31 de outubro de 2010
30 de outubro de 2010
Luanda Coliseum! / Ágora/ Novo Jornal / Luanda 29-10-2010
Nenhuma cidade que se preze de ter uma actividade cultural regular, prescinde de ter o seu coliseu.
Local de todas as actividades circenses, que em períodos remotos eram local de combate entre gladiadores, corridas de quadrigas, lutas entre humanos e animais esfaimados, e toda a sorte de espectáculos, que pusessem em delírio um publico masculino ávido de sensações fortes, a raiar o animalesco.
Roma, Mérida, Cartago, Nimes, são alguns dos maiores coliseus do Império Romano, ainda preservados, mas Londres, Nova York, Paris, Madrid, Porto, Nova Orleãs, Los Angeles, Otawa, St Petersburg, e tantas cidades no mundo tem os seus coliseus, como uma sala para espectáculos, eventos culturais ou sociais de alguma notoriedade.
Angola recebia com regularidade, algumas companhias de circo, que aproveitavam o Inverno em Portugal, para fazerem a sua campanha africana, recebendo inclusivamente subsídios avultados, do Ministério do Ultramar e da Defesa, para um conjunto de espectáculos para as Forças Armadas portuguesas.
O circo Mariano, ficava num terreno desocupado, no cruzamento da Av. Comandante Valódia, com a Alameda Manuel Van-Dunem. A expressão do “ Circo desceu à cidade” aplicava-se apropriadamente a este, propriedade de Henry Tony (nome artístico), pois à volta da tenda grande lá estavam umas jaulas, com animais sedados, e umas roulottes, onde os trapezistas, domadores, palhaços, ilusionistas, todo o conjunto de gente que nos fazia sonhar naquelas duas horas, em que embevecidos, assistíamos a algo que julgávamos impossível acontecer.
Na outra esquina da Alameda, com a Hoji-Ya-Henda, instalava-se o Circo Universal, inicialmente com uma tenda, e com todos os adereços normais de um circo, e que já no fim dos anos sessenta, foi substituída por uma estrutura fixa, com tubos e bancada de madeira, forrada exteriormente com grandes painéis de chapa, pintadas com as garridas cores de um circo. A cobertura era em lona, imediatamente renomeada essa estrutura como o “Coliseu de Luanda”.
Nem mais nem menos, Luanda passava a rivalizar com todas as cidades coliseuzadas do mundo!
O Circo Universal lá aparecia em Janeiro, ou Fevereiro, alternando com a concorrência do “Mariano”, e num ou noutro adorei ver o que eles mostravam, desde a mulher borracha, que era simultaneamente a trapezista e a partenaire do ilusionista, o sensacional palhaço Kinito, o professor Karma que respondia a tudo de olhos vendados, ao Gabriel de Moçambique que tinha 2, 60 m que vinha com o Silvio do Lobito, uma versão angolana do Nelson Ned,
minorca com noventa e cinco centímetros.
Com a idade deixei de ser um “fiel” do circo, embora ainda hoje goste de ir ver o espectáculo, e sentir que estou a ajudar profissionais de grande dignidade, perseverança e de uma seriedade inabitual, no consumismo da cultura na sociedade contemporânea.
Voltando ao Coliseu de Luanda, vem-me à lembrança a “Luta livre à Americana”, que depois de ter andado pelo Campo da Ilha, ao lado do Náutico de Luanda, pelos Coqueiros, acabou por se fixar definitivamente no Coliseu.
Nunca fui grande adepto de pancadaria, nada tem a ver com o meu agnosticismo, mas lá alinhava com uns amigos meus, ia ver alguns duelos dos grandes combates decisivos para a atribuição do “campeonato do mundo de luta livre americana” .
Organizados pelo Lobo da Costa, concessionário de um restaurante de comida a raiar o intragável, “O Ganso”, ali para os lados do Bairro Azul, antigo praticante de luta no Parque Mayer em Lisboa que com Leandro Ferreira, publicitava que “Cinturão cidade de Luanda” era uma das provas do calendário internacional.
Todos os intervenientes tinham nomes pomposos, currículos inatingíveis pelo comum dos mortais, mesmo os mais talentosos, em suma, a nata da “luta livre americana internacional”, normalmente alojada em pensões de qualidade duvidosa na baixa da urbe.
O Kit Moralino, que já era entradote, o “invencível” Tarzan Taborda, campeão mundo 5 vezes, o Carlos Rocha, as “têmporas de ouro” 4 vezes campeão do mundo, o Zé Luis, “Cabeça de concreto”, 3 vezes campeão do mundo, o Yull Brinner, careca como o actor, “punho de platina”, El Indio, “O Escalpelizador” 2 vezes campeão do mundo, Tony Morgan, e muitos que eram uma plêiade de enormes lutadores, alguns recrutados na noite anterior no Porto de Luanda, para a troco de uns cobres, uma refeição requentada e talvez uma cama aquecida, levarem uma tunda, nada que mercuro-cromo , eosina ou tintura de iodo não curassem.
Eram as grandes noites de um coliseu, que Novembro de 1975 viu enferrujar, até ser substituído por um prédio a parecer quase bem.
Fernando Pereira
22/10/2010
27 de outubro de 2010
26 de outubro de 2010
Fotos de Sebastião Salgado em Angola 1975-1976
24 de outubro de 2010
22 de outubro de 2010
SAIA DE CENA QUEM NÃO É DE SENA! / Ágora/ Novo Jornal/ Luanda 24-10-2010
"Uma vez eu, chegado a Portugal
após muitos anos de ausência minha e alguns
de guerras africanas, encontrei uma vizinha
muito estimável que era casada com
um operário categorizado e antigo republicano.
O filho dela estava nas Áfricas, arriscando
a vida dele e a dos outros em defesa
do património da pátria de alguns (muito mais
que das gerações brancas que vivem nas Áfricas).
Eu condoí-me, todo embebido de noções políticas.
E ela, com um sorriso resignado, respondeu-me:
- Pois é, mas ele está a ganhar tão bem!
SB [Santa Barbara, Califórnia] 21/4/74"
Jorge de Sena, in "40 Anos de Servidão", Moraes Editores
Sou um admirador confesso, de Jorge de Sena (1919-1978), um dos enormes poetas da língua portuguesa, que nada tem a ver com a lusofonia, um luso-tropicalismo com foros de institucional na contemporaneidade, o da observação atenta dos mercados!
Jorge de Sena foi um dos mais ostracizados escritores portugueses de sempre, e se a ditadura de Salazar o deixou a vegetar como cidadão e técnico superior em Santa Bárbara na Califórnia, a democracia que se lhe seguiu, manteve-o longe e ignorado de um País que o deserdou em vida, em que as autoridades, ao tentar expiar o erro em 2008, promoveram-lhe uma cerimónia discreta e triste em Lisboa.
Na última edição do NJ, foi dado particular relevo à toponímia de Luanda, mantendo-me na expectativa pela nomeação da comissão, sua regulamentação, e mais que tudo o equilíbrio político, cultural e a intervenção cívica de todos os intervenientes.
Ao longo do tempo que venho aqui cronicando, tenho insistido na alteração da toponímia de algumas artérias da urbe, e a adequação do nome das ruas, praças, avenidas ou largos, a nomes de gentes da cultura, da liberdade, da libertação dos povos, do filantropismo e da intervenção social.
Há que rever alguma toponímia, dos tempos do início da independência, para evitar situações bizarras como por exemplo a substituição da Rua Luis Carrisso, pela Rua Salvador Allende. Ambos merecem uma rua em Luanda, pois Salvador Allende representou na América Latina a tenacidade numa luta desigual pela democracia e socialismo, enquanto Luis Carrisso foi um ilustre professor catedrático da Universidade de Coimbra, falecido perto da Lagoa dos Arcos no Namibe em 1937, dirigindo a mais importante missão científica de estudo de alguns exemplares da flora angolana, feita até então. Ainda hoje muitos dos trabalhos existentes nessa área são desse insigne botânico prematuramente falecido.
Este exemplo, é apenas um entre muitos, e já começamos a exigir que a nossa cidade capital, deixe de ter as suas artérias conhecidas por corruptelas de nomes próprios, inapropriados ou indevidamente apropriados.
Hoje temos muito menos nomes de combatentes pela independência para as ruas, que em 1975, mas temos de nos reconciliar com a história presente do País, e por isso temos que colocar Holden, Viriato da Cruz, Matias Migueis, Costa Andrade, Mário António de Oliveira, Geraldo Bessa Victor, Graça Tavares, Gentil Viana, Mário Pinto de Andrade, Joaquim Pinto de Andrade, Raul David Pedro Van-Dunen (Loy), Pédalé ,Paulo Jorge e tantos outros que fizeram parte de um quotidiano de afirmação de uma Angola de vontades, enquanto País soberano.
Camões, Jorge Amado, Aimé Cesaire, Basil Davidson, Camus, Soynka, Machado de Assis, Baltasar Lopes, Daniel Filipe, Francisco José Tenreiro, Manuel Lopes, Alves Redol, Fernando Namora, Mário Dionísio, José Craveirinha, Rui Knophly, Sophia de Mello Breynner Anderson, Luis Pacheco, José Alencar, Olavo Bilac, Mário de Andrade, Noémia de Sousa, um universo de gente que enriquecerá a cidade, e obrigará os cidadãos, por vezes até involuntariamente, a querer saber porque deram determinado nome a certa rua. O que vulgarmente se chama, a cultura da tabuleta, irá dar frutos!
Já uma vez, numa crónica destas, tinha metido uma “cunha” por Pedro Alexandrino da Cunha, desta vez faço-o por Jorge de Sena, que foi um dos melhores poetas do século XX da língua portuguesa, e sofreu agruras iguais às de muitos dos nossos compatriotas, na luta comum contra a ditadura colonial e corporativista de Salazar.
Fernando Pereira
20/10/2010
15 de outubro de 2010
Os Inadaptados"/ Ágora/ Novo Jornal / Luanda / 16-10-2010
Um dos filmes malditos da história do cinema, é “Os Inadaptados” (The Misfits) concluído precisamente em meados de Outubro, há cinquenta anos.
Argumento de Arthur Miller, divorciado de Marilyn Monroe no início das filmagens, disse numa entrevista: "Um homem é uma casa com 14 divisões - no quarto está a dormir com a sua mulher inteligente, na sala está enrolado com uma miúda de rabo ao léu, no escritório está a preencher o imposto, no quintal está a plantar tomates e na cave está a fazer uma bomba para rebentar com tudo." Segundo se alvitrou ao tempo, Miller escreveu “Os Inadaptados” exactamente para Marilyn, pois todas as suas obras tem características diferentes.
Filme de John Houston, rodado com incidências difíceis em Black Rock, marcado pela premonição da tragédia. Clark Gable, com 59 anos, morre de enfarte quinze dias depois de terem finalizado as filmagens, Marilyn Monroe suicida-se seis meses depois, e Montgomery Clift entra num processo de degradação, aliando o álcool à depressão, não filmando mais até 1966, ano em que falece precocemente aos quarenta e seis anos.
“Os Inadaptados”, foi o último filme de três actores marcantes de uma América, que tentava mobilizar-se em torno de um Kennedy, que prometia uma lufada de ar novo aos EUA, e um desafio importante ao colonialismo ainda remanescente em África.
Na semana transacta, estive determinado a tecer algumas considerações sobre a forma perfeitamente desbragada, como o general Ngongo foi demitido das suas funções de ministro do Interior. Não o fiz porque gostava de ver o desenvolvimento .
Não tenho relações pessoais, familiares ou profissionais com o general Roberto Leal Monteiro, e o que teremos em comum, será termos frequentado a Republica do “Kimbo dos Sobas” em Coimbra, em períodos diferentes. Andámos também no Liceu Salvador Correia, tendo eu entrado para o 1º ano, quando ele estava prestes a sair para a Universidade. Conhecemo-nos pessoalmente, mas raras vezes nos encontramos, e só faço este tipo de apreciação porque o “Nini”, não merecia este tratamento, demasiado parecido com autos de fé, afixados publicamente na Idade Média, quando Torquemada era o inquisidor geral de Castela e Aragão.
O general Ngongo, terá cometido um erro de capital gravidade, admito-o, mas nada justifica que o seu passado de brilhante de cidadão, nacionalista, militar, dirigente associativo, diplomata ou ministro, seja tratado da forma soes como foi, pois faltou ética e solidariedade, indispensável num quadro institucional.
Numa Angola onde há tanto secretismo no que concerne ao poder, que alimenta muitas especulações, esta atitude tem pouco de transparente, e não parece ser um precedente para rigorosamente nada. É apenas e só, um processo mal conduzido, e espero que as sequelas não atinjam o general “Ngongo” na sua dignidade e na sua entrega à causa de Angola, que começou nos anos sessenta em Coimbra, donde saiu clandestinamente para se juntar ao MPLA na luta contra o colonialismo.
Não serve por aí além, para reparar esta forma tão mesquinha, como foi a sua demissão, mas ainda recentemente surgiram mais uns livros sobre a “Crise Académica de 1969” em Coimbra, e quem aparece sempre na primeira linha da luta dos estudantes é o “Nini” do Kimbo, onde viveu tanta gente que deu a vida pela Angola independente, alguns já não presentes entre nós.
Não tem nada a ver, mas apetece-me contar esta história de um jovem professor de Direito Colonial de Coimbra, que Salazar convida para o governo, nos anos sessenta. O Prof. Dr. José Julio Almeida e Costa vai tomar posse de Ministro da Justiça, no palácio de Belém, na presença do Tomás e Salazar. Este, aproxima-se do José Julio, cumprimentando-o diz-lhe: “Felicidades meu jovem, mas é curioso, só hoje tomou posse como ministro e já traz uns sapatos verniz novos”!!!
Talvez tenha a ver, não tanto pelo conteúdo mas pela forma, e por isso recomendo a leitura da biografia de Armindo Monteiro feita por Pedro Aires de Oliveira para a Bertrand em 2000, dignitário de vários cargos superiores no salazarismo, entre os quais o de Ministro das Colónias, e publicamente demitido por Salazar, do lugar de embaixador em Londres, durante a 2ª guerra por desinteligências entre os dois, o primeiro anglófono e o segundo claramente germanófilo.
Fernando Pereira
12/10/10
14 de outubro de 2010
MAL POR MAL VENHA O POMBAL/ O Interior 14-10-2010
No dealbar da semana passada, o actual inquilino de Belém, Cavaco Silva, de sua graça, presidente dos portugueses para desgraça, veio solenemente informar os portugueses, que tinha promulgado o decreto 2000 do seu mandato presidencial, relativa à preservação do ambiente marinho.
Vem-me à memória um outro presidente, o Tomaz que era Américo, marido da Gertrudes e pai da Natália, que cinquenta anos antes, num discurso, sobre uma outra promulgação dizia o seguinte: «Comemora-se em todo o país uma promulgação do despacho número Cem da Marinha Mercante Portuguesa, a que foi dado esse número não por acaso mas porque ele vem na sequência de outros noventa e nove anteriores promulgados.».
Um destes dias vi no YouTube, uma peça de um trabalho da SIC, sobre a visita do magistrado Cavaco Silva, por sinal o mais alto da Nação, a uma herdade, onde uma vaca estava a ser ordenhada através de meios mecânicos, que motivou comentários verdadeiramente hilariantes, parecidos com este: «Hoje visitei todos os pavilhões, se não contar com os que não visitei.» (Tomaz dixit).
Não foi único, pois Mário Soares, um geronte que continua a debitar opiniões, entre muitas enormidades, teve a lata de adormecer no Blue Note, em Nova York enquanto Etta James cantava. Mas como o homem é obeso, dá umas sonoras gargalhadas, tem uma fundação paga pelo erário público, desculpa-se isso, e acaba por ser lastimável muito mais de muita desgovernação que fez e promoveu, enquanto primeiro-ministro e Presidente da Republica.
. Mário Soares criticou as " vozes de derrotismo " que não acreditam que Portugal saia da actual crise, e lembrou que o passado recente ficou marcado por " crises tão graves ou piores " do que a actual. Tomaz disse em 23/6/1964 ao DN sobre o assunto: «A minha boa vontade não tem felizmente limites. Só uma coisa não poderei fazer: o impossível. E tenho verdadeiramente pena de ele não estar ao meu alcance.»
Voltando a Cavaco Silva com ao “Nunca me engano, raramente tenho duvidas”, proferida em 1990, traz-me uma emblemática do Tomaz, cortada pela censura do regime, e integralmente colocada pela Seara Nova em 1972, quando já se anunciava o estertor da ditadura: «Pedi desculpa ao Sr .Eng.º Machado Vaz por fazer essa rectificação. Mas não havia razão para o fazer porque, na realidade, o Sr. Eng.º Machado Vaz referiu-se à altura do início do funcionamento dessa barragem e eu referi-me, afinal, à data da inauguração oficial. Ambas as datas estavam certas. E eu peço, agora, desculpa de ter pedido desculpa da outra vez ao Sr. Eng.º Machado Vaz.»
Pior que tudo isto, só a frase de Almeida Santos, dia 29/9/2010 à saída da sede do PS: "O povo tem que sofrer as crises como o Governo as sofre."
Já estou como dizia o povo em 1777, sobre o Marquês: “Mal por mal, venha o Pombal!
Fernando Pereira
30/9/2010
8 de outubro de 2010
"Lisboa, Capital, Republica, Popular" / Ágora/ Novo Jornal/ Luanda / 9-10-2010
Na semana passada, comemoraram-se cinquenta anos da criação de uma série de culto da TV e do cinema de animação.
Os Flinstones, com os casais Wilma e Fred, Betty e Barney, mantiveram-se até 1996, como um dos tops da Hanna Barbera, e foi o primeiro contacto com a idade da pedra, com que muitos de nós nos confrontávamos em criança. A BD em livro, era o prolongamento de todas aquelas geringonças que víamos no nosso quotidiano, adaptadas a materiais tão simples e tão apelativos à nossa fértil imaginação de criança. O carro, o ferro de engomar, a TV, os diálogos, as cumplicidades entre Fred e Barney, entre Wilma e Betty, fizeram-nos sonhar, o que tinha sido viver com apetrechos tão modernos no paleolítico superior.
Não apareceu um PC de pedra, com um Windows, Mac, Linux ou Opera, adaptado à linguagem “pouco empedernida” destas famílias.
Também se comemoraram os cem anos da implantação da Republica em Portugal, com mudanças importantes no quotidiano político em Portugal, alteração expectável desde o Regícidio de 1908, onde pereceu o príncipe Luis Filipe, que foi o primeiro alto dignitário português a visitar Angola (1907). Foi em sua homenagem, o nome dado à ponte de ferro da Catumbela, que serviu ininterruptamente a ligação entre Lobito e Benguela durante cem anos.
A monarquia portuguesa deixou Angola entregue à voracidade de gente indesejável em Portugal, o que não é o mesmo que dizer que eram bandoleiros ou saqueadores, já que havia muitos condenados por delito de opinião. Só o Ultimatum, e a Conferencia de Berlim, obrigaram os governantes da monarquia a darem mais atenção à colónia, pois até então não tinha grande expressão no Paço.
Sem querer entrar muito em pormenores, o que se sabe é que o 5 de Outubro de 1910, foi recebido com algum entusiasmo, entre os deserdados portugueses que viviam na colónia, mas com enorme indiferença entre a maioria dos angolanos, principalmente nos dois centros urbanos com alguma importância: Luanda e Benguela.
O que aconteceu depois é sabido; Angolanos, de algumas famílias tradicionais, com um peso social importante, algum poder económico, viram coarctados direitos que possuíam em favor de políticas de implantação de colonos, na esteira do que faziam ingleses e alemães no século XVIII. A Republica foi mesmo quem mais prejudicou, de forma desprestigiante a maioria dos antecessores da oligarquia que hoje governa o País. A Republica utilizou sátrapas em Angola, por isso o Estado Novo teve caminho aberto para fazer o que queria.
Pode parecer paradoxal, mas este tema tem algo a ver, com a recente movimentação em torno da preservação do pouco património edificado que vai restando em Luanda. Vi recentemente uma entrevista com a arquitecta Angela Mingas e E. Freire, em que este ultimo, que foi um dos dinamizadores do ICOMOS (Comité Internacional de Monumentos e Sítios), com Samuel Aço e outros entusiastas, tentaram que algum património histórico, arquitectónico e paisagístico permanecesse incólume e disponibilizado para que todos pudessem dar futuro a vários passados.
A realidade é que muito desse património foi edificado por famílias crioulas tradicionais de Luanda, onde avultavam os célebres sobrados, proprietários de que há uns tempos estiveram em destaque numa animada troca de pontos de vista com o engenheiro Aires Menezes Assis, neste jornal, e que a Republica implantada em Portugal tratou de menorizar e subalternizar em relação aos colonos, até os conseguir desalojar.
É confrangedor assistir-se ao assassínio da cidade, à sua identidade arquitectónica, e histórica, alinhando-se na construção de uns megatéreos, numa tentativa de imitar o Dubai, essa Disneylandia para adultos, onde os nossos empresários e alguns dirigentes vão buscar a inspiração.
Começamos angustiosamente, a pedir que o argumento inicial, “O desejo de Kianda”, romance de Pepetela de 1995, não aconteça na realidade, embora já haja um ou outro indício, que nos permita acreditar que o que foi ficcionado pode ser uma realidade pungente.
Como estamos em tempos de recordar, lembro-me de um certo pregão dos ardinas de Lisboa na década de 50 e 60, que perdurou anos, e que deixava em polvorosa os apaniguados e servidores do regime ditatorial de Salazar. Com o título dos jornais:”Lisboa, Capital, Republica, Popular”. Com o “Diário de Lisboa”,” Capital”, “Republica” e “Diário Popular”, tudo vespertinos, conseguiram dar um grito de resistência!
Esta foi a parte que nada tinha a ver com as histórias, mas precisava de adornar um título!
Fernando Pereira
3/10/2010
1 de outubro de 2010
"AVULSISES"/ Ágora/ Novo Jornal / Luanda 2-10-2010
Horácio Sá Viana Rebelo, foi governador-geral de Angola no período entre 1957 e 1960. Para além de ser um sportinguista dos quatro costados, e a quem se deve a edificação do complexo desportivo e sede do Sporting de Luanda junto ao estádio dos Coqueiros, a sua passagem pela colónia foi marcada por algum crescimento económico, face à excelente cotação do café no mercado internacional na primeira metade da década de 50.
Por falar em Sporting de Luanda, não posso deixar de trazer à lembrança uma frase emblemática do Luis Vaz, presidente vários mandatos, numa entrevista ao semanário Notícia no início da década de 70: “ A minha relação com o Benfica é esta: A única coisa que eu tenho vermelha em casa é o tapete, onde esfrego os pés e entro com os sapatos limpos em casa”. Luis “Verde”, como também era conhecido, quando se referia a alguém do Benfica dizia que “só conseguia usar uma linguagem: a tiro!”. Esta frase testemunhei-a eu, quando ele discutia com prosélito sportinguismo um Sporting-Benfica, que tinha estado a comentar durante horas com os decibéis desregulados, após ouvir entusiasmado o relato na Emissora Nacional portuguesa em onda curta.
Voltando a Sá Viana Rebelo, havia uma história em Angola, que sugestionava que a pousada de Kalandula, ao tempo Duque de Bragança, teria sido feita para servir o casamento de sua filha. O local era paradisíaco, mas a realidade é que a pousada nunca conseguiu qualquer viabilidade económica, para além de uma progressiva degradação, e já só abriu com alguma regularidade no toque a finados da presença colonial portuguesa em Angola.
Visitei-a, miúdo nos anos sessenta, quando o asfalto era só até ao Lombe, lembro-me de a ver fechada, com vidros estilhaçados, e com o equipamento cheio de ferrugem, assim como os elevadores completamente deteriorados.
A pousada foi feita a meio da encosta, onde se avistava toda a monumentalidade das quedas, mas também levava com a “espuma” provocada pelas águas revoltas do Lucala, e que assim levou ao deteriorar rápido de uma estrutura, que nasceu debaixo de fortes suspeitas quanto à sua real utilidade e necessidade. Citando o angolano Fausto Bordalo Dias numa das suas canções: “Atrás de tempos vem tempos e outros tempos hão-de vir”!
Mudando de assunto, na busca de algumas histórias da história algo rocambolesca que foi a construção do Caminho de Ferro do Ambaca, e que depois das vicissitudes da sua falência, se transformou no Caminho de Ferro de Angola, vai de Luanda a Malange, ficando para ser continuada até ao Luau, depois de ter sido alterado o plano inicial, que previa ir do Lucala à então Leopoldeville (Kinshassa), descobri que Bento Gonçalves (1902-1942), primeiro secretário-geral do Partido Comunista Português foi trabalhador das oficinas do CFA.
Efectivamente, na busca de melhores oportunidades resolveu deixar o Alfeite (ao tempo Arsenal da Marinha em Lisboa), onde trabalhava e entre 1924 e 1926, tendo sido um propulsor de um movimento sindical com alguma importância ao nível dos Caminhos de Ferro de Angola, o que o levou a “ser convidado a regressar a Portugal”.
Preso em 1936, faleceu no Tarrafal, Cabo Verde em 1942 com a biliose, e ainda hoje é uma referência para os comunistas portugueses, pelo estoicismo com que enfrentou a doença na dureza das condições do campo, como documentaram para memória futura alguns colegas seus de cativeiro.
Sem pretender ser pérfido, sobre os novos olhares sobre o Tarrafal, no politicamente correcto branquear da história, o que se pode dizer é que Bento Gonçalves “morreu na praia”!
Acho que a estultícia, para ter alguma verosimilhança, e ser levada a sério também terá os seus limites, e certa gente merece respeito, pelo empenho que demonstraram na luta, mesmo que as diferenças ideológicas existam!
Fernando Pereira
28/09/2010
24 de setembro de 2010
C'est un joli nom, camarade!/Ágora/ Novo Jornal / Luanda / 25-9-2010
Alves Redol (1911-1969), foi um dos emblemáticos precursores do neo-realismo em Portugal, movimento cultural de inspiração marxista que teve enorme importância entre a crise de 1929 até ao fim dos anos 50, um pouco por toda a Europa, particularmente na literatura, artes plásticas e cinema (“Roma, Cidade Aberta” de Rosselini é a obra mais emblemática nesta arte)
Um escritor fascinante, Alves Redol, descreve a miséria e a pobreza de um Portugal, principalmente os que vivem nos tugúrios das margens do Tejo a escassas dezenas de km da Lisboa, capital do Império. Gaibéus, Avieiros e Barranco de Cegos, são algumas das obras de um escritor que descreveu de forma inigualável, as margens, o sofrimento, a vida, a luta e a morte de um “Tejo que levas as águas”, que bem cantou esse esquecido amigo de Angola, Adriano Correia de Oliveira.
Redol parte aos 16 anos para Angola em 1928, entusiasmado na aventura de uma vida que dizia “busco, e não encontro cá”, da sua Alhandra tão glosada nas suas obras. Deslumbra-se com a viagem, onde do alto do seu beliche, num habitáculo pequeno e sórdido, que era a terceira classe dos navios, observava tudo ao mínimo detalhe para descrever a viagem minuciosamente no “Vida Ribatejana”, jornal com que colaborou.
Aqui há um hiato na historiografia de militância de Alves Redol, inicialmente do MUD (onde andaram também Agostinho Neto e Lúcio Lara, entre outros nacionalistas africanos), e posteriormente no Partido Comunista Português, já que o jovem Alves Redol, tornou-se um entusiasta das colónias portuguesas, particularmente da obra discutível de Norton de Matos. Sobre este assunto, refira-se a propósito que só no seu V Congresso do PCP, em 1957 no Estoril, se afirma peremptoriamente anti-colonialista, assumindo desde então um alinhamento com os movimentos independentistas das colónias portuguesas, mantendo um importante apoio à sua luta, hoje muitas vezes esquecida e distorcida injustamente.
Alves Redol, começa por trabalhar na Direcção de Fazenda da colónia, e saúda algumas posições então tomadas pelo então ministro das finanças da ditadura, Oliveira Salazar, nomeadamente nos apoios aos colonos “testemunho às virtudes religiosas e cívicas, que de fracos mortais fizeram história”.
Regressa em 1932 a Portugal, com uma imagem muito marcada da importância do Império Colonial, assumindo uma posição quase homérica da afirmação de Portugal no mundo, em frases do tipo “…singravam ao mar em busca de florestas de oiro, de quimeras encantadas, donde qualquer outro povo não tivesse chegado, onde só a bandeira das quinas pudesse governar”.
Só em 1936, Redol começa a despir alguma do seu entusiasmo pró-colonialista, e isso revela-se num conto, “Kangondo”, publicado num jornal do PCP, “o Diabo”, onde ele faz o corte com África, para se dedicar ao seu Ribatejo e à luta do seu povo por ter uma dignidade que já não teve oportunidade de ver, já que a morte não o deixou assistir ao Abril de 1974.
Houve quem tivesse visto alguma similitude, na obra de Alves Redol com a de Castro Soromenho (1910-1968), principalmente em “Homens sem Caminho”, “A maravilhosa Viagem”, mas sinceramente nunca vi grandes convergências, nos pressupostos do neo-realismo, embora assuma que sou um leigo na matéria.
No passado dia 13 de Setembro comemoraram-se os oitenta anos da festa do L’ Humanité, órgão central do PC Francês, onde me deslumbrei quando em 1978, vi ao vivo os míticos Pink Floyd, no palco central de um espaço de cerca de 70 hectares no “Parc Départamental de La Courneuve”, nos arredores de Paris.
Gostava de lá ter estado, para ver a grande homenagem que a “Fete de L’Huma” fez a Jean Ferrat, um dos grandes da canção francesa de intervenção falecido há uns meses (13 de Março de 2010), e também ao enorme José Saramago, o Nobel português recentemente desaparecido.
“C'est un joli nom, camarade
C'est un joli nom, tu sais
Dans mon coeur battant la chamade
Pour qu'il revive à jamais
Aux cent fleurs du mois de mai”
Jean Ferrat (1930-2010) “Camarade”
Havemos de voltar!
Fernando Pereira
21/09/2010
17 de setembro de 2010
Queria não ter tido razão! / Ágora/ Novo Jornal/ Luanda 18-09-2010
Numa das últimas crónicas, neste espaço fui premonitório sobre o livro de Leonor Figueiredo dedicada a Sita Valles.
Disse nessa crónica: “ Recebi um convite para o lançamento do livro de Leonor Figueiredo, com o título de “ Sita Vales – Revolucionária, Comunista até à morte”. Conheci Sita Vales, e lembro-a como uma mulher notável, inteligência brilhante, combativa, algo sectária, determinada como poucos, e sempre lamentei o seu precoce desaparecimento… Não vou ao lançamento, porque acho que a Sita Vales merecia melhor biógrafa, que a autora de uma estulta obra: “ Ficheiros Secretos da Descolonização de Angola”, e porque mereceria melhor editora que a “Aletheia”, uma editora do tipo “Perspectivas e Realidades” com saias!” (SIC)
Li o livro, e digo-o com toda a sinceridade, preferiria não ter tido razão antes do tempo. Pareceu-me uma versão avermelhada de um livro da Condessa de Segur, o que é no mínimo lastimável, para quem tem memória do percurso combativo de Sita Valles.
Descontextualizado da realidade política e militar de Angola ao tempo, muita confusão nos depoimentos e uma tentativa pueril de fazer um libelo ao MPLA e ao governo da RPA de então, misturando factos que terão sido ali colocados, ao jeito de como um tanoeiro fecha uma pipa.
Desapetece-me perder tempo com o livro, e o mais sensato conselho que posso dar é nem o lerem, por razões profiláticas e porque nada traz de novo a algo que é importante ser explicado, sem ser com versões foto novelescas: O que foi o 27 de Maio de 1977.
Mudando a agulha, para temas mais sérios, assumidamente com maior qualidade dos intervenientes, fiquei agradado com a reedição pelo D. Quixote, de duas obras emblemáticas do brasileiro Machado de Assis (1839-!908), “Memórias póstumas de Brás Cubas”, e o “Dom Casmurro”, provavelmente o melhor poeta brasileiro.
O angolano Mário António de Oliveira (1934-1989), foi professor de literatura brasileira na faculdade de letras da Universidade de Lisboa, e invariavelmente começava a primeira aula do semestre com uma provocação: “A literatura brasileira é muito melhor do que a portuguesa”; Burburinho na sala, e ele volta-se a rir para o quadro onde escreve uns versos de Castro Alves. Nunca perdeu o seu ar de rebeldia e a sua costela provocatória!
Voltando a Machado de Assis, vale a pena elogiar a pessoa, ou o grupo de pessoas, que tinha o critério da escolha da importação dos livros no tempo do “Único”, pois importaram-se muitos livros do Brasil, dando a conhecer, José Alencar, Bernardo Guimarães, Olavo Bilac, Castro Alves, Graciliano Ramos, Jorge Amado e outros praticamente desconhecidos da maioria dos angolanos que se habituaram a ler depois da independência. Havia depois uns quantos opinativos, em que a configuração das orelhas não dava para colocar um lápis, que verberavam o que vinha para as livrarias, dizendo que só havia edições da Novosti e da Progresso, embora até houvesse lá uns quantos livros de um “desconhecido” chamado Saramago, que foi o único Nobel de língua portuguesa. Eu descobri livros que reli com o mesmo prazer que me deu quando os li pela primeira vez, como por exemplo “O Alienista” de Machado de Assis.
Continuando na saga de reedições, é excelente que tenham começado a reeditar “O Diário” de Miguel Torga (!907-1995), pseudónimo literário de Adolfo Correia da Rocha, meu antigo otorrinolaringologista, pessoa de ar austero, mas de lindas palavras, imaginadas muitas delas, num dos locais mais bonitos da Europa, em São Leonardo de Galafura, miradouro onde se avista toda a beleza e dureza das terras do Douro.
Já que se fala em reedições de coisas bonitas, o que o início da crónica não permitia antever, relembro que toda a obra de Aquilino Ribeiro está a sair ainda que paulatinamente, recomendável e quiçá encomendável.
Foi o Dr. Eugénio Ferreira, que me meteu o “bichinho “ do Aquilino, e nunca esquecerei que me emprestou “o Malhadinhas”, que li num ápice.
Aquilino Ribeiro, foi uma figura controversa da história de Portugal, sendo mais um combatente que um resistente, e que desde o estertor da monarquia ao dealbar do fascismo lutou sempre com tenacidade, pelos valores da liberdade, da solidariedade e da cidadania plena dos portugueses.
“Olhos brancos em cara portuguesa ou é filho da puta ou erro da natureza”, dizia Aquilino, e com esta acabo, numa crónica que foi feita por ter tido razão antes do tempo!
Fernando Pereira
14/09/2010
11 de setembro de 2010
10 de setembro de 2010
Ao Correr da Pena/ Ágora/ Novo Jornal/ Luanda 11-09-2010
Na alta de Luanda, onde começa a haver finalmente alguma preocupação em preservar alguns edifícios emblemáticos, lembro-me de ir várias vezes, contrariado, ao Palácio do Prado, propriedade do comerciante, filantropo e comendador José Maria do Prado, doado à sua morte em 1889 ao “Instituto Feminino D. Pedro V”, onde se manteve até ser transferido para novas instalações em 1971.
No início dos anos sessenta, a minha mãe tinha o hábito de fazer voluntariado no instituto, e já sabia que uma vez por semana, se estivesse em Luanda sem aulas, era coagido a acompanhá-la a uma casa de aspecto sórdido, pejada de crianças, com umas freiras de permeio, e uns quartos com dezenas de camas empoleiradas. Esta casa ficava na confluência da ruas do Casuno com a do Sol, precisamente no lado oposto do largo onde hoje está instalado o Tribunal Constitucional na cidade Alta.
Era uma tarde roubada às minhas brincadeiras de rua, e nem algumas lamúrias junto de minha mãe, conseguiam demovê-la para que eu pudesse ao menos ir até ao “Parque Heróis de Chaves”, hoje “Parque da Independência”, onde em vez de vasos, flores e caminhos bem cuidados, vemos carros estacionados, lixo e a prova cabal da inexistência de toilettes públicas na cidade, montes de moscas varejeiras deleitando-se perante excrementos, que nauseiam as pituitárias menos sensíveis.
O “Asilo” assim chamado foi inaugurado com toda a pompa e circunstância, em 1854, num prédio chamado Casa das Torres, em frente à Sé de Luanda, surgiu de um movimento de comerciantes, amanuenses e governantes na sequencia de uma situação em que eram protagonistas duas jovens brancas de 12 e 13 anos, tendo ficado órfãs, e para sobreviver permitiam-se a todos os expedientes, o que colocou a cidade num estado de exaltação, e daí a mobilização para a construção de um lar de desvalidos.
Com o tempo e a frequência das visitas, fui fazendo algumas amigas, que abandonei no início da puberdade, já que deixei de ter idade para ser autorizado a entrar no “D. Pedro V”, tendo a minha mãe dado a alforria, quando efectivamente eu começava a não o desejar, por razões óbvias.
No ano de 1965, tive um choque enorme, quando ao ouvir o noticiário da Emissora Oficial, soube que vinte e oito das muitas que conhecia, tinham morrido, porque numa drogaria por traz do Ministério das Finanças, que ardeu misteriosamente há poucos anos, foi vendido um líquido para os piolhos, tendo o “droguista” dado por engano DDT. Fiquei muito triste, e tentei saber quem tinham sido as infelizes, que naturalmente conhecia, e várias vezes tentei subir ao prédio da Mercearia Delgado, que era o único edifício contíguo alto q.b., para ver se conseguia ver alguém para lá dos altos muros da mansão do Prado, prédio já demolido há uns anos.
Tive que recorrer aos bons ofícios de uma vizinha minha, que estudava no S. José de Cluny, onde andavam algumas das raparigas do orfanato, para saber se algumas das minhas amigas tinha morrido; Não fiquei parcialmente aliviado, porque uma das de quem gostava mais, tinha sucumbido.
Foi uma tragédia enorme, que provocou grande consternação em Luanda, há precisamente quarenta e cinco anos.
Por falar em sucumbir, fez esta semana setenta anos do início do Blitz (7-9-1940) o bombardeamento sucessivo, que a aviação alemã fez sobre Londres e outras cidades inglesas na IIª Guerra Mundial. Foi determinante para engajar a população inglesa na defesa do seu território, o maior esforço de mobilização de sempre do Reino Unido, liderado por um Winston Churchill, que invariavelmente perguntava todas as manhãs se” a cúpula da Catedral de S. Paulo estava intacta”? Como a resposta era afirmativa, Churchill cada vez mais entusiasmo colocava na defesa do seu território.
Bom para a guerra Winston Churchill, idolatrado pelos ingleses, perde as primeiras eleições em paz. Ironias do destino!
Fernando Pereira
7/9/2010
5 de setembro de 2010
Cabeças coroadas? /Ágora/ Novo Jornal / Luanda/ 4-09-2010
Quero pedir-vos desculpa pelo conjunto de vulgaridades desta crónica, mas a realidade é que estou sem um estímulo forte, que me permita escrever a parecer razoavelmente bem.
Ouvi recentemente uma conversa entre umas senhoras, já a caminharem para provecta idade, e que para as festas em Luanda nos anos sessenta, levavam as cabeleiras coreanas louras que o falecido Horácio Roque vendia, a lembrarem-se das “mises “ que faziam na “Ana Bolena”, para tentar resplandecer nas festas do Clube dos Caçadores e do Clube Naval, locais eleitos pela burguesia colonial para as suas noites mais badaladas.
A “Ana Bolena” era o salão de cabeleireiro mais afamado da cidade, perto do que é hoje o prédio da BP, e era uma autentica escola de cabeleireiros, já que quase todas as muito aperfeiçoadas profissionais que montavam salão desde a Cuca ao Catambor, referenciavam essa escola, a que não eram alheios os olhares libidinosamente encervejados do androceu“Amazonas”, do outro lado da avenida dos Restauradores, hoje Rainha Jinga!
Faz-me alguma confusão, um salão de cabeleireiro homenagear uma rainha de Inglaterra, que morreu decapitada na Torre de Londres. Eu acho uma situação no mínimo hilariante, como acharia dar o nome de Yull Brinner a uma barbearia. Ana Bolena era uma nobre francesa por quem Henrique VIII se apaixonou, exigiu que o Papa anulasse o seu casamento com Catarina de Aragão, e como o Papa Clemente VII excomungou o Rei, este resolveu fundar a Igreja Anglicana, e torná-la religião de estado, algo que ainda acontece hoje em Inglaterra, em que a rainha é a entidade máxima da Igreja. Para que conste foi mãe de Isabel I de Inglaterra (1533).
“Ana Bolena”, o cabeleireiro, destronou em fama o “Salão Império”, situado num primeiro andar ao lado do Hotel Avenida, que por sua vez está localizado numa rua (!!!) com o máximo de cem metros, ali para os lados do antigo Palácio do Comércio, hoje MIREX. Olhando a história, penso que esta alteração, foi premonitória sobre o futuro do que veio a acontecer em Angola: A cabeça do império acabou decepada!
Havia ao tempo uns malandros da vela, modalidade muito querida pela “BUFA” (designação “reviralhista” da Mocidade Portuguesa, que iam esperar as meninas da “Ana Bolena”, vogando à bolina.
Porque estamos em momentos de generalidades, hoje peguei num esquecido pacote de “Ouro Preto”, um tabaco de cachimbo que a FTU produziu, e que fumei até me assaltarem a casa e me terem roubado uma pequenina, mas preciosa colecção de cachimbos. Era um tabaco notável, e se estivesse muito seco, carregávamos-lhe com um bocado de whisky, e em nada era pior que o Mayflower, o Balkan Sobranie, Amphora, ou outros picados para cachimbo. Embora tenha deixado de fumar, não esqueço aquele aroma de um tempo em que nos primeiros tempos da independência, só alguns saboreávamos mesmo esse néctar.
Foi um “Ouro Preto” que nunca trouxe muitas contas e interesses acrescidos ao País. Fumá-lo, vendo bem algumas coisas até foi uma coisa boa!
Fernando Pereira
31-8-2010
3 de setembro de 2010
Ceausescu em Paris! / Novo Jornal/ Luanda/ 4-9-2010
Assiste-se na Europa, a um recrudescimento de fenómenos de xenofobia e racismo, que abrem caminho, a cenários políticos perigosos num futuro não muito distante.
A recente decisão do governo francês de expulsar os cidadãos de etnia cigana, aliado ao veto de Paris, de impedir a entrada da Roménia no espaço Shengen, é um claríssimo recuo de uma vivencia inter-étnica e multicultural deve ser a comunidade de países.
As tímidas manifestações condenatórias a esta atitude, trazem-me à lembrança Brecht :”Levaram os ciganos, mas como não sou cigano, não me importei”, e na realidade a Europa, ciosa dos valores assentes na sua herança judaico-cristã, vai tentando assim, esconder a sua incapacidade de lidar com minorias, com hábitos e costumes dificilmente enquadráveis na dinâmica económica e social do espaço de uma União Europeia algo asséptica.
Não me surpreende quando uma bosta, um tal Jean Marie Le Pen, que para além de ter seguidores e votantes, tem entre a sua corja mais intima, uma filha, uma tal Pierrete Le Pen, tão fascista e racista como o seu asqueroso pai. Para justificar a compra de uma mansão de família, no campo, como alternativa à sua morada de Paris, disse que precisava de «uma casa onde os filhos vissem vacas, em vez de árabes». Para ver vacas, a descendência de Le Pen não precisa de ir para o campo. Basta deixar-se estar em casa, em família!
Cinquenta anos depois da morte, de um dos seus prémios Nobel da literatura, Albert Camus (1913-1960), não deixa de causar alguma apreensão, estas aleivosias dos responsáveis eleitos do país, onde eclodiu a primeira revolução burguesa da história, onde se estabeleceu a comuna de Paris, que lutou contra o nazismo e que tem como símbolos a Liberdade, a Igualdade e a Fraternidade.
A Argélia e a França disputam o tributo literário de Albert Camus, e a realidade é que no “Estrangeiro”, “a Peste”, “o Mito de Sisifo”, A Queda”, seus romances referenciais, encontramos uma identificação clara com a Argélia, para onde por circunstâncias dramáticas da sua vida familiar teve que viver grande parte da sua infância e juventude.
Embora um “Pied Noir”, foi sempre um simpatizante da causa da FLN Argelina, o que lhe terá valido alguns ódios, por parte dos colonos franceses que abandonaram a Argélia no fim da década de 50. “La Bataille d'Algiers” (1966), primeira longa-metragem argelina, é um excelente documento sobre esses tempos de esperança e fulgor independentista.
Albert Camus é um dos escritores que mais me entusiasmaram, e os seus romances e ensaios sobre o existencialismo foram decisivos, na afirmação política em determinado período da minha juventude. Nos anos sessenta e setenta do século XX, Sartre, Camus e Senghor, dominaram grandes discussões, em oposição a Aragon, Althusser,Marcuse, Krivine, e outros grandes do pensamento e da filosofia política Europeia.
Quando hoje assistimos aos deprimentes exemplos do pequeno Sarkosy, interrogamo-nos onde anda determinada gente, que projectou esperança naquele distante Maio de 1968, e que transformou a França, no País de caros valores dos cidadãos de todas as latitudes.
Porque esta história da expulsão dos ciganos romenos, já começa a ter muitas adesões de outros governos europeus, é motivo de preocupação quanto baste.
Também estou preocupado, porque neste caso estou de acordo com o Ratzinger, que talvez finalmente tenha uma oportunidade, de expiar os silêncios e as cumplicidades espúrias de Pio XII com Mussolini e Hitler.
Vou sentar-me de novo a rever “La Megio Gioventú” ( A Melhor Juventude) de Marco Tullio Giordana, um filme nostálgico, premiado em Cannes em 2003, sobre uma Itália e uma Europa percorrida em quarenta anos. Adquiram-no, vejam-no, e vão ver que no fim ficam a dizer muito menos mal de mim!
Fernando Pereira
30/08/2010
27 de agosto de 2010
É preciso acreditar/ Ágora/ Novo Jornal / Luanda 28-8-2010


Quotidianamente na comunicação social angolana, o enfoque é sobre situações bizarras, nepotismo exacerbado, desmandos de mandos públicos ou atitudes que promovam nemésicas situações.
Eu próprio me sinto muitas vezes tentado, a falar do que é quase óbvio na sociedade angolana actual, transformar algo em notícia e ser relevada. Raras vezes, falamos do que de Angola tem de extraordinariamente bom, e que nos faz acreditar no País, como o fomos fazendo ao longo de três décadas e meia. Simone de Beauvoir, dizia apropriadamente sobre uma situação semelhante: “ É horrível assistir à agonia de uma esperança”!
Isto tudo vem a propósito de uma notícia que me “encheu as medidas” esta semana, e que tem a ver com a redução dos casos de tuberculose para metade do ano transacto, o que é motivo de grande orgulho para todo o angolano, já que merece uma referência destacada por parte da OMS. Os nossos “profetas da desgraça”, olham com desconfiança para os números, mas eu estou-me pouco importando, quero acreditar que é verdade, porque Angola tem muita gente de grande valor, que não anda pelo jet-set, pelas festas pejadas de opíparos sabores, circunstanciais paixões e odores desinspirados.
Ao longo do tempo, houve investimentos na saúde das populações de Angola e os esforços nalguns casos foram assinaláveis, embora também haja o reverso da medalha.
Aqui há uns tempos ao ler o livro de Miguel Pinto Pereira, editado em Portugal pela “Sopa das Letras”, com o título “O ano em que devia morrer”, mostra quão inequívoco foi o investimento de Angola no recrutamento de médicos, enfermeiros e paramédicos no dealbar da independência, e acima de tudo quais os esforços que foram feitos para combater a poliomielite entre as crianças. É um depoimento insuspeito, de um médico cubano, que descobre a sua “Litlle Havana” no Lobito, pois começa e acaba o livro num sistemático ataque à Cuba que emerge com Fidel de Castro. Acho que poucos angolanos se deram conta desse esforço, mas é importante realçá-lo, principalmente em tempos em que tudo é mais fácil, e certas coisas facilitadas, o que também não é muito bom!
Gosto muito de notícias destas, como gosto de ver esforços na construção de escolas, bolsas de estudo no exterior e um apoio maior às famílias para que o sucesso do País no futuro, seja fruto do investimento que tem sido feito, embora por vezes de forma descontinuada, por razões conhecidas.
Em 1979, o ano foi dedicado à Formação de Quadros em todo o País. O então partido único MPLA-PT, decidiu que o governo, apesar da guerra, devia levar a educação de forma generalizada a todo o País e toda a população.
Seguindo o critério, alicerçado no método de Paulo Freire (1921-1997), educador brasileiro da célebre “Pedagogia do Oprimido”(1970) e “Educação como prática da liberdade” (1967), de que quem sabia mais, mesmo que fosse pouco mais, devia ensinar quem não sabia nada, conseguiu-se levar a alfabetização aos mais recônditos lugares de Angola, o que valeu ao País um prémio da UNESCO pelo combate pela elevação cultural dos cidadãos, no fim dos anos 70.
Nesse ano de 1979, quando o dólar era eternamente cotado a 29, 622 Kz, acordou-se com Portugal o envio de 2446 professores para o II e III nível do ensino de base, a ordenados que variavam entre os 45.000Kz e os 60.000Kz,direito a transporte, uma viagem anual paga, casa mobilada e equipada, e transferência de 50% do ordenado em dólares, para além de loja especial (quem não se lembra da Padaria Lima, transformada em loja do cooperante?). Não falo aqui dos acordos para professores universitários, mas em breve fá-lo-ei, porque estou suficientemente documentado para o fazer.
Vale pois a pena recordar, que Angola não é propriamente um espaço frequentado pelos irmãos Dalton do Lucky Luke, essa imorredoira BD do Morris e Goscinnye.
Já agora não esqueçamos Augé (2001): “ A memória e o esquecimento são solidários, ambas necessárias ao pleno emprego do tempo”!
Fernando Pereira
24/08/2010
20 de agosto de 2010
O Colonialismo nunca existiu!/Ágora/ Novo Jornal/ Luanda/ 21-8-2010

“Sobre a nudez crua da verdade, o manto diáfano da fantasia”
Eça de Queiroz
Saiu recentemente um livro do jornalista e escritor cabo-verdiano José Vicente Lopes, nascido na cidade do Mindelo em 1959, Tarrafal- Chão Bom, Memórias e Verdades (II Volumes). Editado pelo Instituto de Investigação e do Património Culturais, (2010).
Li o livro, e na realidade estamos perante mais uma tentativa, ainda que dissimulada de branquear o fascismo e o colonialismo.
Em dois volumes, e apesar de ter ficado com a convicção que é um trabalho valoroso, na busca de alguma seriedade, acaba por centrar grande parte do leitmotiv do sua pesquisa, no relatório das visitas da Cruz Vermelha Internacional ao tenebroso Tarrafal, símbolo maior da repressão do colonial-fascismo português desde a década de 30 do século XX.
Contraria milhares de depoimentos escritos e gravados ao longo de mais de trinta e cinco anos, e no caso de Angola contraria os minuciosos trabalhos de Dalila Cabrita Mateus, “Memórias do Colonialismo e da Guerra” ASA (11-2006), ou a PIDE- DGS na Guerra Colonial 1961-74, edições Terra Mar (5-2004). Mendes de Carvalho, em várias obras e depoimentos, centenas de outros em boletins da MUNAF, e outros que conheço, e por lá passaram muito mal não mereciam esta afronta.
O Tarrafal era para uns observadores suíços, que não falaram com os prisioneiros um ressort de luxo! Enfim… Comparados com prisões africanas era um paraíso! Desculpem mas já agora cumpre-me perguntar ao autor deste panegírico de prisões, se alguém perguntou que delitos tinham os tais” beneficiados com prisão em local paradisíaco”,e o que é que objectivamente tinham feito! O único crime que cometeram foi o de delito de opinião, e por apoiar a independência dos seus países sob tutela do colonialismo português.
Começo a ficar um pouco farto desta “lavagem “ do que foi o colonialismo, de que nem Portugal nem as colónias tinham culpa.
O José Vicente Lopes parece não ser suficientemente crescido, para perceber que a uma missão da CVI, ou outra estrutura internacional que fosse a uma prisão com as autoridades coloniais, era muito fácil sair ludibriada, e nem precisavam de lhe enviar umas meretrizes aos quartos do hotel, para que a infidelidade no relatório fosse tão grande.
O José Vicente Lopes, pegue no “Alvorada em Abril” do Otelo Saraiva de Carvalho, e veja como ele explica como é que os jornalistas estrangeiros, e os observadores da ONU, foram a Madina do Boé, em plena Guiné Bissau, sem nunca saírem dum périplo de 40km ao redor de Bissau!
José Vicente Lopes, olhe que anjos há nos altares, e a maior parte das vezes estão cheios de pó e teias de aranha!
Não há prisões boas para prisioneiros de consciência. A gente que “Tarrafalou”, foi gente que queria que a sua terra tivesse um percurso coerente, com a história contemporânea, e Adriano Moreira e todos directores do Tarrafal, mais não foram gente que não merece a menor comiseração, por muito bons chefes de família que fossem, e talvez mesmo benfiquistas e tementes a Deus.
Penso poder dizer-vos que estão perante um livro a evitar!
Recebi um convite para o lançamento do livro de Leonor Figueiredo, com o título de “ Sita Vales – Revolucionária, Comunista até à morte”.
Conheci Sita Vales, e lembro-a como uma mulher notável, inteligência brilhante, combativa, algo sectária, determinada como poucos, e sempre lamentei o seu precoce desaparecimento, para além da forma hedionda como ocorreu. Nada, mas rigorosamente nada, vale mais que a vida de uma pessoa, e embora divergente nalgumas posições, o seu desaparecimento ainda faz sangrar o coração dos angolanos, e ainda hoje me lembro dela, com um lindo sorriso de esperança numa Angola sonhada para ser diferente. Era muito bonita a Sita!
Não vou ao lançamento, porque acho que a Sita Vales merecia melhor biógrafa, que a autora de uma estulta obra: “ Ficheiros Secretos da Descolonização de Angola”, e porque mereceria melhor editora que a “Aletheia”, uma editora do tipo “Perspectivas e Realidades” com saias!
Que me desculpem, mas o Colonialismo existiu e as marcas ficaram, e desapetece-me um dia ir visitar o Crown Plazza Tarrafall!
Fernando Pereira
20/8/2010
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