15 de abril de 2011

Da invasão à demolição / Ágora /Novo Jornal/ Luanda / 15-4-2011






Há cinquenta anos (16 de Abril de 1961) os EUA patrocinaram um desembarque de um corpo de anticastristas na Baia dos Porcos a sul de Cuba determinados a derrubar o regime de Fidel de Castro numa operação que se pretendia cirúrgica e secreta, acabando por descambar numa dos erros repetíveis dos americanos ao longo da sua história contemporânea.


O regime cubano estava avisado para a hipótese uma invasão deste tipo e num espaço de setenta e duas horas repeliu-a e vibrou um rude golpe em ulteriores projectos para derrubar o regime socialista cubano.

Os EUA ficaram indelevelmente ligados ao fortalecimento da revolução cubana, ao seu alinhamento com a então União Soviética, e a política titubeante de Kennedy em relação a Cuba terá precipitado o seu assassinato em Dallas em 1963, atentado atribuído à máfia cubana de Miami, facto apesar de tudo nunca cabalmente demonstrado.

Nesse ano e nesse período em que a Emissora Nacional depois do hino cantado pelo coro da FNAT da “Angola é Nossa”, da “Rádio Moscovo não fala verdade” e “De Luanda fala Ferreira da Costa” procedia-se à definitiva transferência da “Casa das Malucas” para as actuais instalações na “Revolução de Outubro”.

De facto foi em 1961, com a necessidade de se instalar o Hospital Militar para apoiar as tropas portuguesas enviadas para a colónia desocupou-se o hospital psiquiátrico de Luanda, anexo da Maternidade Mariano Machado inaugurada em 1947, e hoje o pavilhão anexo ao edifício principal da maternidade “Lucrécia Paim”. Era chamada em Luanda como a “casa dos malucos”, no antigo “Hospital da Caridade” instalada ao tempo numa zona arrabalde onde muitos dos doentes deambulavam pelas ruas, a maioria deles com diagnóstico de doença do sono.

O “Hospital da Caridade” era próximo do antigo aeródromo Emílio de Carvalho e perto da estação do comboio que cruzava a cidade duas vezes por dia em ambos os sentidos no percurso Bungo-Município-Cidade Alta- Hospital e Aeroporto. O comando central dos bombeiros de Luanda ocupa as salas de embarque do aeroporto, depois de terem sido deslocados da baixa onde o quartel foi transformado no antigo teatro Avenida no fim dos anos sessenta, hoje demolido por pressão do imobiliário reinante na nossa comunidade.

Até ao dealbar dos anos 50 era habitual o tiro de canhão ao meio dia na fortaleza, um aviso sonoro do fim do período de trabalho da manhã que apesar de deixar perplexos os recém-chegados à cidade, nunca deixou de ser um dos poucos ex-líbris de uma cidade provinciana e atarracada.

Era uma cidade em que o único cinema era o pequenino Nacional, hoje espaço Verde do Chá de Caxinde onde nas paredes exteriores, nos camarins ou nos foyers se vão vendo muitas evocações às passagens de teatro clássico e de revista “importada” de Lisboa que muitas vezes devem ter encolhido o elenco de forma a caberem no pequeno palco para representar junto da sociedade reluzente da urbe.

Como nessa altura o porto da cidade era nas “Portas do Mar”, no largo onde se encontra hoje a peanha vazia do Pedro Alexandrino da Cunha toda a cidade fervilhava em volta desse local onde estavam (e estão) os correios, a alfandega, o edifício das telecomunicações, a delegação do BNU e todas os grandes armazéns, barbearias, bares, botequins, comércio geral, farmácias e hotéis como por exemplo o demolido há décadas Hotel Colonial ao lado dos Correios, onde está hoje mais um edifício tipo palito disforme que nos exige cada vez mais resistência a tanta falta de gosto espelhado.

Vários armazéns perpetuaram-se e mantêm-se apesar de terem passado a monarquia, a 1ª república, a ditadura no período colonial e o arremedo de marxismo-leninismo, o capitalismo envergonhado e o ultra-liberalismo prevalecente dos anos em que somos Nação.

Os Armazens Caiado, Carrapa, Joaquim Valente, Catonhotonho, Travassos e Jorge, Mabílio Albuquerque, Setas, Bungo, ETA, Zuid, Diogo e Companhia entre muitos outros movimentaram a cidade num espaço junto do mercado do Caponte demolido para se construir inicialmente o “português-suave” Banco de Angola e mais tarde o BCA, actual BPC, que foi o orgulho dos luandenses durante décadas.

A actividade do porto pesqueiro, até ser mudado para o actual lugar em 1969, e todo aquele labirinto de casas que havia no que é hoje ocupado pelos prédios novos em redor do MIREX e pela praça Saidy Mingas era um lugar de grande convívio e de histórias que irei tentar contar para que não se percam, num tempo em que a cidade andava ao ritmo do comboio-bébé já pouco vivo na lembrança dos luandenses.

Obrigado pela companhia nessa cidade de mais terra encarnada que alcatrão. Às histórias dela havemos de voltar.



Fernando Pereira

11/4/2011

14 de abril de 2011

OUÇAM O QUE SE DIZ NA RUA / O INTERIOR/ 13-4-2011


Ouçam o que se diz na rua ouçam o que se diz na rua ouçam o que se diz na rua ouçam o que se diz na rua ouçam o que se diz na rua ouçam o que se diz na rua ouçam o que se diz na rua ouçam o que se diz na rua ouçam o que se diz na rua ouçam o que se diz na rua ouçam o que se diz na rua ouçam o que se diz na rua hão-de vir para a rua ouvir ouçam o que se diz na rua ouçam o que se diz na rua ouçam o que se diz na rua ouçam o que se diz na rua quando vierem para a rua ouvir o que se disse na rua já ninguém quer saber de vós para nada ouçam o que se diz na rua ouçam o que se diz na rua ouçam o que se diz na rua ouçam o que se diz na rua a porta da rua é a serventia da casa ouçam o que se diz na rua ouçam o que se diz na rua ouçam o que se diz na rua ouçam o que se diz na rua farto de ouvir falar de coisas que infestam a rua ouçam o que se diz na rua ouçam o que se diz na rua ouçam o que se diz na rua ouçam o que se diz na rua ouçam o que se diz na rua perco a paciência com muitos que andam na rua para tentarem por na rua outros por quem não tenho paciência nenhuma de os lá ver e estou morto por vê-los na rua ouçam o que se diz na rua ouçam o que se diz na rua ouçam o que se diz na rua ouçam o que se diz na rua ouçam o que se diz na rua faço anos em Maio podem dar-me uma prenda mesmo que estejam para ir para a rua ou fiquem lá porque os não puseram na rua ouçam o que se diz na rua ouçam o que se diz na rua ouçam o que se diz na rua ouçam o que se diz na rua ouçam o que se diz na rua ouçam o que se diz na rua ouçam o que se diz na rua ouçam o que se diz na rua ouçam o que se diz na rua ouçam o que se diz na rua ouçam o que se diz na rua ouçam o que se diz na rua diz-se que o Futebol Clube do Porto é a melhor equipa do campeonato e é indiscutivelmente um campeão merecido ouçam o que se diz na rua ouçam o que se diz na rua ouçam o que se diz na rua ouçam o que se diz na rua ouçam o que se diz na rua ouçam o que se diz na rua ouçam o que se diz na rua que o Presidente da Republica está silencioso porque talvez nem seja má ideia para não ter na rua mais um a dizer banalidades sobre como se há-de multiplicar os lucros do sistema bancário ouçam o que se diz na rua ouçam o que se diz na rua ouçam o que se diz na rua ouçam o que se diz na rua ouçam o que se diz na rua numa altura que precisamos de um novo Dino Meira porque não merecemos a Amália ouçam o que se diz na rua ouçam o que se diz na rua ouçam o que se diz na rua ouçam o que se diz na rua ouçam o que se diz na rua ouçam o que se diz na rua ouçam o que se diz na rua ouçam o que se diz na rua ouçam o que se diz na rua que ando esbaforido de tanto dizer mal de tanta coisa e tudo permanecendo piorando ouçam o que se diz na rua ouçam o que se diz na rua ouçam o que se diz na rua ouçam o que se diz na rua ouçam o que se diz na rua que não tenho nada que andar a pagar juros sobre juros de uma dívida que tem sido aumentada sem que se perceba porquê ouçam o que se diz na rua ouçam o que se diz na rua deixem-me ver televisão à vontade sem ouvir os tudólogos apoliptólogos politólogos achólogos e alem de tudo isso os tipos que discursam para os que falei falarem deles ouçam o que se diz na rua ouçam o que se diz na rua ouçam o que se diz na rua ouçam o que se diz na rua politiqueiros são flatulência da politica ouçam o que se diz na rua ouçam o que se diz na rua ouçam o que se diz na rua politica nada tem a ver com politiqueiros comissários e serventuários do sistema ouçam o que se diz na rua ouçam o que se diz na rua ouçam o que se diz na rua ouçam o que se diz na rua PORQUE QUALQUER DIA ESTÂO TODOS NO OLHO DA RUA A OUVIREM O QUE SE DISSE NA RUA PORQUE NÂO QUISERAM OUVIR O QUE SE DIZIA NA RUA.


Este pequeno texto é um devaneio da “Guidinha” do injustamente esquecido Luis Sttau Monteiro, que ao tempo escrevia na “Mosca” do Diário de Lisboa e posteriormente no “Jornal” .

Fernando Pereira

9-4-2011

8 de abril de 2011

Prémio ao Lubito / Ágora / Novo Jornal / Luanda 8-4-2011






Fiquei naturalmente satisfeito pela atribuição do prémio na vertente de Arquitectura, do prémio da Secção Portuguesa da Associação Internacional de Críticos de Arte (AICA) ao arquitecto Francisco Castro Rodrigues.


“Quando se chega a velho é que nos dão os prémios”, respondeu de forma bem-humorada quando o parabenizei pela distinção.

O arquiteto Francisco Rodrigues é aos noventa e um anos uma pessoa loquaz, irreverente, com uma memória prodigiosa e arreigado às suas convicções de homem progressista e defensor da liberdade.

Um episódio que FCH conta da visita do presidente português Craveiro Lopes ao Lobito na sua viagem a Angola em 1954 e que é em tudo de semelhante à rábula da chegada de Mussolini a Berlim no “Grande Ditador” de Charlie Chaplin, uma das cenas maiores do cinema mundial.

Entre o Tamariz e o edifício dos Correios foi criado um espaço pomposamente chamado de “Portas do Mar”, que recebeu melhoramentos de tomo para receber Craveiro Lopes. No dia aprazado para a chegada, sob um calor intenso a fina-flor da sociedade do Lobito, um rancho folclórico do roupas minhotas composto por trabalhadores negros do Cassequel, uma banda, tudo a preceito para que a chegada antes do almoço fosse uma manifestação de grande enlevo.

As horas foram passando, a incomodidade das pessoas foi progredindo e as manchas nos sovacos aumentavam de diâmetro e quiçá mesmo a deixarem no ar um odor a que não eram alheias as pituitárias mais insensíveis.

O navio presidencial vinha de Novo Redondo (Sumbe), mas os planos foram alterados entretanto e a comitiva veio por terra; Resultou daí que a comitiva deslocou-se logo para o Terminus e admito quão hilariante foi ver a correria de gente de fato a rigor, vestidos compridos, saltos dos sapatos a partirem-se o que levou a que nessa “maratona” alguns chegassem descalços, a maioria esbaforidos e quase todos num estado de desmazelo nada condizente com a “elevação” do evento.

Este prémio é também para a cidade e tem que ser partilhado com o Engenheiro Fernando Falcão, técnico que Francisco Castro Rodrigues nunca se esquece de mencionar quando a sua obra é elogiada, dizendo apenas que era impossível construir o que quer que fosse sem a colaboração do prestigiado cidadão do Lobito.

Hoje diluído no imenso amontoado de casas no monte sobranceiro à estrada entre o Lobito e a Catumbela, existe em ruínas um conjunto de casas para trabalhadores “indígenas” da Sociedade Agrícola do Cassequel, uma verdadeira montra do esforço feito pela açucareira na “promoção social dos trabalhadores”. Não há ninguém com mais de trinta anos que por ali tenha passado que não se lembre de as ver ao longe, e encontrá-las em inúmeras fotos e postais do local. Era um conjunto de 120 casas, pintadas de cor de rosa cobertas com colmo. Era uma verdadeira obra de “portugalidade”, tão ao gosto de Gilberto Freire e dos prosélitos do luso-tropicalismo. Quando para lá foram transferidos os trabalhadores, imediatamente começaram a arranjar casa de adobe junto a esse aldeamento e deixarem as casas que tão elogiadas eram, para preferirem viver nas suas casas com paredes de barro, telhado de colmo e terra vã no interior.

Foi quase um sacrilégio quando os responsáveis da açucareira viram esta situação, o que deu azo a inúmeros dichotes racistas tipo: “os pretos não sabem viver em casas decentes”, “ali anda mão da Kuribeka” , “é para verem que cidades querem quando tivessem a independência”, e por aí fora.

A realidade é que as casas eram construídas com blocos, numa exposição solar permanente, sem ventilação, com o chão cimentado, perto de pântanos e de plantações de cana do açúcar, tornavam essas bonitas habitações em verdadeiras frigideiras onde o calor e os mosquitos tornavam a sobrevivência impossível. Julgo que já terão desaparecido, porque na realidade pouco serviram mais que para tirar fotos ao longe durante décadas, tendo em conta que foram construídas no final dos anos trinta.

Este exemplo proliferou por Angola inteira em muitos lugares de norte a sul do País, com as obrigações decorrentes do “desenvolvimento social” do fim do Império colonial na sua transição maquilhada para “províncias ultramarinas”. Na verdade era recorrente colocar divãs com esteiras em habitações de construção definitiva, casas lúgubres, sem iluminação natural e permeável a um espaço de nidificação de insectos e repteis, tal a humidade e o calor que havia no interior dessas casas para “contratados”.

O Lobito, que segundo Francisco Castro Rodrigues se chama Lubito por razões que já expliquei noutra crónica era a “Catumbela das ostras”, já que era o local privilegiado para a apanha das ostras, não só utilizadas para a alimentação, como a sua concha depois de moída foi durante anos um dos bons substitutos da cal no revestimento das casas da burguesia colonial.

Um dos mais conhecidos comerciantes de ostras foi o pai do José Aguas, campeão europeu de futebol pelo Benfica em 1960.

Já que se fala de grandes jogadores do Lobito e Catumbela não esqueçamos o sportinguista Fernando Peiroteu precocemente desaparecido, Santana, companheiro de Águas na vitória europeia de Benfica e depois ostracisado por questões políticas pelo clube, irmãos Couceiro que brilharam na Académica e Yaúca, em que a sua transferência para o Benfica foi paga pelas torres de iluminação do campo do Catumbela, que eram as do estádio do Campo Grande em Lisboa antecessor do antigo Estádio da Luz, enquanto campo de jogos do Sport Lisboa e Benfica.

A Catumbela teve o primeiro campo iluminado da província de Benguela e a segunda do território à boleia da transferência do malogrado Yaúca.



Fernando Pereira

5/3/2011

1 de abril de 2011

JARDIM COLONIAL / Ágora/ Novo Jornal/ Luanda 1-4-2011



No domingo passado resolvi dar uma volta em Lisboa e escolhi na zona de Belém o Jardim Botânico Tropical.


Este jardim, que está num magnífico estado de conservação, já teve ao longo dos anos vários nomes. Foi uma adaptação dos jardins dos Condes da Calheta, para que fosse um dos núcleos da Exposição do Mundo Português .

Nessa exposição começou por ser o “Jardim Colonial”, uma antevisão do que seria a zona dos “Descobrimentos” no “Potugal dos Pequenitos” em Coimbra numa obra do arquiteto Cassiano Branco. Neste espaço construíram-se pavilhões onde ao tempo se faziam exposições de artesanato, colóquios, mostras de trajes e outras iniciativas que ocuparam continuadamente o espaço entre 23 de Junho e 2 de Dezembro de 1940. A maioria encontra-se encerrada, apesar de relativamente bem cuidadas, excepção para a grande estufa central, que já terá conhecido melhoras dias, apesar de guardar espécies interessantes da flora africana.

Foi depois o Jardim do Ultramar, Tropical e finalmente Botânico Tropical, dependente do Instituto de Investigação Científica Tropical e é um espaço magnífico de Lisboa, paredes meias com o Palácio de Belém, residência oficial do Presidente da Republica de Portugal.

Confesso que as razões para voltar ao “Jardim Colonial” foi o facto de no Palácio dos Condes da Calheta, hoje propriedade do IICT, estar uma exposição interessantíssima chamada “Viagens e Missões Científicas nos Trópicos”, merecedora de uma visita detalhada, pois é uma viagem ao trabalho e ao estudo minucioso do que foram as missões ou as experiencias colectivas e individuais de cientistas, biólogos, geógrafos, tipógrafos, botânicos, ornitólogos, ou até vulgares diletantes no espaço colonial português.

A exposição é riquíssima não apenas no aspecto documental, mas também uma mostra muito bem organizada da multiplicidade de materiais utilizados por todas as expedições, desde as necessárias para definir fronteiras como as que assentaram nas prioridades económicas ou puramente académicas.

O mais importante a reter desta exposição é a alteração do seu contexto “ideológico”, pois deparamo-nos com a ausência dos panegíricos ao “mundo que os portugueses descobriram”, apenas uma homenagem aos valorosos homens e instituições que apenas tinha como móbil o factor científico dos seus trabalhos em circunstâncias particularmente difíceis. É uma avaliação muito subjectiva mas penso não ser alheio o facto dos autores dos módulos desta exposição serem jovens académicos despidos de alguns escolhos da mentalidade colonialista ainda perene nalguns sectores.

Entre o espólio de alguns ilustres cientistas, muitos deles apeados da toponímia luandense sem justificação plausível, e que aqui trarei em futuros artigos, achei interessante ver uma parte do espólio de José de Macedo, autor de um livro centenário sobre a política colonial denominado “Autonomia de Angola”, felizmente reeditado pelo IICT no ano passado.

José de Macedo (1876-1948) foi um republicano, maçom, pedagogo, jornalista e defensor da liberdade dos povos das colónias, num período em que o racismo e a exploração dos povos coloniais eram matriz essencial da primeira metade do século passado.

José de Macedo, fortemente influenciado pelo positivismo de Proudhon, grande companheiro de Magalhães Lima, referência maior da maçonaria portuguesa e figura de proa do Republicanismo Português, foi preso várias vezes pela sua luta contra a Monarquia, muitas vezes através da contundência dos seus escritos na “Lucta”.

Perseguido, embarca para Angola onde para além da sua actividade profissional de professor assume a direcção do jornal “A Defeza de Angola” (1903, segundo Julio Castro Lopo), e também aí é preso por ter gritado “Viva a Republica” num jantar no Hotel Areias onde fazia uma sessão com lojistas e funcionários em Angola. Fundou em Luanda o “Colégio Progresso”, fez vários percursos pelo interior do território donde resultaram livros importantíssimos para o estudo da sociedade angolana do virar do século e de enorme importância política e de apoio à etnologia e antropologia. Lutou pelo desenvolvimento e conhecimento da sociedade angolano e participou nas lutas cívicas anti-esclavagistas e favoráveis à alteração do controlo dos contratos de serviçais, que lhe granjearam um enorme respeito mas também muitos inimigos. Foi colaborador do Jornal de Benguela entre 1912 e 1919.

Deixou um grande espólio que a família legou ao IICT, e talvez tenha chegado a hora de começarmos a conhecer em pormenor um homem que foi sendo sucessivamente esquecido na voragem das transformações políticas.

Renunciou a cargos e honrarias e o seu mote de vida pode ficar neste parágrafo retirado do seu livro “Etnografia e Economia”: “Luta um velho que quer dar exemplo aos novos, de constância no estudo e no sacrifício de seu nome humilde que vem lembrar aos jovens que nunca é tarde para exercer uma função e que até ao túmulo deve aparecer perante os outros a expor o fruto do seu trabalho e das suas vigílias”.



Fernando Pereira

30/3/2011

25 de março de 2011

Reviver o passado em Luanda/ Ágora/ Novo Jornal / Luanda / 25-3-2011





“Escrevo-te num domingo insuportável de calor, numa esplanada diante da baía...
Que cidade horrível. É como passar um domingo em Benfica na esplanada Estrela Brilhante, com o chão cheio de tremoços e de detritos. Uns negros aleijados, arrastam-se a pedir esmolas, outros oferecem-me cinzeiros de madeira, objectos esculpidos, jornais, farrapos e miséria. Nunca pensei vir encontrar tanta pobreza, tanta porcaria, tanto calor. Uns sujeitos sebentos, de pasta, trocam escudos por angolares, com 12% a mais. Mas é tudo caro, tórrido e feio.
...
Ontem um amigo daquele outro médico afinal conhecido, levou-nos a visitar a ilha, uma espécie de promontório com praias de um e outro lado, casas, um clube de golfe. Uma espécie de Rodésia vista por um mestre-de-obras de Tomar.
...
Luanda está longe de ser uma cidade vivível: toda ela é uma espécie de Areeiro de província, com o mesmo pretensioso gosto suburbano, e os brancos daqui têm todo o mesmo indefinível aspecto dos vendedores de automóveis daí, de patilhas sem classificação social, camisas transparentes, e mulheres tipo locutoras de rádio, demasiado bem vestidas para serem inteiramente honestas. Os musseques são uma espécie de bairro da Boavista ampliado, em que os moradores fossem todos jogadores do Benfica. Só a terra é que é vermelha, como a areia dos estádios, e as noites cheias de murmúrios de insectos e de folhas, mergulhadas num mormanço de suor.
O que irrita é ver as revistas angolanas, de Luanda, cheias de fotografias de bailes e de festas e de eleições de misses, enquanto nós, que nada temos com eles, que pertencemos ao puto, como eles dizem com desprezo, estamos aqui a por os testículos no lume por eles. Não pormenorizo muito isto porque, mas os brancos locais, sobretudo os das cidades, são de um tipo de novo-riquismo saloio e soberbo, verdadeiramente insuportável. Luanda é horrível de mau gosto, uma terra onde eu nunca quereria viver, feia pretensiosa, sem categoria de espécie alguma. Sente-se o dinheiro por todo o lado, principalmente nos automóveis americanos,porque a maneira de vestir destes tipos é absolutamente execrável. Não merecem a terra extraordinária em que vivem, e, julgo, não a sabem, sequer, apreciar. Não há em Luanda absolutamente nada que preste: as poucas estátuas que tem, ultrapassam em mau gosto tudo o que se possa suportar, os edifícios são todos no género daquele em que mora o Souto, e que para mim representa o paradigma da fealdade. É uma excrecência absurda e estúpida. E estes tipos aqui acham Luanda um paraíso, uma espécie de Rodésia em melhor. Não nos agradecem o nosso sacrifício por eles, e, no fundo, tratam-nos com uma condescendência desdenhosa de brasileiros ricos. Que diferença de Lisboa. Não se pode viver numa cidade sem passado. Estes tipos são bem os descendentes dos degredados e está tudo dito.”
Esta Ágora foi fácil de fazer, foi só copiar excertos do livro do português António de Lobo Antunes, “D’Este Viver Aqui Neste Papel Descripto”e é um conjunto de aerogramas publicados pelas filhas do escritor, e que fazem parte da correspondência trocada com Maria José Lobo Antunes no dealbar da década de 70.
António Lobo Antunes foi médico militar na tropa colonial entre 1971 e 1973, e a fase inicial da sua extensa obra de romancista é um libelo extraordinário contra a política colonial portuguesa.
Em jeito de balanço final, já que comecei a ser a partir de 15 de Março de 2011 mais um de “etnia africana”(???), não posso deixar passar incólume as ofensivas palavras de Cavaco Silva no 15 de Março de 1961, revelador que não são as datas que mudam mentalidades e convenhamos exige-se mais a quem escreveu o discurso apologético da “guerra do Ultramar” que o Presidente da Republica de Portugal leu e mal.
Fernando Pereira
22-3-2011

18 de março de 2011

LEITURAS / Ágora / Novo Jornal / Luanda / 18-3-2011




Na semana passada na minha tertúlia, onde naturalmente também se faz um pouco de má-língua, tivemos uma discussão muito interessante sobre a obra literária de Henrique Galvão.
A realidade é que ao longo da discussão que revelou um ou outro conhecedor da obra completa do capitão Galvão, fiquei interessado em melhorar os meus conhecimentos de uma personagem ostracizada, mas que na realidade deixou um verdadeiro manancial de informações sobre Angola, que talvez merecesse estudos detalhados.
Henrique Galvão era um proto colonialista, acérrimo defensor do império colonial português que fez o seu debute político no Integralismo Lusitano de Rolão Preto, António Sardinha e Pequito Rebelo. Este grupo numa visão muito simplista da história política a ala mais à direita do corporativismo salazarista em que a maioria dos seus activistas foi perseguida, presa ou mandada para o degredo (Rolão Preto esteve em Angola nessa condição). A sua evolução no percurso salazarista levou-o a Comissário da Exposição Colonial no Porto em 1934, depois director da então Emissora Nacional, posteriormente governador da Huíla, incompatibilizando-se com Salazar no decurso da sua actividade parlamentar enquanto deputado por Angola em que verberou a política racial e desumana que os trabalhadores angolanos eram vítimas das autoridades administrativas e empresas na então colónia.
Na sequência de um relatório muito cáustico em relação à promiscuidade entre os poderes central e local, os angariadores ou negreiros e os comerciantes e grandes companhias coloniais foi detido, expulso do exército e preso com o argumento de conspiração. Consegue a fuga em 1959 de um sétimo andar do Hospital de Santa Maria em Lisboa, episódio rocambolesco de um homem que driblou sempre Salazar e seus sequazes.
Influenciado por África, escreveu textos brilhantes sobre a fauna, a flora e a caça em Angola, autenticas pérolas literárias e ilustradas de uma pessoa de enorme ligação a um território imensamente rico e diversificado na sua natureza ainda imaculada. É uma pena que essa obra se encontre esgotadíssima, e quando aparece algum livro num alfarrabista é a preços perfeitamente proibitivos.
A sua vasta obra literária, donde poderemos excluir os livros marcadamente políticos, encontra também peças de teatro, romances ou descrições das suas múltiplas viagens à Angola profunda e a sua grande sensibilidade para apreender a realidade de povos que a cultura citadina vai esquecendo, nalguns casos de forma aviltante. O “Kurika” tem sido frequentemente reeditado e encontra-se com facilidade, o que não acontece com o “Pele”, “Impala”, “Vagô”, “Outras Terras, Outras gentes” (Este sobre Moçambique) e outros, o que não permite ficar com a dimensão de um escritor que descreve a África com odores, matizes e sons em cada folha que vamos lendo.
A propósito de Galvão vem-me à memória o Cunha alfarrabista que tinha o seu estaminé ao lado do “Frimatic” de um tal Ferrobilha Guedes. O Cunha era uma figura estranha para nós miúdos, tinha uma loja esquisita e ele próprio não nos gramava porque passávamos uma parte do muito tempo livre que tínhamos a chatear as pessoas e ele punha-se a jeito para a nossa irreverência pueril, talvez pelo seu físico, talvez por parecer taciturno, ou por qualquer outro motivo que me deslembro.
Conheci-o mal pois as únicas vezes que entrei na sua desarrumada loja, como deve ser qualquer alfarrabista aos olhos dos visitantes, foi com um tio meu com quem ele conversava tempos que pareciam uma eternidade, já que eu estava ali apenas para ir numa missão de soberania ao Baleizão comer uma cassata.
Mais tarde senti a falta do que foi praticamente o único alfarrabista de Luanda, que terá morrido sozinho em 1967, a que a “Notícia” terá dedicado umas breves linhas. Os seus livros terão sido leiloados ou vendido ao desbarato porque o “Rei dos Frigoríficos” que tinha a oficina na antiga fábrica de sabão no sopé da fortaleza queria frigorificar a cidade e precisava do espaço do Cunha. Resta-nos homenagear o alfarrabista, o primeiro de todos a amar verdadeiramente o pó dos livros.
Como diria Nietzche: “ Não podemos regressar ao antigo, já queimámos os nossos navios; só nos resta ser valentes, aconteça o que acontecer”
Fernando Pereira
15-3-2011

12 de março de 2011

Berrida em câmara lenta! / Ágora / Novo Jornal / Luanda 11-3-2011




No dealbar dos anos setenta o nosso grupo do bairro da Maianga ia invariavelmente, todas as noites de sábado e tardes de domingo, assistir aos jogos nas barrocas que havia em frente ao Palácio da Cidade Alta.
Era o nosso lugar de eleição, partilhado por centenas de pessoas que só divisávamos no escuro pela beata acesa ou em sonoridades variadas quando havia golo ou falhanço. Essa clandestina bancada era para um conjunto de “capitães da areia” um verdadeiro lugar de culto para toda a sorte de patifarias com que nos divertíamos nesses tempos em que nem se pensava que poderia vir a haver televisão no País e da internet nem se falava. Queríamos lá saber do Gomes,o meu amigo Manecas , Alves, Garrido, Benje, Carmona, Justino ou outros. Objectivamente o que queríamos era ver se conseguíamos a proeza de promover um brilhante basal de pancadaria entre os assistentes. A verdade é que à custa de atirar alguns torrões de terra vermelha e umas maçãs da Índia gamadas nuns quintais que havia no caminho, conseguimos assistir a deliciosas discussões, que não raras vezes acabavam em bulha e a solicitar a presença da Polícia Militar Colonial para apaziguar os ânimos. O nosso grupo saiu sempre incólume destas rixas pois aparentávamos ser meninos educados.
Convém dizer que quando vinham clubes portugueses jogar aos Coqueiros, e os preços dos bilhetes eram proibitivos para ver jogos de sonâmbulos, já que normalmente eram no início da preparação do campeonato de Portugal, todos os clandestinos eram forçados a expedientes bem mais complicados, porque as autoridades coloniais enxameavam de polícias toda essa zona, não permitindo qualquer veleidade aos utilizadores habituais do terceiro anel dos Coqueiros, onde tinha lugar cativo.
Uma das vezes que isso aconteceu manifestamo-nos contra o aparato policial que as forças coloniais nos impuseram nas barrocas, para nos impedir de ver um jogo entre as duas equipas de proa do regime, o Sporting de Portugal e o Benfica de Lisboa, manifestação que só deu resultado para conseguirmos ver a segunda parte quando o poderoso contingente de seis polícias e dois cães algo adormecidos se retiraram, depois de ordem superior. Na altura manifestávamo-nos por motivos algo pueris, mas também mais tarde ousei manifestar-me em circunstâncias que me deram gozo por motivos mais sérios, mesmo quando levava uns pequenos “moscardos”, porque na realidade nunca fui muito ousado para me chegar muito próximo das forças de repressão e tento afastar-me o suficiente para que elas não se chegassem a mim.
Há uns tempos estava numa casa que tinha um parque de estacionamento para uma biblioteca pública que funcionava das 9 às 18h; fora desse período estacionava o carro já que não havia problema algum. Os vizinhos do prédio faziam o mesmo, e durante uns tempos não houve problema algum pois para além de sermos conscienciosos, e com medo da multa, todas as manhãs tirávamos o carro antes das nove horas.
Aquilo tinha um portão de correr que estava sempre aberto, e o guarda avisou-nos várias vezes que não toleraria durante muito mais tempo a presença dos nossos carros, sem que nos desse uma explicação no mínimo aceitável para que não os colocássemos lá. Um dia consumou a ameaça e com tiques de títere resolveu fechar o portão perante a estupefacção de todos. Durante uns tempos lá vinha o guarda fechar o portão a rir-se para os poucos que sem querer olhavam para ele, até que houve um que se lembrou de comprar uma lata de tinta dos grafitteiros e escrever no portão branco imaculado: “O guarda-nocturno é corno”!
No dia seguinte quando foi abrir o portão viu toda a gente a rir e partilhou o riso, mas quando se deparou com a realidade ficou possesso e pior ficou porque não podia fechar o portão senão apareceriam em letras garrafais a frase assassina.
Nunca mais o portão foi fechado, apesar de o terem pintado de novo!
Em jeito final recordo que no último dia do ano de 1972, na capela do Rato, em Lisboa, um grupo de católicos fez uma vigília contra a guerra colonial e a repressão que então se fez sentir sobre os clérigos presentes e os cidadãos ligados às juventudes católicas e ao GRAAL, serviu na perfeição os desígnios para aumentar a visibilidade interna e externa da falta de liberdade e da repressão em Portugal e nas colónias.


Fernando Pereira
7/03/2011

10 de março de 2011

Tu podes nunca querer saber da política, mas, lembra-te, a política quer sempre saber de ti! / O Interior / 10-3-2011


O Partido Comunista Português comemorou no passado dia seis de Março noventa anos de história, motivo de regozijo para todos os democratas e gente de esquerda, mesmo os que como eu não partilham alguma da sua prática política.
O PCP confunde-se com a luta pela liberdade, pela resistência à ditadura e pela defesa na melhoria das condições de vida do povo português e isso é inegável e é justo reconhecê-lo.
Conhecendo o percurso histórico do PCP, analisando o que foi o discurso que permitiu os arremedos de ditadura na 1ª República e simultaneamente os fundamentos em que assentou a ditadura do Estado Novo, fico naturalmente apreensivo quando se generaliza que a política é um embuste e a maioria dos políticos uns trapaceiros e gente de carácter duvidoso.
A liberdade e a democracia servem para ser melhoradas, e só é possível com diversidade na discussão política em torno de alternativas que possibilitem a optimização da realidade económica do País e naturalmente feita com as pessoas enquanto agentes políticos responsáveis. Dizer pura e simplesmente que a política é uma treta e que quem está na política é para se encher, é um absurdo que aceite na sociedade de forma generalizada vai permitir o aparecimento e a aceitação de propostas messiânicas de contornos muito difusos, assentes em pessoas que dizem que nada tem a ver com a política e estão aqui com o objectivo apenas de servir, assim ao tipo de professores que mais tempo estiveram no poder, sem lá quererem ter estado e que nunca quiseram ser políticos (vide um exemplo mais remoto, Salazar e recentemente Cavaco Silva)
Agustina Bessa Luis, a mais talentosa romancista portuguesa viva, diz que “Há nos portugueses uma sinceridade para com o imediato que desconcerta o panorama que transcende o imediato”, e de certa forma isso explica uma parte do que vamos assistindo no quotidiano social em acentuada degradação de Portugal, onde de há uns tempos a esta parte os banqueiros são as figuras de maior notoriedade na relação mediatizada com o poder, mau grado os exemplos dos casos BPP e BPN, e os outros que hão-de vir.
O problema é que neste contexto em que se vive com a palavra “mercado” em contínuo no léxico dos políticos, politólogos, achólogos, comentólogos e por aí fora vamos assistindo ao continuado degradar dos actuais políticos que dão alguma razão a Tennesse Williams, na “Ultima Primavera” que diz “O que é talento senão a habilidade para conseguir alguma coisa”, e essa coisa é a perpetuação ou alcançar o poder a todo o custo.
Posso parecer elitista, mas de facto os dirigentes do Estado degradam a sua imagem estando sempre a aparecer na comunicação social e a maioria das vezes a dizerem trivialidades ou incoerências em relação a discursos anteriores; é sempre melhor ser-se “desejado que tolerado”.
Recentemente o PM José Sócrates esteve na Guarda pela terceira vez para visitar as obras do hospital, tendo estado também pela segunda vez em meio ano em pleno túnel do Marão. Acho que o primeiro-ministro não deve andar a ver obras, isso é para os inspectores, deve resguardar-se para as inaugurar com toda a pompa e circunstância, porque este tipo de equipamentos são imprescindíveis para o bem-estar das populações e aí o PM sentirá a alegria do povo; aquele cenário de uma parede com tijolos onde José Sócrates falou aos jornalistas acabou por ser o corolário infeliz de um fim-de-semana que nada trouxe em abono de eventuais ganhos políticos do primeiro-ministro.
Nestas visitas de vez em quando os políticos teem que perguntar alguma coisa, porque faz parte do protocolo e ao cicerone que normalmente gosta de falar de tudo, mesmo que a maior parte das coisas não interessem rigorosamente a ninguém, e pouco mais conseguem senão dar uma tremenda seca a quem está ali pouco mais que para ser visto e filmado.
O eternizado putativo rei de Portugal faz uma visita a um hospital na região centro e pergunta a um médico que está de serviço no banco em pediatria: “Há aqui muito doente de baixa no seu serviço?”; pediatria S.M. é um serviço para crianças, que não teem direito a baixa! Com reis destes imaginem a qualidade do baralho!
Fernando Pereira
6-3-2011

4 de março de 2011

Salteados/ Ágora/ Novo Jornal / Luanda / 4-3-2011




É quase um ritual assistir à festa de entrega dos Óscares, cerimónia já demasiado rotineira, com encenação e apresentação ao jeito do que os espectadores da TV e da imprensa exigem ter para comprar e com alguns protagonistas interessantes, vestidos a preceito como convém ao espectáculo mediático da grande indústria do cinema.
Os resultados foram os previsíveis e nem a mim me decepcionaram no quadro das minhas expectativas, já que tinha visto a maior parte dos filmes a concurso.
A única situação dissonante, pouco habitual nestes eventos acabou por ser a intervenção do laureado Charles Ferguson, que optou por começar o seu discurso dizendo: «Perdoem-me, mas eu preciso começar dizendo que, três anos após a horrível crise financeira causada por uma grande fraude, ainda nenhum executivo foi para a cadeia. E isso está errado!». O Óscar para melhor documentário foi atribuído a "Inside job", de Charles Ferguson e Audrey Marrs, um trabalho que pretende ser um retrato do lamaçal, da podridão, da pulhice e dos crimes que estão na origem da “crise financeira” que ainda atravessamos.
Pró ano em princípio há mais.
Vi neste jornal que um grupo de artistas portugueses, muito ligados à “revista” viriam provavelmente a Angola dar um espectáculo. Não questiono as potencialidades artísticas da Marina Mota, nem de outros que conheço no seu elenco. Acho-a talentosa, com muita força em palco, mas sinceramente acho que é um tipo de teatro que me cheira ao revivalismo dos tempos do colonial, dos espectáculos para os soldados, promovidos pela Supico e patrocinados pelo governo português de forma a manter viva a chama da portugalidade.
Acho que a vida cultural da nossa cidade merece bem mais que “teatro de revista”, fenómeno urbano lisboeta dos fins do século XIX, importado de França e adaptada à brejeirice algo rasteira que o português ocasionalmente escolhe para fazer humor e sátira.
Em 1971 salvo erro, vi pela última vez um espectáculo de “revista” no recentemente demolido Teatro Avenida, com uma companhia onde andava o Ribeirinho, a Mariema, o Henrique Viana, entre vários e uma talentosa actriz de teatro que se despedia do palco para ir viver com o marido em Calomboloca, a Lia Gama.
Lia cedo se cansou de mato, da guerra, já que o marido era militar, e da pasmaceira cultural da Luanda colonial, tendo ao fim de dois anos bazado para Portugal onde retomou com grande êxito o teatro, tendo sido uma das melhores intérpretes de Brecht que vi até hoje em palco. Ainda hoje é das mais conceituadas artistas portuguesas.
A primeira companhia de teatro profissional de Angola, a CTA, com dedinho do empresário Vasco Morgado, resolveu trazer Rodolfo Neves, recentemente falecido, Lily Neves, que fazia voz de falsete nos Parodiantes de Lisboa, e mais uns recrutados localmente como Maria Dinah, Carlos Quintas, Vera Mónica e outros que me deslembro resolveram montar um teatro de revista permanente, e a julgar pelos textos eternamente deprimente, mas que a sociedade colonial a quem o falecido Horácio Roque vendia cabeleiras delirava, e fazia de uma ida à revista uma actividade do tipo social de uma ida ao Lincoln Center em New York ou ao Scala de Milão.
Poupem-nos a estes dislates e apoiem o trabalho das companhias locais de teatro que existem em Angola, com gente muito séria, que há muito querem fazer com mérito o que outros tentam fazer com saloiice, no critério serôdio de tentar reavivar os valores doantigamente.
Por este andar qualquer dia temos a reabertura das casas de fado, onde sempre me impressionou ver uma cantora com um xaile preto de lã nos ombros, com as temperaturas da Luanda que tem meses de tal canícula que o cidadão só se lembra de duas estações: a das chuvas e a do Bungo!
Quando há meses o “Elinga Teatro” esteve em risco de ver o seu local de ensaios demolido, não houve apoio de nenhum destes “iluminados”. Os mesmos que querem trazer a Luanda um modelo de teatro que está decadente em Lisboa, já que a expressão revisteira é nula na maior parte de Portugal e só alguma réstia de indefectíveis nostálgicos vai mantendo uma única sala em Lisboa, a Maria Vitória, num Parque Mayer, que nos anos cinquenta era chamada a “Broadway portuguesa”, naquela megalomania pacóvia, que alguns angolanos desconseguem de se libertar.
Querem uma ideia, porque não fazem touradas, agora que são proibidas na Catalunha, e pelo caminho proibidas em Espanha. Acho que ia haver muito aficionado a caminho de Luanda, dando corpinho às declarações algo destemperadas de responsáveis governamentais na recente Bolsa de Turismo de Lisboa.
Esta fica para outro dia, e por ora só peço que se apoie o teatro angolano, e se deixem de folcolorismos pueris.

Fernando Pereira
1-3-2011

27 de fevereiro de 2011

As redes não servem só para pescar!/ Ágora/ Novo Jornal / Luanda / 26-2-2011



Para quê conquistar mercados para os produtos



que os operários fabricam?


Os operários


ficariam com eles de bom grado.

(Bertold Brecht in “Cartilha de Guerra alemã”)



Bertold Brecht apesar de ser nosso contemporâneo, nunca ousaria pensar que o mundo iria mudar por causa de uma coisa que haveria de surgir pouco mais de cinquenta anos da sua morte, as “redes sociais”, senão nunca surgiria este poema.

Admito que o Facebook e o Twitter acabaram por dar alguma dose de satisfação a Lenine e a Trotsky, principalmente a este ultimo sobre alguma similitude com a “revolução permanente”.

“Ortega Y Gasset” diria provavelmente hoje nós somos nós, as circunstancias e as redes sociais ou como escreveria Agustina Bessa Luis: tudo se cria, tudo se transforma, tudo se recria, tudo se estropia, tudo está em rede!

Eu não sou um adepto confesso das redes sociais, embora participe como milhões de cidadãos, empresas, instituições, clubes, associações, etc. no quotidiano do Facebook e Twitter, onde cada vez mais vou perdendo algum tempo e ganhando alguns conhecimentos de pessoas interessantes, que eu nem sabia que existiam (elas também não sabiam que eu existia!) e temas em discussão que abriram novos mundos ao mundo no domínio do saber e das ideias.

Percebo que as redes sociais para certas pessoas funciona quase como uma catarse, pois acaba por ser o único local onde as pessoas são elogiadas, quer pelas suas frases, pela banalidade de uma citação de algum idiota, por uma música que anda não se ouvia há anos, pelas suas fotos de petiz ou pelas fotos onde a família aparece bela e radiante, como se estivessem a fazer algum reclame à Colgate ou à Kolinos.

O Facebook, que tem extraordinárias virtualidades, é hoje um complemento de muita coisa que muitos nunca ousaram fazer, e isso tem transformado paradigmas de vivencias que exigem uma atenção maior para este fenómeno que há muito ultrapassou o emergente.

As alterações sociais que se tem vindo a verificar um pouco por todo o lado, e Trotsky vai-se rindo na sua cara angulosa com os seu óculos redondinhos, mostram qual a importância da internet e acima de tudo das redes sociais na mobilização para o engajamento em causas e transportá-las para a luta por novas afirmações ideológicas.

Independentemente de milhões de pessoas terem começado a construir quintas, cafés e outros negócios sem se levantarem da cadeira, a realidade é que este fenómeno mereceria estudos detalhados, pois o acesso à internet generalizou-se e com velocidades ou tecnologia diferente e o jovem de Ouagadougu , Akra, Tripoli, Hong Kong, New Jersey, Luanda, Paris, tem acesso a toda a informação, e quando a cortam por necessidade de limitar o acesso ao saber, as pessoas reagem com indignação e agrupadas podem ser casos sérios para os poderes, como se está a provar quotidianamente nos tempos que passamos.

Não vem muito longe os tempos em que escutávamos o serviço da BBC para África, a DW, a Voz da América para sabermos coisas que TPAs, RNAs e outros órgãos de informação não davam por “avaliações meramente de opção informativa”.

O que se está a passar no mundo árabe, em que as ditaduras oligárquicas, as timocracias e as monarquias despóticas prevalecem sentadas na impunidade que a gestão do petróleo lhes permite, com a subserviência cínica dos países industrializados, é um fenómeno interessante mas de contornos ainda pouco claros, porque o entusiasmo inicial nestas revoluções leva muitas vezes ao poder novas e piores formas de governação e ideologicamente mais radicais que a situação que foi existindo. Vamos ver o que vai dar tudo isto, porque a verdade é que para pior já basta assim!

Para não dizerem que só falo de política, vou dar uma volta ao universo do Facebook, e a realidade é como diria Fernando Pessoa. “Primeiro estranha-se depois entranha-se”frase que ganhou o anuncio para a Coca-cola em Portugal, que só conseguiu entrar no hábito dos portugueses depois do 25 de Abril de 1974.

Nunca tantos cultivaram tanto através de quintas, nem milhões imaginaram que um dia iriam ser proprietários de um café ou outros jogos bizarros que só faz aumentar a proeminência ventral e a celulite nas pernas, e convenhamos pouco se aprende para o numero de horas que as pessoas passam em frente ao PC em casa ou no serviço, sendo um dos factores de absentismo já considerável em determinados países que contabilizam isso, algo que apesar de tudo ainda não acontece em Angola.

Pedem-me amizade, e aqui de facto começa a minhas justificadas reservas, porque “Amigo é coisa para se guardar, No lado esquerdo do peito”, como diz a canção de Milton Nascimento, e não para ser amigo de alguns cromos que não conheço de lado algum e que me pedem amizade. Lá vou aceitando, porque o critério na internet também não deve ser tão limitativo, mas de facto começo a sentir que apesar das múltiplas vantagens das redes sociais há demasiados absurdos, e cada vez me apetece menos partilhar alguma da minha privacidade, e também algumas ideias com gente que mostra fotos de há trinta anos, ou um quarto da cara, ou exacerba-se em tiques de narcisismo, que nalguns casos talvez sejam patológicos.

A sorte disto tudo é que a malta mais nova já utiliza isto para coisas com mais interesse, e a esperança é que neste mundo a informação vai ser a primeira grande conquista ao nível global, e a convicção que tenho é que a geração até aos trinta vai ser seguramente melhor que a nossa!



Fernando Pereira

22/2/2011

18 de fevereiro de 2011

Amiúde não é pedofilia/ Ágora/ Novo Jornal/ Luanda 18-2-2011





Amiudadas vezes tenho muitas divergências com o Carlos Pacheco, mas acompanho com interesse a sua colaboração regular em jornais, revistas ou artigos avulsos publicados na blogosfera.
Reconheço mérito a Carlos Pacheco, e se eventualmente algum dia conseguir despir o seu anti-MPLA ao nível do obsessivo, penso que estamos perante um valoroso historiador de uma história contemporânea de Angola que precisa de muitos autores para explicar poucos actores e cenários políticos, económicos e ideológicos tão diversificados.
O seu último livro, já saído no finar de 2010, “Angola, um gigante com pés de barro”, e que só agora tive oportunidade de ler, é uma desilusão principalmente para quem lê o “Publico” diariamente como é o caso desde o número um, aguentando mesmo alguns dislates de alguma orientação jornalística em determinados momentos. O livro, editado pela Nova Vega, do Assírio Bacelar, fundador da Assírio e Alvim e proprietário da saudosa “Compendium”, a primeira editora dedicada inteiramente à educação física e desporto na segunda metade dos anos 70 em Portugal, que muito me valorizou.
Correndo o risco de me repetir tenho a convicção que o Carlos Pacheco tem uma verve criativa, sincera e a sua abordagem da realidade angolana não tem cinismo nem procura agradar a clientelas. Parece-me inseguro nalgumas convicções, mas isso não invalida que lhe demos o mérito que alguns teimam em tentar tirar-lhe. O livro também não merece os hossanas que em Luanda certos sectores lhe fazem nalguns casos à saciedade.
Talvez nem tenha nada a ver com o assunto mas como a vida por vezes é chata, vem-me à lembrança uma anedota de Woody Allen, num daqueles livros do antigamente, editados pela Bertrand, “Para acabar de vez com a cultura”. «Duas senhoras estão num restaurante, uma diz “ A comida aqui é péssima”, e vai a outra: “pois e ainda por cima as doses são pequenas”». Uma frase deliciosa da sua lavra: “Não sei se há vida depois da morte, mas sei uma coisa: Há morte depois da vida”
Esta semana comemoraram-se os cinquenta anos da Renault 4, mostrada ao mundo pela primeira vez no Salão Automóvel de Paris em 1961, muito antes de lá ter sido rodado”Trafic”, penúltimo filme de Jacques Tati (1907-1982), incontornável figura do cinema de humor francês do pós-guerra.
A R4 começou a ser montada em Angola no dealbar da década de setenta em Viana, num acordo com o representante Alfredo F. Matos, que tinha o stand e oficinas na Av. Rainha Ginga. Com a independência do País e o confisco da firma a Renault mandou alguns dos técnicos da empresa a estagiar na Guarda, Portugal. A verdade é que essa linha de montagem em Viana contribuiu com algumas das 8.135.424 que foram montadas no mundo, que são um ícone dos anos sessenta e setenta, e ainda hoje automóveis confiáveis.
Eu fui beneficiado com uma, numa daquelas distribuições habituais, que entretanto se começaram a tornar demasiado inabituais, e o que posso dizer é que nunca me deixou apeado em atalhos, veredas, lamaçais, zonas de ocupação da UNITA, poeirais, buracos urbanos ou alcatrão doce.
Na Secretaria de Estado dos Desportos houve uma distribuição de viaturas, mas como era responsável e dirigente (confesso que nunca percebi se alguém podia só ser uma coisa, porque as duas era responsabilidade a mais para certa gente!) já tinha um LADA, que volta e meia me deixava apeado apesar de não partilhar o anti-sovietismo primário de muitos camaradas meus. Tinha o LADA, que me dava estatuto e deixava-me apeado, e um colega meu neófito no organismo teve direito a uma R4 nova.
Como tinha um perfil mais adaptado a dirigente, propôs-me a troca e eu prontamente acedi sabendo antecipadamente que iria descer de estatuto, mas iria ficar muito menos vezes apeado.
Passados uns tempos numa reunião de um conselho consultivo restrito do ministério, o tema das insuficiências de transportes voltou à mesa, e o meu colega diz que” precisava de um carro porque tinha ficado com um que o camarada Fernando Pereira tinha já estragado”; Eu, sentindo-me despeitado informei que “ o camarada IK tinha querido um carro de dirigente e teve-o, nem que fosse para o empurrar!”; Burburinho na sala e o Rui Mingas teve que pacientemente pedir alguma contenção, e lá satisfizeram o dirigente pelos vistos não responsável no caso com uma R4 onde não brilhava tanto, mas sempre era mais confiável.
Uma boa companheira a Renault 4, que boas companhias transportou e muitas mais outras gostaria de ter transportado.
Como foi semana de dia de namorados, S. V. (Valentim ou Viagra) há uma frase lapidar que gostava de deixar a fechar o texto: “Deitar cedo e tarde erguer boa companhia há-de ter”!

Fernando Pereira
15/2/2011

11 de fevereiro de 2011

É um suponhamos / Ágora/ Novo Jornal / Luanda / 11-2-2011









Richard Nixon (1913-1994) é um dos presidentes que a maior parte dos cidadãos americanos se envergonham, ao ponto de nem sequer gostarem que se fale dele.
Foi o único presidente da Republica dos EUA que na sua história contemporânea teve que resignar por ter patrocinado um tremendo caso de corrupção num processo eleitoral (Watergate) e só perante as evidencias ter sido obrigado a reconhecer a sua implicação e a sua repetida mentira.
Fui recuperar o Nixon, porque realmente há situações bizarras na nossa terra e o que é quase anedótico é o facto de elas me surpreenderem em locais onde nunca pensei ser possível encontra-las. No site da JMPLA a frase para reflexão: “Um homem não está acabado quando ele é derrotado, mas quando desiste” é precisamente de Nixon, o que convenhamos devia ser evitado porque realmente foi um presidente que ostensivamente adulterou os valores fundamentais que construíram os Estados Unidos como referencia para as democracias e liberdade. As frases boas ditas por gente má valem exactamente por quem as proferiu.
Já que se falou em juventude recordo que esta semana o James Dean faria oitenta anos se fosse vivo. Foi um ícone de rebeldia e inconformismo da juventude estadunidense na década de 50. “ A Fúria de Viver”, a “Leste do Paraíso” e o “Gigante” marcam a sua fugaz passagem pelo cinema onde conquistou um lugar e um mito que tem tido um espaço de perenidade que permanece até hoje. Dean representou a América que lutava contra a hipocrisia das instituições e dos costumes, hierarquizadas em padrões em que o dinheiro era a mola real de ascensão de pessoas ao topo, e que quando por lá chegavam se revelavam no que de mais torpe era possível existir.
Ultrapassada a fase de ouro do regresso dos heróis da segunda guerra, a filmografia de Dean acaba por assumir a revolta de um jovem contra os mercados, o maccartismo emergente, a eternizada e ambígua guerra da Coreia, as primeiras manifestações pelos direitos cívicos dos negros nos estados do Sul e acima de tudo pela ruptura que a juventude ia aceitando na musica, no vestir, na sexualidade, um corte com tudo que a América conservadora não aceitava.
Se a morte de Dean em 1955 permitiu durante alguns instantes um alívio aos conservadores, logo isso foi ultrapassado quando rapidamente foi adoptado como o ídolo maior da América ainda hoje.
Há cerca de quinze dias desloquei-me a Madrid à FITUR, uma das maiores feiras de turismo do Mundo, um ritual meu há muitos anos.
Naturalmente que vi com atenção o pavilhão de Angola, promovido pelo INFOTUR e o que vou constatando é que passam os anos e a realidade mostra-nos um pavilhão pouco apelativo, com demasiada gente no interior e muito pouca coisa para oferecer, melhor para dar um motivo forte a agentes turísticos para colocarem Angola nas suas ofertas e a turistas individuais que se motivem para vir ao nosso País.
Mais que levar meia dúzia de panfletos, umas esculturas e quadros iguais ao que os malianos e senegaleses vendem em todas as praças e praias europeias a preços ridículos, uns panos feitos na Holanda, mas registados na Nigéria ou no Gabão ou ter um LED na parede com imagens a correr de construção de megatéreos em Luanda, não me parece ser a estratégia mais adequada para promover o turismo angolano, se é que há alguma ideia discutida e definida sobre isso.
Desculpem a frontalidade, mas sem retirar o mérito a alguns dos simpáticos funcionários presentes, o pavilhão do nosso País faz-me lembrar os pavilhões da feira das industrias que visitei no dealbar dos anos 60 no local onde com magnífico desenho de Simões de Carvalho se construiu o Palácio da Radiodifusão, hoje sede da RNA.
Uma feira internacional de turismo não tem as características de uma festa do L’ Humanité ou do Avante, e por isso exige-se um trabalho prévio muito aturado junto dos agentes participantes e simultaneamente material de divulgação que motive o aproximar das pessoas ao espaço na feira e proporcionarem-se bons negócios, que é para isso é que o investimento é feito.
Quero que esta minha observação que não é nova, e não deixo de o lastimar, não seja entendida como um bota-abaixismo mas acima de tudo entusiasmar os dirigentes do INFOTUR, colaboradores e agentes de turismo a promover melhor o turismo de Angola, fora de um contexto de negócios já que esse vai tendo freguesia, até ver!

Fernando Pereira
8/2/2011

10 de fevereiro de 2011

«Os portugueses são de um individualismo mórbido e infantil de meninos que nunca se libertaram do peso da mãezinha…»/ O Interior/ 10-2-2011



A semana passada comemoraram-se cinquenta anos do princípio do fim de uma fantochada salazarenta de um eufemismo chamado “Império Colonial Português”.


A três de Fevereiro de 1961 o paquete “Santa Maria” aportou no Recife, depois de Henrique Galvão e alguns companheiros terem tomado conta do navio durante alguns dias algures no Atlântico, num propósito de denuncia ao mundo o que era o Portugal da ditadura.

No dia seguinte um grupo de revoltosos atacou as cadeias de Luanda de forma a libertar os prisioneiros julgados em tribunais plenários, na sua maioria por delito de opinião e que estavam à espera de ser embarcados para o Tarrafal, no arquipélago de Cabo Verde, o tal estabelecimento penal que segundo alguns biltres dizem que “nem era tão mau assim”

Nesse quatro de Fevereiro de 1961 iniciou-se a guerra colonial, móbil do estertor do Estado Novo, que tenta ser branqueado no quotidiano de vida dos cidadãos.

Muitos se esquecem que adultos no dealbar dos vinte anos de idade estavam com uma arma na mão a caminho de uma África que nada tinha a ver com o misto de bucolismo e colorida que a propaganda do regime tentava mostrar.

Acho que tem tudo a ver, quando um capitão de Abril, homem sério, empenhado, que arriscou toda a sua carreira para acabar com a guerra colonial e a ditadura, Vítor Alves morreu no início do ano, e tem direito a pouco mais que um breve minuto nos quase escaninhos de jornais nacionais das Tvs que disputam entre elas quem mais demora.

Ao mesmo tempo esses mesmos jornais estão meia hora a falar de um assassinato perpetrado por um jovem que usava métodos sórdidos para obter favores no mundo da moda através de um valdeiro que usava toda a jactância para se insinuar num tipo de imprensa niilista, para usar alguma comiseração no léxico.

Conheci o major Victor Alves em 10 de Junho de 1977 na Guarda, que me foi apresentado pelo Batista Bastos ao tempo a trabalhar para o “Diário Popular”, na altura comissário do “Dia de Portugal de Camões e das Comunidades Portuguesas”, versão melhorada do 25 de Abril do “Dia da Raça” da má memória do tempo do “manholas”. Conheci uma pessoa simples, que quase pedia desculpa a Jorge de Sena por parabeniza-lo no seu famoso discurso. Um homem culto, educado, discreto que morreu e deixa saudade. Melhor que muito troglodita que por aí anda ufano porque tem uns poderzinhos conseguidos à conta de podrezinhos de uma democracia que tarda em melhorar-se.

Em jeito de despedida peço à autarquia da Guarda que faça uma edição com todos os discursos que marcaram esse 10 de Junho de 1977. Desde que coloquem lá o do Jorge de Sena garantidamente nem me importo de ter lá os discursos dos outros que deram seca, e quem lá esteve sabe de quem falo.

Já agora, o título é uma parte desse magnífico discurso de Jorge de Sena, o único que fez em Portugal!

Fernando Pereira

3/2/2011

4 de fevereiro de 2011

Um Homem Novo Veio da Mata / Ágora / Novo Jornal / Luanda /4-2-2011


“Há três categorias de homens:



os que contam a sua história,


os que não a contam,


e os que não a têm”


(Max Aub)



Cinquenta anos depois aqui estamos orgulhosamente a comemorar o 4 de Fevereiro de 1961.

Ultrapassei já a fase quase libidinosa de procurar saber como foi, que organização teve a iniciativa, quais as motivações de toda a gente que com paus e catanas irrompeu nas cadeias para libertar os seus camaradas presos e a aguardar deportação por crimes e delitos espúrios. Havia um denominador comum em todos eles: Queriam uma Angola diferente da que tinham e a vontade de serem livres no seu próprio País.

Aquelas voluptuosidades que surgem nalgumas discussões académicas, ou até mesmo de carácter científico, esquecem muitas vezes o fundamental, que tem a ver com o acontecimento que marcou o princípio do fim do colonialismo nos países africanos de língua oficial portuguesa, quiçá mesmo o estertor do edifício já carcomido e bafiento do fascismo português.

Podia andar aqui à procura de palavras mais macias, mais adaptadas ao espírito de mercado que se estabelecem nas relações quotidianas, mas a realidade que para mim é importante é que o quatro de Fevereiro de 1961 foi sempre uma referência para a liberdade de uma Nação. É completamente incontornável que esse espírito deva ser incutido na juventude angolana, porque quem viu aqueles que sobreviveram em quatro de Fevereiro a brandir as catanas naquele distante 11 de Novembro de 1975 nunca esquece que muito do que hoje Angola é que assim nasceu nas mãos daqueles homens, infelizmente a maioria quase desaparecida.

A um JEEP (jovem empresário de elevado potencial), a um quadro superior de uma empresa enfarpelado num qualquer fato e gravata, ou numa jovem vestida com um qualquer CK insinuando-se entre o ar condicionado de uma qualquer empresa que ninguém sabe bem que produz e uma bebida no Miami, o único quatro de Fevereiro que conhecem é o aeroporto, já que a avenida só a conhecem por marginal ( a despalmeirada) .

Mas eu estou-me completamente nas tintas para que muita gente não ligue ao 4 de Fevereiro de 1961, ou que quando estão na praia e falam do assunto relembram Paiva Domingos da Silva vir todos os anos à TPA explicar as operações de ataque às prisões de forma sempre diferente. A realidade é que ele, Imperial Santana, Virgílio Souto-Maior, Neves Bendinha e muitos outros estiveram no âmago de um movimento que enobrece o espaço de intervenção política na libertação de Angola.

Tenho profundo respeito por esses patriotas angolanos, que a voracidade do desenvolvimento económico vai silenciando e esquecendo, e de um Estado angolano que não dá a esses cabouqueiros da liberdade a dignidade que justamente merecem. As famílias dos “heróis do quatro de Fevereiro” merecem não ser esquecidas, já que nunca foram ressarcidas da prisão, da clandestinidade e da morte que os seus familiares foram objecto na luta contra a repressão colonial.

Talvez esteja fora de moda, descontextualizado com as novas dinâmicas económicas, políticas e ideológicas no País, mas paciência, o 4 de Fevereiro de 1961 continua a ser uma data que é mais que uma estrofe do nosso hino.

Vi um vídeo do Instituto de Planeamento e Gestão Urbana de Luanda (IPGUL). Ficaria completamente fascinado, se eventualmente não conhecesse a cidade.

Não sei quanto custou o vídeo que é apelativo, imaginativo, tecnicamente quase perfeito, com um texto hermético e com um léxico eivado de demasiados lugares comuns. O que me parece é que o vídeo recupera os filmes do CITA (Centro de Informação e Turismo de Angola) de outros carnavais, e mostra uma Luanda muito organizada, com fluidez de trânsito, tudo muito limpinho, e prédios enormes completamente inadequados às características climáticas de Luanda, dando-lhe um cunho de cosmopolitismo que não tem nada a ver com a realidade.

Talvez esteja a emitir uma opinião leviana, porque não sei quem são os destinatários do vídeo, agora de uma coisa tenho a certeza, aquela Luanda só existe mesmo em filme promocional, e nalguns aspectos até é bom que fique só por aí.

Nota-se contudo algum desenvolvimento no promocional o que é sintoma de mudança, imitando por exemplo Espanha e Portugal que oferecem praias desertas nos seus cartazes turísticos, tiram as fotos a extensos areais em dias solarengos de inverno, com as praias naturalmente vazias. Se lá formos no Verão nem local há para estender a toalha!

Entretanto alegremente vou trauteando :“Foi em Fevereiro/No dia quatro/ sessenta e um/ Angola existe/ Povo há só um “ José Afonso (1929-1987)

Fernando Pereira

30/1/2011

Angola 61 / Novo Jornal / Luanda / 4-2-2011





Quando comemoramos os cinquenta anos dos acontecimentos do 4 de Fevereiro de 1961, chega-nos à mão um livro de dois autores portugueses que tentam fazer um trabalho sério sobre as circunstancias que levaram à eclosão do quatro de Fevereiro e as razões próximas da mobilização dos participantes e organizadores do movimento que muitos já apelidaram de “princípio do fim do colonialismo português”.
Tenho que confessar que li o livro a correr, pois só no início desta semana me chegou às mãos, e urgia que este trabalho surgisse na edição comemorativa do 4 de Fevereiro de 1961 neste Novo Jornal de 4 /2/2011. Ficam antecipadamente algumas desculpas por alguma “ligeireza” na abordagem à obra da professora Dr.ª Dalila Cabrita Mateus e de seu marido Dr. Álvaro Mateus, sobre alguns comentários ao “Angola 61”.
Quero fazer também uma prévia declaração de interesses, e que assenta sobretudo no facto de conhecer e divulgar a obra da Dra. Dalila Cabrita Mateus, de enorme interesse para aumentar o acervo documental da história colonial. Os seus livros são importantes, podendo eventualmente eu ou outros acharmos que há incorrecções a exigirem ser reparadas, mas a realidade é que nos confrontamos com trabalhos académicos sérios, coerentes e fruto de muito trabalho de investigação e pesquisa.
Posso por vezes não gostar que a história fosse como ela é descrita, posso colocar dúvidas em relação a alguns relatos e posicionamentos marcados pela ainda proximidade dos acontecimentos, mas o que não devo é questionar com afirmações avulsas um trabalho científico.
Por tudo isso acho assertiva a citação de Alexandre Herculano (1810-1877) na introdução do livro “Angola 61” da Texto Editora acabado de sair para as livrarias: “O patriotismo pode inspirar a poesia; pode aviventar o estilo; mas é péssimo conselheiro para o historiador. Quantas vezes, levado de tão mau guia, ele vê os factos através do prisma das preocupações nacionais, e nem sequer suspeita que o mundo se rirá, não só dele, o que pouco importara, mas também da credulidade e ignorância do seu país, o qual desonrou, crendo exaltá-lo! […] Caluniadores involuntários do seu país são aqueles que imaginam estar vinculada a reputação dos antepassados a sucessos ou vãos, ou engrandecidos com particularidades não provadas nem prováveis”.

A fase inicial do ” Angola 61” começa por ser um livro de temas recorrentes na história contemporânea do Portugal colonial e convenhamos não é supletiva a um conjunto de trabalhos de outros historiadores e aqui posso colocar Pedro Ramos de Almeida, Armando de Castro, Sousa Ferreira, Gerald Bender, e mais recentemente alguns jovens doutorados como por exemplo Fernando Tavares Pimenta, Cláudia Castelo e Julião Soares de Sousa.
Apesar do contexto do 4 de Fevereiro de 1961, o livro ignora os desmandos da primeira Republica e da sua figura marcante, Norton de Matos, idolatrado por uma franja significativa de colonos da média burguesia com interesses instalados na colónia. O salazarismo aumentou a repressão, privilegiou as relações com a igreja através da adenda à Concordata entre Portugal e a Santa Sé, através do Acordo Missionário.
Pode parecer despiciendo abordar isto, mas julgo que a influência das missões protestantes na mobilização dos guerrilheiros na eclosão dos acontecimentos de 1961 era capaz de merecer maior detalhe.
À data de 4 de Fevereiro de 1961, o governador-geral era Silva Tavares um juiz de carreira politicamente cinzento como convinha a Salazar é substituído por Venâncio Deslandes, provavelmente o mais prestigiado militar das forças armadas portuguesas. Do que leio no livro partilho a opinião dos autores em relação à figura camaleónica de Adriano Moreira, que substitui Lopes Alves no ministério das colónias, e que entra em rota de colisão com Deslandes. Este general da força aérea, figura prestigiada do regime, não se coíbe de dar as opiniões a Salazar, que “manholas” como sempre foi , vai-se aquecendo na fogueira ateada pelas faíscas das opções e dos egos dos dois governantes. As vicissitudes de muito do que aconteceu nesse longínquo 61, acabaram por permitir que Salazar numa atitude de feitor de quintal se visse livrem dos dois quando as circunstâncias militares começaram a ter outro rumo. Deslandes, quando disse que tinha sobre a sua “direcção o maior efectivo de sempre das forças armadas portuguesas na sua história”, e que “essa teoria do Portugal de Minho a Timor era uma figura de retórica”, para além de pedir uma Universidade para Angola, e dizer que Angola e o Minho não tinham nada a ver uma coisa com outra foi cavando a sua sepultura política, perante o olhar embevecido de Adriano Moreira que acabou por ser pontapeado também por Salazar, quase na mesma oportunidade; De delfim do “Botas” cova foi um ápice!
O livro tem muita documentação e fundamenta de com verosimilhança um conjunto de relatos sustentando alguma opinião que apesar de tudo contraria algo oficial em Angola sobre o 4 de Fevereiro de 1961. Percebo a coerência política das autoridades angolanas em relação ao que foi o 4 de Fevereiro de 1961, mas também é de enorme utilidade que comecem a aparecer trabalhos como este que possam de certa forma incentivar ao estudo dos acontecimentos determinantes na história do nosso País.
O livro, que me pareceu interessante parece-me apesar de tudo limitado, o que também me prevalecer em Dalila e Álvaro Mateus cingirem-se a muita documentação que existe em Portugal, mas que deveria ser complementada com relatórios que provavelmente estão no “Hotel Miradouro”, como era conhecida a sede da PIDE em Luanda na rua do Balão.
Acho que os historiadores angolanos devem ser estimulados a fazerem trabalhos destes, para depois não ficarmos na situação algo embaraçante de termos que dizer “nós é que cá estivemos” ou “nós é que sabemos”.Este livro embora com omissões é mais um desafio aos licenciados angolanos, e quiçá mesmo a empresas e fundações para criarem condições para a execução de trabalhos científicos de qualidade que possam ombrear com o que tenho à minha frente, e que prometo voltar em ulteriores oportunidades.
Não sou historiador e por conseguinte posso estar a especular sobre alguns detalhes que não terão relevância histórica nenhuma, mas na leitura que fiz do livro Angola 61 e recordado algumas conversas que tive com Rebocho Vaz, vizinho e amigo de meus pais em Coimbra e baseando-me no que escreveu num livro publicado em 1993 –“ Norte de Angola/1961 A Verdade e os Mitos”, há algo que como se diz em bom português não bate a “bota com a perdigota”, no que concerne à Baixa de Cassange. Penso que devia ter sido dado um maior enfoque ao trabalho de Eduardo dos Santos, nomeadamente o seu livro “Maza”, editado pela AGU.
Há todo um conjunto de artigos e alguns livros saídos agora sobre o desvio da Santa Maria” que provavelmente mereceriam que se fizesse alguma ligação, de forma a acabar de vez com mitos construídos e desconstruídos conforme a oportunidade do seu aproveitamento para circunstâncias diferentes.
Aqui há dois anos tive oportunidade de ler o livro de Frederico Delgado Rosa sobre o seu avô, o general Humberto Delgado e que tem revelações que teriam sido úteis, numa visão aportuguesada do livro Angola 61, que é objectivamente mais importante para Portugal que para Angola. Ainda sobre isto e não querendo andar com os panegíricos do regime tipo Amândio Cesar, Horácio Caio, Falcato, Alves Pinheiro, Amadeu Ferreira, Barão da Cunha, Diamantino Faria, João Simões, Artur Maciel, Pedro Pires, Hélio Felgas, Carlos Alves, Borja Santos, e quejandos, acho que se deveria aprofundar o factor insurreccional iniciado em 1961 com a leitura de muito depoimento de gente que foi para Angola por perseguição política, e aqui lembro entre muitos os exemplos de Antero Gonçalves, com um livro de 1965 “O Norte de Angola” e de João Garcia sobre o “ Quitexe” de 2000, que deixaram depoimentos interessantíssimos sobre o que politicamente se passava nas suas bualas e à volta, fora do contexto urbano da cidade capital.
Acho que a professora Dra. Dalila Cabrita Mateus tem cumprido cabalmente o seu propósito de investigar e simultaneamente oferecer trabalhos de grande qualidade científica, mesmo quando pontualmente estou em desacordo. O que não devemos, e aqui repito-o, é vilipendiar a autora porque tem opiniões cientificamente alicerçadas em documentos e depoimentos que contrariam convicções suportadas por opções ideológicas fabricadas em tempos que era necessário fazer-se força com base em verdades, que nalguns casos se revelaram falácias.
Acho o Angola 61 um livro interessante, a que voltarei quando o puder ler com calma, e só me cumpre agradecer aos autores, pelo menos a possibilidade de discordar com algumas opiniões que por lá andam, mas isso já justifica eu ter que ler e documentar-me bem para ripostar.
Pelo que ouvi dos autores era possível que este livro fosse polémico em Angola, mas julgo que não o será porque infelizmente quem se interessaria por levantar essa polémica está no seu cantinho a tratar da vidinha. Se o contrário acontecer, é muito bom, porque só se desenvolvem ideias com polémica assente em pressupostos de seriedade, respeito e tolerância pela diversidade.
Já agora, talvez a despropósito, há um outro Angola 61, já com uns aninhos de Rocha de Sousa, da Contexto que é um quase romance excelente, sobre a guerra colonial.

Fernando Pereira
2/2/2011

29 de janeiro de 2011

“Os Comediantes” Ágora/ Novo Jornal/ Luanda /29-1-2011




O regresso recente de “Baby Doc” ao Haiti, fez-me recordar “Os Comediantes”, um dos livros de um percurso literário de um dos mais multifacetados jornalistas do século XX, Graham Greene (1904-1991).
O pano de fundo dos “Comediantes” é o Haiti do sanguinário “Papa Doc”, alcunha de François Duvalier, que governou em ditadura o País entre 1957 e 1971.
Já Jean Bernard Aristide, padre, antigo opositor à ditadura dos Duvalier, que sofreu as agruras dos torcionários do regime haitiano, os “tontons macoutes”, e que depois de ocupar a presidência decidiu esquecer toda a sua verborreia revolucionária e as suas convicções católicas para robustecer as suas contas bancárias, escapando da ira da população para um exílio dourado. Parece que o Haiti vai continuar a ter que viver com esta tralha toda, que reaparecem com enorme espírito de missão pois já que sabem que há hipóteses de uns trocos avultados para a reconstrução de um País, que tudo de mal lhe acontece, e nem o vudu consegue dar a tranquilidade aos seus habitantes que vegetam e que lideram as piores classificações do mundo no que aos números do desenvolvimento, cuidados primários de saude e qualidade de vida dizem respeito.
Porque a história de Brown, dono de um hotel em Port-au-Prince, o Trianon, onde se cruzam a senhora Pinheda, o casal vegetariano Smith e Jones o golpista inglês, é a trama deste “Comediantes”que se desenvolve nas mais bizarras situações. Um Haiti sombrio, mas com muitos óculos escuros dá-nos um enredo parecido aos que pontualmente tenha assistindo noutros lugares, particularmente no nosso País.
Saiu recentemente em Portugal o livro “Eu roubei o Santa Maria” do luso galego Jorge Soutomaior, nome de guerra do activista José Fernandez Vasquez, comandante do DRIL pelo lado espanhol, que em determinada altura dos acontecimentos entrou em rota de colisão com Henrique Galvão (1895-1970).
Henrique Galvão no livro “ O Assalto ao Santa Maria”, da colecção Compasso do Tempo, editado pela Delfos em 1973, omite algumas das muitas revelações do livro de Soutomaior, provavelmente por razões que se prendiam com a tentativa de liderança formal de uma chefia bicéfala que constituía o DRIL (Directório Revolucionário Ibérico de Libertação), e seguramente pelas características militaristas e profundamente radicais de direita do major Galvão.
Uma das revelações do livro de Soutomaior é assumidamente a opção Angola, e Fernando Pó (hoje Guiné Equatorial, então colónia espanhola), o que não cola exactamente com o que diz Galvão que falava de Fernando Pó e S. Tomé e Príncipe, onde se iriam arranjar reforços para um assalto em Luanda, que já estaria a ser preparado, e que era nem mais nem menos que o 4 de Fevereiro de 1961.
Visto a esta distância, consultados os livros, a imprensa da época, a emoção dos discursos do Salazar, os depoimentos de alguns intervenientes e passageiros do paquete não deixamos de pensar nalgum quixotismo da operação apesar dos incipientes meios de defesa das colónias portuguesas e espanholas em África nesse longínquo dealbar dos anos 60.
O que de certa forma me deixa perplexo é haver pessoas, curiosamente não intervenientes no 4 de Fevereiro de 1961, há cinquenta anos que questionam em Angola a relação entre este mediático acontecimento e o surgimento do que se convencionou historicamente chamar o início da luta armada no País.
Houve necessidade de explorar mediaticamente a “operação Dulcineia” a favor de uma qualquer movimentação que estava em marcha em Luanda, de forma a libertar os presos políticos angolanos que se encontravam em S. Paulo, no Penedo ou na unidade móvel nº7, e isso é um dado incontornável.
Luanda estava pejada de jornalistas, alguns ainda saídos da refrega no Congo, e não havia melhor publicidade que um levantamento pela libertação de presos que se afirmaram capazes de lutar contra o colonialismo vigente.
O livro de Soutomaior deixa de forma evidente que terá havido contactos, ainda que ténues para que se fizesse qualquer coisa em Luanda. Não fala de nomes, mas não deixa de criticar H. Galvão, que nunca deixou de manter a sua auréola de ideólogo colonialista. Galvão foi governador da Huila, comissário das exposições coloniais, deputado por Angola, escritor que deu tributos brilhantes sobre a flora e fauna africana. Denunciou na Assembleia Nacional fascista o tratamento infligido aos angolanos no decurso do “contrato”, e aí passou a ser um inimigo do regime que o prendeu no Aljube durante oito anos, findos os quais conseguiu fugir e exilar-se na embaixada argentina em Lisboa, iniciando uma luta sem quartel contra Salazar, tornando-se o primeiro homem a desviar um avião no mundo por razões políticas.
Cinquenta anos depois do 4 de Fevereiro de 1961 devemo-nos dedicar mais à história e fazer menos histórias mesmo que sejam quase ao bom nível do Graham Greene, o que é muito difícil.
Fernando Pereira
26/1/2011

21 de janeiro de 2011

"LUBITO"/Ágora/ Novo Jornal / Luanda 21-1-2011




A maioria de uma minoria que me vai lendo neste espaço põe muitas reservas a vários assuntos aqui colocados não sendo mais acutilantes na crítica, porque provavelmente dá-lhes imenso trabalho contestar. Começa a ser normal!


Aqui há tempos ouvi uma história verosímil sobre a avenida Deolinda Rodrigues, em que o interveniente era um diplomata português de visita a Luanda.”Ela nasceu cá?”, ao ver a placa não deixou de manifestar a sua perplexidade por ver o “nome da fadista dado a uma rua” pois “ela era boa fadista mas nada comparável com a Amália Rodrigues”. O que posso dizer é que há testemunhas desta conversa, que foi sem ponta de ironia!

Acabei de ler “Um cesto de cerejas”, um livro magnífico do arquitecto Francisco Castro Rodrigues, editado pela Fundação Mário Dionísio e infelizmente pouco acessível no circuito comercial normal.

Julgo que é um trabalho obrigatório para ser lido por qualquer arquitecto angolano ou estrangeiro a trabalhar em Angola ou qualquer pessoa que se interesse pelo desenvolvimento dos últimos sessenta anos do “Lubito”, cidade com pouco menos de cento e vinte de existência.

Uma obra apaixonante numa linguagem directa, com fotos interessantíssimas, mapas e assertiva quanto às opções que tiveram que ser tomadas, mesmo numa luta desigual contra os interesses instalados do Caminho de Ferro de Benguela e outros menores mas não menos incomodativos e impeditivos.

Francisco Castro Rodrigues fala sem tibiezas, sem procurar poupar inimigos de estimação na defesa intransigente da edificação de uma cidade para angolanos. A sua luta contra o fascismo em Portugal obrigou-o a procurar o “Lubito” no dealbar dos anos 50, onde iniciou uma nova luta contra o colonialismo, lutando simultaneamente contra alguns projectos peregrinos de independência à Ian Smith. Toda esta luta valeu-lhe a cadeia, a não promoção na carreira, para além da proibição de deixar o território, mesmo para receber um prémio de arquitectura no Brasil nos anos 60, pelo mérito indiscutível da sua obra.

No meio de um episódio rocambolesco da saída do “Lubito”, de forma a evitar a perseguição pelas hordas da UNITA, regressa passado um ano e mantêm-se de forma empenhada na sua cidade de sempre que só larga em 1988, impostas pela saúde debilitada da sua companheira de sempre, Maria de Lurdes, falecida uns anos mais tarde já em Azenhas do Mar, onde o Castro Rodrigues se instala e continua a trabalhar no património que deu corpo ao “Museu do Neo-Realismo” em Vila Franca de Xira.

Não podemos andar no “Lubito” sem nos depararmos com a marca de Francisco Castro Rodrigues, e por isso acho da mais elementar justiça que a toponímia da cidade destaque o seu nome. As Portas do Mar, o edifício Universal, a Colina da Saudade, a Casa do Sol, o Liceu Saydi Mingas, o Cine Flamingo, as actuais instalações da Universidade Lusíada o silo-auto da Casa Americana, a reconversão do Tamariz, o Mercado Municipal, a urbanização do Alto Liro, da Bela Vista, o obelisco da entrada, o edifício da aerogare, diversas esculturas, enfim uma cidade com a marca de um verdadeiro arquitecto de muito boas vontades, ideologicamente bem formado, com práticas politicas circunstancialmente discutíveis, mas acima de tudo um homem que serviu o “Lubito” com genialidade, sem pedir em troca o que quer que fosse.

No Sumbe avultam obras suas como por exemplo a catedral, inovadora na concepção e materiais utilizados, os Paços do Concelho e muitas obras particulares principalmente para a família Seixas, os grandes homens do café da região do Amboim no tempo colonial.

Este livro é quase a história do “Lubito”, um guia indispensável para os nados e estabelecidos na terra, para não deixar que certos erros em tempos combatidos sejam novamente postos em execução por falta de “sangue na guelra” dos novos habitantes, que devem fazer jus às lutas dos antecessores.

Conheço o Lobito quase desde que me conheço e quando li este livro foi um desfiar de imagens, histórias e ideias dos tempos em que na varanda dos sapalões ouvia as conversas dos mais velhos sobre o que fazer do “Lubito”.

Um abraço enorme de agradecimento ao Francisco Castro Rodrigues e a Eduarda Dionísio, minha professora no Liceu Camões em Lisboa no fim dos anos 60, que sei que o “intimou” a responder-lhe às perguntas neste magnífico “Cesto de Cerejas”.

Leiam se quiserem saber porque se devia dizer “Lubito” e não Lobito!

Desculpem o OBRIGATÓRIO LER!



Fernando Pereira

17/1/2011
Related Posts with Thumbnails