19 de novembro de 2022

De muitos nasceu um País/ Edição Especial do Jornal de Angola 18/11/2022

 



De muitos nasceu um País 

No quadragésimo sétimo aniversário do dia mais extraordinário da nossa vida colectiva, vem-nos à memória o que eram os anos do antes desse Novembro do nosso contentamento.

                Com demasiada frequência vemos, ouvimos e lemos manifestações do tipo que no tempo do colono é que era bom, ninguém roubava, era tudo coisa boa, comidinha na mesa em abundância, e uns tropas portugueses que estavam em paz por manterem um território pacificado.

                Angola não era rigorosamente nada disso, e o colonialismo foi demasiado tenebroso para os angolanos, e só por pura estultícia se pode permitir comparar os maus tempos que vamos passando com algo bem pior que acabou nesse 11 de Novembro de 1975 do nosso encantamento.

                Entre o grande desenvolvimento que Angola tinha em termos económicos no tempo do colono, com índices de crescimento na ordem dos 16%, nunca ninguém terá ousado perguntar como se obtinham as mais valias? À custa de uma “requisição civil” de pessoas de determinadas regiões destacadas para outras bem longe, transportadas em camionetas sem bancos, recebendo salários miseráveis, que eram gastos na cantina de uma fazenda de café, sisal ou algodão aumentando o endividamento e a obrigatoriedade de trabalhar de sol a sol, coagidos por tratamentos desumanos infligidos pelas autoridades. A empreitada era condenada pela OIT, mas o “código do trabalho rural”, que em 1961 substituiu o Estatuto do Indigenato, obra “milagreira” de um Adriano Moreira recentemente falecido, foi nada mais nada menos que mudar tudo para que tudo ficasse exactamente na mesma.

                As pessoas por acaso sabem que em 1961, quando eclodiram as revoltas contra o sistema colonial implantado, Angola tinha apenas duas estradas asfaltadas (Luanda-Catete e Lobito-Benguela)? As pessoas sabem que até 1974 qualquer trabalhador negro tinha um cartão de trabalho que devia ser assinado pelo patrão, para justificar junto da autoridade que tinha carta de alforria para andar na rua? Se porventura não fosse assinado era preso e só era libertado quando o patrão lá fosse busca-lo!  

                Quando se olha para o que infelizmente hoje resta da Luanda colonial, que deveria ter sido preservado como marca identitária de uma determinada arquitetura de um período preciso, esquecemo-nos das condições miseráveis da maior parte dos bairros, onde o cantineiro vendia tudo e onde as rusgas eram frequentes, sendo rara a família que não tivesse perdido alguém só e apenas por um criminoso delito de consciência!

                As autoridades coloniais não precisavam de esconder o que pensavam. Marcelo Caetano, quando ministro do Ultramar escreveu num opusculo “Os nativos na Economia Africana”: “Os negros são indispensáveis como ajudantes,” mas “deviam ser dirigidos e rodeados por europeus”. Kaulza de Arriaga secretário de Estado da aeronáutica: “Os pretos são, de todos os povos do mundo, os menos inteligentes” e ainda outra pérola que numa justificação que os verdadeiros perigos de um estado colonial vinham dos “negros evoluídos”, adiantando logo que “Graças a Deus que nós portugueses não temos a possibilidade de fazer evoluir todos os negros.”

                Não acho que seja demasiado importante falar muito do passado que nos deu o 11 de Novembro de 1975, e vem-me sempre à lembrança o provérbio africano: “Por mais longa que seja a madrugada o amanhecer chega sempre”.

                Tive um professor, Vergílio Ferreira que num dos seus livros deixou uma ideia que me tem perseguido ao longo destes anos tantos: “Tenho uma saudade imensa do mundo que vai nascer”.

                Felizmente que Angola é um País de gente jovem, dificultadamente rejuvenescida, e terá sempre oportunidade de intervir para querer o melhor para si e para os seus. Quarente e sete anos é uma gota de água num contexto de um oceano. Nenhum País arrancou sem dificuldades, porque a maioria das vezes foi o criá-las que fez vencer a luta.

                Angola conquistou a sua independência porque houve gente que lutou por isso, pessoas que abandonaram famílias, amigos, companheiros de tanta coisa para lutarem sem meios para que hoje se possa ter o direito de dizer que as coisas estão mal, que há corrupção, que há amiguismo, e tudo o resto. Era um direito que no tempo em que Angola era uma colónia de Portugal, ao tempo um dos países mais atrasados da Europa, era negada de forma violenta a qualquer cidadão angolano que com alguma sorte podia passar um estágio no Penedo, Missombo, Tarrafal, S. Nicolau e outros lugares que não apareciam nas praias de areia fina dos postais ilustrados ou das revistas da sociedade branca de uma Luanda que acabava no asfalto.

                “Ninguém experimenta a profundidade do rio com os dois pés” e por isso ouse-se pensar no futuro, porque afinal é mesma a única coisa de que tenho saudades.

                Posso não gostar de muitos, que depois de terem lutado tiveram comportamentos censuráveis depois da libertação, mas também tenho o dever de lhes agradecer “o bocado de pão” pois deram a alegria imensa de sermos a nação que o futuro trará significadamente melhor, com mais instrução e mais igualitária na distribuição da riqueza!

                Vamos fazer um 11 de Novembro de 1975, novo a cada dia que passa!

 

Fernando Pereira 29/10/2022

 

 

               

15 de setembro de 2022

Au revoir Silvye! /O Interior /13-09-2022

 




Au revoir Silvye!

 

“E setembro chegou/ vamo-nos separar/o Verão terminou/diremos au revoir/ela vai pra Paris e eu vou ficar/ Vou ficar infeliz e Sylvie vou lembrar.”

Esta canção surgiu nos anos sessenta pela voz imorredoira do saudoso “Duo Ouro Negro”, e rapidamente entrou pelos ouvidos dos cidadãos desses tempos, que a cantavam com grande entusiasmo. Tinha um estribilho simples e que não causava engulhos às zelosas autoridades de então.

Lembrei-me desta canção porque Setembro chegou e acabou o Verão, com a rentrée política dos partidos, com os lideres e o resto da malta com um bronzeado interessante a falarem do futuro de todos, do dos outros, tudo em abono do seu próprio.

Julho e Agosto foram sempre meses de ciclismo de estrada, com entusiasmo no acompanhamento das voltas, as festas, as romarias e os pasme-se, os incêndios!

Há muitas décadas, das muitas que começo a ter, que vou assistindo aos incêndios, uns com maior intensidade, outros com menos, mas sempre tema recorrente na agenda dos políticos nesta altura do ano.

Ao longo das décadas o incêndio tem sempre culpados; Antes do 25 de Abril eram os terroristas, depois de 1974 passaram a ser os comunistas, que queriam o País queimado, depois os madeireiros, entretanto a culpa passou a recair nos pastores, anos depois nas celuloses, e entre outros culpados de menor expressão, o aquecimento global.

Não pretendo ser mais um especialista em fogos, que muitas vezes são os mesmos que discutem na imprensa pandemias, guerra na Ucrânia, SNS, e a partir deste último fim de semana mortes de reis, valetes e damas!

Durante uns dias o interior de que ninguém fala durante o ano inteiro e que o País real só sabe que é um território vasto para lá de Vila Franca de Xira é notícia porque está a arder.

Aí aparecem as soluções de sempre para que tudo normalmente fique na mesma, e muitos debitam opiniões no mínimo ridículas para quem vive o quotidiano destas regiões o ano inteiro. A culpa é do eucalipto, dizem algumas mentes brilhantes, mesmo quando os fogos deflagram e desenvolvem-se onde não há uma única árvore dessas. A culpa é do pinheiro que é resinoso, mesmo que haja poucas espécies. O que é preciso é plantar azinheiras, carvalhos, sequoias ou mesmo liquidâmbar ou magnólias. Muita desta gente não sabe a diferença entre um freixo, um plátano, uma olaia, um choupo ou jacarandá. Mas as televisões dão-lhe voz e falam com uma autoridade tamanha, que só o desconhecimento total do entrevistador lhe permite o desfilar continuado de dislates.

No terreno uns pobres jornalistas, mal pagos e com o editor a exigir-lhes num quase “bulling” informativo, que insistam nas perguntas mais idiotas, num cenário de fumo, vento, desorientação perfeitamente justificada por parte das pessoas. Um verdadeiro serviço de calamidade pública é exatamente o que esta situação na informação merece ser referenciado.

Os bombeiros, gente de grande voluntarismo, e por vezes algum excesso de aventureirismo acabam por ser a parte mais fragilizada de tudo isto. A maior parte do equipamento disponível é para fogos urbanos aliada à deficiente preparação do quadro de pessoal que se reforça no Verão, acaba por resultar algumas vezes na incompreensão por parte dos que vão vendo os seus bens em perigo. Todos opinam, tratam-nos mal, mas na hora da aflição chamam-nos. Se um bombeiro porventura soubesse quanto ganha um militar numa missão no Kosovo ou no Mali por conta da ONU talvez pensasse duas vezes antes de responder com prontidão à sirene. Mas é da vida!

Acho que não são necessários relatórios, nem visitas de grupos de ministros ou secretários de estado porque tudo vai ser sempre igual, e cada Verão que temos vai arder o que ardeu há cinco anos, pois já há material combustível “recuperado” para o “espetáculo” incêndio, e por incúria ou crime a coisa repete-se. Nada a fazer!

Talvez seja eu que não percebo nada de fogos e sou irrealista, mas só vos digo que para o ano há mais!

 

 

Fernando Pereira

12/09/2022

 

 

 

 

 

8 de junho de 2022

DESALENTO / o Interior / Guarda 8-6-2022


 

DESALENTO

Os Monty Python não seriam admitidos na TV hoje, disse em 2008, Terry Jones, diretor e ator de um dos mais notáveis filmes do grupo, a “Vida de Brian”.

                Se ainda fosse vivo, Jones iria ainda sentir hoje quão atuais são as suas palavras, e pelo caminho que as coisas estão a levar a perenidade do que disse no fim do segundo lustro do século.

                Vive-se hoje num permanente estado de censura à opinião discordante do status quo prevalecente.  Chafurda-se no maniqueísmo absoluto em que ou se está com tudo que nos fazem crer que é verdade, ou contra a outra verdade que alguns podem acreditar que seja válida, mas que aos olhos do absoluto esta última é algo de herético ou demoníaco!

                Não são bons os momentos que vivemos, e não auguram nada de bom nos difíceis tempos que se avizinham.

                Vamos vivendo com as recordações de outros tempos onde a diferença e a tolerância eram fator de progresso, de estímulo, de liberdade e de democracia participada.

                Lord Acton é o autor da famosa frase: "O poder tende a corromper, e o poder absoluto corrompe absolutamente”. Infelizmente é a verdade que as situações que nos criam obrigam, e  que a maioria ache que a inevitabilidade das poucas opções que existem sejam sempre produto de entidades difusas, que não tem nada a ver com os que mandam, que efetivamente só não repetem a estafada frase salazarenta que  “se soubessem quanto custa governar todos obedeciam”, e alguns que só a não dizem por pudor.

                Maquiavel sintetiza de certa forma os termos com que a política e a informação com que quotidianamente vamos vivendo: “Os poderosos criam dificuldades para vender facilidades”!

                Num tempo de “Guerra quente” em que se vive,  está-se perante uma invasão injustificada e ilegítima  de um autocrata a uma Ucrânia governada por um protagonista que aparece mais vezes a teatralizar do que a apresentar propostas que ajudem a resolver uma situação em que o seu povo será sempre o único sacrificado de obscuros interesses económicos e estratégicos que o transcendem.

                Não vou entrar em pormenores porque há especialistas a esmo, mas isto tudo tresanda-me a um jogo de interesses, a um realinhamento económico e a algo que não vai dar bom resultado, para a maior parte dos intervenientes, nomeadamente a obesa e abúlica União Europeia. Vai olhando para o seu umbigo com um olho e com o outro para os inimigos que os EUA lhes arranjam. O problema dos americanos é tentarem um “New Deal” requentado, onde falta provavelmente um homem da dimensão do Roosevelt, provavelmente o último grande presidente de um País que é bem mais que um continente, e que não deixa de ter aspirações de controlar o mundo.

                O invasor Putin, que curiosamente tem como único partido de oposição, o partido comunista com 20% na Duma, sabe que a Europa está de cócoras, sem um exército determinado a fazer valer a sua soberania e os seus interesses económicos, decidiu atacar de forma algo cobarde outra absurdocracia que é a Ucrania onde o Zelensky ilegalizou 11 partidos, desde a esquerda ao centro, um dos quais o social-democrata. Talvez tenha lido Gil Vicente: “ Mais vale um asno que me carregue do que um cavalo que me derrube”!

                Nesta guerra de informação de um sentido só, para onde enviam jornalistas sem conhecimentos e com a cartilha posta e imposta vai-se tentando moldar opiniões, sem tampouco saber que quando isto estiver a doer no quotidiano das pessoas, já não haja resposta para a propaganda, que é muito diferente de informação.

                Porque gosto de ser informado precisava de saber o que pensa e dizem os outros lados da guerra, mas isso foi-nos retirado de forma abrupta, e assim só há inimigos ou amigos, não nos dando a possibilidade de questionar se podemos nem estar de um lado ou de outro, ou mesmo em lado algum.

                “Os medíocres falam de pessoas, os sofríveis comentam factos e os bons debatem ideias”

 

Fernando Pereira

5/6/2022

14 de abril de 2022

“Enquanto há morte há esperança” / o Interior / Guarda 14-04-2022

 




“Enquanto há morte há esperança”

 

Esta frase de Lampedusa serve de título a uma crónica que desdesejaria ter alguma vez escrito.

No dealbar da invasão da Ucrânia por parte do exército russo escrevi aqui que iria haver um povo e uma terra sacrificada e esses seriam os ucranianos e a Ucrânia. Tudo o resto são os habituais “danos colaterais”, um devaneio semântico que os americanos nos foram habituando nas suas múltiplas intervenções ao nível global ao longo dos anos, com assassínios em massa!

Os ucranianos estão completamente sós a verem as bombas a caírem-lhe em cima, e talvez seja altura de perguntar porque é que não houve esforços suficientes para que não se chegasse a esta situação, e as que aí virão com consequências inevitavelmente piores.

Vamos assistindo ao cinismo habitual das circunstâncias, um desfilar de solidariedades que o tempo revelará muito ténues, e um espetáculo soez de manipulação entre desgraça e morte. Churchil, uma das figuras marcantes da política inglesa do século XX disse que “em tempos de guerra a verdade é tão preciosa que precisa de ser protegida por uma muralha de mentiras”.

O futuro de ontem vai ser diferente do futuro de amanhã e o que vamos assistir é ao desmoronar das ideologias, o crescimento da xenofobia e o polvilhar de nacionalismo serôdios que irão mostrar que o mundo vai ser menos tolerante e equilibrado.

Em vez de se buscarem oportunidades para a paz, continua-se num frenesim armamentista que dificilmente irá melhorar o que quer que seja, e quando se chegar ao tempo de reconstrução de uma Ucrânia dilacerada e destruída aí virão os de sempre a enviarem ajuda que vai parar a engordar organizações obesas tipo ONU e ONGs na sua quase totalidade.

Quando em 2001 o Afeganistão se livrou dos talibãs os EUA pegaram em Hamid Karzai para estabelecer um regime democrático. A comunidade internacional achou que o país precisava de ajuda internacional. Logo chegaram a Cabul uma horda de representantes da ONU, e uma miríade de ONGs com uma legião de trabalhadores humanitários em jactos privados e acampamentos dignos das mil e uma noites.

No Afeganistão entraram milhares de milhões de dólares e antes de reconstruir os escombros em que estava o País, que continuou até ao recente regresso dos talibans, sem escolas, hospitais e outros serviços públicos importantes para a generalidade dos afegãos. A primeira fatia do dinheiro foi, pasme-se, para contratar uma linha aérea para transportar funcionários da ONU e outros funcionários internacionais de um lado para o outro. Contrataram-se professores e burocratas anglófonos para apoiarem o trabalho (?) desses funcionários, pagando ordenados de luxo para o nível afegão. Retiraram-nos de um esforço de apoio colectivo a comunidades para fazerem serviços que se revelaram dispensáveis e aumentaram os níveis de corrupção, que os talibans exploraram para o seu regresso ao poder.

 A título de exemplo, num distrito remoto do Afeganistão esses funcionários   promoveram a construção de abrigos, com ajuda de fundos da comunidade internacional. Ismail Khan, governante do novo poder afegão era o líder de um cartel de camionagem que transportou uns desadequados barrotes de madeira, que pouco mais serviram que para lenha. Dos milhões prometidos a essa comunidade, a distribuição foi esta: 20% foram retidos para cobrir as despesas da sede da ONU em Genebra, do restante foi distribuído por 3 ONGs em lotes de 20% tendo uma delas construído com esse dinheiro a sua sede em Bruxelas. O que restou foi pago a Khan para comprar os barrotes no Irão. Ainda chegou alguma coisa, muita sorte tiveram os aldeões, algo que outros não o podem dizer.

Isto que aconteceu no Afeganistão não é caso virgem, e segundo estudos e relatórios sobre fraudes destas distribuições de fundos internacionais, apenas entre 10 e 20% dos fundos atribuídos chegam ao destino. Perde-se o resto por tantos “humanitários”, ONGs e ONU por todo o mundo, e pela corrupção gerada pela gestão destes fundos!!

Este será só um dos filmes que se espera na Ucrania?

Como diria John Lennon: “Lutar pela paz é como fazer amor pela virgindade”!

Para não esquecer porque estamos em Abril. 25 de Abril de 1974 SEMPRE!!

 

 

Fernando Pereira

11/4/2022

10 de março de 2022

ENERGIA DE MAU PORTE- O Interior/ Guarda 10/3/2022

 


ENERGIA DE MAU PORTE.

 

Confesso que ando significativamente apreensivo por quase tudo, principalmente porque o futuro vai-se turvando com as mesmas nuvens que ensombraram o passado.

                Não vou “Ucranear” porque de certa forma tem sido feito até à exaustão, e só consigo lembrar a frase simples de Juliette Greco: “A chuva ajuda todas as plantas a crescer, mesmo as venenosas”. Lastimo que no fim de tudo isto, que não sei quando será, e que repercussões sobrevirão, o povo ucraniano estará francamente mal e a Ucrânia dilacerada com uma divida enorme de uma guerra posta e imposta por interesses, que não são exatamente os seus.

                A solidariedade hoje é uma palavra que faz parte do cardápio dos média, e eles não querem em circunstância alguma que haja assuntos mortos e rapidamente os vemos mudar a agulha e transformar conflitos cobertos até à exaustão em guerras esquecidas um pouco por todo o lado. Tem sido assim que nos servem o menu do tipo agência de viagens do horror, eis-nos transportados para a Síria, Somália, Líbia, Sérvia, Palestina, Myanmar, Congo, Tchetchénia e tanto lugar onde se sobrevive e morre apenas, fruto de interesses obscuros, e sempre em nome da liberdade!

                Como diz Mia Couto, “contra factos só há argumentos”.

                Como anda uma cruzada muito grande contra a exploração de lítio nas regiões onde quase ninguém vive, e como vejo a contestação e a fundamentação da maior parte de encarniçados defensores do ambiente e a reboque umas palavras de cátedra por parte de autarcas, fica a pergunta: Como vamos resolver os problemas do ambiente sem as baterias dos telemóveis, do armazenamento das centrais fotovoltaicas, das centrais eólicas, dos carros elétricos e tantas outras aplicações? Sabem, é que tudo isso é feito de lítio, e tem que se ir buscar onde o há!

                Eu não sou contra a exploração de lítio, nem de qualquer outro minério que possa trazer riqueza a zonas despovoadas e sem atividade económica sustentada. Sou a favor desde que haja estudos de impacto ambientais sérios e independentes, e que as entidades fiscalizem o trabalho das concessionárias de forma continuada de forma a salvaguardar o viver dos cidadãos nos territórios onde essas explorações irão inevitavelmente existir. A experiência não tem sido boa, daí justificados receios das gentes, por isso tem que se adequar a legislação e a punição de eventuais prevaricadores a uma intervenção maior por parte das autarquias e autoridades do ambiente. Aí o lítio e outros minerais passarão a ser uma mais-valia em territórios de baixa densidade e de parcos recursos económicos.

                Estamos num período muito complicado, em que se fecharam as centrais a carvão e bem, apesar de forma pouco prudente, e a fatura energética sobe porque as barragens que iriam produzir eletricidade estão nos mínimos de segurança. Importa-se matéria-prima fóssil a preços proibitivos que acabam por ter que ser exageradamente altos, com reflexos no tecido produtivo do País, e poluentes o suficiente para cada vez estarmos mais longe das metas traçadas para o controle de emissões de carbono para a atmosfera.

                Pode parecer uma heresia, mas sou há muito defensor da energia do futuro, a nuclear. É a energia mais limpa, mais barata e a mais segura. Há no mundo 451 em funcionamento e há 58 em construção, para além de projetos de quase mais de duas centenas. Até hoje houve problemas sérios em três centrais, todas por motivos diferentes e só Chernobyl por razões de tontearia política foi a que teve piores consequências.

                Sei que muitos, dos poucos que me leem estarão surpreendidos com estas afirmações que servirão, pelo menos, para um debate de ontem, o futuro energético na região e a exploração dos recursos existentes!

                Temos que nos deixar de meias verdades sobre estes e outros assuntos, porque como diz um provérbio chinês, “meia verdade é sempre uma mentira inteira”.

               

 

Fernando Pereira

6/03/2022

 

               

15 de janeiro de 2022

Despandemizemo-nos rapidamente! / O Interior / 14-01-2021

 




Despandemizemo-nos rapidamente!

Nos tempos que correm e nas circunstâncias que ocorrem, socorro-me da frase de João Guimarães Rosa: “Medo não, mas perdi a vontade de ter coragem”.

                Estamos em plena campanha eleitoral de um plebiscito que deveria ter sido evitado, que irá reposicionar tudo mais ou menos na mesma, e que a partir de trinta deste mês  serão atribuídas culpas a esmo, e logo se irá ver quem aparecerá assim como o dragão no nevoeiro escocês de Loch Ness.

                “Ninguém experimenta a profundidade de um rio com os dois pés” é um provérbio bantu que exprime um pouco a situação prevalecente. Uns porque queriam reafirmar poder pessoal, outros afirmarem o seu “grupo de status”, uns quantos a tentarem dar resposta a sensibilidades internas, poucos a tentarem forçar o mando sozinhos, e também alguns que tendo tudo um pouco a ganhar fazem o estardalhaço habitual contra uma democracia que lhes dá visibilidade e palco, para abastardização dos valores de solidariedade e liberdade. Sobre estes últimos lembro a frase de Hélia Correia: “A ameaça da ignorância muda de face, mas não muda de maldade”.  

                Não estou entusiasmado, melhor estou quase abúlico em relação a um processo eleitoral que nada augura de bom e que tem sido de uma confrangedora falta de ideias e propostas, pelos intervenientes de sempre nalguns casos e de há muito noutros.

                Os raros debates que vou vendo são entediantes, os que viraram comentadores andam sempre em volta dos lugares comuns, e a prepararem-se para dizer em breve tudo ao contrário, do que previram com o mesmo ar cândido com que hoje vertem verdades absolutas.

                Ao interior lá aparecem com um ar sorridente, mas simultaneamente enfatuado, os que encontraram com assinalável esforço de encosto as prebendas de um lugar de fato e gravata, que me faz sempre lembrar o anúncio da lisboeta Rosicler nos anos sessenta do século passado: “a loja que veste hoje o homem de amanhã”!

                Em suma vem oferecer milhões para milhares de coisas, sem que haja alguém que faça a comezinha pergunta: Como se obtém dinheiro para tudo isso?

                É o folclore habitual do muito que virá, mas que se perde no caminho.

                Por falar em idas e vindas, e como sou um utilizador de comboios, resolvi um destes dias voltar a Lisboa pela renovada Linha da Beira Baixa. Apanhei o Intercidades na Guarda e lá fui até Lisboa. Como vinha no mesmo dia resolvi fazer o percurso inverso, que me pareceu adequado. Porque preciso de uma ficha para utilizar o PC, e só a 1ª classe disponibiliza o serviço, utilizo-a com frequência, embora até ao Entroncamento não seja fácil arranjar bilhete nessa carruagem porque é ocupada por funcionários da CP e familiares, o que acho no mínimo ridículo, que quem paga o serviço fica sem a poder utilizar.  A verdade é que até à Covilhã o comboio vinha composto, daí até à Guarda dei-me conta que era o único passageiro num percurso em que o comboio parou em cinco ermos, ou apeadeiros, e demorei 55 minutos. De Lisboa à Covilhã o comboio para em 8 estações e demora 3h e 40 minutos.

                Poderia alongar-me, sobre a falta de limpeza, sabão e papel nas casas de banho, mas acho que é estoico fazer-se uma viagem a Lisboa de comboio, em que um passageiro anda 9 horas, se quiser ir e vir no mesmo dia!

                Como diz Gonçalo Miguel Tavares: “A impaciência dos passageiros não pode acelerar o comboio”

                Bom Ano de 2022 e vamos tentando despandemizarmo-nos!

 

Fernando Pereira

10/01/2022

9 de dezembro de 2021

Futuro do lado de lá ! O Interior - 9/12/2021

 




Futuro do lado de lá !        

 

“Porque não vemos as coias como eles são: vemos as coisas como somos…”

Anaïs Nin

               

Não sei se a minha geração é a mais egoísta da história, mas estará indiscutivelmente entre as maiores!

A realidade demonstra que a nossa geração é a primeira na história da humanidade que vai legar aos nossos filhos uma situação pior do que a que nós vivemos, e a ironia triste de tudo isto é que a gente que sobrevem é a mais bem preparada de todas.

Esta constatação não é minha, tem sido um dado progressivamente adquirido um pouco num contexto global, havendo as naturais exceções que confirmam a regra! Na Europa e no mundo desenvolvido, e em grande parte do espaço de subdesenvolvimento assistimos a este fenómeno que nos deveria preocupar.

Em Portugal a geração que nos precedeu viveu momentos dolorosos como a guerra colonial, o recurso à emigração forçada e à limitação da liberdade individual e coletiva. Foi essa geração que lutou e conquistou a liberdade com o 25 de Abril de 1974. Ainda beneficiou de alguns direitos que conquistou, como a gratuidade dos serviços de saúde, uma escolaridade obrigatória para os seus filhos, direito ao voto, direitos cívicos e a uma reforma melhorada, mas irrelevante. Foi uma geração de sacrifício, que proporcionou à nossa uma situação que em circunstância alguma podemos legar aos nossos filhos.

Enquanto hoje fomos tendo um emprego para a vida, a única coisa que oferecemos aos que vem a seguir é a precaridade, salários menos compensadores e falta de perspetivas de ter uma reforma proporcional à qualidade das suas aptidões, indiscutivelmente melhores do que as da nossa geração.

Posso parecer pessimista ou catastrofista, mas de facto a pressão do capitalismo, a desregulação do trabalho e a cada vez maior distanciação da geração mais nova em relação à política e aos sindicatos, deixam-me assustado perante o quadro que se depara para o futuro.

Legámos uma sociedade de muito egoísmo, de excessiva falta de solidariedade em torno de valores com o receio que nos fossem tirados por outros algumas migalhas, que teriam sido importantes na construção de uma perene consciência coletiva.

A nossa classe média passou a média de classe porque olha sempre para o seu umbigo egoísta e desatento.

A nova geração não se revê, e faz muito bem, nos estereótipos com que a minha geração se entretém. Já não ligam ao “mascarar” uma parte significativa da ideologia do jacobinismo, do integralismo, do marxismo, do republicanismo, da social democracia e de muitos fenómenos políticos passadistas. Tem novas propostas e felizmente vamos vendo essa geração em manifestações com motivações de temas em que a nossa geração não pensou, mas que são importantes num futuro num mundo global.

Muitas propostas desta geração dos nossos filhos parecem-nos pueris, mas a preparação técnica e científica dá-lhes alavancas novas para as transformarem em dinâmicas interessantes, que  já não viverei o suficiente para ver na sua plenitude.

Felizmente esta geração que nós desconstruímos não adere à extrema-direita acéfala, como cada vez se interessa menos pelo envelhecimento das propostas dos partidos convencionais e algumas ideologias a precisarem de rever chavões e marketing fora de prazo.

“O passado é já bastante. Vamos passar ao futuro” Ary dos Santos

 

Fernando Pereira

6/12/2021

 

 

 

10 de novembro de 2021

Amarcelai-vos Senhor! / O Interior / Guarda /10-11-2011

 



Amarcelai-vos Senhor!

Quando recentemente faleceu Jorge Sampaio escrevi num qualquer lugar: “Antes dele poucos, depois dele nenhum”. Os acontecimentos mais recentes demonstram bem que de facto estamos perante um PR que faz as próprias marcas para saber como as ultrapassar.  Uma forma lúdica de fazer política!

A situação a que se chegou com o chumbo do orçamento foi um verdadeiro baile de tartufos, onde alguns dançavam, outros pediam para dançar e levavam tampa e o mestre de cerimónias ia colocando alguns empecilhos no coro. 

Percebo que o PS quisesse esta solução. Tem motivos de sobra para ficar contente com o desfecho que Marcelo Nuno foi cozinhando ao longo dos tempos. De uma cajadada, alguns barões e baronetes que se insinuam no “Palácio Praia”, ao Rato, viram-se livres de dois putativos candidatos à sucessão de António Costa. Fernando Medina que por inabilidade e alguma sobranceria perdeu Lisboa e Pedro Nuno Santos que defendia um entendimento com as forças à esquerda do PS, não deixando muito contentes os defensores do bloco central dos interesses. Nem terá sido necessária a previsível derrocada da TAP  para os herdeiros do  Barão de Quintela, os Marqueses de Viana, o Visconde de Monforte e o Marquês de Praia, casado com a filha e herdeira do Visconde de Monforte, afinal tudo gente do Palácio Praia, se desfazerem no mais bem colocado militante do PS quando chegasse a hora da decisão de verem António Costa pelas costas!

Os problemas do CDS e do PSD vem mesmo a calhar, e um certo cansaço das pessoas nas propostas do BE são os condimentos que António Costa e Marcelo Nuno edificaram para uma solução feita à medida. Às vezes a coisa não sai bem e sempre ouvi dizer que “cadelas apressadas parem cães cegos”. Vamos ver se o preço da bilha de gaz, os combustíveis, o fim das moratórias, o desemprego a subir não vão atrapalhar a solução amarcelizada!! 

Deixei o PCP de propósito para o fim. Sempre dei a cara pelo PCP ao longo de muitos anos, e se pontualmente discordo de algumas posições demarco-me naturalmente delas, sem tampouco colocar em causa o essencial das propostas para Portugal. Como não sou militante, não me obrigo à disciplina partidária e por isso fui sempre muito crítico da “geringonça”, não da legitimação do governo PS, nem da aprovação do primeiro orçamento, mas sempre achei que a “bota não batia com a perdigota” a partir do 2º orçamento do governo PS, e logo aí o PCP deveria ter votado contra, já que o “PS não cumpria”, segundo as palavras do SG do PCP. Jerónimo de Sousa, se de facto prestasse contas, como é habitual entre os comunistas, teria a obrigação de explicar o que diferencia este orçamento mau, dos anteriores, péssimos que viabilizou.  

Sinto muito, e a aposta em nova gente no PCP possa ser bom para evitar os descalabros anunciados, iguais aos que se verificaram nas três últimas eleições, onde o PS foi o unico beneficiado. 

Acho que o PCP sem perder princípios deve alargar a sua atividade política a outras áreas que emergiram na sociedade, e que não lhe merecem grande atenção.  Não se pode continuar a combater pela melhoria das condições de vida dos trabalhadores e do povo, e nos pleitos eleitorais ser penalizado constantemente! Algo não está a correr bem! A culpa não vem de fora, é de dentro, mas repito é um problema que só é meu enquanto candidato da CDU e simpatizante do PCP, mas limito-me a opinar!

“Quando o machado entra na floresta as árvores disseram: -O cabo é dos nossos” Provérbio turco!


Fernando Pereira

7/11/2021


14 de agosto de 2021

“Existo, logo penso!” / O Interior / Guarda /12-8-2021

 


                                                               “Existo, logo penso!”

Aí temos as eleições autárquicas, este ano sem corrermos o risco de ver caravanas, febras, coiratos, vinho mau e prometimentos a esmo em espaços públicos.  Eu que até sou candidato estou safo de um conjunto de situações a que só forçosamente teria que anuir.

                Há nestas alturas uma situação que nos concelhos pequenos assume foros de autêntico escândalo, e tem a ver com a dispensa dos empregos de todos os “listados” dos partidos, ou forças de “independentes” no período da campanha eleitoral.

                Sempre defendi que os cidadãos devem participar ativamente na atividade política quotidiana, melhor deviam ser intervenientes continuados na gestão da coisa pública. O seu cada vez maior alheamento e a desconfiança para com os políticos têm levado ao paulatino degradar da democracia, e consequentemente ao aparecimento de pessoas cada vez menos qualificadas nos órgãos de decisão nas autarquias, nos serviços gerais e desconcentrados da administração central e nos órgãos de soberania legislativo. Uma coisa é a defesa da intervenção permanente dos cidadãos, outra é a obrigatoriedade de dispensa durante quinze dias de um conjunto de pessoas que estão nas listas, e que na totalidade do País são uns milhares.

                Há muitos anos que se pede que seja alterada a legislação, para que as pessoas não tirem estas “férias”, a coberto de uma campanha que a maioria não faz. Em concelhos pequenos, muita gente acaba por entregar a justificação de que é candidato ao empregador, e parte para um período de descanso, deixando muitas vezes os problemas para os colegas, já que é difícil substituir gente por quinze dias.  Se na administração publica esta situação causa embaraço, mas poucos se importam, já na atividade privada vai sobrecarregar os trabalhadores que ficam, e aumentar o pagamento de horas extraordinárias a gente que fica desmotivada e profundamente revoltada com uma situação que ninguém criou. Urge resolver isto pois quem anda na política deve fazê-lo por convicções e voluntaria-se para participar em eleições, desprecisando deste tipo de benefícios, que repito, são aviltantes para a economia local e nacional.

                Para que conste isto não é nada contra o sistema democrático ou contra as eleições. Isto é só e apenas uma forma de melhorar algumas regras que se tem revelado injustas, e que possibilitam muito oportunismo já que há gente que só é candidata por causa desses quinze dias e nem põe os pés nas campanhas. Como em tudo paga “o justo pelo pecador”.

                Quanto às listas de “independentes” que vão surgindo, só passaram a sê-lo quando os militantes dos partidos ou as direções concelhias, distritais ou nacionais não contaram com eles para os lugares que almejavam há uns tempos. Há exceções, mas a regra tem sido esta ao longo da vida democrática do País. A democracia partidária, faz-se com partidos, porque doutra forma deixaria de o ser, e teria que ter outro quadro legislativo que salvaguardasse o envolvimento de cidadãos como independentes. Assim é uma “salada russa” onde nem se consegue saber quem financia as tais listas de “independentes”, o que pretendem de facto e acima de tudo porque desconfiam dos partidos, ou melhor terão começado a desconfiar quando começaram a ser preteridos a favor de outrem. Continuo a dizer que nada tenho contra a participação das pessoas em listas de “independentes”, mas quero é que digam claramente que vão lá por qualquer razão de ordem pessoal, afagar egos e nunca pelo “amor á terra”, porque isso é mesmo a gargalhada geral no quotidiano da política!

                O título desta crónica “gamei-a” ao saudoso Eduardo Lourenço!                                                                              

Fernando Pereira 

8/08/2021

12 de maio de 2021

MAMAR A CABRA / O Interior/ 12-5-2021

 


MAMAR A CABRA

 

                No léxico político local tem surgido novas frases, e “mamar a cabra” tem sido uma das que quotidianamente vai sendo ouvida repetidamente.

                Esta frase retirada da verve popular é ilustrativa de determinadas situações. A filiação de um elemento num partido, e a consequente atribuição de um lugar de nomeação ou uma facilitação de entrada na administração pública, publicada ou autárquica passou a obrigar o individuo a uma devoção quase canina à estrutura fulanizada que lhe permitiu “ficar bem de vida”. Acrescentar a isso a política do pequeno favor, da gestãozinha da carreira interna e outras manigâncias já tão repetidas nos anos que levamos de democracia, limitando-nos a perpetuar os hábitos da “velha senhora”, fazendo desacreditar o sistema que temos.

                A título de exemplo, no tempo do corporativismo cabia ao ministro da educação a tarefa de nomear os contínuos em todas as escolas do País, hoje os auxiliares de acção educativa, algo que permitia todo um corrupio de gentes e bens perecíveis aos governadores civis, regedores, legionários de serviço, condes e baronetes locais, para encaixar o seu filho num lugar do “Estado” que embora mal pago, era para toda a vida!

                Voltando ao termo muito em voga de “mamar a cabra “, faz-me lembrar um pouco do que é a mexicanização da vida publica portuguesa com a nuance que aqui o PRI (Partido Revolucionário Institucional), que dominou politicamente o México ininterruptamente de 1929 a 2000, é representado pelo PSD e PS que distribuem o Estado à sua maneira.

Pelos vistos “A Cabra” é uma entidade que surge da distribuição subjectiva dos lugares e atribuição de benesses à conta do erário e património publico, quando está determinada força política no poder.

O drama de tudo isto é que quando acaba a “fidelização” obrigatória, os acólitos de determinado grupo de status ficam indignados, e lançam-se numa campanha, às vezes a raiar o insulto, com a frase batida “enquanto mamou a cabra” …

                Henry Truman, um presidente dos EUA, por quem não nutro particular simpatia, e que empobreceu no seu curto período de presidência, tinha uma frase excelente sobre a política americana: “Se quer um amigo em Washington compre um cão”. É o normal nas fidelidades políticas por lá e um pouco por todo o lado. Convém lembrar que Truman recusou-se a ter empregada paga pelo Estado na Casa Branca, pagando ele próprio os vencimentos dos seus colaboradores de lides domésticas, assim como a luz e água da sua área residencial, já que dizia que “recebia ordenado suficiente para essas despesas, que eram as mesmas que teria em casa se não fosse presidente dos EUA”.

                Como se vê neste pequeno texto não há “Cabra” sem senão, por isso cá vamos aguardando serenamente os alinhamentos, as promessas, as manigâncias, as alianças espúrias e os trânsfugas das listas a sufrágio numas eleições autárquicas que julgo que em pouco irão alterar o mapa político de um País de muitos concelhos, muitas freguesias, muitos apeadeiros de caminho de ferro e pouca descentralização!!E já agora, algumas cabras!

Fernando Pereira   

9/05/2021

10 de março de 2021

Pleonasno / O Interior/ Guarda 10 -03-2021.

 


Pleonasno

 

                Um dos meus autores de referência é Albert Camus e no seu último livro de ficção publicado, “A Queda” de 1956, desenvolvia um diálogo embebido em doses de genebra entre bares e canais concêntricos de uma Amesterdão noite dentro, entre duas pessoas que foram tentando descobrir através de desvivências quotidianas onde podia chegar o estado de degradação do humano.

 A mordacidade e o humor do relato, que é uma das características recorrentes no ficcionismo Camuseano faz-nos evidenciar a ambiguidade das relações, que se vão criando e desenvolvendo  num quotidiano de competição promotora de um individualismo em crescendo, tão do agrado do estabelecido e sacrossanto mercado!

Voltando à “Queda” recolhi este texto que assenta com grande eficácia na hermenêutica do discurso político: “ Uma pessoa das minhas relações costuma dividir os humanos em três categorias: aqueles que preferem nada ter a esconder a verem-se forçados a mentir, aqueles que preferem mentir a não ter de esconder algo e por fim os que amam ao mesmo tempo a mentira e o segredo”.

Porque estamos num período entre eleições, julgo que neste ano pandemicamente eleiçoeiro não irão haver alterações significativas no mapa distributivo dos eleitos locais, salvo nos locais onde os eleitos  estão em fim de mandato, ou um ou outro acidente de percurso, mas que não vai alterar o status prevalecente no quadro politico do País, cada vez mais forrado com o veludo das cores do Bloco Central, de dois partidos que divergem no acessório e estão em sintonia no essencial e na distribuição dos favores, afinal a lógica de um determinado contexto político, que nunca me agradou muito.

Hoje os poucos motivos de discussão acabam por se reduzir às redes sociais, onde a chafurdice e a manipulação sórdida se confundem com poucas propostas sérias e muito menos discursos coerentes. Com cafés, tascas, bares encerrados associados ao teletrabalho em ritmo acelerado e distanciamento social inibidor de participação em festas, concertos ou funerais, entre outros eventos, tudo que pode ser motivo de controvérsia ou proliferação de cabalas limita muito qualquer trabalho de candidatura e fundamentalmente dificulta o trabalho das oposições!

Estamos numa fase perigosa, que é procurar saber quem está com quem nas eleições para as autarquias, e entra-se no período em que se politizam as questões pessoais e pessoalizam-se as questões políticas, fator redutor de uma democracia que se sonhou participada e de defesa coerente de valores tão importantes como a liberdade e a cidadania plena!

Os discursos de alguns políticos estão cheios de pleonasmos, o que faz deles os asnos de serviço e responsáveis maiores pelo aviltamento que certa gente faz da democracia.

Muitas vezes ao ver tanta promiscuidade transumante na política local, lembro-me de um provérbio romano: “Qui cum canibus concumbent cum pulicibus surgent.” (Quem se deita com cães acorda com pulgas)

 

Fernando Pereira

8/03/2021

16 de janeiro de 2021

A Birbantocracia está a instalar-se? /O Interior/ 15-01-2021.

 


A Birbantocracia está a instalar-se?

 

“Infalível, também, era o Doutor, aquele cavalheiro estimável, mas de aspeto lúgubre, que todos apenas conheciam por este nome: o Doutor. Sempre vestido de preto, sempre de luvas, amarelo como uma cidra, persistia na sua mudez taciturna; porém, continuava a escutar com uma atenção intensa, a testa franzida, piscando vivamente os olhos, como num profundo trabalho cerebral. Respeitador fervente das instituições, das personalidades oficiais, ninguém sabia ainda onde ele vivia, nem de que vivia: mas precipitava-se com tanta veneração (porque era homem de sociedade) a tomar as xícaras vazias das mãos das senhoras, dizia com tanta convicção, na sua voz cavernosa, «tem V. Exª carradas de razão»; que era geralmente considerado como um excelente moço.”

Este é só um delicioso detalhe, da farsa o “Conde de Abranhos” ,que Eça de Queiroz (1845-1900) fez sobre a sociedade do seu tempo.

O “Conde de Abranhos” era a personagem típica do carreirismo, “carneirismo” e bajulice no seu pior, e infelizmente acontecendo em várias latitudes e na vivência quotidiana de sociedades que não passam de ter este “status”.

O Conde de Abranhos estudou na Universidade de Coimbra, onde começou por denunciar um colega, o que lhe permitiu passar a usufruir favores dos seus superiores. Simultaneamente envolve-se com a “criada”, que fica grávida e imediatamente abandonada, e o rapaz recém-nascido completamente esquecido. Vai para Lisboa, trabalho no escritório do causídico Vaz Correia, que o guinda a redator chefe do Jornal “Bandeira Nacional”.

Percorrendo os corredores do poder, casa-se com a filha do Desembargador Amado, Virgínia de seu nome, o que lhe assegura de imediato 10 mil cruzados de renda, e fundamentalmente abre-lhe as portas de S. Bento (Assembleia Nacional de Portugal). É eleito deputado por Freixo de Espada à Cinta, onde faz discursos, vazios de conteúdo, sobre a reforma das instituições, a política colonial e o caminho-de-ferro do leste. Como os tempos não corriam a favor da sua linha política, não faz disso um problema, e passa-se com armas e bagagens para oposição que em troca o coloca como um “cinzento” Ministro da Marinha, lugar que ocupa como “estátua” durante dois anos, sem que alguém dê por ele.

Trouxe aqui o “Conde de Abranhos” porque ilustra o quotidiano do poder, dos títulos tantas vezes conseguidas à custa de coisa pouca ou coisa nenhuma, e da influência que certas criaturas tem nos corredores do mando sem que possuam qualquer tipo de competência, legitimidade académica e comprovada experiencia na gestão de qualquer coisa pública.

Fazem-se muitas vezes as cadeiras em função dos rabos de quem usa argumentos para se lá sentar, nem sempre os mais ortodoxos, e frequentemente a cadeira é feita para à medida de gente que se encostou a quem tenha força suficiente para os lá colocar. Temos que recuar ao império romano, que com toda a sua corrupção e nepotismo nas hierarquias do poder havia um cuidado muito especial para se escolherem os rabos dos cavalos que equipavam as quadrigas, por forma a não destabilizarem toda a carruagem nas lutas que se iam fazendo nos jogos, nas batalhas e no transporte de pessoas de elevada importância.

Bom Ano para todos e também para os muitos Abranhos que por aí andam!!

 

 

Fernando Pereira

10/01/2021

13 de dezembro de 2020

As time goes by! (Com o passar do tempo) / O Interior/ 10-12-2020

 




As time goes by! (Com o passar do tempo)

Só há uma forma de saber se um homem é honesto... pergunte-o. Se ele disser 'sim', então você sabe que ele é corrupto.” Groucho Marx.

                Confesso que nunca vi tanta gente a assumir-se séria e acima de tudo divulgá-lo publicamente. Um ex-Presidente da República, Cavaco Silva, teve o topete de dizer que “ainda estava para nascer alguém mais sério que eu”. Bastava este exemplo para de facto o aforismo de Marx ter toda a legitimidade.

                Estou um pouco farto de gente que se diz séria. Aqui há muitos anos um ex-primeiro ministro de Portugal, o infausto professor Mota Pinto disse uma quase heresia, que levantou um coro de indignação quando disse que “não há nenhum português que já não tivesse transgredido nas suas obrigações”.  Ele disse a verdade e de facto as situações vão-se repetido o que leva a que o português, como todo o latino, está sempre disponível para torpedear o sistema.

Não vou falar das grandes vigarices, que essas vão estando em hibernação, em que a maioria dos advogados não pretende demonstrar que os seus clientes são sérios, que não fizeram manigâncias, mas levam a sua defesa para o arrastar dos processos, para que prescrevam com outros expedientes e habilidades que arranjam para contornar a lei. Há crimes que quotidianamente se cometem como piratear filmes e músicas, ver a bola à borla, estacionar em lugares impróprios, e tantas situações que são a nossa vivência comum, onde o pedido e a aceitação do pequeno favor é um dos mais insignificantes pecadilhos. Mas achamo-nos sérios na mesma!!

Deixemo-nos de hipocrisias. Somos humanos, vivemos numa sociedade desequilibrada e com valores e educação herdados, que alimentam o nosso estar nas coisas! Uma adaptação de uma frase de Mia Couto: “Contra factos tudo são argumentos”.

Talvez um pouco à margem, hoje não estamos em fase de lamber feridas, estamos num período em que tem que haver coragem, solidariedade e espírito de coesão para fazer face à situação de pandemia, mas é bom que se vão apontando algumas situações que urge inverter no futuro. Mais arde lenha verde que pedra enxuta, e por isso é urgente que se faça uma reflexão profunda da assistência aos idosos neste País, e em vez de finlandiazar ou norueguizar a legislação, que se olhe de vez para as estruturas assistenciais, e que se acabe de vez com verdadeiros silos de idosos onde em situações como a que vivemos são pasto fértil para que qualquer vírus se instale. Vai ser importante refletir e muito, porque ainda há futuro para os idosos, ao contrário do que se faz na prática vivida. Recupero um provérbio da Louisiana: “Envelhecer é mau, mas a alternativa é bem pior”.

Foi um artigo de final de ano, a roçar a banalidade, mas cumpriu-se! Até para o ano!              

 

Fernando Pereira 6/12/2020                                                                                                    

13 de novembro de 2020

A inquietude política / O Interior / 11/11/2020

 


A inquietude política

Neste tempo epidemiado de confinação e recolhimento obrigatório na maioria dos concelhos veio-me à memória um aforismo de Jorge de Sena: “Na tarde que anoitece o entardecer nos prende”.

                Embora complicada a situação sanitária prevalecente, muitos dos já habituais “providenciais” nos concelhos colocam-se em prontidão combativa para as autárquicas do próximo ano.

                Sinto-me particularmente sensibilizado enquanto cidadão, por haver tanta gente determinada a de forma completamente desinteressada a fazerem propostas por um futuro melhor para mim, e para os homens e mulheres que partilham comigo o chão sagrado do nosso território.

                Já há uns anos pedi o mesmo, e volto a fazê-lo porque julgo que as palavras não tiveram eco junto de todos os candidatos às autárquicas há quatro anos: Não façam sacrifícios por mim, nem pelos cidadãos porque sinto-me mal perante tanto voluntarismo e tanto desprendimento.

                Os candidatos a autarcas fazem sacrifícios familiares, perdem dinheiro, tem carreiras interrompidas, e por aí fora só e apenas pela vontade de servir! Não acho que nós eleitores mereçamos tamanhos sacrifícios, e não acho que teremos que ficar penhoradamente agradecidos a tanto excesso desprendimento de toda a ordem.

                Não precisam de prometer coisas novas, limitem-se a fazer o que muitos já prometeram e nada foi feito; melhor, por favor não digam que vão fazer alguma coisa!

                Nunca como hoje a sociedade está tão cheia de “Conde de Abranhos”, essa imorredoira figura que o Eça de Queirós deixou na literatura portuguesa para mostrar o que era o percurso político da subserviência, da nescialidade , da intriga, da bajulação e do vira-casaquismo na sociedade portuguesa no fim do seculo XIX. Uma caricatura transversal à monarquia, à República, ao Estado Novo e à democracia saída de um 25 de Abril de 1974 de esperança e engolida pela voragem de um 25 de novembro de 1975 que se perpetua à décadas.

                A todos os putativos candidatos determinados em desenvolver tudo que se lhes atravesse no caminho sugiro que assumam que o fazem por si, pelo seu percurso político, para alimentar o seu ego, mas que não o façam pelo cidadão anónimo que quer mesmo é que as coisas corram melhor e sem atropelos e jogos florentinos de quem a ideologia está alcandorada no cataventismo em qualquer lugar altaneiro que se tenta ocupar.

                José Saramago, avisado prémio Nobel da Literatura escreveu que “há duas palavras que não se podem usar: uma é sempre, outra é nunca”. Lembrai-vos pois!

                Há uma velha frase de Maquiavel que também fica bem neste texto curto e grosso: “Os poderosos criam dificuldades para vender facilidades”. (Metida aqui à pressão)

 

Fernando Pereira

9/11/2020

15 de outubro de 2020

Sem eira nem Beira - O Interior- 14/10/2020


 

Sem eira nem Beira

Um dos aforismos do quotidiano diz: “quando um pobre come galinha, um dos dois está doente”!

                O som das vuvuzelas dos relógios das igrejas são os únicos sons audíveis na maior parte das aldeias de uma Beira esvaziada de gente e de perspetivas de um futuro melhor.

                Vemos escolas fechadas, parques infantis ao abandono e só a presença diária da carrinha do padeiro consegue quebrar a monotonia de um quotidiano de desvida!

                Num período de euforia eleitoral, em quase todas as aldeias fizeram-se polivalentes, muitos com iluminação e balneários, e perante o estado de degradação acentuado o que se depreende é que nunca terão servido para grande coisa, a não ser para que os autarcas se tenham atascado num lodaçal de entremeada, febras e vinho de duvidosa qualidade, no dia da sua inauguração com fogo de artificialidade e lágrimas dos contribuintes!

                As aldeias orgulham-se do seu mais recente equipamento, a capela mortuária, espaço que deixará de ter uso porque à medida que vão minguando os vivos, os mortos deixam de ter quem os enterre!

                Estou a ser pessimista ou estarei apenas a debitar umas “avulsisses” sobre um tempo que parou, num mundo rural longe das descrições de Aquilino ou Júlio Dinis!

                Há, contudo, alguma coisa positiva no meio disto tudo, e embora de forma paulatina vai-se assistindo à recuperação de alguma agricultura, e hoje vem-se muitos campos tratados com outros meios, longe da desgraça que era o “mundo rural” do Estado Novo. Defendo há muito a atribuição de subsídios à agricultura, porque é a única forma de manter as terras com ocupação e desenvolver o sector produtivo, fundamental para o sucesso económico no futuro do País. Obviamente que esse subsídio tem que ser acompanhados por funcionários públicos com formação e no terreno, e não se fazer o que tem sido habitual que é a recorrente situação de funcionários publicados fazerem relatórios à medida.

                Nestas crónicas tenho alertado para a falta de empenho do poder central no interior. Os próprios eleitos do interior vão- se esquecendo de quem os elege. Não é uma prática deste governo, é a política normal de qualquer governo da República, embora seja uma situação recorrente desde a monarquia. Não fora o arrojo de se ter construído o caminho de ferro, tão maltratado pelo salazarismo e continuadamente abandonado pelos governos da democracia, e o interior hoje era uma verdadeira capela funerária de gentes e desfuturos.

                A situação do interior traz-me à lembrança uma anedota que circulava nos tempos da guerra fria sobre alguma inoperância dos serviços públicos da ex-URSS: Num compartimento de um comboio na URSS estavam Estaline, Krutchev e Brejnev. O comboio que devia estar a andar permanecia parado, e Estaline levanta-se dizendo que ia tratar do assunto. Voltou sorridente e disse que tinha enviado o maquinista para o Gulag e o comboio ia andar com o fogueiro a fazer as vezes do colega. Permaneceu parado. Krutchev levanta-se, sai do compartimento e regressa ufano dizendo que o comboio ia andar porque ele reintegrou o maquinista e premiou-o com um prémio da emulação socialista. O comboio permaneceu parado. Brejnev levantou-se, fechou as janelas e o compartimento ficou numa escuridão total, e disse, meus senhores, o comboio está a andar!

                Para tempos novos no interior lembro Odorico Paraguaçu, essa imorredoira figura de perfeito de Sucupira, interpretado por Paulo Gracindo:” Vamos botar de lado os entretanto e partir logo para os finalmente”.

 

Fernando Pereira

12/10/2020

               

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