na América Latina, e encerra uma força, que faz dela uma obra de referencia para todos que a leram, e que a releram, como foi o meu caso.
As personagens deste entusiasmante romance, são pessoas que todos sabemos quem são, desde o próprio Jorge Amado a Oscar Niemeyer, Lúcio da Costa e Luis Carlos Prestes, Ary Fontoura, Olavo Bilak, entre alguns outros.
Inegavelmente, é uma obra com uma carga ideológica marcada por matizes de certa forma desusadas no quadro político contemporâneo, mas não deixa de ser um documento arrebatador de um quadro de luta de uma geração, que através deste romance construiu e multiplicou muitas das suas vontades, engajando-se claramente nas lutas que irromperam pelo mundo, em prol da liberdade e da solidariedade.
Poucos da geração que precede a minha, não deixaram de o ler, e pedir-se que o releiam, ou entusiasmem outros a lê-lo, não será excessivo pedir, pois não deixa de ser corajoso por parte da editora, reeditar este romance, depois de trinta anos em pousio, no que concerne a edição.
Por falar em autores daquilo que Pepetela chamou a “geração da utopia”, seria da mais elementar justiça, que de vez em quando nos fossemos lembrando de pessoas, que parafraseando Agostinho Neto, “ as minhas mãos colocaram pedras nos alicerces do mundo/ mereço o meu bocado de chão”.
Há anos li de António Faria, um trabalho editado pela Colibri, sobre a Casa dos Estudantes do Império, espaço de intervenção política determinante, para a mobilização de pessoas e vontades na luta de libertação colonial.
Acompanhei algumas intervenções do cineasta e realizador de televisão António Faria, sobre outro “esquecido” da Angola libertada, Inocêncio da Câmara Pires, e talvez por isso acabei por comprar o seu romance de 1987, “A Emenda e o Soneto”, editado pelas Publicações Europa-América.
O romance, que hoje só já é possível encontrar num ou noutro alfarrabista, ou livrarias que adquiram fundos de edição, é todo um percurso de famílias que se estabelecem em Angola no dealbar da década de cinquenta, com as dúvidas e contradições inerentes a um colonialismo a que as pessoas não se afeiçoavam, mas dificilmente rejeitavam. A história já assume contornos diferentes quando os filhos são obrigados a vir estudar para Portugal, e aí as fronteiras ideológicas são bem mais definidas, e as imanentes roturas potenciam dramas irrecuperáveis na artificialmente sólida estrutura familiar.
Um romance interessante, com os condimentos simultâneos de um romance histórico e autobiográfico, a merecer que se perca (ganhando com isso) tempo, a procurá-lo em parte incerta.
Esta gente também fez Angola, e talvez ainda esteja disponível para fazer, a outro ritmo naturalmente, que as pernas já pesam!

Fernando Pereira
11/08/2010

7 de agosto de 2010

Fósforo-Ferrero/ Ágora / Novo Jornal / Luanda 7-07-2010





Não sei se as pessoas se lembram de um placebo, dos anos sessenta, que se chamava Fósforo-ferrero, e que tinha concorrência de uma coisa idêntica chamada Fosfo-glutiron?
Ali pelo final de Março, era habitual na farmácia Maculusso, onde minha mãe foi farmacêutica muitos anos, aparecerem as mães dos alunos a comprarem a dose certa destes “medicamentos”, para tomarem duas vezes por dia até aos exames em Junho.
Resolviam o problema se os alunos estudassem, se tivessem boas cunhas, mas não resolvia aos que definitivamente não abriam os livros, ou o faziam para colocar lá dentro o “Major Alvega”, “o Seis Balas”, “o Colt”, ou outras maravilhas que a Agencia Portuguesa de Revistas do Mário Aguiar distribuía, por Portugal e Colónias. Não havia sobras destas revistas, porque a Cilinha Supico Pinto, do Movimento Nacional Feminino (chegaram a ser conhecidas assim as Renaults 4 L, pela sua característica “manette” de velocidade) arrebanhava tudo para os tropas lerem. Era no mínimo ridículo, pois 67% da tropa portuguesa nos três palcos de guerra, apenas sabia assinar o seu nome.
Esta introdução longa q.b., é um pouco para exigir que a memória regresse a Angola, rapidamente e esforçada, porque o que vamos vendo é o desaparecimento das lembraduras, dos que ainda estão vivos para deixar histórias, factos, documentos e vivencias para o futuro trabalhar no que foi a vida colectiva de um País, nos seus anos de debute no contexto interno e internacional.
Numa das recentes crónicas neste espaço, defendi que Norton de Matos, devia continuar no lugar onde está, com buraquinho de bala e tudo, por razões já aduzidas. Já defendo que Pedro Alexandrino da Cunha volte para a peanha que está em frente aos Correios na baixa, independentemente de ter sido a primeira estátua em África, paga na totalidade, pelo conjunto de comerciantes da cidade de Luanda, por subscrição pública para um homem que foi governador de Angola entre 1845-48. A respeito desse governante, escreve o mestre do ISCS/UTL Doutor Antonio da Silva Rego, em sua História do Império Português:"...homem verdadeiramente providencial para a ocasião. A sua energia e iniciativa não tiveram dificuldade em convencer os portugueses de Angola que era necessário procurar na agricultura, comércio e indústria legítimo substituto para os duvidosos proventos da escravatura."
Em 1889 erigia-se a estátua de Pedro Alexandrino da Cunha, uma obra simples, naturalmente sem os tiques neo-clássicos da estatuária do Estado Novo, que não difere muito das estátuas do modelo típico dos arquitectos do país do “Grande Líder”, profusamente distribuídas pelo nosso País. Desculpar-me-ão o devaneio humorístico, mas todas as estátuas da Luanda actuais, parecem a de um base de basquetebol a indicar a jogada aos seus colegas! Era bom que a repusessem no local, pois nada teve a ver com autoridades coloniais, e recebeu encómios da sociedade crioula da Luanda colonial, ainda sem as “Ritices” e “Actos Coloniais” a perpetrarem segregações, que se perpetuaram até Novembro de 1975.
É absolutamente necessário explicar aos vindouros, como se fez um País, sem atavios que procurem adornar realidades, que não seja aproximada da versão angolana de Lewis Carrol(1832-1898) de “Alice no País das Maravilhas”.
O poeta irlandês Seamus Heaney quando soube que tinha ganho o prémio Nobel da literatura (curiosamente, a Irlanda tem três prémios Nobel da literatura!) felicíssimo, ligou à mulher: “Querida, ganhei o Nobel! o Nobel!”, ao que ela responde: “Parabéns, já têm uma boa desculpa para te ires enfrascar com os teus amigos”. O pobre do Seamus, “mas querida é o Nobel…”, e ela imperturbável:” Pois, pois, a tua sorte é que a Academia Sueca não te conhece como eu te conheço!”
Não tem nada a ver com o artigo, mas esta história é verdadeira, e às vezes o que se escreve não é!
Fernando Pereira
1/8/2010

30 de julho de 2010

Portanto /Opinião / Novo Jornal/ Luanda/ 31-7-2010




Portanto, estou agradavelmente surpreendido, pela homenagem que o Pepetela e o Ruy Mingas vão ser justamente homenageados na Chá de Caxinde.
Como começo a ser um articulista com alguns leitores, acho que como o Pepetela, tenho o pleno direito de começar um artigo com o “Portanto”, mesmo que isso não esteja contemplado nas regras gramaticais do português escorreito.
Homenagear dois cidadãos impolutos, intelectuais eméritos, antigos dignitários do estado Angolano, combatentes pela liberdade, e embaixadores mores da cultura angolana, é só um acto de justiça tardia.
Homens da “geração da utopia”, ajudaram a trilhar o dealbar de uma Republica Popular de Angola, que foi o princípio do fim de uma nova luta, protagonistas de uma expressão colectiva, construída a golpes de vontade.
Pepetela com a verve, Ruy Mingas com a música e a voz, foram em todos os momentos, bons e maus, a expressão do que pensava e sentia a gente certa.
Pepetela é hoje o mais renomado escritor angolano no contexto da contemporaneidade internacional, e um dos mais prodigiosos da escrita de língua portuguesa. O seu percurso prima pela descrição, quase a pedir desculpa por ter publicado um livro, o que vai de encontro à sua personalidade de assumida simplicidade, que o acompanha desde a sua meninice na Benguela onde nasceu há quase setenta anos, segundo relatos de companheiros ao longo de um rico trajecto de vida na busca e defesa da liberdade para o seu País. Ao invés de outros, que tudo fazem para serem conhecidos, e daí que talvez leiam os seus livros, com Pepetela acontece exactamente o contrário, algo como, leiam os meus livros e deixem-me no meu canto.
Tenho mais dificuldade em falar do Ruy Mingas, porque sou suspeito, já que sou seu amigo, e sei que é uma amizade recíproca.
Lembro-me de ter estudado em Lisboa no fim dos anos 60, e nas disputas entre mim, um dos raros angolanos no vetusto Liceu Camões, e os portugueses, nas provas de atletismo, assumíamos o que hoje se chama de “nick name”, e o meu era invariavelmente o de Rui Mingas, quer fosse nos 100m, no dardo, nos 1500m, ou no salto em altura; Só mais tarde soube que tinha sido recordista do salto em altura.
Foi com enorme emoção que o vi cantar no Zip Zip, com uma camisola de lã clara, e na altura comprei um single, que nas voltas da vida me desapareceu, que tinha a magnífica interpretação da Cantiga para Luciana, naquela voz timbrada que me habituei a ouvir de forma agradada.
Se maior contribuição não houvesse do Ruy Mingas, o hino de Angola perpetuá-lo-ia como uma figura presente na história do País, mas a sua contribuição para a edificação de uma educação física e desportos com estruturas sólidas e resultados com enorme visibilidade, dão-lhe um lugar de grande reconhecimento, pelo que tarda a justa homenagem ao grande cabouqueiro de muitas modalidades que Angola é líder africana e respeitada nos areópagos internacionais.
O seu trabalho como embaixador de Angola em Portugal, em momentos particularmente difíceis, vilipendiado até por próximos, terá que ser avaliado no futuro, de forma a aquilatar quais os obscuros desígnios, que alguns dos seus detractores usaram, de forma a armadilhar o seu trabalho, sério e coerente com os valores que o Ruy Mingas se habituou a defender, desde os tempos do anonimato.
A sua passagem pelo ministério da cultura, foi o canto do cisne da sua longa carreira no topo da administração central do Estado Angolano, e aí talvez tenha percebido, que era chegado o momento de outras realizações.
Ruy Mingas, com o meu compadre e amigo Paulo Murias, edificaram a Universidade Lusíada de Angola, projecto de suprema relevância na formação de quadros dos novos tempos de Angola.
Aos setenta anos, o Ruy Mingas tem razões de sobra para estar em paz consigo, já que nunca se violentou, nem tampouco procurou fazer mal a quem que fosse.
A homenagem que fazem a estes dois vultos da cultura angolana, tem uma enorme expressão, apesar da singeleza da realização. Talvez mesmo ambos assim o desejem, e mesmo a maior parte dos amigos prefere que assim seja!
Portanto…
Fernando Pereira
26/07/2010

Generais Cerveja/ Ágora/ Novo Jornal / Luanda 31-7-2010



Casualmente tropecei, é o termo mais adequado, no meio de um conjunto de revistas e jornais do fim dos anos cinquenta ao dealbar dos anos sessenta.
Disponho-me a gastar horas, a folhear uma panóplia de títulos ilustrativos, como se via o mundo há cinquenta anos.
Entre algumas revistas, demorei-me a ler a descrição de Raymond Cartier (nada tem a ver com perfumes, jóias e outro pechisbequismo da moda) no Paris-Match de 23 de Julho de 1960, sobre a independência do Congo, com um título adequado à linha editorial chauvinista desta revista: “Au Congo la chasse aux blancs”. Ilustrado com dois militares congoleses armados a perseguir um talvez colono belga.
Há mais intervenções dos correspondentes do Paris-Match nesses meses do antes e após o 30 de Junho de 1960, independência da Republica do Congo, num contexto onde avultou a frase mais marcante da história africana das independências:“Nous ne sommes plus vos singes” (“Nós não somos mais vossos macacos”), disse o primeiro-ministro do Congo, Patrice Lumumba, ao rei Baudoin, da Bélgica, no dia da independência do país, 30 de junho de 1960.
Baudoin, nesse dia, proferira um dos mais arrogantes discursos já ouvidos de um colonizador. Na então Leopoldville (hoje, Kinshasa), o rei belga fizera uma elegia à “genialidade” de seu tio-avô, Leopoldo II – que em 1885, por cima até do Estado belga, tornara o Congo uma fazenda pessoal, com sua população como escravos.
O discurso de Lumumba foi um dos mais irrecorríveis libelos já pronunciados contra a escravidão, o racismo e o colonialismo: " A independência do Congo, hoje proclamado , de acordo com a Bélgica, um país amigo com o qual lidamos em uma posição de igualdade, foi conquistado por uma luta diária , uma ardente e idealista luta, uma luta na qual não faltaram as nossas forças, nossas dificuldades , nosso sofrimento (...) e nosso sangue , e estamos orgulhosos disso. Foi uma luta justa e nobre, a luta necessária para acabar com a escravidão humilhante que nos foi imposta pela força. ".
Ideologicamente tenho pequena uma costela de Lumumbista, ainda que tardiamente descoberto, e mais cedo que tarde, irei colocar aqui todos os documentos que provam o envolvimento da CIA no seu vil assassinato, agora que a administração americana resolveu abrir os documentos confidenciais e reservados à consulta publica e ao conhecimento dos cidadãos. Um exemplo a seguir noutras paragens e apeadeiros!
Por vezes, qual rato dos papeis, pego em determinado material vem-me à lembrança muitas vivencias, quer de pormenores, difusos na poeira dos tempos, quer o recordar conversas dos mais velhos que escutávamos nos tempos em que não havia TV, disco, cassete pirata, cd, dvd, internet e outras modernidades.
Apesar de ter nascido em Luanda, na Casa de Saúde, hoje “ Maternidade Augusto Ngangula”, os meus primeiros anos foram vividos no Songo, uma simpática terra do mato, perto do Uíge.
Era muito miúdo, mas lembro-me de ver gente branca, que falava uma língua despercebida por mim, a passar lá na nossa bwala e a contar coisas, que deviam ser graves, pois a minha mãe impôs-me um horário de recolher inabitual, mesmo nas faldas da serra da Kinanga. A minha mãe era farmacêutica, e dominava bem o francês, pois era a língua da moda, nos seus anos de estudo na distante Coimbra, onde se licenciou, e foi a tradutora oficial de uns quantos casais belgas, com filhos de uma alvura de pele que me surpreendeu. Procuravam chegar rápido a Luanda para irem para a Europa, onde só se confrontassem com negros, no “Tintin em África”, o Hergé mais racista de toda a BD conhecida! Estavam em transe, e qualquer menção a preto deixava-os num estado de indisfarçável preocupação e não iludiam alguma taquicardia; Tiveram sorte em nossa casa, os mosquiteiros eram de uma alvura impecável!
Passados uns poucos anos, e já a viver em Luanda, menos acriançado, lembro-me de ver o Bob Denard, com a cabeça entrapada, numa mesa do “Arcádia”, com um conjunto de sequazes, todos eles com pequenos ferimentos e algumas muletas. Falavam alto, línguas esquisitas, aviavam muitos finos e demasiada sobranceria para com os locais, tendo em conta as características da sua mal afamada profissão.
Na Portugália, na Palladium, no Amazonas, em qualquer lugar onde houvesse cerveja a preceito, era ouve-los (mistura de ver e ouvir) nas suas fardas garbosas, com as ligaduras a cobrir-lhe qualquer ferimento, a darem entrevistas ao “Notícia”, e outros órgãos da imprensa local, nunca escondendo o envolvimento do Portugal colonialista com os secessionistas do Katanga, e as alianças espúrias com Tchombé, que morreu na Argélia em 1967.
Conheci um dos que foi evacuado de Bukavu, um belga Jean Schrame, lumpen na sua terra, coronel graduado em Kishangani, depois da saída de Mike Hoare “o Louco”, e que vem para a retaguarda do “Baleizão” aviar “kanhangulos” de Cuca, já que a outra guerra tinha sido perdida. Não o conheci aí, foi-me apresentado anos depois, numa festa de amigos em Oliveira de Frades, uma vila beirã, onde o “guerreiro Schrame” lutava para aumentar a produção de ovos e galinhas num aviário nas faldas da Serra do Caramulo, ultimo esconderijo conhecido do “soldado da fortuna”!
Ao tema, havemos de voltar, como bem disse o poeta!
Fernando Pereira
26/07/2010

23 de julho de 2010

Calígula em Angola / Ágora / Novo Jornal / Luanda 24-07-2010





Francisco da Cunha Leal (1888-1970) escreveu um verdadeiro libelo acusatório, publicado em 1924, contra o general Norton de Matos, verberando a sua política nas suas passagens sucessivas pelo cargo de governador de Angola (1912-1915) e Alto-comissário (1921-1923), “Calígula em Angola”.
Não vou entrar em pormenores sobre essa disputa, que animou o Chiado, então o centro cosmopolita, social e politiqueiro de Lisboa desde as lutas dos Republicanismo português em 1895, até ao seu estertor em 28 de Maio de 1926.
Efectivamente foi um inusitado combate político, a relembrar nalguns casos um célebre duelo de espada entre Egas Moniz e o mesmo Norton de Matos, em 1912, por causa do afamado caso do Caminho de Ferro de Ambaca, motivo também da demissão do então ministro das colónias Freitas Ribeiro em 1912. Este foi um dos últimos duelos de espada de gume afiado, de defesa da honra na Lisboa política!
Tudo isto vem a propósito, de uma discussão acalorada que tive com uns amigos, com quem me vou encontrando para partilhar assuntos passados, quiçá preocupações presentes, sobre a história e realidade de Angola.
Nessa “tertúlia” despoletou-se a discussão para a probabilidade de se recuperar para um lugar de relevo a estátua de Norton de Matos, colocada no Huambo com todas as outras estátuas apeadas, aquando da restauração da soberania da Republica Popular de Angola na cidade no ido Fevereiro de 1976.
Como já não somos miúdos, muitos de nós ainda se lembravam de ouvir tecer loas em nossas casas ao Norton de Matos, e também alguns de nós nos lembrámos, quanto o general foi pernicioso para os angolanos, sobretudo para o asfixiamento de uma burguesia local, a que a monarquia português, apesar de tudo, se tinha habituado a respeitar, ainda que com inerente sobranceria.
O cerne da discussão era a justeza da colocação da estátua do fundador da cidade em 8 de Agosto de 1912, num lugar de destaque da cidade. Eu assumi-me claramente contra esse desiderato, pois Norton de Matos não foi mais que um Cecil Rhodes (1853-1902) português, com as limitações inerentes à pequena expressão do Portugal no contexto colonial de então. Norton de Matos era um racista, e a sua política assentou sempre nesse primado.
O seu projecto de desenvolvimento económico de Angola, tinha um objectivo claro: A construção de um grande país de brancos, que iriam impor os seus valores, a sua cultura, o seu modelo económico, em que os angolanos seriam os seus “servos da gleba”, e que pudesse ser o território o epicentro do mundo português.
Promoveu o desenvolvimento de vias de comunicação, com a construção de uma rede eficiente de estradas, fez algum esforço ao nível do equipamento, apoiou uma ténue industrialização, fomentou o comércio interno, e desencadeou um esforço de potenciar o desenvolvimento agrícola da colónia, através do trabalho forçado dos seus habitantes locais.
Aparentemente um programa perfeito, embora sem avaliar os custos de um projecto destes, o que levou ao desaparecimento do BNU enquanto banco emissor em Angola, e a proliferação das “Ritas”, um dinheiro tipo senhas, de notas de 50 centavos, emitidas pela “Republica Portuguesa - Angola”, que nada valiam, e que só compravam uma bebida quando empacotadas como um tijolo; Uma moeda tipo dólar do Zimbabwé actual, ou o Novo Kwanza em meados dos anos 90. As “Ritas”, assim chamadas, era aa designação popular das notas, pela associação com o nome da filha do general.
Um verdadeiro desastre a sua passagem por Angola, testemunha de Alves dos Reis, noutro muito badalado episódio de moeda, neste caso emissão de moeda falsa em que Angola é mais uma vez o centro da “vigarice”!
Assumo que violento a memória do meu pai, que foi membro da candidatura de Norton de Matos à presidência da Republica Portuguesa em 1948, na Catumbela, e seu intransigente defensor, mas paciência, nalgumas coisas tivemos que estar em desacordo, e ele sempre soube que nunca partilhei o seu entusiasmo pelo general, grão-mestre da maçonaria em 1929.
Talvez não seja bom opinar sobre o assunto, porque normalmente as coisas saem quase sempre, ao contrário do que gostaria: deixem estar a estátua onde está, com buraquinho e tudo…
Fernando Pereira
20/7/2010

16 de julho de 2010

Gamanço/ Ágora/ Novo Jornal/ Luanda / 16- 07 - 2010



Vamos dissecar hoje o verdadeiro significado da palavra “Gamar”, que tem mil e um significados, mas na realidade o objectivo final é sempre o mesmo, dependendo apenas do valor do objecto.
Comemoraram-se há bem poucos anos os 500 anos da viagem de Vasco da Gama à India!
Para que conste, o tal de Gama, Vasco de seu nome, tinha uma estátua, em frente à Academia de Musica, no 4 de Fevereiro ,antecipando o estilo decadente da estatuária norte-coreana, que hoje invade a nossa cidade capital.
O moço descobriu o caminho por mar! Foi um feito, mesmo sabendo toda a gente que o caminho por terra era muito mais curto! De facto a viagem de Gama, não podia ter tido um personagem com apelido mais apelativo, para aquilo que as potencias coloniais iriam fazer nos 500 anos seguintes: GAMAR.
D. João II, um dos reis mais inteligentes que Portugal teve, escolheu bem o perfil do navegador, incluindo o seu nome, para os desígnios futuros das suas campanhas pelo Oriente. Desculpem o homofóbico da linguagem, quiçá algum desbragamento, mas não posso deixar de pensar que alguns dos marinheiros da campanha do Gama foram aliciados porque iam ao reino do Cochim, mas a meio do caminho conseguiram ser demovidos a muito custo por irem a Calecut, coisa que a maioria da marinharia estava habituada, pois as longas permanências no mar obrigava-os a outras opções, diferentes das de em terra firme (cuidado que isto é uma cacofonia).
O Gama, levou como sub-capitão outro Gama, Paulo de seu nome, para no caso de vacatura do primeiro, o Gamanço se perpetuasse.Paulo acabou por se finar antes do regresso a Portugal.
Lá foram as três naus e o Bérrio, a caminho das especiarias e dos afrodisíacos, para terras para lá do Preste-João.
Chegaram lá com muito estrondo, cheios de salamaleques e ofertas, para logo na viagem de circum-retorno congeminarem logo como haveriam de lixar os poderosos senhores de Calecut e Cochim, e inerentemente o seu séquito de mulheres, essas bem mais apelativas (bem mais as de Cochim que Calecut).
Começou então em Gama, o verdadeiro Gamar, e foi uma tarefa bem concebida, pois durou 500 anos. O Gama, também foi arrecadado nos Jerónimos? Não me façam acreditar nisso. O tipo morreu como Vice-Rei da Índia presume-se que com escorbuto, embora se tivesse constado nos meandros da corte que terá sido de gonorreia.
O Gama, como qualquer do seu tempo era da barbárie, porque efectivamente tinha uma provecta barba, que devia ser incomodativa nas grandes viagens e quiçá mesmo uma verdadeira estufa incubadora de piolhos.
Dessei, mas espero que me elucidem sobre se realmente, o gamão, aquele jogo esquisito parecido com as damas, tem algo a ver com o Gama?
Fernando Pereira
14/07/2010

11 de julho de 2010

A classe média ou a média da classe? / Ágora /Novo Jornal/ Luanda 10-07-2010



A pequena classe média angolana, coincidindo com o solstício de Verão no hemisfério norte, vai em romaria em busca de outras latitudes.
O aeroporto 4 de Fevereiro é provavelmente o maior “santuário” do País, um verdadeiro lugar de idas e vindas de gentes, de sonhos, de frustrações, de reencontros, um espaço talvez adorável para muitos que partem, e curiosamente também para quem chega.
O angolano tem uma relação afectiva com o seu aeroporto, porque desempenha o único lugar possível de ligação efectiva com o mundo exterior, e a realidade é que ao longo dos anos, há muita gente que o conhece bem melhor, que as terras além Kwanza e Bengo.
O angolano da classe média alta, utilizador de tecnologias, fato e gravata para todas as ocasiões, mesmo supostamente as mais dispensáveis, com correntes de ouro reluzentes e muito agarrado às marcas, tem idiossincrasias muito peculiares que não deixam de chamar a atenção.
Os angolanos quando vão ao exterior defendem com entusiasmo o seu país, a sua gastronomia, as suas belezas naturais, até a sua desorganização e corrupção. Isto é um princípio interessante, e na realidade aumenta o ego do angolano, que tanta dificuldade tem para o alimentar, já que vão desabundando razões de orgulho. O narcisismo do angolano é um bem valioso, é importante utilizá-lo a preceito.
A verdade é que esses mesmos angolanos, em Angola, esquecem-se do seu discurso no exterior, cultivam a costumeira má-lingua, estão sistematicamente contra o poder, e o que não deixa de ser paradoxal, é o facto de haver alguns proceres da área, que entram neste esquema, falam deliciosamente dos locais de compras no exterior, nos cabarets frequentados e nos pratos, vinhos e etílicas bebidas deglutidas.
Por exemplo em Lisboa, para um angolano não há nada melhor no mundo que um kalulu de peixe, ou uma muambada. Em Luanda os mesmos protagonistas, acham que nada no mundo é melhor que o bacalhau com grão, com cebola e salsa, um leitão à Bairrada ou uns pezinhos de porco de coentrada.
Isto não tem nada de extraordinário, a não ser quando ocasionalmente se quer transformar a sociedade num teclado de piano, onde se tenta alterar a posição das teclas. A realidade é incontornavelmente por razões de insegurança, e cada vez menos se justifica atitudes deste tipo na sociedade liberal angolana. O teclado de um piano é bom se tiver uns bons executantes, inaudível se for um incompetente a tocá-lo; Nem o afinador consegue fazer nada com maus executantes!
Angola tem que começar a conviver melhor com a sua diáspora, e acabar definitivamente com estigmas em relação a quem procura nova vida, e novas oportunidades noutros lugares. È um direito que qualquer cidadão livre tem, que é viver onde quer, se o puder fazer.
Foi uma” herança” dos tempos de guerrilha, e significava um abandono de uma causa, em que qualquer angolano se deveria engajar. Muitos angolanos não resistiram e desistiram de lutar, porque a realidade era dura, e hoje percebem-se os argumentos de um lado ou de outro.
Angola tem muita gente profissionalmente competente e de enorme afirmação profissional em múltiplas áreas da ciência, desporto, artes, conhecimento, e que estão no exterior e que se sentem angolanos, mas que não querem, e nalguns casos nem sequer podem, por razões de natureza profissional, voltar a viver em Angola.
São diferentes estes angolanos por isso? A única coisa que pedem é que o País lhes dê a nacionalidade, já que notoriedade alguns tem que sobra e muitos desses em áreas que poucas pessoas em Angola se dão conta que existem, e são de uma importância enorme.
Uma reflexão a caber, num debate mais amplo nestes trinta e cinco anos de independência e de vivencia colectiva da angolanidade. Um sinal de modernidade do País, bem melhor que alguns projectos em execução.
Ah, talvez não tenha nada a ver, mas lembrei-me desta poesia de Drumond de Andrade: João amava Teresa, que amava Raimundo, que amava Maria, que amava Joaquim, que amava Lili que não amava ninguém. João foi para os Estados Unidos, Teresa para o convento, Raimundo morreu de desastre, Maria ficou para tia, Joaquim suicidou-se e Lili casou com J.Pinto Fernandes que não tinha entrado na história.

Fernando Pereira
4/6/2010

2 de julho de 2010

Crónica do tempo vindouro (Que há Devir)/ Novo Jornal / Luanda / 3-7-2010



Foram tantas as vezes que muitos de nós pedimos a Paulo Jorge, que deixasse as suas memórias, prometeu que em breve o faria, e morreu no sábado passado sem que nos tivesse feito a vontade!
As lembranças que Paulo Jorge iria deixar, eram fundamentais para perceber o que foi a diplomacia da fase de gestação e debutante da Republica Popular de Angola. Teria sido importante este legado, para acabar com uma miríade de histórias, algumas mal engendradas, que vão circulando sobre esses anos de particular enfoque no quotidiano político e militar da África Austral.
Com Paulo Jorge desapareceu uma parte do espólio, de um tempo em que a afirmação de valores de solidariedade, justiça social e igualitarismo faziam parte do léxico, e de alguma prática das nossas convicções pessoais e políticas.
Paulo Jorge nasce em Benguela em 1934, filho de um funcionário de uma açucareira, com ligações a candidaturas oposicionistas à ditadura de Salazar, particularmente empenhado nas comissões locais de candidatura de Norton de Matos e Humberto Delgado.
Vem para Lisboa nos anos 50 para estudar geologia, mudando entretanto para engenharia, curso que não acaba para se juntar à resistência angolana no exterior.
Foi membro dos órgãos sociais da Casa dos Estudantes do Império, alfobre de gente que conscientemente assumiu uma rotura com os valores do colonialismo português. Para além de excelente dançarino, era um sedutor e um exímio praticante de ténis de mesa, tendo sido campeão nacional universitário, para além de ter sido praticante federado ao serviço do Sporting.
Com Marcelino dos Santos, Amílcar Cabral, Agostinho Neto e Câmara Pires, entre muitos outros, foi um entusiasta da criação da ex-CONCP (Conferencia das Organizações Nacionalistas das Colónias Portuguesas) e um dos seus particulares dinamizadores.
Esteve no “maquis”, mas a diplomacia do MPLA e depois da R.P. Angola foram uma constante no seu percurso de político, tendo sido Ministro das Relações Exteriores durante anos quer com Agostinho Neto, quer com José Eduardo dos Santos.
Nos anos 90, é governador do Kwanza-Norte e posteriormente Benguela, onde tem uma prestação de relevo. É deputado eleito em 1992, reeleito em 2008.
Homem de grande probidade, incapaz de se apropriar do que quer que fosse, assumindo até algum quotidiano espartano na sua vida, Paulo Jorge deixa-nos o exemplo do dirigente, que abraçou uma causa por convicção e nunca para se aproveitar dos lugares para proveito próprio.
Morreu a 26 de Junho, sabendo-se que sem grandes recursos, e com ele fica o exemplo de um homem fundamental nos alicerces do País e indispensável no colocar de tijolos da edificação de uma nova geografia política na África Austral.
Obrigado Paulo Teixeira Jorge!

Fernando Pereira
30/06/2010

FarmVille a sério! / Ágora / Novo Jornal / Luanda 3-07-2010






Permito-me em primeiro lugar não falar de José Saramago, porque li quase tudo o que publicou em livro. Da sua extensa bibliografia, há obras que me fascinaram, outras quase me entusiasmaram, algumas li e fiquei indiferente, umas poucas não gostei rigorosamente nada e acidentalmente, houve duas que não consegui acabar de ler.
Porque quando Saramago foi notícia, na sua vida e na sua morte recente, fala tanta gente, que utiliza a estafada táctica: quando leio A, que não conheço, escrevendo sobre X, que também não conheço, vou ler o que A escreve sobre Y, que conheço: regra de três simples, e a opinião forma-se e talvez se enforme.
No meu caso seria atrevimento a mais opinar, pois repito, conheço quase toda a sua obra. Deixo esse lugar aos sábios, sabichões e também aos “ratos de sacristia”!
A clarividência do Fernando Pacheco na entrevista ao Jornal de Angola da edição de 14 de Junho, traz para a discussão de forma assertiva um conjunto de reflexões, sobre o que Angola pretende no mundo rural e da agricultura, enquanto base para um desenvolvimento harmonioso, numa economia sustentada.
Habituei-me a ler todas as reflexões, que o Fernando Pacheco tem vindo a fazer há uns anos a esta parte, sobre a organização do mundo rural no nosso País, e se há algo que podemos afirmar sem peias nem meias, é que tem sido coerente, em que paralelamente são feitas propostas e que são incompreensivelmente ignoradas.
Quando Fernando Pacheco levanta a questão da hiperbolização desproporcionada das metas para o período entre 2009-2012, faz-me recuar mais que trinta anos, e voltar a pegar nas “Orientações fundamentais para o desenvolvimento económico e social da Republica Popular de Angola no período 1978-1980”, que rezava em determinada altura: “Dever-se-á prestar especial atenção à produção de meios alimentares essenciais, com vista a obter o mais rapidamente possível os bens de 1973”, com objectivos, onde aparecia invariavelmente junto dos valores, uma determinada percentagem da “produção histórica”(Ex: Milho: produzir cerca de 400.000 toneladas-67% da produção histórica ou 120.000 toneladas de café, “o que corresponde a 55% da produção histórica”). Estamos a falar de um período de três anos, já que estas propostas foram aprovadas no 1º Congresso do MPLA em Dezembro de 1977.
Pegando nas “ Orientações fundamentais para o desenvolvimento económico-social 1981-1985”, documento saído do I Congresso Extraordinário do MPLA, em Dezembro de 1980, somos confrontados com uma análise mais comedida das propostas, irrealista, tendo em conta a situação prevalecente no País (Ex: No caso do “Milho: Atingir as 268.000 a 300.000 toneladas… Café: 60 a 70 mil toneladas de café comercial…”).Isto era o objectivo para um período de cinco anos!
Em 1992 o Dr. José Manuel Zenha Rela, faz sair um trabalho interessante, “Angola- Entre o presente e o futuro”, em que aborda, talvez de uma forma algo romântica, as condições para a formação do “Verdadeiro empresário agrícola angolano”, a “distribuição da terra” , “ o apoio de meios mecânicos”, “Disponibilidade dos Factores de Produção”, Assistência Técnica e Vulgarização”, “Escoamento da produção comercializável”, “Acesso ao crédito” e outros itens relacionados com o desenvolvimento agrícola de Angola, entre outros temas.
Anos depois, em 2006, saiu do mesmo autor o livro “Angola - o Futuro já começou”, revisto em Dezembro de 2008, editado pela Nzila, um levantamento exaustivo do futuro de Angola, onde as preocupações não são muito diferentes das colocadas por Fernando Pacheco ao JA. Deste livro falarei mais tarde, um “tijolo” robusto em tamanho e na qualidade, num exercício de soluções por parte de alguém que é simultaneamente um académico e um observador atento dos últimos sessenta e cinco anos de Angola.
Pelos vistos as preocupações do Fernando Pacheco sobre o desenvolvimento rural angolano são recorrentes. O petróleo, neste caso é um factor de empobrecimento do País, pois acaba com a matriz de Angola, que é a sua inata vocação de ruralidade.
Resta-me deixar o aviso para as gerações vindouras, que quando passarem os cinquenta anos verificarão, por certo, que antigas certezas são abaladas pela teimosia dos factos. Os factos são teimosos e então como eu só terão dúvidas!
“Acho que era mais barato, mais rápido e política e socialmente mais adequado se gastássemos o dinheiro que estamos a gastar em grandes projectos, a produzir cereais, para apoiar os pequenos agricultores familiares.” Excerto da entrevista do Fernando Pacheco ao Jornal de Angola.
Só faltaria mesmo, que as pessoas se comecem a dedicar ao FarmVille do Facebook, para se sentirem rurais em qualquer apartamento, numa grande cidade e num mundo virtual perto de si!

Fernando Pereira
23/06/2010
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