ADIVINHA QUEM VEM PARA JANTAR!
Talvez a maioria
das pessoas desconheça que o filme “Adivinha quem vem para jantar”(1967),
premiado com dois Óscares da Academia em
1968 acabou por ver autorizada a sua projeção no Restauração, depois de múltiplas
tentativas das autoridades coloniais para que o publico luandense não o
visse.
Em São Francisco,
Matt Drayton (Spencer Tracy) e Christina Drayton (Katharine Hepburn), um casal
da média burguesia americana, fica chocado ao saber que Joey Drayton (Katharine
Houghton), sua filha, está noiva de John Prentice (Sidney Poitier), um negro. A
partir de então dão início à uma tentativa de encontrar algo desabonador no
pretendente, mas só descobrem qualidades morais e profissionais acima da média
o que transforma o trama numa comédia de forte componente antirracista.
Nos Estados Unidos
que saiam de uma violenta luta pela igualdade dos direitos raciais, este filme
acabou por marcar um ponto de viragem no elitista cinema de Hollywood, pois
leva para o grande ecrã uma relação que ao tempo tinha tudo de promíscua e fora
do status quo vigente.
Em Angola a
incomodidade do tenente-coronel Koch Fritz, o Torquemada da governação colonial
era evidente, perante a celeuma que pudesse eventualmente surgir da
apresentação do filme e foi adiando a decisão para que “de Lisboa houvesse
alguma ordem”. A verdade é que o filme, apesar de truncado nalgumas passagens,
passou no “Monumental” em Lisboa e foi um grande êxito de bilheteira, porque
tinha ganho óscares e porque era uma revelação ver um romance e um beijo
apaixonado entre um negro e uma branca no ecrã, numa sociedade fechada e
organicamente racista.
Num diálogo no
próprio filme lembra que o casamento entre pessoas de raças diferentes era
proibido em 17 estados dos Estados Unidos, e acresce a isso lembrar que só em
1964 (três anos antes da estreia mundial do filme) durante o governo de Lyndon
B. Johnson, foi aprovado o Civil Rights Act que proibiu a discriminação contra
minorias raciais, étnicas, nacionais e religiosas.
O filme lá esteve
discretamente a passar, com cortes que sacrificaram não só a sua qualidade,
como também a própria história. Um beijo apaixonado e longo entre os atores provocou
a ira do Ku Klux Klan, que motivou desacatos e invectivou espectadores
em vários cinemas nos EUA. O público de Luanda não viu muitas das cenas que
“chocariam a comunidade local”, e admito que foi um alívio do CITA quando o
filme saiu do ecrã do cinema da Avenida do Hospital.
Já que se fala em
filmes e cinemas, resolvo trazer à liça uma situação e que tem a ver com o
abandono das salas de cinema do tempo colonial ou a sua transformação para
outras atividades que nada tem a ver com o que fim para que foram edificados.
Nas redes sociais, e
nalgumas conversas de gente que andará pelos sessenta, todos vão vivendo com
saudade os tempos em que frequentaram esses cinemas, e olham com muita tristeza
para o seu abandono, a sua adaptação a outras atividades ou a sua demolição.
Percebo as pessoas
que gostavam da esplendorosa esplanada do Miramar, do Avis (Karl Marx), Império
(Atlântico), Kipaka, N’Gola, S.João, Kilumba, Tivoli, S. Paulo, Tropical,
Restauradores, Nacional, Colonial, etc., isto em Luanda, para depois falar do
Flamingo no Lobito, Ruacaná no Huambo, Arco-íris no Lubango, Moreno no Uíje,
N’gola no Namibe, o Nimas no Lobito, e tantos outros. As pessoas não tinham TV,
os hábitos eram outros, as pessoas ao tempo eram jovens, e o cinema mais que um
local para ver filmes, era um sítio onde alguns setores da burguesia se
encontravam como um outro local de sociabilidade. Esse tempo acabou e hoje
restam as ruinas e as recordações, por isso é ridículo que se comente o estado
degradante a que a maior parte dessas estruturas chegou, apelando a que voltem
a ser cinemas. Faça-se alguma coisa delas, isso sim, para que deixem de ter um
aspeto desolador.
Já perguntei a
alguns “indignados” no exterior que vociferam contra as autoridades por terem
abandonado os cinemas, quantos estão em funcionamento em Lisboa ou no Porto dos
que existiam em 1974. Talvez ajude que de 54 salas de cinema em Lisboa no ano
de 1974 estão abertos dois cinemas, o S. Jorge (pertença da autarquia de
lisboa, e dividido em várias salas) e o Satélite, contíguo ao antigo
Monumental!
É absolutamente
justo que se acabe com esta onda de “indignação” e que se guardem as energias
para outros movimentos cívicos com mais enfoque na atualidade.
Recentemente saiu
um livro de Miguel Hurst e Walter Fernandes sobre as salas de cinema de Angola
em que tiveram a prestimosa ajuda das arquitetas Maria João Grilo, Paula
Nascimento e Maria Alice Correia.
A obra é
graficamente muito rica e muito interessante no seu conteúdo, e revela o
trabalho extraordinário de uma plêiade de arquitetos que permitiram que se
fizessem salas de espetáculos de excelência, que tivesse havido investidores
com rasgo, mas que a voragem do tempo tornou-as em edifícios que jazem a
aguardar tempos novos para outras utilizações.
E começou isto com
o “Adivinha quem vem para jantar” !
Fernando Pereira
4/7/2016
1 comentário:
Muito bom!!! Sem palavras, um filme racista feito por um pais onde estava interditado o casamento a pessoas de raças diferentes em 17 estados, não era bom visto em Angola uma sociedade multi-racial, onde ao maiores racistas foram sempre os Negros. Conte ai ao pessoal quantos Bailundos foram mortos em 1961, pelos Bakongos do camarada Holden Roberto. Certos lutadores anti fascistas e anti coloniais, fazem-me lembrar os manos ingleses do que fomentaram e defenderam Brexit, assim que viram o buraco em que vão lançar o pais demitiram-se. Os camaradas assim que viram o que aconteceu em Africa depois da independência puseram-se a andar para a metrópole... muito bom!!!
Há já agora, sabe o que foi o 27 de Maio? Podia escrever uma cronicazita a explicar o que se passou isto se o comité central deixar... mas agora há liberdade certo? Já agora no tempo colonial, houve algum caso em que tenham sido detidosjovens por lerem livros?
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