20 de janeiro de 2012
Sabes quando estás a escrever uma coisa e de repente percebes que não, não era nada por aí que querias ir? / Agora/ Novo Jornal 209/ Luanda 20-1-2012
Durante muitos anos no passeio fronteiro à Lelo juntava-se um grupo de pessoas, que tinham em comum serem amigos, companheiros de vida e terem assistido às mutações de Angola ao longo de décadas.
Era um grupo heterogéneo no contexto político e profissional, e invariavelmente todos os dias da semana ao fim da tarde reuniam-se para falarem do que calhava. O grupo era numeroso e lembro-me dos irmãos Guerra Marques, Antero de Abreu, Dionísio Rocha, António Chaves, o “mais velho “Lelo” e o Osvaldo, entre outros que o tempo diluiu na minha lembrança.
Pela mão do meu amigo Osvaldo Pinto integrei-me no grupo, era o benjamim, ia ouvindo, mais que participar nas conversas que invariavelmente eram sobre a cidade de Luanda e sobre a Angola, ao tempo a debutar como País independente. As discussões eram acaloradas e do muito que ouvi, fui aprendendo sobre a evolução da cidade e de algumas realidades de Angola que me iam escapando, também por excessos de romantismo revolucionário.
Algumas das histórias que aqui tenho colocado saiu daquela esquina, de onde há muito desapareceu aquela tertúlia porque a inexorabilidade das contingências da vida levaram muitos dos “tertulianos” , os que restaram começaram a debandar e a desertificar o espaço de gente e ideias.
Veio-me à lembrança uma recorrente conversa sobre colonos e cooperantes, no léxico actual talvez expatriados. Quando eu e outros defendíamos a cooperação com os países “socialistas” , Osvaldo Pinto, com o seu poderoso argumento de pulmão, dizia que “nenhum País se construía com cooperação”. Os argumentos assentavam na ideia que “vinham cumprir um contrato, fazer o menos possível e despacharem-se o mais rapidamente para as suas terras”. “Não se ligam a isto porque tem os pés noutro lado”. “Os países só se desenvolvem quando se tem o espírito do colono, de fixação, de adopção de culturas locais, de sentir a terra e esquecer o lugar de onde se vem”. “Só constituindo família as pessoas se ligam à terra, e nunca estão à espera de se ir embora e desenvolvem o que sentem seu, nunca se esqueçam disso”.
O tempo veio demonstrar que o Osvaldo Pinto tinha alguma razão, porque de facto a cooperação em Angola foi nalguns aspectos um fracasso, em que as pequenas excepções bem sucedidas apenas confirmaram a regra.
Vi um programa na TV dirigido pela “ moderadora” portuguesa Fátima Campos Ferreira, um “Reencontro”, que me fez lembrar programas de outros tempos, assim uma coisa que Artur Agostinho apresentava na RTP no início dos anos 70 que se chamava “25 milhões de portugueses”, patrocinado pelo sucedâneo do SNI e apoiado pela Agencia Geral do Ultramar, que me querem fazer crer que o Adriano Moreira nada teve a ver.
Confesso que despercebo a quem é que a “moderadora” e os que pensaram o programa quiseram fazer o frete, pois tudo o que vi foi uma péssima propaganda a Angola e à inteligência de muitos angolanos e portugueses que não pactuam com este folclore serôdio.
O programa que à partida já me suscitava alguma suspeição, pelo que me habituei a ver nos programas conduzidos pela FCF, acabou por se revelar um perfeito desastre, mal preparado, o debitar sistemático de lugares comuns, demagogia e panegíricos a todo o momento entre os convidados e as gentes da plateia, filmes numa Luanda domingueira, e momentos culturais pobres, o que de facto é incompreensível pela qualidade dos intervenientes. Confirmaram-se em absoluto as minhas suspeitas, e só espero que as relações entre os Países não tenham que passar por transes destes muitas vezes.
O título do programa, “Reencontro” é uma completa estultice, e revela quanto se desconhece a realidade da ligação estreita entre Angola e Portugal ao longo destes trinta e seis anos de soberanias próprias, mas de respeito entre dois povos que se identificam, partilham valores, saberes e vivem quotidianos comuns na cultura, no desporto e na economia.
A bem dizer, um a despropósito!
Fernando Pereira
17-1-2012
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1 comentário:
Definição de COOPERANTE, e de COLONO, deve ser dada por quem é ou foi colonizado, e por quem foi ou é obrigado a aceitar uma ajuda.
Como fui colono e cooperante, não posso definir-me.
Não sei me comece a assinar estes coments como Cooperante em vez de Retornado.
É que às vezes não sei se ria se chore.
É que como cooperante senti-me como uma madre tereza de calcutá sentada numa almofada de dólares.
Como colono contava os totões para tomar uma bica e bagaço na portugália junto à Lello e chamavam-me na rádio Argel e Brazzaville de colonialista imperialista e/ou fantoche, que roubava os pretos.
Esta a principal diferença que encontro nos dois papeis.
Tinha outra diferença para mim, como colono não vinha à metrópole, porque quitári malé, o Salazar não dava câmbio, e como cooperante de 3 em 3 meses viagens pagas para qualquer parte do mundo.
Enfim, espero que com a reportagem da RTP (que triteza), os angolanos não se esqueçam que os caputos, bons ou maus, não é por eles que veio mal a Angola.
Se teem dúvidas façam bem as contas à vida.
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