2 de outubro de 2015

DECEPÇÃO À REGRA / Ágora / Novo Jornal/ Luanda /2-10-2015



Estamos a pouco mais de um mês do dia da independência do País, e convém começarmo-nos a habituar que “o colonialismo acabou”!
As desculpas sistemáticas para os erros que cometemos nos tempos de Angola como País independente têm invariavelmente um culpado: o colonialismo!
No dealbar de Angola enquanto País independente e durante um período relativamente dilatado da nossa vida coletiva, justificavam-se perfeitamente grande parte das críticas, embora pontualmente atirávamos para cima do “fantasma”, erros que nós próprios cometíamos, algumas vezes avisados nem que fosse pela sua repetição.
“Quem não viveu, esqueceu, ou renunciou às delícias das ilusões desses grandes dias nunca vai conhecer o exato perfume das flores” dizia um velho camarada, já falecido há poucos anos, quando confrontado com a realidade de um contexto completamente diferente do que ele e muitos sonharam naquele Novembro nunca esquecido. Justificava a sua alegria do onze do onze de mil novecentos e setenta e cinco, para esquecer a frase tantas vezes pisada e repisada entre muitos que da utopia julgavam fazer um País: “Não foi isto que combinámos”.
É um dado adquirido, o colonialismo morreu, e não vale a pena matraquear em volta de um argumento estafado! Sem errar, penso que entre oitenta a noventa por cento da população angolana não tinha nascido para assistir ao estertor do colonialismo, ou viveu-o num período em que a perceção das desigualdades inerentes ao sistema ainda são demasiado difusas, para poderem ter a verdadeira dimensão de quão mau e degradante foi o que se procurou enterrar naquela noite de Novembro!
Não vale a pena continuarmo-nos a enganar, remetendo tudo que é mau para as sequelas do colonialismo, porque na realidade esse argumento começa a ter pouca ou nenhuma justificação, perante uma opinião pública diferente que temos no nosso País, a quem raras vezes é dada alguma importância.
Os responsáveis por investimentos errados, má administração da coisa pública, venalidade nos negócios em que o Estado é parte interessada, desmandos, perseguições e prisões feitas de forma injustificada tem rostos, nomes, apelidos, cognomes, nomes de guerra e paz, urge que sejam responsabilizados, de forma a evitar o abastardamento das instituições.
A oposição ao MPLA clama por liberdade, mas a realidade que se nos depara quotidianamente, é que internamente os partidos e organizações políticas que corporizam o “contra” o governo, acabam por usar métodos internos, que não indiciam nada de bom para recuperar os valores de liberdade e democracia que badalam aos quatro ventos.
Se o MPLA, enquanto maior força política, alicerçada pela vitória no voto popular, se apropriou de forma algo imprudente do aparelho de Estado, para usar alguma brandura nas palavras, a realidade é que a contestação dos partidos da oposição é pouco aglutinadora em propostas e muito débil em convicções.
Urge o debate no seio do MPLA fora do “folclore comicieiro” que arrasta multidões, mas de onde não surge uma proposta ou uma ideia que proporcione desenvolvimento e uma maior e mais cuidada distribuição de riqueza.
Não devemos continuar a perpetuar um País onde se cortam as árvores para que não façam sombra aos arbustos, e para não corrermos o risco de amanhã termos parido uma geração de ressabiados e desesperançados formatados num espírito individualista que só se une para desancar nos que não lhe deixaram perspetivas e odiarem toda uma geração onde há muita gente que não é venal e defendeu as suas convicções de liberdade e socialismo!
Angola tem hoje uma cobertura de internet do melhor que há em África, e tem um número crescendo de internautas que enxameiam as redes sociais com propostas, comentários, insultos, apoios e outras formas de intervenção. O tempo dos “órgãos de difusão massiva” acabou, por isso é perfeitamente dispensável fazer cercos aos meios de comunicação estatais para evitar as opiniões do contraditório.
O que se nota, da leitura quotidiana que faço nas redes sociais, é que encontro muita gente a divergir do status quo vigente, com comentários inteligentes, fundamentações interessantes e assentes em realidades presenciadas, vividas ou investigadas. Também há o aviltamento gratuito de pessoas e instituições, mas isso não se consegue evitar, e acaba por ser irrelevante quando não se dá importância.
Esta gente já passou da decisão da idade para a idade da razão, o que quer dizer que é gente que já passou a juventude e estão na fase de maturação, e muita destas pessoas tem lídimas razões para terem maiores ambições profissionais e políticas. Urge começar a falar-se de uma hierarquia de competências em detrimento de fidelidades, algumas caninas, ao superior hierárquico no “partido e estado”, para recuperar uma saudosa frase de um tempo em que tínhamos todas as esperanças do mundo.
Angola no quadro dos países aparece em desonrosos lugares nos itens de desenvolvimento, e a culpa não é do colonialismo, é nossa! Não vale a pena tapar o sol com a peneira, pois a continuar assim a degradação vai ser continuada e continuamos a ser zombados e olhados com desconfiança em tudo, tolerando-nos pontualmente em certos lugares como por exemplo Portugal onde alguns gastam à tripa-forra, compram empresas a falir e dão chorudas gorjetas em restaurantes e cabarets. Deixemos de ter dinheiro para gastar, que os portugueses deixam de ligar alguma coisa aos angolanos.
“Uma sociedade só é democrática quando ninguém for tão rico que possa comprar alguém e ninguém seja tão pobre que tenha de se vender a alguém”, dizia Rousseau, e esse devia ser um dos pilares do nosso quotidiano de vida coletiva. Estamos muito longe disto!
Infelizmente, continuamos há quarenta anos a arranjar as desculpas, quando devíamos era enfrentar as adversidades e ter a humildade para reconhecer os nossos erros, sem que isso macule o orgulho na angolanidade construída em quarenta anos de lutas, de vitórias, de derrotas, muitas delas que a opinião publicada transformou em vitórias.
Urge fazer a exumação do cadáver “colonialismo”, e nada melhor que o fazer neste início de novo ciclo que se aproxima. A história passará a tomar conta dele, nós é que não devemos continuar a perpetuá-lo com desculpas de mau pagador.
“É horrível assistir à agonia de uma esperança” Simone de Beauvoir.
Fernando Pereira
26/9/2015

1 comentário:

Retornado disse...

É fazer pouco do povo angolano, ou guineense ou congolês ou ugandês ou nigeriano, que a saída do velho colonizador foi a independência deles.

Aqueles que receberam as "independências" nas suas mãos apenas imitaram os cipaios coloniais.

A Europa vai pagar, já fecha o funil da mancha e põe arame farpado em Ceuta e Melila.

O preto não é burro!

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