16 de fevereiro de 2009

O Senhor Cuca / Novo Jornal / Luanda / Ágora 13-02-09







Esta crónica de hoje pode parecer desfasada do tempo, mas acho-a pertinente, apesar de esperar críticas quanto à sua oportunidade. Achei que era um tema interessante, no quadro do reduzido espaço industrial angolano no tempo colonial, e sobretudo porque há uns quantos vivos e com boa memória, para falarem de um homem que foi o símbolo maior da industria na colónia.
Manuel Carvalho Brito das Vinhas nasce em Lisboa em 1920, e faleceu no Brasil em 1977, oriundo de uma família tradicionalmente ligada às bebidas nomeadamente aos vinhos, às águas engarrafadas e acima de tudo às cervejas.
É nesta actividade que Manuel Vinhas se implanta em Angola, criando o grupo Cuca, inicialmente ligada á lisboeta Fábrica Imperial de Cervejas, mas que para além das fábricas de cerveja Cuca em Luanda e no Huambo, vê o grupo alargar a sua intervenção para os refrigerantes, cápsulas, industria vidreira (em colaboração com Idelfonso Bordalo), agro-pecuária, transportes, comunicação social, imobiliário e numa determinada fase a entrada forte na Neográfica, editora da revista”Notícia” Entrou também no capital do” Comércio”de Luanda, algo que lhe terá custado alguns amargos de boca por parte da polícia política de Salazar, e também por parte de alguns sectores das autoridades coloniais, que gostavam pouco de alguma “liberdade”.
Recentemente surgiu nas livrarias um livro, editado pela “Oficina do Livro”, de Filipe Fernandes e Luis Villalobos, “Negócios Vigiados”, que mostra com algum detalhe as reservas por parte das autoridades coloniais às movimentações económicas, à actividade cívica, editorial e política de Manuel Vinhas.
O livro, que surge com documentação inédita, motivada pela abertura dos arquivos da PIDE-DGS, mostra que Manuel Vinhas foi um industrial que não se terá deixado enlear pelas panaceias do sistema colonial, tendo sido um crítico fervoroso, através de edições suas, nomeadamente a controversa “ Para um diálogo sobre Angola”, opúsculo retirado pela censura, em que Vinhas é “enxovalhado” publicamente no Diário de Notícias de Lisboa. Esse artigo, não assinado é um ror de acusações a Manuel Vinhas chamando-o de colaborador com os “terroristas” do MPLA e da UPA, chegando ao ponto de o colocar na incómoda situação,de dizer que o industrial ter-se-ia deslocado a Leopoldville para jantar com uma amiga declaradamente militante do “MPLA”. Porque foi uma carta muito dura, em anos de repressão violenta, o empresário pediu o direito de resposta, que lhe foi concedido no interior do jornal em 20 de Abril de 1963, em que ele rebate todos os pontos em que é visado no artigo em questão, sem contudo deixar de polvilhar pontualmente algumas críticas à forma como era conduzida a política colonial.
Manuel Vinhas, teria a concepção de uma independência do tipo Rodésia, isto pelo menos é o meu entendimento da leitura que fiz do livro, “Profissão Exilado”, editado pela Meridiano em 1976, com prefácio de Agostinho da Silva e posfácio do intrépido Luis Pacheco.
Para além dessa vertente de industrial, de homem de convicções, Manuel Vinhas foi um verdadeira mecenas das artes e letras portuguesas, pois apoiou Julio Pomar, Vespeira, Neves de Sousa, Mário Silva, entre muitos que então debutavam na difícil caminhada da pequena notoriedade nas artes, como apoiou Luis Pacheco, Acácio Barradas, Edite Soeiro, Ary dos Santos, Cesariny e o grande O’ Neill, só para falar de alguns das letras, a quem deu guarida na sua “Notícia”, pois todos eles tinham as portas completamente fechadas noutros locais, motivado por reservas do seu posicionamento político.
Peguei, para fazer este pequeno percurso sobre um homem que desmereceria ser ignorado, no quadro da industria e da comunicação social angolana, em vários livros, um dos quais do Henrique Guerra “Angola, Estruturas económicas e Sociais” de 1973, bem como o da Maria Belmira Martins, “Sociedade e Grupos em Portugal” de 1972.
Manuel Vinhas, não foi só o fundador da Cuca, foi provavelmente o primeiro a fazer perceber que os trabalhadores merecem ordenados compatíveis com as suas necessidades básicas, a criar condições para que tivessem acesso à cultura e ao desporto e que não fossem apenas números, e tratados ao jeito de qualquer Kleenex , do tipo usa e deita fora.
Em alguns casos, e nalgumas coisas, no nosso País fazia bem um Vinhas revisited!

Fernando Pereira

5 comentários:

septuagenário disse...

Morreu em Salvador na Baia, Brasil, para onde foram muitos retornados sem passarem por Lisboa.
Penso que ainda era vivo quando da independencia de Angola (e da guerra, evidentemente).
Estava nos 50 anos de idade.

Anónimo disse...

Conheci o Dr. Manuel Vinhas em Luanda, onde ele foi associado do carismático Clube Atlético de Luanda, chegando a ser presidente da Assembleia Geral (1962-1963). Tive alguma relação de "perto" com o Dr. Vinhas, a quem todos os anos era pedido pelo Atlético, um subsídio para a Corrida de S. Silvestre, e que era regularmente concedido. Foi um homem que as gentes do Clube Atlético sempre consideraram pois também é verdade que sabíamos das suas simpatias por uma Angola Independente. O Dr. Manuel Vinhas era pois um amigo de Angola e dos angolanos, e a nós os do Atlético, ajudou-nos muito. Saudações - Henrique Mota

Ana Rosa Vinhas Rocha da Silva e Michael Cavero de Carondelet Bento disse...

Bom dia Fernando,

Agradeço o seu contacto. Sou de facto neta de Manuel Vinhas, filha da sua filha Alice.

Vou passar o texto que nos enviou ao resto dos meus tios.

Nasci em 1978 portanto não cheguei a conhecê-lo mas é com agrado que recebo as mensagens de apreço pela sua pessoa, principalmente depois deste livro "Negócios Vigiados"

O orgulho cresce todos os dias.

Obrigada.

Ana Vinhas

Fernando Manuel de Almeida Pereira disse...

2009/3/9 Manuel Vaz
Olá, Carranca!
Ainda bem que o Fernando Pereira lembrou o Vinhas, o Manuel Vinhas, que afinal merecia ser evocado, porque, embora no âmbito capitalista, foi ele um dos primeiros que compreendeu o potencial de Angola e um dos poucos a desenvolvê-lo de uma forma honesta, tanto quanto o pode ser um grande empresário. E que tinha uma visão moderna e de vistas largas.
Eu também cheguei a colaborar numa das revistas da Neográfica, que era do Grupo CUCA, a revista de cultura e espectáculos "Noite e Dia", entre 1972 e 1974, onde tive como colegas o Domingos Van-Dúnem, que fazia muito bem a página "Cultura e Tradição", e o Júlio Guerra, entre outros. E lembro-me que no 1º de Maio havia anualmente um grande almoço de confraternização, cujo menu e local não variavam: arroz de marisco, num dos restaurantes da Corimba.
A princípio julguei que nesse dia era comemorada a fundação da Neográfica, mas, devido a uma monografia que nessa altura foi publicada sobre a empresa, percebi que me tinha enganado.
Depressa fui esclarecido sobre a causa verdadeira daquela festa naquele dia especial. Com a expansão da revista Notícia, a Neográfica viu-se obrigada a comprar nova maquinaria para a tipografia e a recrutar tipógrafos profissionais na então Metrópole. Ora os tipógrafos, nessa altura, constituíam já uma classe politizada, e o novo chefe de oficinas era até, clandestinamente, do PCP.
Uma das prerrogativas que pôs logo de entrada foi de que no dia 1 de Maio não trabalhava, pois era o Dia do Trabalhador. E conseguiu convencer os outros trabalhadores. Como não os conseguisse demover, e prevendo o vendaval que isso iria constituir como exemplo, o Manuel Vinhas não pensou duas vezes: instituiu aquele dia como Dia da Neográfica. E fazia-se a confraternização. Assim salvavam-se as aparências e tudo ficava satisfeito.
Devo ainda dizer que foi também graças a ele que se realizou o I Salão de Arte dos Novíssimos, em 1972, organizado por mim e por uma equipa entusiasta que muito me ajudou, constituiu um grande evento cultural e encheu durante três semanas o rés-do-chão do antigo edifício da Associação Comercial de Luanda, onde está agora instalado o Ministério das Realções Exteriores.
O António Ole foi uma das estrelas do Salão, prosseguindo o êxito que já tinha constituído a sua participação no Salão de Arte Moderna de Luanda, de grata memória.
E a talhe de foice um pormenor que presumo de importância: além de uma interessante colecção de arte moderna portuguesa que o Manuel Vinhas tinha em depósito no Museu de Angola, que depois se desmembrou porque alguns dirigentes quiseram decorar as suas residências, o acervo mais importante continuou na sua moradia, que o Governo distribuiu à União Soviética para residência do seu embaixador.
Em 1977, tendo ali ido com o Luandino Vieira a um cocktail de cortesia, ficámos surpresos com a quantidade e a qualidade da decoração: obras de Vieira da Silva, Júlio Pomar, Guilherme Parente, Bertina Lopes, Malangatana, Júlio Resende, Júlio Pereira, enfim os melhores artistas portugueses, com obras seleccionadas a preceito.
Já vou longo, despeço-me com um abraço
Rodrigues Vaz

PS - Envia, por favor ao Fernando Pereira, que eu não tenho o email.

T disse...

São muito boas as crónicas do Luiz Pacheco na Notícia. É de realçar a modernidade desta revista. E se a devemos agradecer ao Sr Manuel Vinhas, façamo-lo com todo o gosto.

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