2 de maio de 2009

Os sobrados em Luanda (II)/ Ágora/Novo Jornal / Luanda 17-04-09






Luanda era no virar do século uma cidadezinha costeira, que sempre me deixa algumas interrogações sobre o seu crescimento, pois a água rareava, ainda hoje sucede, e é das poucas cidades africanas que não está nas margens de um rio.
A cidade alta era constituída com a referência do Palácio do Governador, Episcopado, Misericórdia e um ou outro serviço publico. Porque era a zona dos funcionários e do clero, não era um local onde houvesse muito comércio, embora houvesse casas notáveis, que hoje vão ameaçando ruína.
Caracterizavam-se por terem grandes portas, divisões de tetos altos e janelas muito grandes, com curiosas bandeiras como decoração. Todas as divisões tinham ligação entre si, e o primeiro andar, que era a parte mais importante da casa, tinha um chão feito de madeiras de excelente qualidade. A construção era de pedra e paredes grossas, de forma a torná-las mais frescas. O piso térreo era para arrumos, e local onde viviam os serviçais.
Eram particularmente “cochichados” as festas e as suas incidências no “Jardim da Cidade Alta”, apenas acessíveis aos que estivessem na “boa conta do governador ou do clero regular”.
Com o crescimento da burguesia de origem portuguesa, na baixa de Luanda, no que outrora foi a rua Salvador Correia, hoje rainha N´Zinga, aliada a uma legislação racista, na tentativa de copiar a política britânica de Cecil Rhodes, as grandes famílias de Luanda entram em agonia, pois perdem influência económica, e é-lhe retirado de uma forma algo soes, muitos terrenos e propriedades, conseguidas por negócios e casamentos de conveniência, algo que era normal ao tempo, em Portugal e colónias.
Faço aqui um pequeno intervalo, para referir que no recente livro sobre o Dr. Eugénio Ferreira,” Um Cabouqueiro da Angolanidade”, nos documentos lá colocados por seus filhos, fala-se que por exemplo a “família Assis” era dona de terrenos que iam da “Exposição Feira” ao Cacuaco, e por não estarem registados foram-lhes todos tirados pelas autoridades coloniais.
A verdade é que a partir de certa altura só a burguesia mercantil luandense, que já tinha o privilégio de eleger um deputado às cortes, passou a deter a presidência da Câmara Municipal, inerentemente dominava a comissão de recenseamento eleitoral. Claro que todas as famílias tradicionais de Luanda eclipsaram-se, e justificadamente começaram a aparecer os primeiros focos de indignação tendo a germinado um ideal de autonomia, e independência em relação a Portugal.
A burguesia mercantil do fim do século XIX em Luanda, acantonava-se junto à baia, pois era aí que pulsava a vida económica da cidade, que era limitada pelas Ingombotas, um muceque, para onde foram empurrados os serviçais numa primeira fase de crescimento da cidade.
A Rua da Alfandega, a “Salvador Correia” eram o centro do comércio e também do bom gosto das casas de Luanda ao tempo. Com um piso térreo para charretes, loja, armazém, deixavam o primeiro andar para a família do proprietário, que em grandes salões, caiados de branco, com tecto altíssimo e nalguns casos trabalhado, viam-se “boas baixelas de prata, mobília importada do Brasil ou de Boston, o dourado dos espelhos suspensos sobre a consola, charões ricos sobre pedras de mármore e, recolhido no bojo do imponente aparador , lá estava o aparelho de louça inglesa, de tons leitos e aristocráticos” (George Tams in Visita às possessões portuguezas na costa occidental de África).
Vivia-se calmamente Luanda, com alguma cultura à mistura, pois importavam-se livros directamente de França e da Alemanha, em valores que eram interessantes para a época, e as pessoas cultivavam a musica e tinham algum cuidado no vestir, pois se virmos facturas da época, tecidos finíssimos de Paris, boquilhas, bengalas com cabos de prata, cachimbos, alfinetes de peito, brinquedos e perfumes, provava que alguém os comprava e consequentemente utilizava.
Com o deixar cair da “Cidade do Sobrado”, a Luanda de hoje só faz um favor ao colonialismo de mentalidade serôdia, que é o de deitar abaixo tudo que transpire a “antiguidade”. Em lugar das velhas casas da Luanda que respirava, vamos vendo novos E15s (prédios de habitação social construídas por cubanos no dealbar da independência, que tinham um projecto igual ao que fizeram noutros lugares do mundo e até em Havana).
São mais envidraçados, consequentemente pior para o ambiente, e de facto só conseguem tornar a cidade a rever-se cada vez menos em si própria, e já é inútil pedir muito mais, mas pelo menos tirem fotos ao que ainda está de pé para memória futura.

No "Novo Jornal" de 15 de Maio de 2009, foi publicado uma extensa carta sobre o artigo, por parte do Engº Aires de Menezes Assis, que transcrevo na integra:
Exm.º Sr. Fernando Pereira


Tendo lido a sua coluna, ÁGORA, do
Novo Jornal, do dia 17/04/09, cujo título
é “Sobrados de Luanda II”, e não
concordando com o modo como são
lá abordadas algumas das questões
que dela fazem parte, venho por meio
desta tecer alguns comentários, relativamente
ao pouco que sei sobre as
mesmas. Sei que este texto é bastante
grande para uma só edição, mas agradecia
que o publicassem, na sua totalidade,
mesmo que de forma repartida.
- Segundo, Jared Diamond, antropólogo
Norte-Americano que publicou
uma obra bastante interessante, ”Armas,
Germes e Aço - Os destinos das
Sociedades Humanas” – Editora Relógio
de Água, das quatro (4) grandes
descobertas da humanidade, o fogo, a
agricultura, a roda e a escrita, os povos
bantus desconheciam as duas últimas
e só delas tomaram conhecimento,
com a chegada dos colonizadores
europeus. Só começaram a utilizá-las
muitos anos após essa chegada e por
influência destes. Isso não significa
que não contassem a tradição oral, os
acordos e leis verbais, que tinham mais
valor que qualquer papel escrito que se
começou a utilizar por imposição dos
mesmos, para seu proveito.
Foi o que aconteceu com os terrenos da
família Assis, que iam desde a “exposição
feira” (zona a que hoje corresponde
o bairro designado por Miramar) até
ao Cacuaco e que por não estarem registados,
lhes foram retirados.
A minha avó paterna contou-me algumas
vezes que o meu trisavô António
Diogo de Assis, homem do primeiro
quartel do Séc. XIX, era dono de um
grande terreno nessa zona.
Facto relevante, relativamente ao que
atrás foi escrito, é eu julgar só ter começado
a ser prática corrente, o registo
de propriedades e o pagamento de
impostos sobre vendas e aquisições,
em meados do Séc. XIX, como por
exemplo a compra que a minha bisavó
paterna fez da casa onde nasceu o meu
pai, cujo ano de registo é o de 1899 e
que tem uma das primeiras matrizes
prediais da Repartição de Finanças da
área onde está localizada.
Porém, a prática de esbulho de propriedades
por parte das autoridades coloniais,
às famílias tradicionais e não só,
também ocorria quando existiam documentos
que comprovavam a posse
das mesmas. Um desses exemplos
ocorreu com os terrenos que correspondem
hoje à zona da tourada, cujos
proprietários eram entre outros o meu
avô paterno, António de Assis Júnior
e Fernando Vieira Dias, e que nos primeiros
anos da década de 50 lhes foram
retirados por razões de interesse
público, (julgo ser esta a designação)
para se construírem os quartéis para
o exército português. Quando o primeiro
fez a reclamação junto das instâncias
competentes, comunicaram-
-lhe, que por ter prescrito o prazo para
a apresentação da reclamação, já não
era possível recorrer.
Quando escreve que, “claro que todas
as famílias tradicionais de Luanda se
eclipsaram, e que justificadamente começaram
a aparecer os primeiros focos
de indignação”, não estou de acordo
com a frase, pelas razões que a seguir
exponho: quando se dá a instauração
da República em Portugal, as leis e práticas
das autoridades coloniais endureceram
para com essas famílias, como
por exemplo, obrigando muitas delas
a mudarem-se das suas propriedades,
onde habitavam há décadas, para zonas
mais distantes, alegando a falta de
documentação relativa às mesmas como
aconteceu da zona da Ingombota
para o Bairro Operário. Mais do que
gerarem indignação despertaram, em
alguns elementos dessas famílias que
tinham atingido a idade adulta nessa
altura, o “ “cabouqueirismo” da angolanidade”
e não noutros, que para
além de serem uma ou duas gerações
mais novos, não são referidos nas primeiras
manifestações desse “cabouqueirismo”,
já publicadas por alguns
autores ou narradas pela tradição oral.
Exemplos disso, são :
A história que me foi contada algumas
vezes pelo meu pai, sobre a visita, em
1907, do Príncipe Herdeiro Luís Filipe
às colónias da Guiné, São Tomé e Angola,
visita esta documentada no romance
“EQUADOR” de Miguel Sousa
Tavares, tendo-se esboçado um plano
para o rapto do Príncipe, quando este
desembarcasse em Luanda. O resgate
para a libertação do mesmo seria a Independência
de Angola.

Tendo havido uma denúncia, antes
da chegada do navio relativamente a
esse plano, o Príncipe desembarcou
não com o seu traje de cerimónia, mas
com um traje de marujo e no meio dos
marujos o que fez com que passasse
despercebido, inviabilizando o plano.
O meu avô António de Assis Júnior, na
altura com trinta anos, (1877-1960)
participou neste plano.
Relativamente a António de Assis Júnior,
por tudo aquilo que tenho lido
e me tem sido transmitido sobre ele,
posso afirmar, sem equívoco, que terá
sido o líder político angolano da primeira
metade do século XX, tendo sido
escritor, jornalista e advogado.
Leiam-se a seguir alguns dos exemplos
que sustentam esta afirmação.
Foi considerado o primeiro romancista
angolano, com a obra “O Segredo
da Morta”. Para além disso, publicou
também o “Relato dos acontecimentos
de Dala Tando e Lucala” , um Dicionário-
Gramática de Kimbundu-Português,
um livro de contos “Histórias de
Ngana Eusébio” existindo também,
embora só em fichas, um Dicionário-
Gramática de Português-Kimbundu.
Devido à falta de advogados na colónia,
nos finais do séc. XIX, início do
séc. XX, as autoridades da altura licenciaram
algumas pessoas, após um
exame, para exercerem advocacia. Ele
foi uma dessas pessoas. Foi também
durante alguns anos o Director do periódico
“O Angolense”.
Foi na qualidade de advogado que:
- defendeu os camponeses na revolta
dos Dembos de 1911, devido às condições
de trabalho a que eram submetidos,
o que resultou na sua primeira
prisão ( foi-me relatado pelo meu
pai);
- defendeu, também, enquanto procurador
judicial na comarca do Golungo
Alto, (1917), os proprietários
de terras que estavam a ser roubadas
pelos colonos. Estava-se no início
da era do cultivo de café que gerava
grandes fortunas. Dizia aos seus
constituintes que deviam defender as
terras com tudo o que tivessem para
isso, porque elas eram o legado dos
seus antepassados. Daí resultou a sua
segunda prisão por parte das autoridades
coloniais, o envio para a fortaleza
de São Miguel onde esteve alguns
meses e em seguida o desterro para o
Cuito-Cuanavale. Com ele estiveram
também presos, entre outros, Domingos
van-Dúnem, Manuel Correia Vítor,
Agostinho Aleixo da Palma. Este
episódio foi por ele narrado no livro
“Relato dos acontecimentos de Dala
Tando e Lucala”;
- defendeu, enquanto também Director
do Periódico “O Angolense” os
camponeses de Catete, na altura com
44 anos (1922), que se revoltaram
contra os castigos corporais, prisões
arbitrárias, trabalho obrigatório por
cinquenta e dois (52) dias em casas
de particulares, pelo aumento de salário
devido ao facto de só receberem
vinte centavos diários pela recolha de
algodão ou pelo trabalho nas estradas
e pela abolição do pagamento do
imposto indígena a crianças de dez e
doze anos de idade. Na altura deslocaram-
se a Luanda cerca de sessenta
camponeses que dormiram em sua
casa, no actual Largo do Atlético (ex-
-Largo Luís Lopes de Sequeira). O resultado
dessa revolta foi a sua prisão
pela terceira vez, novamente na fortaleza
de São Miguel, a extinção da Liga
Angolana, cujo presidente na altura
era Manuel Inácio dos Santos Torres,
a suspensão do periódico “O Angolense”
e o encerramento da tipografia
Mamã Tita Lda. onde o mesmo era impresso
(na altura o administrador do
Jornal e da tipografia, e julgo eu seu
proprietário, era Manuel Pereira dos
Santos Van-Duném Júnior, também
membro da Liga), que segundo o auto,
não tinham sido estranhos a esses
acontecimentos. Este resumo foi extraído
do processo da Administração
do Concelho de Luanda nº 293, caixa
nº 2896 que se encontra no Arquivo
Histórico Nacional. É curioso que actualmente
existe em Luanda um “Semanário
Angolense” que é impresso
numa tipografia que também tem o
nome de Mamã Tita. Contudo, o primeiro
jornal “O Angolense” foi aquele
que existiu em Lunada no final do
Sec. XIX e para além dos três já citados
no final dos anos anos sessenta existiu
em Luanda um outro jornal “O Angolense“.
Pela ordem cronológica, “O
Angolense” do final do Sec. XIX, foi o
“cabouco/sapata/fundação” da angolanidade,
o dos anos 20 o “pilar”, o
dos anos 60 a “viga” e o actual a “placa”.
Continua
Aires Menezes de Assis
Engenheiro Mecânico - Pós-Graduado

Segundo o meu pai, jornalista de
“O Angolense”, contribuiu através
dos seus editoriais para a defesa dos
mais desfavorecidos e contra as injustiças.
A sua exaltação às autoridades
pela não existência de um Liceu
em Angola, de modo a evitar-se
que os “filhos da terra” não pudessem
prosseguir os seus estudos secundários
por limitações financeiras
ou dela sair para os prosseguirem em
Portugal, contribuiu para a criação do
Liceu Salvador Correia, em 1919. Entre
os anos de 1915 e 1919, todos os
domingos escrevia uma coluna sobre
cultura angolana, que tinha bastante
aceitação por parte dos citadinos da
capital; Nos últimos anos da sua vida,
foi professor de Kimbundo, na Escola
Superior Colonial em Lisboa.
Outro dos exemplos de ”cabouqueirismo”
da Angolanidade”, são:
- A fundação da Liga Angolana, em
1913, em cuja cerimónia de inauguração
esteve presente o Alto Comissário,
Coronel Norton de Matos e cujos
membros fundadores foram:
- António de Assis Júnior – sócio nº 1
e seu primeiro presidente;
- Gervásio Ferreira Viana – (pai do advogado
Gentil Viana);
- Manuel Inácio dos Santos Torres;
- Fernando Torres Vieira Dias;
- José Cristino Pinto de Andrade –
pai, entre outros, do Dr. Mário Pinto
de Andrade, (membro do 1º Comité
Director do MPLA, fundador, em Connakry
- 1960) e do Dr. Joaquim Pinto
de Andrade, que foi presidente honorário
do MPLA;
- A fundação do clube Atlético Clube
de Luanda em 1924, como consequência
de não terem deixado negros
inscreverem-se no Clube Naval de Luanda.
Neste caso, para além de ser um
dos seus, julgo que vinte e nove ou
mais fundadores, o nome de todos
eles foi lido em Abril de 2007 quando
se inaugurou a sede do Clube Atlético
de Luanda e Saudade, António de Assis
Júnior cedeu, o R/C da casa onde
morava para Sede do Clube e uma parte
do seu terreno, nos Coqueiros, que
foi o local onde até ao início da década
de 60 do séc. XX tinham lugar as actividades
desportivas do clube ”o quintal”.
Com a sua morte em Março de
1960, venderam o terreno, e o Atlético
mudou-se para a estrada de Catete.
No lugar dos coqueiros onde se situava
a casa do meu avô e o Atlético foram
construídos em finais da década
de 60 vários prédios, um deles o prédio
Assis, que ainda lá está.
A António de Assis Júnior foi dado pela
Câmara Municipal de Luanda, em
1972, o nome de uma rua, no Bairro
de Alvalade, onde só havia nomes
de escritores, na quarta transversal à
direita de quem desce a Rua Marien
Ngouabi (ex-António Barroso), em
cuja placa, para além do nome estava
escrito “Jornalista e Escritor. Séc.
XIX E XX”, assim também como ao
meu avô materno, o médico-cirurgião
Aires de Menezes, (cujo nome também
foi dado a outra rua de Luanda,
que é uma transversal à já atrás citada
Rua Marien Ngouabi, na altura em
que Mendes de Carvalho era Comissário
Provincial de Luanda). Mário Pinto
de Andrade, no seu livro “Origens
do Nacionalismo Africano” da Dom
Quixote, denominou os dois como os
maiores vultos do Proto-Nacionalismo
Africano das colónias portuguesas.
Uma prova de que nós não nos eclipsámos
é que os descendentes desses
homens continuaram a honrar os seus
apelidos, como:
- Médico(a)s (como por exemplo
Américo de Assis Boavida, o único licenciado
que morreu em combate na
luta de libertação nacional ou Hugo
Azancot de Menezes, filho do já citado
Aires de Menezes, o primeiro das
colónias portuguesas a chegar a Connacry
em 1959 e que se responsabilizou
perante Seku Touré por todos os
outros que por aí passaram nessa altura,
tendo-os inclusivamente apoiado
financeiramente, membro do 1º
Comité Director do MPLA, fundador,
em Connakry), advogado(a)s (como
por exemplo Diógenes de Assis Boavida,
o primeiro negro licenciado em
direito em Angola), engenheiro(a)
s (como por exemplo Licínio, António
Faria de Assis, que era o Director
Técnico da CUCA do Huambo, em
1971, quando uma das suas cervejas
foi premiada com a medalha de ouro
na sua categoria num concurso internacional
na Suiça ou a sua irmã Albina),
directores de Finanças, funcionários
superiores do funcionalismo
público, professore(a)s, escritore(a)
s, artistas, enfermeiro(a)s, atletas,
músico(a)s (como por exemplo
o “Trio Musical Assis”, formado por
Guilherme, Mário Alberto, mais tarde
médico e Fernando, mais tarde economista.
Quando Armandinho, que
segundo Carlos do Carmo, o expoente
máximo da guitarra portuguesa no
fado, nos anos 40 esteve em Luanda,
Guilherme acompanhou-o à viola,
tendo sido dele, em 1948, a primeira
guitarra eléctrica em Angola. Carlos
Aniceto “Liceu” Vieira Dias, Euclides
Fontes Pereira, Carlitos Vieira Dias,
Rui Vieira Dias Mingas, Belita Palma,
Lili Tchumba, Lurdes Van-Duném,
Manuel Faria de Assis são alguns de
entre muitos outros).
Aires Menezes de Assis
Engenheiro Mecânico - Pós-Graduado
em Gestão Empresarial
Sobrados de luanda
(fim)

Nota:Sem querer polemizar, sobre algo em que estamos no essencial de acordo, cumpre-me apenas dizer a Aires Menezes de Assis, que agradeço a contribuição que deu para o tema do Ágora, pois há pormenores, ainda que individualizados, são relevantes para o assunto de que se fala.
Quero contudo salientar, que não fui eu que "falei" da família Assis, mas transcrevo de um livro sobre o Dr. Eugénio Ferreira, recentemente editado e à venda em Luanda com o subtítulo: " O cabouqueiro da angolanidade".
Cumpre-me também dizer que este trabalho é suportado documentalmente por vários trabalhos, alguns citados no texto e outros omitidos, de forma a não carregar demasiado o artigo, e para não ultrapassar os limites que os gráficos naturalmente impôem.
Posso dizer que escrever sobre este tema, surgiu-me já há algum tempo,depois de ter lido o trabalho da historiadora Maria João Martins, no nº1 da revista Camões.
Tendo em conta o que li do seu comentário, só posso ficar preocupado pela mensagem não ter chegado como desejaria, pois no essencial concordo com tudo que escreveu sobre o meu artigo, nem vendo tampouco dissonancias na abordagem ideológica comum.

Fernando Pereira 15/05/09

CARTA ABERTA A AIRES ASSIS
Fiquei bastante contente pela tua carta longa , em resposta ao artigo de Fernando Pereira sobre a questão dos terrenos de Luanda , contida no livro “ Um cabouqueiro da angolanidade “ . Entre o silêncio objectivo com mujimbos em várias áreas e a potencial discussão séria sobre o tema que essa tua carta aparenta encerrar , prefiro sempre discutir publica e acerrimamente se fôr necessário, à tradição cúmplice e indirecta e muito rodeante das pseudo- vergonhas de qualquer pessoa ou grupo se poder e se dever afirmar . A cronologia que descreves te, no geral , está correcta pois não é certamente por seres engenheiro e estares ligado às estruturas físicas que não te podem tirar o direito de teres uma opinião e veiculares o que é uma trajectória possível de 2 das principais famílias com poder económico – financeiro pre-capitalista , desde tempos anteriores ao nacionalismo que deu forma a Angola, como sabes formalmente iniciado nos anos 30 do século XX , por mais individualismos e grupismos anteriores tivessem despoletado : a família Vieira Dias – cujo mais importante actor social e económico tinha a veleidade do comboio da linha Luanda-Salazar, passar e parar na sua Fazenda no hinterland de Luanda ; e Assis - que tendo até nome de muceque em Luanda e, enquanto expoente máximo conhecido , teve António Assis Junior ,um dos homens da “ revolta de Dalatando e Lucala “ e dos “ mata –branco “ de 1917 , publicado não apenas pela União de Escritores Angolanos nos anos 80 , pela equipa liderada por José Luandino Vieira , embora já conhecido socialmente nos últimos anos da I República 1910 -1926 . Porque nada do que afirmas contraria o que é factualmente dito no livro “Cabouqueiro da Angolanidade“ e avançado por Fernando Pereira , pouco pode ser contestado sem investigação que transcenda a oralidade. No entanto , na transição violenta do tempo da honra e dos acordos verbais para as leis escritas e de mercado ,que se desencadearam em Luanda , muito fica por dizer quanto aos processos de aquisição por parte dos antigamente conhecidos por “ senhores feudais“ que tinham um relaciona mento social e político estreitíssimo com as práticas e a jurisprudência dominantes, articuladas formalmente , repito , formalmente , à existência de arimos , tra balho serviçal , tributos em género a colonos e naturais da terra com poder económico que constituíam a antiga “classe dominante “, chamada “crioula” por Mário António . O que revelas tem a ver apenas com o que são os interesses e uma certa forma de tentar refazer história , muito característica dos antigos do minadores que são ultrapassados pelo progresso tecnológico, económico e político , no caso concreto na transição de um sistema que o nacionalismo liberta dor classificou de escravocrata , depois trabalho forçado , discriminatório , etc. , e que mais não era , cientificamente , do que a transição violenta para o capitalismo , como em qualquer lado do mundo e atingindo , com maior ou menor vigor, as classes e segmentos sociais até aí dominantes e exploradores como a dos teus ascendentes . Como constatação simples ,é uma ideologia que está nos antipodas do que foram os radicais defensores de um mundo mais justo e de de fesa dos mais explorados que trabalhavam quotidianamente ao serviço dos pro prietários de arimos e terrenos, que mantinham uma articulação , muitas vezes , ao funcionalismo público ou à administração local -aspecto que ainda hoje conti nua a não ser novidade! - , até por vezes como resistência e/ou como resguardo . É uma simples forma de pensar que não tem em conta a exitência dos formalmente serviçais e que, na prática, eram tratados como escravos e como ser vidores definitivos dos seus “ donos “ , por via reinol , quase hegemonicamente até à chegada ao Poder de Paiva Couceiro e Norton de Matos . Mas principalmente, é uma forma de pensar reprodutiva de quem se (res)sente como detendo um estatuto definitivo advindo dessa classe dominante antiga , em face das restantes famílias da angolanidade – a velha estória da escola primária sobre as origens ! - fossem elas ascendentes de colonos de ladra-vaz , fossem elas ascendentes do indigenato , ou seja , das zonas desde o Cuando Cubango a Cabinda ou desde o Bié e Cazombo ao Uije . É uma forma de pensar que não tem em conta que a sua própria família assentava o poder não apenas na escravatura doméstica , como em relações de produção formalmente tributárias e, principalmente , com antecedentes directos ao tráfico escravista para as américas . Em concreto, e porque tudo isto interessa ser discutido sem azedume , mas claramente como uma constatação histórica – os bisnetos não podem ser responsáveis por aquilo que de”bom”ou de”mau”os bisavôs foram e fizeram - , vou te deixar dois exemplos , que devem ser estudados com rigor e precisão e não como um qualquer pretenciosismo ou tentativa hegemónica do conhecimento - muito menos como qualquer “desforra histórica “ à moda dos vários tipos de nacionalismo , até por que , como sabes , não sei nada de engenharia , sequer social ou política : a) há cerca de um ano atrás , um dirigente do MPLA conhecido , dizia no livro que publicou , que era um homem originário de famílias humildes . Anos antes já eu tinha descoberto o apelido dele entre os principais proprietários do hinterland de Luanda no tempo daquilo que o Nacionalismo por ele próprio defendido, classificava de tempo de escravatura. Basta ir ver os papéis,algures no mundo dos arquivos deste planeta terra , para verificares que sendo por consanguinidade , por apadrinhamento ou por imitação do nome de pessoas com força social , por várias zonas da nossa terra - e pelo mundo inteiro aconteceu o mesmo embora em doses diversas -, te vão aparecer nomes de pessoas com apelidos muito conhecidos . E que não eram propriamente mais simpáticas para com os explorados desses períodos do que esses “estranhos” que vieram de longe. E duvido que entre todas as famílias da nossa terra , originárias de naturais da terra ou de colonos , haja uma única que tenha uma trajectória perfeita , pura e harmoniosa; b) falar -te da minha bisavó ou da minha trisavó materna , seja através da versão romanceada pelo Gentil Ferreira Viana , descendente do Gervásio empregado de um Despachante da Alfândega de Luanda, de que a Avó dele e a minha Bisavó eram “ raparigas “ que foram “adquiridas” por dois amigos lá pelos anos 80 do século XIX, algures no Cazengo , seja através das certidões das igrejas , que retenho em meu poder com algum gozo , é ficares a saber indirectamente que se eu tivesse a mesma ideologia ou maneira de pensar dos nacionalismos triunfantes-e agora tardios ! - desde 1930 até aos dias de hoje, estaria agora a escrever sobre a necessidade de eu , descendente de escrava comprada , me ter de desforrar desses donos de arimos , parasitas que não tratavam das respectivas propriedades e andavam à “ boa vida“ por Luanda – lê Américo Machado , irmão de Humberto e Ilídio , sobre esse tema em “Novos Ideais se alevantam “nos anos 30 e outros . Em suma , vê se convences outros de outras famílias a contar essa estória oralizada e não te esqueças , Míudo Aires , de colocar dentro dela , os tempos em que ias , nos anos 60 , com a tua Mãe Antonieta Menezes e o teu pai , futuro professor Assis de fisico-químicas do secundário ,algures no Casal de São Brás , Amadora , Portugal (suponho) , a casa do Vaz Monteiro, quadro médio –superior da CUCA , filho do governador de São Tomé e sobrinho do governador de Benguela Lima e Lemos , morador na actual Rua Kwamme Nkrumah, 174, 1ºesquerdo , por cima da casa do Romeu e da Lurdes , para melhor teres que desadocicar a estória da relação da luta histórica entre gente de origens muitas , no seio da an golanidade em construção , entre opositores convictos e aliados submissos do Poder Imperial , a um plano ; e entre explorados e exploradores , a outro plano . Tendo a partilha como ponto de partida e como ponto de chegada , por Angola , “Estamos juntos” .
EUGÉNIO MONTEIRO FERREIRA , 01/06/09

11 de abril de 2009

Sobrados de Luanda I/ Ágora/ Novo Jornal/ Luanda 11/03/09



Repeguei Nga Muturi, esse livro que reúne uma história publicada em forma de folhetim, em Lisboa pelo “Diário da Manhã”, e no “Jornal das Colónias”em Luanda, do ilustre causídico luandense Alfredo Troni (1845-1904), que retrata a Luanda do século XIX.
Procurei mais alguns textos, fotografias e documentos diversos e apeteceu-me falar da “cidade do Sobrado”, que ao ritmo da voracidade do imobiliário e da velocidade do camartelo, Luanda passará a curto passo a ser conhecida pela cidade onde nada terá “Sobrado”.
De forma algo descontextualizada, cabe aqui referência a um livro, há muito arredio dos escaparates das livrarias, de Luciano Cordeiro (1844-1900), “Questões coloniais”, em que a ultima edição julgo ter sido da Vega, em 1980.
Pego no livro de Luciano Cordeiro, porque foi um académico e político particularmente clarividente, e acima de tudo com uma visão sobre as colónias, que não tiveram continuidade nos seus sucessores.
Penso que seria útil, uma releitura do livro de Luciano Cordeiro, pois propõe no século XIX a instalação em Angola de várias escolas de diferentes graus de ensino, para todos indistintamente, e também uma escola superior de medicina tropical, para além de outras medidas que só muitas décadas mais tarde foram titubeantemente postas em prática. As suas propostas de pautas aduaneiras eram arrojadas, assumindo que uma percentagem das suas receitas fosse disponibilizada para a investigação científica da colónia.
Com a morte da rainha Vitória em 1901,com a conferencia de Berlim no fim do século XIX, o que se assiste primeiro de forma timorata, e depois já sem qualquer tipo de restrições éticas, é o assalto ao interior do continente africano na busca de riquezas, e a consequente destruição dos trilhos de mercadores africanos e o seu inerente empobrecimento e decadência.
Luanda vivia ainda os tempos do fim da escravatura, e toda a arquitectura da cidade ainda era assumidamente desses tempos, em que as casas eram de dois pisos e um grande quintal nas traseiras, local onde permaneciam os escravos, até serem vendidos.
Para se ter em atenção a importância do rendimento do comércio escravo, segundo Andrade Corvo(1824-1890), o rendimento público da totalidade das colónias portuguesas, somava qualquer coisa como 578 contos. Destes 288 provinham de colónias asiáticas e 290 das africanas. Nesta última soma o tráfego intercontinental de escravos contribuía com duzentos contos.
O combate das autoridades ao comércio escravo foi grande, perante a oposição de sectores da burguesia branca e mestiça, beneficiários maiores deste comércio.
Na administração pública, no exército, muita gente de famílias locais ocupava espaço referente, como as famílias Galiano, Pinto de Andrade, Necessidades, Ribeiro Castelo Branco, Vieira Lopes, Matoso de Andrade, Regada, Fançoni, Pinheiro Falcão, Nascimento da Mata, Maia Ferreira e outros.
Segundo Adelino Torres (nomeadamente, na sua tese “O Império Português entre o Real e o Imaginário”) diz claramente, e há quem conteste, que este grupo constituía interesses autónomos e distintos da burguesia metropolitana.
Com as políticas coloniais do Portugal republicano, que tem a sua expressão maior em Norton de Matos, levam a que essa gente vá perdendo influencia política e económica, e o estertor final é dado já pelo ignóbil e salazarento “Acto Colonial” de 1930.
Comecei a falar de Troni, e comecei a vaguear, porque na realidade o objectivo deste artigo é falar-se da Luanda que vai desaparecendo a olhos vistos, num prolongamento de uma visão “parolo-arquitectónica”do tempo colonial, que é causticamente ridicularizado por António Lobo Antunes, no seu “Deste papel aqui descripto”.

3 de abril de 2009

II Jogos da África Central, um modo de estar!/ Ágora / Novo Jornal /Angola /3-04-09




Ao recuarmos a 1981, a maior preocupação foi fazer lembrar acontecimentos que tiveram êxito, e protagonistas que merecem ser recordados, porque há prodigalidade a mais em muita coisa em Angola, mas pouca na memória colectiva.
A publicidade nos diferentes palcos dos IIºs Jogos da África Central, era fundamentalmente de empresas estatais, e lá tínhamos o “Café de Angola, Um gosto de liberdade”, “Os diamantes de Angola são mais brilhantes/ Estão agora ao serviço do povo e da reconstrução nacional”, a” TAAG/ Asas de Angola rumo ao progresso”, a Cimangola U.E.M. com o “Cimento Portland Artificial”, “ Sonangol / nosso petróleo onde é necessário”, e mais uns poucos, que invariavelmente apoiavam estes eventos.
Houve uma bebida oficial, “APPIA”, que trazia três sabores, qual deles o mais intragável, que mesmo com a mingua da Luanda de então, era quase ofensivo oferecer tal “drinkpack” a quem quer que fosse!
Foi entregue a sponsorização dos jogos a uma empresa denominada Panafrica Sports Promotian, que numa das primeiras reuniões com o seu representante, e julgo que único membro, pois nunca vi mais ninguém, o Ibrahim Sumaré, propôs mudar Luanda com outdoors, bandeiras, tarjas, enfim uma panóplia de soluções, que quase fazia lembrar a estátua do Kinaxixe, quando foi embrulhada com o plástico cor de rosa, antes de ser dinamitada nos anos 70.
Era um indivíduo culto, educadíssimo, mas a realidade é que foi sempre uma figura demasiado nebulosa, ligado ao Jeux d’ Afrique, revista mensal de desportos africanos, que foi aliás quem terá feito a pior cobertura dos evento. Acho que foi uma revista de vida efémera!
Porque que talvez tenha o direito de ser mauzinho, julgo que devo revelar, que num determinado grupo de línguas viperinas, o Sumaré era só um Kilandamoko mais elegante, pois prosápia não faltava nem a nem a outro, e ambos cultivavam a simpatia e insinuavam-se bem quando julgavam necessário aos seus projectos.
Histórias nestes jogos foram muitas, e na comissão desportiva éramos surpreendidos com situações bizarras, como por exemplo quando um dirigente de um país participante se lembrou de lavrar um protesto, porque o seu “homólogo”, de outro país, ia num Mercedes preto, e a ele tinha-lhe sido atribuído um Mercedes amarelo.
Situações por causa de “falta de providências tomadas pela organização”, no domínio da satisfação sexual dos agentes desportivos estrangeiros eram frequentes, porque Luanda ao tempo era uma cidade “rigorosamente vigiada”.
Na questão das provas, houve situações caricatas, como por exemplo termos de improvisar iluminação na Cidadela, para aguardar os retardatários da prova da maratona, em que estoicamente os últimos acabaram a prova, já que nos locais de apoio a líquidos e sólidos, já tinham saído os colaboradores, já que julgavam que tudo tinha passado e quem não passara teria desistido. Dois atletas entraram com uma hora de diferença em relação ao primeiro, e tiveram de se ligar de novo os focos improvisados para cronometrar a sua chegada
Os prédios contíguos à Cidadela, eram o local de alojamento de todas as delegações, e era um verdadeiro arraial, tendo por vezes a polícia de intervir para poder acalmar os atletas, principalmente os que já tinham acabado a competição.
Ocasionalmente, acontecia não comermos as refeições no refeitório instalado junto ao pavilhão da Cidadela, e íamos a alguns restaurantes da cidade, onde encontrávamos alguns dirigentes de delegações estrangeiras, com exigências que nos deixavam perplexos, pois alguns de nós tínhamos ido em missões preparatórias dos jogos aos seus países, e fomos recebidos com alguma indelicadeza, curiosamente por parte dos que víamos mais recalcitrantes!
No entanto estes II Jogos da África Central foram muito bons para todos, e a verdade é que hoje, quase trinta anos depois, os laços de amizade e solidariedade mantiveram-se, porque vivemos juntos um projecto que foi muito bonito, com gente muito boa, e que merece muitas páginas no desporto angolano, porque foram os cabouqueiros de tudo o que de bom sucedeu daí para a frente.
A título de nota de rodapé, gostava que a edição angolana da Bola, colocasse num contexto de memória, a entrevista dada por Rui Mingas ao saudoso Carlos Pinhão, na edição de 3 de Setembro de 1981, porque é um documento de inegável qualidade e importância, para quem procure compreender os caminhos do desporto angolano.
Fernando Pereira
21/03/09

26 de março de 2009

O Bem Amado / Ágora / Novo Jornal/ Luanda 29-03-09



No dia 22 do passado mês de Fevereiro, falecia no Rio de Janeiro a actriz brasileira Ida Gomes.
Provavelmente ninguém se lembrará da actriz, mas se disser que ela representou o papel de Doroteia no “ Bem Amado”, muitos da minha idade, alguns mais velhos e uns quantos mais novos, recordar-se-ão de um dos momentos de maior” unanimismo” em torno da programação da TPA.
Ainda demoraria algum tempo, para termos em nossas casas receptores de TV a cores, pois as que tínhamos eram a preto e branco, a bem dizer um cinzento, que de certa forma, era a cor adequada à política informativa do MPLA em determinada fase do “processo”.
O “Bem Amado” foi a primeira novela a cores gravada no Brasil , e apesar da “ditadura militar brasileira” é transmitida na Globo em 1973, tendo chegado a Angola no início de 1980, tendo sido um factor de quase unidade nacional, só mais tarde repetido com “Roque Santeiro”, já em meados da década de 80.
“Povo de Sucupira! Donzelas praticantes e juramentadas, matronas com larga fé de ofício! Cidadãos e cidadãs que repousam em berço esplêndido dentro do meu coração”; Foi desta forma que Odorico Paraguaçu subiu como perfeito, ao palanque da praça de Sucupira, para iniciar um percurso de centena e meia de episódios, e enriquecer-nos com um léxico que ainda hoje se perpetua no quotidiano dos angolanos.
Notável trabalho de Dias Gomes, com musica de Toquinho e Vinicius de Moraes, numa novela onde estava a “nata “ do teatro brasileiro, que começou a “emprestar” à TV os seus actores, assumidamente para que estes pudessem obviar às dificuldades inerentes a viver-se unicamente do teatro profissional.
Paulo Gracindo no papel de Odorico e Lima Duarte no papel de Zeca Diabo, encabeçam um elenco de luxo, e uma história que nos amarrava durante uma hora às terças e domingos em frente à TV.
“Seu Dirceu, convoque o deputado. Preciso de ter com ele um ccoloquiamento apelatório catequisante”. “O falecimento é uma condição sine qua non ao estado difuntício”. “Seu Dirceu, o senhor tomou todos os providenciamentos?”.E a cereja em cima do bolo: “Vamos botar de lado os entretanto e partir pós finalmente. Talqualmente”! Estas foram apenas umas quantas frases de uma telenovela imorredoira, e que nunca foi deslembrada.
O fascínio por esta novela era tal, que nada se marcava para a hora da sua emissão, e a cidade literalmente parava duas vezes por semana, à terça e ao domingo, por volta das 21h. Se tivéssemos que ir a Benguela e ao Huambo, Tínhamos a sorte de ver o mesmo episódio três vezes pois a bobine circulava entre províncias.
Havia coisas extraordinárias que aconteciam nesses tempos, como por exemplo termos de ver novamente o ultimo episódio, porque alguém muito importante não o tinha visto, e pressionava o Rómulo, ao tempo director da TPA, a colocar no ar o episódio perdido. Vinham ainda longe os vídeos, os DVDs, e toda a outra tecnologia de reprodução, hoje ao alcance de muita gente.
O “Bem Amado” era uma verdadeira caricatura de um Brasil de caciquismo, de paixões ocultas, de exaltação da fé, e acima de tudo de gestão depótica do poder. Toda a novela girava alegremente em volta de um cemitério, slogan de campanha do partido no poder, personificado em Odorico:” Vote em um homem sério e ganhe um cemitério”.
Fazendeiro, corrupto, político inculto, prefeito que era” prafrentemente e pratrasmente um homem deverasmente”peculiar, sinistro e maquiavélico.
Quando Zeca Diabo, um cangaceiro devoto a “santo padim pade Ciço Romão Batista” mata Odorico, que inaugura o seu cemitério, mote de todo a novela, a autoridade judicial Lulu Gouveia faz o discurso fúnebre:”Adeus Odorico, o pacificador, o desbravador, o honesto, o bravo, o leal, o magnífico…”
Foi bom revisitar o “Bem Amado”

Fernando Pereira
18/03/09

25 de março de 2009

Sygma Band...Há 30 e tantos anos que estamos juntos!


Esta é banda residente no Casino da Figueira da Foz, Sygma Band, constituída, em 1995, pelos seguintes músicos: Carlos Alberto Silva (bateria, ex-Night Stars, ex-Corsários, ex-Inflexos e ex-AEC 68), Pedro Abreu (piano e teclas), Zeka Carvalho (ex-Storm), Zé Violante (ex-Conjunto Oliveira Muge) e Domigos Fu (vocalista, bateria e percussão, ex-Storm).

Fernando Pereira

(Cortesia do blog IÉ-IÉ)

20 de março de 2009

IIª JOGOS DA ÁFRICA CENTRAL / A maior organização desportiva de sempre em Angola! III/ Ágora / Novo Jornal -Luanda 20-3-09



De facto o que se assistiu foi quase que um terramoto organizativo, pois conseguir comida de qualidade, para atletas na Luanda daquele tempo era quase uma miragem, eliminar burocracias instaladas para se conseguir descarregar no porto ou no aeroporto de Luanda produtos, materiais, equipamentos, enfim tudo o que era preciso e que não se encontrava no país, que vivia à mingua por causa da queda brusca do petróleo na economia mundial (Acho que temos filme de reprise!), tudo era urgente para que os jogos começassem no dia aprazado, já que tinham sido adiados um mês em circunstancias que nunca me pareceram as mais verosímeis, mas isso é outra história.
Receber gente, alojar atletas, providenciar transportes para jogos e treinos; Acomodar dirigentes, árbitros, alimentar fantasias diversas, montar um esquema de segurança que impedisse qualquer acto de guerrilha urbana, ou algum desacato sem importância, que possibilitasse a notícia que os jornalistas que vivem da especulação esperavam ansiosamente dar, foi uma tarefa que correu quase na perfeição. Quase por milagre, nesse tempo quase tudo funcionou, e o que não funcionou nem se deu conta que era preciso que funcionasse.
Foi nesses jogos que estive pela última vez com o meu amigo, e grande jornalista da “Bola” Carlos Pinhão, que fez uma excelente cobertura dos jogos, bem como o jornalista português do “Diário”, José Goulão.
A informação nesses jogos obrigou a que os meios disponíveis fossem melhorados, e recordo o brilhante trabalho dos profissionais da TPA, da RNA e do “Jornal de Angola”, que se obrigaram a ultrapassar algumas insuficiências estruturais, e acabaram por fornecer ao público, um trabalho de muito boa qualidade. Muitos deles que na altura debutavam no jornalismo são hoje profissionais em muitos órgãos da comunicação social no País.
Porque estamos em maré de recordações, ao oitavo dia de jogos, as tropas da África do Sul do apartheid, invadem e ocupam a província do Cunene, o que naturalmente deixa no ar um conjunto de interrogações, embora tenha sido mais um factor de reafirmação solidária para com Angola por parte de alguns países, algo diferente da solidariedade monetária dos tempos de hoje! A ocupação foi longa, e só possível a libertação com a “solidariedade” cubana, por muito esforço que se faça para ignorar.
Deixo propositadamente para o fim desta “novela”, como se pensaram os jogos, com estádios, piscinas, pavilhões, autocarros, pistas de atletismo em quase todas as capitais de província, centros de medicina desportiva equipadíssimos em cinco capitais de província, enfim uma organização à angolana, em grande.
A cada mês que passava íamos anulando algumas coisas, e alterávamos alguns planos para desespero dos delegados provinciais, que iam sendo preteridos no conjunto de realizações, mas a realidade é que conseguiu-se fazer em grande o que se pensou maior com o mínimo possível. Angolano é assim, e faz bem em ser assim, porque só mesmo pode nascer obra desta forma, como se provou nos 2ºs Jogos da África Central onde a teimosia, a decisão assertiva, a liderança discreta, o encorajamento e um entusiasmo misturado com a proverbial bonomia do Rui Mingas foi decisiva para a concretização e sucesso destes Jogos.
Há algumas histórias curiosas sobre os jogos, mas ficam para outras núpcias, pois fazem parte do anedotário do quotidiano de uns jogos que mobilizaram muitos milhares de pessoas, e de que agradeço terem-me incluído na organização. Já agora aviso que também contarei as histórias em que sou protagonista nos jogos!
“Assim, com a certeza que o grande objectivo consignado ao desporto africano”, o do seu próprio progresso como alavanca para o progresso dos povos e países do continente, foi aqui amplamente alcançado, declaro encerrados os 2ºs jogos da África Central”
Palavras de Rui Mingas, no estádio da Cidadela na tarde cálida de 3 de Setembro de 1981! Ele mais do que quem quer que seja merece esta referencia!

Fernando Pereira
25/02/09

13 de março de 2009

IIª JOGOS DA ÁFRICA CENTRAL / A maior organização desportiva de sempre em Angola! II /Ágora / Novo Jornal/ Luanda 13-3-09




Os recursos disponíveis, o marketing, a distensão política, a paz, são toda uma série de factores que em nada se assemelham nas situações. A ideia que vai prevalecendo a quem está por fora, é que poderia ter havido um maior comedimento nos gastos, ou talvez mesmo uma lógica de menos esbanjamento, na organização do CAN 2010.
Descumpre-me fazer uma abordagem sobre isso, porque na realidade estou distante da organização, e tudo que pudesse dizer seria naturalmente fruto de uma opinião condicionada por opiniões terceiras, o que por muito isentas que me pareçam, devem sempre ser usadas com alguma parcimónia, principalmente quando se escreve publicamente, e não numa discussão de um grupo de amigos num qualquer período de lazer, em que quem disser pior é o mais esclarecido, como acontece normalmente entre angolanos, sem expatriados por perto, entenda-se.
Volto aos IIºs Jogos da África Central, onde tive a honra de ter sido adjunto do Director Geral e Desportivo dos Jogos, José Sardinha de Castro, pessoa de uma integridade e proba na sua vida quotidiana e na política , aliás manifestado em todos os locais públicos onde foi colocado ao nível do aparelho do estado, quer enquanto ministro, quer na empresa estatal onde actualmente exerce funções de responsabilidade de tomo.
Essa equipa que conseguiu montar esses jogos, liderada por Rui Mingas, teve como secretário-geral o Engº Helder Moura, com o Dr. Paulo Murias na área médica, com o José Martins a coordenar a parte financeira e logística, com o Franklim Dias no domínio das infra-estruturas e equipamentos, Espírito Santo, José Cohen, Raquel Grácio, Dantas Cardoso, os saudosos Matos Fernandes, Vieira Dias, Chico Sande Lemos, o falecido Juca, Gilberto Simão, João Maiel, Teixeira Gomes, Fernando Fonseca, José Barata, António Anapaz, o cubano Máximo, Fátima Fernandes e tantos outros que não deveria olvidar, na organização desportiva das provas conseguiram constituir um grupo de grande qualidade, voluntariosa e impoluta, que fizeram desses jogos um dos primeiros factores de afirmação de uma RPA forte num contexto africano, então dominado pela política de blocos, e pelo acumular de golpes de estado permanentes na maioria dos países.
Coincidente com a abertura dos jogos, e na transferência da presidência da zona IV de desenvolvimento, a que Angola pertencia ao tempo, o ministro dos desportos da Republica Centro Africana que se encontrava na Cidadela, tinha acabado de ser demitido, já que um golpe de estado tinha substituído o seu Presidente da Republica.
Os Camarões eram a maior potencia desportiva da zona, e conquistaram 52 medalhas, mas já sem a razia que tinham feito em Liberville no Gabão em 1976 com 26 medalhas de ouro num total de 57 ganhas. O Congo e o Gabão mantiveram as suas posições na tabela das medalhas nos dois jogos, mas Angola ultrapassou em Luanda um Zaire (hoje RDC) que era particularmente temido em femininos. O Burundi e o Rwanda, foram excelentes no fundo e meio fundo, e com a presença do Tchad e S. Tomé e Princípe a participaram praticamente sem grandes esperanças em termos competitivos. A ausência da Republica Centro Africana em termos de atletas foi justificada com a instabilidade que então se vivia no país, justificação semelhante à da Republica da Guiné-Equatorial, que contudo enviaram alguns observadores, que eram os ministros dos desportos e alguns assessores, e que deram algum trabalho pois exigiam atenção cuidada!
Para quem teve o privilégio de ter feito parte desta equipa notável, de gente boa, de pessoas disponíveis para resolver todos os mínimos e máximos pormenores que ocorriam um pouco por todo o lado durante os jogos, para obviamente não se falar do que foram os meses anteriores, no encontrar soluções e recorrer a expedientes diversos para evitar que tudo estivesse “mais ou menos”, em ordem naquele solarengo dia no distante 20 de Agosto de 1981.
Nesse dia, milhares de alunos, de vários estabelecimentos de ensino, treinados por técnicos cubanos e angolanos deram um colorido e uma organização a um espectáculo que atrevo-me a dizer, que não me pareceu que tivesse uma falha, e que para quem assistiu e participou passou a ser inesquecível. Tudo foi fruto de treino meses a fio, sem alimentação adequada, mas de uma forma entusiasmada e conseguiu esta juventude anónima fazer mais por Angola naquele momento, que muitos já tentaram noutras circunstâncias esbanjando muito mais.
Ainda conservo, nos meus baús, uns chapéus notáveis, que foram distribuídos aos milhares e que deram uma garridice a Luanda, que talvez se tivesse começado a habituar a outras cores, e que só muitos anos mais tarde veio a acontecer quando os pleitos eleitorais sobrevieram.
Como disse o meu querido amigo, professor António Sousa Santos, num trabalho que então fez para a Áfrique Asie: “Dez dias de competição, com altos e baixos, mas a primeira medalha é para os organizadores”.
CONTINUA

10 de março de 2009

IIª JOGOS DA ÁFRICA CENTRAL / A maior organização desportiva de sempre em Angola! I




“ A realização destes jogos em Angola não acontece por acaso, nem é fachada vistosa que utilizamos para esconder as debilidades dum desporto sem princípios, sem organização e sem praticantes. E nem persegue sequer outros objectivos do que aqueles e bem generosos eles são que norteiam as relações desportivas internacionais, particularmente entre os Países do nosso continente”
Foi com estas palavras que Rui Alberto Vieira Dias Mingas, ao tempo Secretário de Estado de Educação Física e Desportos da então Republica Popular de Angola, discursou na abertura dos 2ºs Jogos da África Central em Luanda no longínquo 20 de Agosto de 1981.
Quando se aproxima o CAN, que se realizará no nosso País no dealbar de 2010, é importante recordar que Angola organizou no início dos anos 80, indiscutivelmente o seu maior evento desportiva de sempre. De 20 de Agosto a 3 de Setembro, com um empenhamento enorme do conjunto de dirigentes e quadros, que então estavam na Secretaria de Estado dos Desportos e com gente de grande qualidade que se esforçou de forma estóica, provenientes das federações desportivas, das associações, das escolas e de alguns organismos estatais, organizaram-se os 2ºs Jogos da África Central.
Sem esta gente, não teria sido possível montar uns jogos de tão grande dimensão, que entusiasmaram a população de Luanda e Huambo, que tiveram a possibilidade de ver alguns dos melhores atletas africanos e proporcionaram simultaneamente um programa cultural de grande qualidade.
Organizar uns jogos com 12 países, com um conjunto de modalidades diversificadas, como o futebol, basquetebol, andebol, ciclismo, boxe, atletismo, voleibol e judo, na maior parte com participações masculinas e femininas, há que convir que foi um esforço enorme, mas também o factor decisivo para dar a grande imagem de capacidade de organização, de voluntarismo e de envolvimento humano, e acima de tudo o demonstrar do orgulho de se ser angolano, junto de uma comunidade internacional ainda céptica em relação à jovem Republica Popular de Angola.
Podia cair na tentação de entrar em comparações, mas não o devo fazer, mormente porque o que envolveu as pessoas e as circunstâncias políticas naquele distante 1981, nada tem a ver com o que se tem vindo a assistir na organização do CAN 2010.
CONTINUA

27 de fevereiro de 2009

Aplauso: Um eco do lugar-comum/ Novo Jornal /Ágora- Luanda 27/02/09



Numa das minhas recentes deambulações pelas livrarias, comprei o recente livro do Manuel Rui Monteiro, editado pela Caminho, “ A Janela de Sónia”.
Ainda não o li, e espero fazê-lo rápidamente na adiada esperança de fazer o que nunca consegui: dizer mal de um livro do Manuel Rui. Nãoé só por corporativismo coimbrão, a verdade é que acho o Manuel Rui o melhor escritor angolano, e procuro não perder nada do que ele vai escrevendo, desde artigos de opinião a livros ou trabalhos diversos.
Em 1973, na montra da Bertrand em Coimbra,a poucos metros do consultório do Dr.Adolfo Rocha, vulgarmente conhecido no mundo das letras por Miguel Torga, estava uma primeira edição de um livro de capas verdes titulado de “Regresso Adiado”, editado pela Centelha. Uma editora, que era pouco mais que um armário do cartório do Soveral Martins e do Manuel Rui perto da praça da Republica, que ia editando o bom que podia. Comprei esse livro por 20 escudos, o que era muito para o tempo e por uma obra de um desconhecido.
Por interpostas pessoas fui acompanhando o que o Manuel Rui tinha escrito na Vértice, revista de literatura e ideias que se tem mantido com alguma irregularidade ao longo de quase 70 anos, e onde muitos e bons poetas debutaram, e onde se partilharam boas ideias.
Não vim aqui fazer nenhuma crónica sobre o Manuel Rui, até porque em boa verdade vou guardar algumas coisas sobre o seu trabalho literário para ulteriores oportunidades.
Sou um rato de papeis, livros e correlativos, e quando entro numa livraria vasculho, e acabo por comprar muito além do que pretendia. Acontece-me invariávelmente isso numa grande livraria, como também pode acontecer num sórdido vão de escada onde um tipo de óculos com lentes garrafais e pieira nos pulmões está sentado num “mocho” atulhado de livros que nem sequer faz ideia do que tem, mas que foram comprados com discussões do preço à medida infinitesimal.
Tenho por isso comprado muita coisa boa, mas raras vezes barata, porque normalmente o tipo alfarrabista, se nos vê muito interessado num livro, é porque tem a certeza que o vou levar.
Isto não vem a propósito de quase nada, mas aqui há uns tempos comprei alguns livros de três “amaldiçoados” autores portugueses: Luis Pacheco, Cesariny e Alberto Pimenta. Confesso que recomendo uma leitura “desta gente”, porque tem coisas deliciosas.
Num livro de Alberto Pimenta, “ A repetição do caos” da “&etc.”, vem uma história curiosa que teimo em reproduzir, sobre a gasosa em 1948!!!
“1948- o meu pai foi às finanças fazer um requerimento, e como de costume fez questão que eu o acompanhasse. Para “aprender a vida”. Em casa explicou-me minuciosamente a fórmula e o motivo do requerimento. No fim, meteu dentro da folha uma nota de 50 escudos e disse-me:- Esta é a parte mágica da fórmula. Quando tiveres um pedido a fazer, já sabes, o segredo é este.
Passados uns meses enviei a minha primeira declaração de amor e, como 50 escudos era muito para as minhas posses, juntei uma moedinha de 2$50. Nunca tive resposta, decerto foi por ser tão pouco”
Quero também referir que a D. Quixote fez sair uma obra que urge comprar, que é nem mais nem menos que a compilação num volume só, de tudo do Nuno Bragança, onde para além de outros romances surge a incontornável “ A Noite e o Riso”, considerada, largos anos após a morte do poeta, como um dos 100 melhores livros portugueses de sempre. A obra chama-se Nuno Bragança (1929-2009).
Já que estamos a falar de livros, se tiverem arrojo, comprem o “Dicionário do Diabo” , de Ambrose Bierce, editado pela Tinta da China, e que tem as definições exactas para quando certas coisas nos correm mal, e mais tarde verificámos que ainda bem que isso aconteceu.
Dinheiro, neste dicionário:”Uma benção que só se torna vantajosa quando a damos a ourtra pessoa. Um sinal exterior de cultura e um passaporte para a sociedade elegante. Bem suportável”
Para que conste, o Manuel Rui nunca me deu nenhum livro, nem nunca me pediu para dizer bem dele, mas que escreve bem, não haja a menor dúvida.

Fernando Pereira
21/02/09

24 de fevereiro de 2009

Boletim do CNDI da Secretaria de Estado da Educação Física e Desportos/ Outubro 1982


Quando fui director do Centro Nacional de Documentação e Informação da Secretaria de Estado de Educação Física Desportos da Republica Popular de Angola, começou a editar-se este boletim regular. Fui o 1º Director do CNDI.

21 de fevereiro de 2009

Turismo talvez tenha hora / Novo Jornal /Luanda/ Economia/

Por razões profissionais, já que sou um pequeno empresário de turismo, e simultaneamente agente dinamizador do associativismo nessa área, faço normalmente um périplo anual por um conjunto de eventos de promoção turística.
A título de exemplo, em finais de Novembro do ano passado visitei uma interessante feira de turismo da natureza, aventura, enologia e rural, na cidade espanhola de Valladolid. A INTUR, realiza-se todos os anos e é um evento interessante na promoção de um segmento de turismo que começa a ser cada vez mais procurado, em alternativa ao que vulgarmente é denominado por turismo massificado, aglutinador de recursos e gentes e factor de crescente relevância no PIB de muitos Países.
Em Janeiro, eis-me “peregrino” a duas feiras que acompanho há muitos anos, a bem dizer desde a sua primeira edição no caso da Bolsa de Turismo de Lisboa (BTL), a partir da 3ª edição da Feria Internacional de Turismo (FITUR) em Madrid, que é das maiores feiras de promoção turística do mundo, a par da World Travel Market de Londres, em princípios de Novembro, da BIT em Milão, e da ITB em Berlim, entre Fevereiro e Março.
Sucintamente, posso dizer que a BTL, é quase que um aperitivo para a grande mostra de Madrid, uma semana depois. A maior parte dos expositores são autarquias, regiões de turismo, algumas cadeias hoteleiras portuguesas , organismos institucionais, e um conjunto de pavilhões estrangeiros, cada vez menos diga-se de passagem, pois o mercado português é comercialmente pouco atractivo, e depende fundamentalmente de operadores espanhóis com outra capacidade financeira para intervenção no agressivo mercado do turismo.
Angola, na BTL teve o seu pavilhão, pouco diferente do que tinha no ano anterior, mas substancialmente melhor que os pavilhões que marcaram a presença do País nas primeiras participações neste evento que decorre anualmente na Feira Internacional de Lisboa.
Obviamente que é um pavilhão concorrido, não só pelas expectativas comerciais, mas acima de tudo, por todo o conjunto de sentimentos que se misturam entre agentes turísticos, visitantes e entidades diversas.
Não sei se os negócios foram muitos, mas o pavilhão pareceu-me com a apresentação pouco apelativa na sua decoração, se compararmos por exemplo com Cabo-Verde. Não se consegue perceber muito bem, se o objectivo era motivar pessoas para fazerem turismo em Angola, ou investir em infra-estruturas ou assumirem-se parecerias.
Acho que estava gente a mais no interior do pavilhão, e apesar da cordialidade e simpatia do pessoal presente, quem deveria explicar estava sempre ausente. Penso que são coisas a corrigir, e nesta minha opinião subjectiva, não gostaria de deixar a ideia que me parece algo descabido mostrar-se um artesanato que hoje se encontra em qualquer esquina de uma cidade média europeia, como factor de apelo ao visitante que vai olhando os diferentes pavilhões de países presentes.
Na FITUR, em Madrid, no Campo Ferial Juan Carlos, num faraónico espaço, fiz uma cuidada visita à feira, onde a Espanha mostra a razão de ser o terceiro destino turístico mundial.
Quando o lazer passou a ser olhado como complemento de uma actividade laboral com melhores resultados, houve um conjunto de países que imediatamente se lançaram na rentabilidade dos seus recursos naturais, na sua cultura, na gastronomia e na amenidade do seu clima como forma de aumentarem as suas fontes de receita e equilibrarem a balança comercial com países terceiros. A Espanha que dispunha de todos estes recursos, iniciou nos anos 60 uma agressiva campanha promocional, que associada a uma rigorosa regulamentação e aplicação legislativa continuada, um melhoramento de infra-estruturas de apoio, a um ciclópico esforço de construção de empreendimentos turísticos de boa qualidade e acima de tudo com a criação de muitas escolas médias e superiores de formação de técnicos de turismo, permitiu ser dos países onde a percentagem de importância no seu PIB, é das maiores do mundo, tudo na ordem entre os 8 a 11%.
Naturalmente que uma parte significativa da minha curiosidade, ia para o pavilhão de Angola, patrocinado pelo Ministério do Comércio e Turismo, e o que desde já importa realçar foi o ter encontrado um pavilhão mais calmo, com gente muito simpática e nos momentos de conversa que mantive achei que havia uma sintonia perfeita entre as minhas duvidas e expectativas, num quadro de algum realismo no futuro do turismo de Angola.
Em Madrid, achei o pavilhão de Angola ainda mais pobre, talvez iludido pelo facto dos termos de comparação serem maiores. Acho despiciendo que se continuem a utilizar referencias a fotos e cartazes, iguais às do CITA dos anos 60. A iconografia do turismo mudou, o marketing é diferente, e acho que deveria haver um cuidado acrescido ao dar uma visibilidade a um País como o nosso, que durante muito tempo foi notícia pelos piores motivos.
Saliento que esta é uma opinião subjectiva, e com propósitos construtivos, já que há pelo menos algo de muito bom, que não me canso de realçar, que é o factor humano, presente nesta FITUR 2009, gente muito boa e com enorme vontade de ver trabalho realizado.
Acho completamente descabido que continuemos a divulgar posters pouco vincados, com imagens dos megatéreos que enchem a baixa de Luanda de hoje, e que fazem fugir a sete pés alguém de bom gosto; a Welwitchia desenquadrada do seu habitat, e umas imagens de uns hotéis, que são iguais a qualquer edifício de classe média-baixa em qualquer parte do mundo.
Questionei-me a título de exemplo, ao relevo dado a um cartaz com a foto do Cristo-Rei que está no Lubango, que é uma cópia algo miserável do Cristo-Rei de Almada, que por sua vez é uma decalque pechisbeque do Cristo-Rei do Rio de Janeiro,;Aquele Cristo-Rei levará alguém a Angola? Tem de ser muito criteriosa a escolha, e talvez se chegue à conclusão que temos por ora pouca coisa de diferente para vender, que é disso que se trata quando se vai a um evento com estas características.
A presença de Angola neste tipo de eventos, merecerá um cuidado supletivo, mas antes de tudo temos de reflectir sobre que turismo queremos, que investimentos estamos disponíveis a fazer, que trabalho se há-de fazer na formação dos recursos humanos, e acima de tudo explicar às pessoas que se vão alterar hábitos comportamentais, e que vai haver assimetrias regionais, que devem ser percebidas e entendidas. Isto é um trabalho que tem de ser partilhado pelo Ministério da Cultura, Educação, Administração do Território, Interior, Ambiente e naturalmente o Comércio e Turismo.
Frases do tipo de que “daqui a dez anos Angola será um país de turismo” são fáceis de dizer, mas já não estou tão certo na sua materialização, enquanto o turismo não for encarado como uma industria, a do lazer, grande conquista dos trabalhadores no século XX, e objectivamente imporem-se regras, e uma enorme seriedade na captação de investimentos, e assumirem-se vontades de algumas mudanças de mentalidades e inerentemente comportamentais.
Tanto o que julgo saber este jornal, está a preparar um conjunto de conferencias sobre vários temas, que poderão ser estruturantes no quadro de desenvolvimento de Angola nos próximos dez anos, e também sei que um dos debates previstos será o turismo, pelo que a controvérsia pode começar a passar por aqui.

Fernando Pereira
14 /2/09

Turismo talvez tenha hora / Novo Jornal /Luanda/ Economia/ 21-2-09



Por razões profissionais, já que sou um pequeno empresário de turismo, e simultaneamente agente dinamizador do associativismo nessa área, faço normalmente um périplo anual por um conjunto de eventos de promoção turística.
A título de exemplo, em finais de Novembro do ano passado visitei uma interessante feira de turismo da natureza, aventura, enologia e rural, na cidade espanhola de Valladolid. A INTUR, realiza-se todos os anos e é um evento interessante na promoção de um segmento de turismo que começa a ser cada vez mais procurado, em alternativa ao que vulgarmente é denominado por turismo massificado, aglutinador de recursos e gentes e factor de crescente relevância no PIB de muitos Países.
Em Janeiro, eis-me “peregrino” a duas feiras que acompanho há muitos anos, a bem dizer desde a sua primeira edição no caso da Bolsa de Turismo de Lisboa (BTL), a partir da 3ª edição da Feria Internacional de Turismo (FITUR) em Madrid, que é das maiores feiras de promoção turística do mundo, a par da World Travel Market de Londres, em princípios de Novembro, da BIT em Milão, e da ITB em Berlim, entre Fevereiro e Março.
Sucintamente, posso dizer que a BTL, é quase que um aperitivo para a grande mostra de Madrid, uma semana depois. A maior parte dos expositores são autarquias, regiões de turismo, algumas cadeias hoteleiras portuguesas , organismos institucionais, e um conjunto de pavilhões estrangeiros, cada vez menos diga-se de passagem, pois o mercado português é comercialmente pouco atractivo, e depende fundamentalmente de operadores espanhóis com outra capacidade financeira para intervenção no agressivo mercado do turismo.
Angola, na BTL teve o seu pavilhão, pouco diferente do que tinha no ano anterior, mas substancialmente melhor que os pavilhões que marcaram a presença do País nas primeiras participações neste evento que decorre anualmente na Feira Internacional de Lisboa.
Obviamente que é um pavilhão concorrido, não só pelas expectativas comerciais, mas acima de tudo, por todo o conjunto de sentimentos que se misturam entre agentes turísticos, visitantes e entidades diversas.
Não sei se os negócios foram muitos, mas o pavilhão pareceu-me com a apresentação pouco apelativa na sua decoração, se compararmos por exemplo com Cabo-Verde. Não se consegue perceber muito bem, se o objectivo era motivar pessoas para fazerem turismo em Angola, ou investir em infra-estruturas ou assumirem-se parecerias.
Acho que estava gente a mais no interior do pavilhão, e apesar da cordialidade e simpatia do pessoal presente, quem deveria explicar estava sempre ausente. Penso que são coisas a corrigir, e nesta minha opinião subjectiva, não gostaria de deixar a ideia que me parece algo descabido mostrar-se um artesanato que hoje se encontra em qualquer esquina de uma cidade média europeia, como factor de apelo ao visitante que vai olhando os diferentes pavilhões de países presentes.
Na FITUR, em Madrid, no Campo Ferial Juan Carlos, num faraónico espaço, fiz uma cuidada visita à feira, onde a Espanha mostra a razão de ser o terceiro destino turístico mundial.
Quando o lazer passou a ser olhado como complemento de uma actividade laboral com melhores resultados, houve um conjunto de países que imediatamente se lançaram na rentabilidade dos seus recursos naturais, na sua cultura, na gastronomia e na amenidade do seu clima como forma de aumentarem as suas fontes de receita e equilibrarem a balança comercial com países terceiros. A Espanha que dispunha de todos estes recursos, iniciou nos anos 60 uma agressiva campanha promocional, que associada a uma rigorosa regulamentação e aplicação legislativa continuada, um melhoramento de infra-estruturas de apoio, a um ciclópico esforço de construção de empreendimentos turísticos de boa qualidade e acima de tudo com a criação de muitas escolas médias e superiores de formação de técnicos de turismo, permitiu ser dos países onde a percentagem de importância no seu PIB, é das maiores do mundo, tudo na ordem entre os 8 a 11%.
Naturalmente que uma parte significativa da minha curiosidade, ia para o pavilhão de Angola, patrocinado pelo Ministério do Comércio e Turismo, e o que desde já importa realçar foi o ter encontrado um pavilhão mais calmo, com gente muito simpática e nos momentos de conversa que mantive achei que havia uma sintonia perfeita entre as minhas duvidas e expectativas, num quadro de algum realismo no futuro do turismo de Angola.
Em Madrid, achei o pavilhão de Angola ainda mais pobre, talvez iludido pelo facto dos termos de comparação serem maiores. Acho despiciendo que se continuem a utilizar referencias a fotos e cartazes, iguais às do CITA dos anos 60. A iconografia do turismo mudou, o marketing é diferente, e acho que deveria haver um cuidado acrescido ao dar uma visibilidade a um País como o nosso, que durante muito tempo foi notícia pelos piores motivos.
Saliento que esta é uma opinião subjectiva, e com propósitos construtivos, já que há pelo menos algo de muito bom, que não me canso de realçar, que é o factor humano, presente nesta FITUR 2009, gente muito boa e com enorme vontade de ver trabalho realizado.
Acho completamente descabido que continuemos a divulgar posters pouco vincados, com imagens dos megatéreos que enchem a baixa de Luanda de hoje, e que fazem fugir a sete pés alguém de bom gosto; a Welwitchia desenquadrada do seu habitat, e umas imagens de uns hotéis, que são iguais a qualquer edifício de classe média-baixa em qualquer parte do mundo.
Questionei-me a título de exemplo, ao relevo dado a um cartaz com a foto do Cristo-Rei que está no Lubango, que é uma cópia algo miserável do Cristo-Rei de Almada, que por sua vez é uma decalque pechisbeque do Cristo-Rei do Rio de Janeiro,;Aquele Cristo-Rei levará alguém a Angola? Tem de ser muito criteriosa a escolha, e talvez se chegue à conclusão que temos por ora pouca coisa de diferente para vender, que é disso que se trata quando se vai a um evento com estas características.
A presença de Angola neste tipo de eventos, merecerá um cuidado supletivo, mas antes de tudo temos de reflectir sobre que turismo queremos, que investimentos estamos disponíveis a fazer, que trabalho se há-de fazer na formação dos recursos humanos, e acima de tudo explicar às pessoas que se vão alterar hábitos comportamentais, e que vai haver assimetrias regionais, que devem ser percebidas e entendidas. Isto é um trabalho que tem de ser partilhado pelo Ministério da Cultura, Educação, Administração do Território, Interior, Ambiente e naturalmente o Comércio e Turismo.
Frases do tipo de que “daqui a dez anos Angola será um país de turismo” são fáceis de dizer, mas já não estou tão certo na sua materialização, enquanto o turismo não for encarado como uma industria, a do lazer, grande conquista dos trabalhadores no século XX, e objectivamente imporem-se regras, e uma enorme seriedade na captação de investimentos, e assumirem-se vontades de algumas mudanças de mentalidades e inerentemente comportamentais.
Tanto o que julgo saber este jornal, está a preparar um conjunto de conferencias sobre vários temas, que poderão ser estruturantes no quadro de desenvolvimento de Angola nos próximos dez anos, e também sei que um dos debates previstos será o turismo, pelo que a controvérsia pode começar a passar por aqui.

Fernando Pereira
14 /2/09

16 de fevereiro de 2009

O Senhor Cuca / Novo Jornal / Luanda / Ágora 13-02-09







Esta crónica de hoje pode parecer desfasada do tempo, mas acho-a pertinente, apesar de esperar críticas quanto à sua oportunidade. Achei que era um tema interessante, no quadro do reduzido espaço industrial angolano no tempo colonial, e sobretudo porque há uns quantos vivos e com boa memória, para falarem de um homem que foi o símbolo maior da industria na colónia.
Manuel Carvalho Brito das Vinhas nasce em Lisboa em 1920, e faleceu no Brasil em 1977, oriundo de uma família tradicionalmente ligada às bebidas nomeadamente aos vinhos, às águas engarrafadas e acima de tudo às cervejas.
É nesta actividade que Manuel Vinhas se implanta em Angola, criando o grupo Cuca, inicialmente ligada á lisboeta Fábrica Imperial de Cervejas, mas que para além das fábricas de cerveja Cuca em Luanda e no Huambo, vê o grupo alargar a sua intervenção para os refrigerantes, cápsulas, industria vidreira (em colaboração com Idelfonso Bordalo), agro-pecuária, transportes, comunicação social, imobiliário e numa determinada fase a entrada forte na Neográfica, editora da revista”Notícia” Entrou também no capital do” Comércio”de Luanda, algo que lhe terá custado alguns amargos de boca por parte da polícia política de Salazar, e também por parte de alguns sectores das autoridades coloniais, que gostavam pouco de alguma “liberdade”.
Recentemente surgiu nas livrarias um livro, editado pela “Oficina do Livro”, de Filipe Fernandes e Luis Villalobos, “Negócios Vigiados”, que mostra com algum detalhe as reservas por parte das autoridades coloniais às movimentações económicas, à actividade cívica, editorial e política de Manuel Vinhas.
O livro, que surge com documentação inédita, motivada pela abertura dos arquivos da PIDE-DGS, mostra que Manuel Vinhas foi um industrial que não se terá deixado enlear pelas panaceias do sistema colonial, tendo sido um crítico fervoroso, através de edições suas, nomeadamente a controversa “ Para um diálogo sobre Angola”, opúsculo retirado pela censura, em que Vinhas é “enxovalhado” publicamente no Diário de Notícias de Lisboa. Esse artigo, não assinado é um ror de acusações a Manuel Vinhas chamando-o de colaborador com os “terroristas” do MPLA e da UPA, chegando ao ponto de o colocar na incómoda situação,de dizer que o industrial ter-se-ia deslocado a Leopoldville para jantar com uma amiga declaradamente militante do “MPLA”. Porque foi uma carta muito dura, em anos de repressão violenta, o empresário pediu o direito de resposta, que lhe foi concedido no interior do jornal em 20 de Abril de 1963, em que ele rebate todos os pontos em que é visado no artigo em questão, sem contudo deixar de polvilhar pontualmente algumas críticas à forma como era conduzida a política colonial.
Manuel Vinhas, teria a concepção de uma independência do tipo Rodésia, isto pelo menos é o meu entendimento da leitura que fiz do livro, “Profissão Exilado”, editado pela Meridiano em 1976, com prefácio de Agostinho da Silva e posfácio do intrépido Luis Pacheco.
Para além dessa vertente de industrial, de homem de convicções, Manuel Vinhas foi um verdadeira mecenas das artes e letras portuguesas, pois apoiou Julio Pomar, Vespeira, Neves de Sousa, Mário Silva, entre muitos que então debutavam na difícil caminhada da pequena notoriedade nas artes, como apoiou Luis Pacheco, Acácio Barradas, Edite Soeiro, Ary dos Santos, Cesariny e o grande O’ Neill, só para falar de alguns das letras, a quem deu guarida na sua “Notícia”, pois todos eles tinham as portas completamente fechadas noutros locais, motivado por reservas do seu posicionamento político.
Peguei, para fazer este pequeno percurso sobre um homem que desmereceria ser ignorado, no quadro da industria e da comunicação social angolana, em vários livros, um dos quais do Henrique Guerra “Angola, Estruturas económicas e Sociais” de 1973, bem como o da Maria Belmira Martins, “Sociedade e Grupos em Portugal” de 1972.
Manuel Vinhas, não foi só o fundador da Cuca, foi provavelmente o primeiro a fazer perceber que os trabalhadores merecem ordenados compatíveis com as suas necessidades básicas, a criar condições para que tivessem acesso à cultura e ao desporto e que não fossem apenas números, e tratados ao jeito de qualquer Kleenex , do tipo usa e deita fora.
Em alguns casos, e nalgumas coisas, no nosso País fazia bem um Vinhas revisited!

Fernando Pereira

14 de fevereiro de 2009

Angola: Trincheira firme da revolução em África! / Ágora / Novo Jornal/ Luanda /21-2-09



Resolvi arrumar umas tralhas que cá vai havendo por casa, tentando que desta vez não me irritasse, e pegasse em parte das coisas que desarrumei e fosse colocar no lixo. Arrependo-me sempre mais tarde de o ter feito, porque nestas movimentações já se perderam verdadeiras pérolas.
Pego aqui numa bandeirinha, das que agitávamos aí nos anos 70 e 80,quando algum dignitário estrangeiro nos visitava, numa “manifestação espontânea”, assim do tipo “sábado vermelho” ou campanhas de “emulação socialista”, e vejo uma das frases mais extraordinárias dos nossos tempos revolucionários: “Antes morrermos todos que deixar passar o inimigo”. Esta frase é o máximo do kitschismo do léxico revolucionário. Assim do mesmo tipo, só esta: “Que importa que o inimigo ataque ao amanhecer se as FAPLAs não dormem.”
No ano de 1980 o slogan oficial era “Ano do Congresso Extraordinário do MPLA-Partido do Trabalho, e da Criação da Assembleia do Povo”, que precedeu o 1979 “Ano da Educação”e o de 1978, “Ano da Agricultura”. Em 1981 foi “o Ano da Disciplina e do Controlo”, e o em 1982, “Ano da Organização Económica e da Vigilância Popular” , 1983 o “Ano do Reforço da Organização” e por aí fora.
Frases do tipo “Somos independentes, Seremos socialistas”, “Mais Unidade, Melhor Organização, Maior Produção”, “No socialismo a agricultura é a base e a industria o factor decisivo”, ou “Fieis ao Presidente Neto lutemos pela independência económica” profusamente distribuídas em outdoors colocados pelo País , dentro do quadro geral do “Produzir para Resistir”.
Vem-me à memória, slogans que nos entusiasmavam num período em que muitos de nós tínhamos outras opções, e ainda hoje sentimos nostalgia de algumas do tipo: “Firmes nas trincheiras, decididos na produção”, “Estamos em guerra e cada cidadão é e deve sentir-se necessariamente um soldado”, frase do Presidente Agostinho Neto, de um discurso em que apelava para uma batalha generalizada pela mobilização de recursos humanos e materiais visando a defesa do território.
Continuando este artigo preguiçoso, recordo que “A disciplina é um factor determinante na vitória de toda a Revolução”,” Por cada combatente da liberdade que tomba mais aumenta a nossa raiva contra o inimigo invasor e imperialista”, e a quase trinta anos de distancia, estas e outras palavras de ordem fazem-nos recordar momentos imorredoiros na vida do debutar de um País.
Há várias palavras de ordem que foram mazinhas q.b, e uma delass sinceramente só me deixou descansado quando desapareceu, pois dizia isto apenas “A Produção liberta o homem”, e sinceramente associei sempre esta frase às palavras sinistras que encimavam a entrada do campo da morte de Aushwitz .
“A Luta Continua”, a “Vitória é Certa”, tem sido imagens de marca, depois de durante muitos anos terem acompanhado o “Viva o Poder Popular”, que começou a cair em desuso quando o fato de marca e a gravata, substituiu o interessante “safari”, mais adaptado aos rigores do clima, mas menos vistoso!
Como tudo isto foi decorrendo durante o período do “cinturão de FAPLA”, que era nem mais nem menos que o nome do peixe -espada , que a par do carapau frito, “personagens” emblemáticas e recorrentes de um determinado período de mingua da gastronomia angolana.
Um dia estava no Polo-Norte, uns dias antes de encerrar de vez, ali no prédio da Sonangol, e resolvi comer o carapau frito com arroz, que me dava direito a dois búlgaros de cerveja, tudo isto numa ponta do balcão, já que o snack bar não tinha mesas.
Ao meu lado estava um indivíduo, que dizia textualmente isto:” És um herói, os portugueses bazaram mas resististe, os sul-africanos foram e tu resististe, os zairenses fugiram e resististe, o socialismo científico instalou-se e tu resististe, és o único que nunca largou esta”trincheira firme da revolução em África”. Olhei para o lado para tentar ver com quem falava o meu companheiro ocasional de repasto, e vi que era um discurso para efectivamente um enorme resistente: O carapau que estava no prato, fritinho e emoldurado por um pastoso arroz branco.
Tempos bons, dos” 11 poemas em Novembro” do Manuel Rui Monteiro ,e do Zito, cozinheiro na casa do desportista, coordenador de célula do MPLA-PT nos Desportos, que me respondia às minhas duvidas sobre a implantação do socialismo em Angola, da seguinte forma: “Camarada Fernando Pereira, o nosso socialismo não é um socialismo qualquer, é diferente dos outros, é científico”!!!

Fernando Pereira

6 de fevereiro de 2009

DAR FUTURO AO PASSADO! / Ágora / Novo Jornal / Luanda 5-2-09



Presumo que muito em breve, nos escaparates das livrarias, vai surgir um livro de boas memórias do Dr. Eugénio Ferreira, com o título “Um cabouqueiro da angolanidade”.
Editada pelo “Campo das Letras” este trabalho de Eugénio Monteiro Ferreira (Eniuka) e Carlos Ferreira (Cassé) sobre o percurso de vida de seu pai como advogado, professor, dirigente associativo, interventor político, dinamizador cultural e como cidadão, é sobretudo um caminhar, com toda a honestidade, pela última metade do século XX em Angola.
Este trabalho, com fotos que mereciam melhor tratamento gráfico, é rica pela excelência da recolha documental, pela escolha do contexto dos assuntos descritos e merecedores dos maiores encómios pela escrita usada.
A obra é dividida por algumas vivencias na sua trajectória, fotografias, documentos diversos e uma miscelânea de opiniões, depoimentos, referências, correspondência variada, em síntese um acervo rigorosamente seleccionado, que nos consegue prender a uma personagem que foi um indiscutível “senador” da probidade, da liberdade, da cultura e do humanismo, num passado de uma Angola que teve visíveis transformações, em que Eugénio Ferreira foi protagonista de tomo.
O livro é feito de outros livros, que o Dr. Eugénio Ferreira foi publicando ao longo da sua vida, desde que em 1943 aporta a Angola, onde começa por trabalhar na Diamang, e de onde sai quando lhe é colocada a questão do casamento, já que ele queria desposar a mestiça Maria Áurea Monteiro, extremosa senhora, e “esse tipo de misturas não eram bem vistas pelos directores da companhia”. A opção foi óbvia, tendo em conta a sua formação humanista e o que lhe dizia o seu coração, prescindindo de um percurso profissional que lhe augurava enormes proventos, mas escolhendo a mãe dos seus filhos e a sua companheira até ao fim da vida.
Eugénio Ferreira foi dinamizador da Sociedade Cultural de Angola, onde ocupou o cargo de presidente da Direcção e da Assembleia Geral. Bobella Mota, Ilídio Machado, Mário António Fernandes de Oliveira, Viriato da Cruz, António Jacinto do Amaral Martins, Alfredo Margarido e outros, transformaram a Luanda dos anos quarenta e cinquenta no contexto cultural, através de concertos e audições de música, concursos literários, feiras do livro, saraus e conferencias, tudo olhado com desconfiança pelas autoridades locais, que viam este espaço como um verdadeiro viveiro de nacionalismos, justificadamente diga-se de passagem.
Neste contexto, o livro é muito útil para situar a sistematicamente ignorada Sociedade Cultural de Angola, no contexto da sociedade crioula de Luanda e no construir de uma consciência nacionalista por parte de muitos dos seus membros, frequentando-a simultaneamente com a Liga Africana e a Anangola.
O período que corresponde à eclosão do golpe militar de 25 de Abril de 1974 em Portugal, e a independência de Angola, é uma das partes seguramente mais importantes do livro, já que no contexto documental e de depoimentos diversos, “subverte “de forma verosímil, muito do que tem vindo a ser dito e escrito ao longo de décadas, com o intuito deliberado de fazer a história à medida das histórias e conveniências de uns quantos.
O Movimento Democrático de Angola, e o seu papel no dealbar dos dias do fim do Império, merecem uma detalhada atenção por parte dos autores, já que Eugénio Ferreira, foi o presidente desse primeiro movimento cívico a constituir-se em Angola, e surgiram sempre opiniões e versões díspares sobre o papel que o MDA teve na transição do poder colonial para a então RPAngola. Este livro traz alguma luz ao assunto, e talvez tenha reaberto uma nova frente para a memória futura da história de Angola.
Eugénio Ferreira foi uma pessoa serena, ponderada, nunca embarcou em demagogias, soube sempre manter à distância os poderes e as pessoas que aviltavam os seus valores. Sóbrio na sua vida quotidiana, era um homem imensamente culto, maçom como Aquilino Ribeiro, ligado à Seara Nova e Vértice, revistas onde se revelaram os nomes grandes do neo-realismo.
A Eugénio Ferreira foi-lhe outorgada a nacionalidade angolana pelo Dr. Agostinho Neto, o que terá sido a maior homenagem que Angola lhe podia ter feito, porque este ilustre causídico nunca se furtou de defender os injustiçados e os defensores da libertação do País.
Eugénio Ferreira, um verdadeiro cabouqueiro da angolanidade!
Fernando Pereira
26/01/09

30 de janeiro de 2009

Ganhar para o tabaco!/ Ágora / Novo Jornal / Luanda 30-01-09



A industria do tabaco foi a primeira de todas as industrias regulares de Angola.
Desembarca em Luanda José Jacinto Ferreira da Cruz , que já tinha enriquecido no Brasil na industria tabaqueira, tendo investido na primeira fábrica de tabacos de Angola, importando máquinas de Inglaterra, algum picado de Havana, e instalando-se numa casa alugada perto da Igreja dos Remédios.
Paralelamente a tudo isto, José Cruz, sabendo que na região de Golungo Alto havia uma excelente qualidade de Nicociana, planta do tabaco que se dá bem em todo o País, decidiu fazer aí uma plantação e simultaneamente estabelecer contactos com “fornecedores” locais, que consumiam um charuto artesanal de excelente qualidade, segundo relatos da época.
Consta-se também que no Bumbo, a 28 léguas do Namibe, para o interior havia uma extraordinária qualidade de tabaco, o que terá levado Henk Rink, mais tarde a fundar a Empresa de Tabacos da Huíla de efémera existência, por problemas com as autoridades coloniais.
Ainda sobre a qualidade do tabaco do Golungo Alto, há uma antiga referencia a uma “fábrica” em 1833, propriedade do soba local, Bango Aquitamba.
Um pouco lateralmente ao que aqui tem sido dito, o tabaco foi provavelmente dos mais cobiçados produtos ao longo de séculos, e causas de disputas acesas pelo seu fabrico e comercialização, tendo em conta que desde que passou a ser comercializado na Europa, qualquer poder político viu nele uma excelente forma de conseguir recursos financeiros regulares, à custa de impostos e resultados de concessões por períodos de tempo determinados.
Foi motivo de discussão na Revolução Francesa e levou à queda de alguns governos, pois a solução de “régie” que se impôs, era permeável a muitas influencias e subornos. Foi assim um pouco por toda a Europa e foi também de grande importância na queda da 1ª Republica portuguesa, já que Alfredo da Silva, dono da imperial CUF, tinha então sido preterido num contrato de concessão, tendo-lhe a ditadura atribuído a concessão, pelos serviços prestados a favor do golpe militar de 28 de Maio de 1926, nascendo então a “Tabaqueira”, depois ligada à SUT.
Voltando a Angola, assistimos em 1884 à compra por José Jacinto Cruz de um prédio virado para a Baía, actualmente em degradação acentuada, onde se instala uma fábrica a sério, onde trabalhavam trinta pessoas, com máquinas inovadoras de pique do tabaco, embaladoras, prensas, estufas e até uma tipografia para confeccionar as suas próprias embalagens.
Na enfadonha e provinciana Luanda desse tempo, este activo industrial não deixou de impressionar os comerciantes da urbe, que o destacaram para Presidente da Câmara, tendo sido ele a figurar no acto da inauguração dos trabalhos do Caminho de Ferro de Luanda e Ambaca (31 de Outubro de 1886), de que foi um dos promotores e entusiastas.
“Flor do Dande”, Picado “Holandez”, “Meio Forte”, “Repicado”, os charutos “Jacinto”, e uns cigarros sem nome vendidos em maços de 600g. Mais tarde apareceram o “Francês nº1”, “Estrella”, “São Rafael” e os “Hermínios” de boa memória.
A sua morte levou a uma situação de instabilidade, e o BNU exerceu uma hipoteca na fábrica, que depois de reaberta nas mãos de empresários da então Metrópole, deu origem à Sociedade Colonial de Tabacos (16 de Maio de 1916) e depois à FTU, que virou SUT até hoje, embora a “tabaquear “já noutro lugar.
Para além da FTU e da efémera empresa da Huíla, constituíram-se e continuaram a laborar a fábrica SITAL em Benguela, dos famosos Java, Baía e SL, e a ETA, empresa do industrial Ricardo Pires, conhecida pelo Coimbra e Senador.
A FTU, tinha o Swing, o universal AC, o Luanda e o Belmar, entre os famosos Francesinhos.
Para finalizar há uma história interessantemente do BELMAR, que quando apareceu, nos fins dos anos 60, foi-lhe logo colado a uma frase: Bairros Em Lisboa Mostram Angola Roubada!


Fernando Pereira
18/01/09

23 de janeiro de 2009

Efemerizando!!! / Ágora / Novo Jornal / Luanda 23-01-09



Em 15 de Janeiro de 1975, foi assinado entre o MPLA, UNITA e FNLA e Portugal o famigerado “Acordo do Alvor”, que Agostinho Neto sempre recordou como “Acordos da Penina”.
Gustavo Costa numa crónica recente neste hebdomadário, mostra alguma indignação por não terem sido chamadas “outras gentes” à partilha do poder na independência de 11 de Novembro de 1975.
È desnecessário estar aqui a refutar algumas das afirmações do Gustavo Costa, relativamente ao assunto, mas esqueceu-se do chamado “factor português” nas conversações, e a pressa de se resolver um problema que já vinha durando catorze anos, sem solução política e militar à vista.
As colónias sempre foram um factor de discussão abafada no quotidiano de Portugal e nos territórios por si ocupados, e procurava-se de todo, que toda a gente se fosse esquecendo delas, ou melhor que apenas uns quantos pudessem beneficiar.
Em 1931, no “Jornal” escreveu-se: “Para o futuro que antevejo para Portugal, as colónias não só não são precisas para nada como são um fardo”. Não foi preso o colunista porque era um beberrão, que as pessoas não davam grande crédito. Era Fernando Pessoa, provavelmente um dos maiores poetas da língua portuguesa.
Voltando a outros temas mais brandos, lembrei-me que Popeye fez oitenta anos. E. C. Segar criou este marinheiro, herói da BD e da “espinafrocracia americana”, que conseguiu que as mães americanas fizessem os seus filhos comer espinafres, aumentando o seu consumo, na ordem dos 30% na dieta alimentar dos estadunidenses.
A anoréctica Olívia Palito, sua eterna namorada, sempre disputada com o Brutus, um musculado de corpo e mente, de mau aspecto, que exigia a Popeye o recurso à dopagem: os espinafres.
As campanhas anti-tabágicas que já tinham obrigado o Lucky-Luke a alterar a sua imagem, obrigaram Popeye a largar o seu cachimbo, o que lhe terá retirado alguma piada, bem como refrear alguma da sua força, já que houve contestação por parte de pedopsiquiatras, sobre a violência de algumas das suas manifestações na tela.
Já que se fala em efemérides na BD, comemorou-se também recentemente os oitenta anos do primeiro aparecimento do famoso e controverso repórter “Tintin”.
O belga Hergé (Georges Prosper Remi (22 de maio 1907 - 3 de março 1983), o seu criador é um dos mais reputados da BD europeia, numa Bélgica de grande tradição na Banda Desenhada.
Independentemente da misoginia de Tintin, ou as sua discutida homosexualidade, uma das situações que me confunde é a sua extraordinária popularidade no Congo, pois a sua obra “Tintin no Congo” é eivada de um racismo, que de facto pode e deve ser considerado um dos livros de referencia no racismo, rivalizando num patamar de igualdade, com os filmes interpretados por Johnny Weissmuller, ou aquela versão esquisita da Agencia Portuguesa de Revistas do “Fantasma”, uma lusa criação do tipo “Homem Aranha” em plena selva equatorial, conhecido pelo “Duende que caminha”!!!
Já que hoje falei de tanta coisa diferente, porque não encerrar com algo que nada que tenha ver com o que já se escreveu: «Deixa-me falar-te sobre os muito ricos», disse um dia F. Scott Fitzgerald. «Eles são diferentes de ti e de mim.» Ao que Ernest Hemingway replicou: «Sim… Têm mais dinheiro.»!

Fernando Pereira
17/01/09

11 de janeiro de 2009

Há Livros e Livres!!! / Ágora / Novo Jornal /Luanda 9-01-09




Coincidindo com o fim do ano de 2008, acabei de ler um “tijolo” de perto de mil páginas, editado pela D. Quixote, de Jonatham Littel, “As Benevolentes”, livro que tenho vindo a citar nalgumas das minhas crónicas recentes.
Admito que foi um livro, que não me deixou indiferente, e a espaços criou-me mesmo sentimentos díspares e naturalmente confusos. É o primeiro livro que leio escrito por um dos “vencidos” da IIª guerra, e o que chega a ser pungente é a minúcia das descrições da brutalidade e das belezas nas envolvências, de alguém que passados estes anos todos está suficientemente bem consigo próprio, para nem hoje nem nunca ter pedido desculpa a quem quer que seja.
Em determinadas fases do livro, perplexamente reflectia sobre o que é que me levava a ler, uma descrição simultaneamente fria e também polvilhada de afectos mecânicos pontualmente. A verdade é que sem esforço lia, mas com o assumir, idiotamente diga-se de passagem, de algumas culpas perante os que levaram uma bala na nuca, ou que foram fuzilados perante os seus familiares, como o autor descreve com os pormenores mais sórdidos, mas também sem cupidez, cometendo todas as barbaridades por obrigação fundamentalmente, e na descrição com a convicção, que estava certo.
É também um livro da história do terceiro Reich, a sua esquizofrenia burocrática, que tentava esconder fraquezas, complexos e que servia objectivamente, para que nunca se permitisse que uma parca porção de duvida, pudesse em qualquer circunstancia, macular o discurso oficial fanatizado e com objectivos bem determinados, como tardiamente muitos deram infelizmente conta.
Saio da leitura das “Benevolentes” com mais taquicardia, e numa ou noutra descrição mentalmente nauseado, do que o autor, J. Littel, oficial das SS, que viveu calmamente até hoje para nos contar como foi do lado de Hitler, sem emoções, e com a convicção que era aquilo que tinha que se fazer, e nada havia para se arrepender.
Quem tiver oportunidade, leia o livro, nem que pontualmente chegue à varanda a encher o peito de ar, porque está perante uma obra imorredoira da literatura universal contemporânea.
No Natal, ou melhor no Dia da Família, como prefiro o 25 de Dezembro, recuperando uma designação, dos tempos em que Angola procurava a via para o socialismo científico, recebi um presente. Quem mo deu, fê-lo com o objectivo claro de me provocar, mas azar o seu, pois soube-me bem receber o livro do Jaime Nogueira Pinto, “Jogos Africanos”, editado pela “ Esfera dos Livros”, em Novembro de 2008.
Li-o, com um pouco mais de agrado do que tinha acontecido com outros dele, nomeadamente “A Direita e as Direitas”, editado pela Difel, numa altura em que ele, como eu ainda tinha muitas dioptrias nos óculos, em 1996, embora víssemos claramente que os caminhos que trilhávamos não era igual.
À medida que lia o livro do Nogueira Pinto, que o Ennes Ferreira, na sua ultima crónica do Expresso, compara com alguma piada e também com oportunidade, ao “Tintin no Congo” do belga Hergé, veio-me à memória os livros do Jorge Jardim e do Hugo Seia, para ficar por aqui.
O “Jogos Africanos”, é de facto um livro simpático para com a figura do Jaime Nogueira Pinto, e tenta não ser antipático com ninguém, o que só é uma virtude, por exemplo, para um dono de hotel e não para um politólogo, nova denominação no léxico da comunicação social, de umas pessoas sempre muito “bem informadas”, mas em que as coisas correm invariavelmente de forma contrária ao que comentaram.
Andou por muito lugar a recomendar paz e a apoiar líderes guerreiros para que se encomendasse a paz, sempre muito determinado nas suas convicções de homem de direita, temente a Deus, defensor do Império e grande defensor da paz e da ordem salazarista.
Já li o livro por vocês: Agradeçam-me, pois poupei-vos tempo!

Fernando Pereira
4/1/09
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