15 de dezembro de 2011

AMNÉSIA REVIGORADA / Ágora / Novo Jornal nº204/ Luanda 16-12-2012





Adriano Moreira foi agraciado com o grau de Doutor Honoris Causa pela Universidade do Mindelo, em Cabo Verde.
Germano de Almeida insigne escritor cabo-verdiano é o seu padrinho, o que de facto me deixa perplexo pelo muito respeito que tenho pelo poeta e pelo nenhum que tenho pelo homenageado.
Adriano Moreira é um verdadeiro sibilino na política, onde paira há mais de cinquenta anos, mesmo que mudem regimes, primeiros-ministros, presidentes da república em Portugal e alterações sociológicas e políticas no mundo.
Recentemente a jornalista angolana, Diana Andringa fez um documentário interessantíssimo sobre a Colónia Penal de Cabo Verde, “Tarrafal: Memórias do Campo da Morte Lenta”, onde conseguiu reunir dois sobreviventes portugueses e umas dezenas de cabo-verdianos, guineenses, angolanos que por lá passaram, e onde morreram 32 portugueses, 2 angolanos e 2 guineenses.
“Ainda vivemos à conta de uma memória salazarenta que nos puseram na cabeça e não corresponde à verdade", disse Diana Andringa, razão por que considera sua obrigação "desmontar" o que foi a "propaganda do fascismo e mostrar o lado que não interessava mostrar" antes da revolução de 1974."É que muita juventude continua a desconhecer que tivemos 48 anos de fascismo, muita gente morta e ainda hoje temos muita gente marcada pela tortura", argumenta."E um país não cresce sem a memória do passado", sublinha a jornalista, que conhece bem a realidade do campo do Tarrafal e da prisão antes do 25 de Abril de 1974 uma vez que ela própria esteve detida em Caxias ao abrigo de um processo ligado a movimentos pró independentistas.
Recorde-se que o Campo de Concentração do Tarrafal foi criado em Abril de 1936, e inaugurado em Setembro do mesmo ano, essencialmente com presos da revolta da Marinha Grande e da revolta dos Marinheiros. Foi encerrado em 1954.
Adriano Moreira reabre-o em 1961 com o nome de “Colónia Penal de Chão Bom”, para onde enviou os condenados de “delito de opinião” das colónias, donde foram libertados em Maio de 1974. Muito indignado ficou quando alguém o confrontou com essa abertura, tendo dito que não reabriu nada, criou uma estrutura nova. Essa estrutura era a mesma que «Quem vem para o Tarrafal vem para morrer» como diziam os directores do Campo, Manuel dos Reis e João da Silva ou «Eu não estou aqui para curar doentes, mas para passar certidões de óbito», dizia o médico do Campo, Esmeraldo Pais Prata.
Ministro do Ultramar que Salazar nomeia na esteira dos acontecimentos de 15 de Março de 1961 em Angola, Adriano Moreira supôs que seria o delfim do regime, e ei-lo a tentar pelos meios mais sórdidos abafar todos os seus potenciais adversários. Marcelo Caetano e Venancio Deslandes foram dos seus alvos com o beneplácito do sardónico primeiro-ministro português. Foi o homem adequado para que Salazar se visse livre de certa gente, e quando tudo serenou, o seminarista de Santa Comba despachou-o mais ou menos ao estilo que já tinha feito com outros.
Adriano Moreira era um jovem professor do ISCPU, cultor e divulgador do luso-tropicalismo do brasileiro Gilberto Freyre, portador da ideologia que enfatizava as qualidades do português enquanto homem de grande humanismo e enorme espírito de promoção civilizacional dos negros africanos.
Chegou a Angola cheio de reformas que no essencial era mudar tudo para que tudo ficasse na mesma. Claro que tudo ruiu como um castelo de cartas, porque a partida já tinha passado para a sua fase de confronto decisiva.
Voltando ao Honoris Causa condenado por todas as associações de ex-presos políticos da lusofonia, nomeadamente a cabo-verdiana pela voz do seu presidente Pedro Martins que considera isto um “insulto” e que a «a distinção é contra tudo o que lutámos para pôr fim ao regime colonial fascista».“Ali é só deixar de pensar. Porque se não morre aqui de pensamentos. É só deixar, pronto. Os que têm vida ficam com vida. Nós aqui estamos já quase mortos.” A frase é do angolano Joel Pessoa, preso em 1969 e libertado, com todos os outros presos do campo, em 1 de Maio de 1974, no documentário de Andringa.
Adriano Moreira tentou sempre ser equidistante de tudo, mas a realidade é que foi estando em tudo que ao colonialismo diz respeito (Sei que há muitos na terra que não gostam do termo, apesar de noutras alturas berrarem bem alto contra ele, e alguns arvorarem-se em combatentes de primeira água).
Como já fui vendo tanta coisa, espero que Angola não faça o que já fez com outros de igual jaez, e premiarem-no “por razões de ordem científica” como estão a fazer no Mindelo.
A memória tem que estar presente para que a dignidade de angolanos não seja violentada por uns basbaques, que ainda não conseguiram acertar a sua consciência com a história.
Já agora perto da fábrica da Cuca havia um bairro com o nome dele, e felizmente que a toponímia em certos casos foi mesmo bem mudada na nossa cidade!
DesaTARRAFALem-se deste tipo de gente!

Fernando Pereira
13/12/2011

3 comentários:

Retornado disse...

Mas como qualquer retornado compreende a lógica caboverdeana...!

Enfim, isto dava pano para mangas.

A memória não pode ser curta.

Mas não indo mais longe, lembramo-nos que o Tarrafal não fechou com a revolução de Abril, pois que o PAIGC ainda precisou dessas instalações por um certo período e para uns tantos caboverdeanos que não «gostavam da côr».

E ainda recentemente Pedro Pires discursou na Praia, que não acha que sejam más as ditaduras africanas, até teem muita lógica, no ponto de vista dele.

De facto, ainda há muito salazarismo que de vez em quando se manifesta surpreendentemente, aonde menos se espera.

E não é neste caso de Adriano Moreira, que até deve encontrar imensos simpatizantes entre "saudosistas" caboverdeanos, que é o que não faltará « pela calada» em Caboverde.

A história de facto leva anos para se chegar lá.

Cumprimentos

Fernando Manuel de Almeida Pereira disse...

Com a autorização da autora, publica-se carta dirigida ao Reitor da Universidade do Mindelo
Ex.mo Senhor
Reitor da Universidade do Mindelo
Antes do motivo que me obriga a dirigir-me a V. Ex.ª, permita-me uma breve apresentação: Licenciei-me pela Universidade do Porto e como muitos universitários de minha geração, dedicámos muito da nossa juventude à luta clandestina contra a ditadura fascista instaurada durante quase cinco décadas e pela libertação do povo português e dos povos das colónias, que nesses anos 60 já tinham pegado em armas.
Militante pelo ideário da independência das chamadas províncias ultramarinas, e vítima também da guerra colonial, como muitos portugueses (o meu marido, oficial do quadro permanente, a cumprir a 3ª comissão em África), fui professora no liceu do Mindelo no ano lectivo de 1972-73.
Recordarei sempre o que para mim foi de gratificante esse ano lectivo, o que dei e recebi desses jovens do Mindelo, uma experiência que ao longo dos anos tive provas não ter sido esquecida.
Recordarei sempre aquele dia de Janeiro de 1973 em que todos, professora e alunos, nos recolhemos em homenagem a Amílcar Cabral assassinado, dia em que, em respeito pela consternação geral e, arriscando como o fizera sempre a repressão da polícia política, decidi não dar aula.
Também não esquecerei os colegas como Baltasar Lopes, que comungavam comigo os mesmos ideais.
No ano seguinte,1974, chegou para todos a liberdade.
O meu marido, militar do Movimento das Forças Armadas (para quem Luís Morais compôs uma morna), foi no Mindelo que participou activamente nessa nossa e vossa libertação.
Sempre até à sua morte falou com emoção da grande manifestação popular que percorreu a cidade aquando do regresso ao Mindelo dos presos políticos libertados do Tarrafal.
Talvez V. Ex.ª se lembre desse dia, ou alguém, talvez um professor lhe tenha referido que no quartel colonial um grupo de jovens oficiais homenageou, em continência, a passagem desses heróis vossos conterrâneos. O meu marido era um deles e foi em nome dessas memórias que depois da revolução de Abril pertenceu aos corpos directivos da Associação de Amizade Portugal – Cabo Verde.
É também em nome dessas memórias e em respeito pelos combatentes Cabo Verdianos, então libertos de um campo de concentração que hoje, 37 anos passados, me dirijo a V. Ex.ª
Acabo de ler na imprensa de Lisboa (jornal “Público” de 12/12/2011) que o ex-ministro do governo fascista do ditador Salazar, que em 1961 como ministro do ultramar mandou reabrir o campo de concentração do Tarrafal para internar os patriotas nacionalistas africanos, irá ser homenageado na casa de V. Ex.ª – a Universidade – que é também a casa de todos os Cabo Verdianos.
É a V. Ex.ª, como Reitor, que dirijo o meu veemente protesto pela decisão da Universidade do Mindelo de conceder o grau de Doutor Honoris Causa ao ex-ministro Adriano Moreira cujo nome ficará para sempre ligado ao tristemente celebre “campo da morte”.
O perdão é possível mas o esquecimento não pode apagar o passado e não se compadece com actos de branqueamento da história dos povos.
Os nossos camaradas de luta não merecem tal afronta.
Lisboa, 15 de Dezembro de 2011
Maria Amélia Nápoles Guerra

Retornado disse...

As esposas dos Oficiais do QP e os "seus camaradas de luta" reuniam muitas vezes clandestinamente, em Luanda em soirés no Miramar, Restauração e nas marisqueiras da Ilha de Luanda e reveillons no aeroclub, boite do Universo, clube Naval...etc.

Reuniam...reuniam...até que os maridos se cansaram e acabaram com a guerra com o fascismo com o colonialismo, pois que mesmo sem essas confusões, podiam chegar igualmente a generais.

Os antifascismos anticolonialismos serôdios dá cá uma adrenalina!

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