30 de julho de 2010

Portanto /Opinião / Novo Jornal/ Luanda/ 31-7-2010




Portanto, estou agradavelmente surpreendido, pela homenagem que o Pepetela e o Ruy Mingas vão ser justamente homenageados na Chá de Caxinde.
Como começo a ser um articulista com alguns leitores, acho que como o Pepetela, tenho o pleno direito de começar um artigo com o “Portanto”, mesmo que isso não esteja contemplado nas regras gramaticais do português escorreito.
Homenagear dois cidadãos impolutos, intelectuais eméritos, antigos dignitários do estado Angolano, combatentes pela liberdade, e embaixadores mores da cultura angolana, é só um acto de justiça tardia.
Homens da “geração da utopia”, ajudaram a trilhar o dealbar de uma Republica Popular de Angola, que foi o princípio do fim de uma nova luta, protagonistas de uma expressão colectiva, construída a golpes de vontade.
Pepetela com a verve, Ruy Mingas com a música e a voz, foram em todos os momentos, bons e maus, a expressão do que pensava e sentia a gente certa.
Pepetela é hoje o mais renomado escritor angolano no contexto da contemporaneidade internacional, e um dos mais prodigiosos da escrita de língua portuguesa. O seu percurso prima pela descrição, quase a pedir desculpa por ter publicado um livro, o que vai de encontro à sua personalidade de assumida simplicidade, que o acompanha desde a sua meninice na Benguela onde nasceu há quase setenta anos, segundo relatos de companheiros ao longo de um rico trajecto de vida na busca e defesa da liberdade para o seu País. Ao invés de outros, que tudo fazem para serem conhecidos, e daí que talvez leiam os seus livros, com Pepetela acontece exactamente o contrário, algo como, leiam os meus livros e deixem-me no meu canto.
Tenho mais dificuldade em falar do Ruy Mingas, porque sou suspeito, já que sou seu amigo, e sei que é uma amizade recíproca.
Lembro-me de ter estudado em Lisboa no fim dos anos 60, e nas disputas entre mim, um dos raros angolanos no vetusto Liceu Camões, e os portugueses, nas provas de atletismo, assumíamos o que hoje se chama de “nick name”, e o meu era invariavelmente o de Rui Mingas, quer fosse nos 100m, no dardo, nos 1500m, ou no salto em altura; Só mais tarde soube que tinha sido recordista do salto em altura.
Foi com enorme emoção que o vi cantar no Zip Zip, com uma camisola de lã clara, e na altura comprei um single, que nas voltas da vida me desapareceu, que tinha a magnífica interpretação da Cantiga para Luciana, naquela voz timbrada que me habituei a ouvir de forma agradada.
Se maior contribuição não houvesse do Ruy Mingas, o hino de Angola perpetuá-lo-ia como uma figura presente na história do País, mas a sua contribuição para a edificação de uma educação física e desportos com estruturas sólidas e resultados com enorme visibilidade, dão-lhe um lugar de grande reconhecimento, pelo que tarda a justa homenagem ao grande cabouqueiro de muitas modalidades que Angola é líder africana e respeitada nos areópagos internacionais.
O seu trabalho como embaixador de Angola em Portugal, em momentos particularmente difíceis, vilipendiado até por próximos, terá que ser avaliado no futuro, de forma a aquilatar quais os obscuros desígnios, que alguns dos seus detractores usaram, de forma a armadilhar o seu trabalho, sério e coerente com os valores que o Ruy Mingas se habituou a defender, desde os tempos do anonimato.
A sua passagem pelo ministério da cultura, foi o canto do cisne da sua longa carreira no topo da administração central do Estado Angolano, e aí talvez tenha percebido, que era chegado o momento de outras realizações.
Ruy Mingas, com o meu compadre e amigo Paulo Murias, edificaram a Universidade Lusíada de Angola, projecto de suprema relevância na formação de quadros dos novos tempos de Angola.
Aos setenta anos, o Ruy Mingas tem razões de sobra para estar em paz consigo, já que nunca se violentou, nem tampouco procurou fazer mal a quem que fosse.
A homenagem que fazem a estes dois vultos da cultura angolana, tem uma enorme expressão, apesar da singeleza da realização. Talvez mesmo ambos assim o desejem, e mesmo a maior parte dos amigos prefere que assim seja!
Portanto…
Fernando Pereira
26/07/2010

Generais Cerveja/ Ágora/ Novo Jornal / Luanda 31-7-2010



Casualmente tropecei, é o termo mais adequado, no meio de um conjunto de revistas e jornais do fim dos anos cinquenta ao dealbar dos anos sessenta.
Disponho-me a gastar horas, a folhear uma panóplia de títulos ilustrativos, como se via o mundo há cinquenta anos.
Entre algumas revistas, demorei-me a ler a descrição de Raymond Cartier (nada tem a ver com perfumes, jóias e outro pechisbequismo da moda) no Paris-Match de 23 de Julho de 1960, sobre a independência do Congo, com um título adequado à linha editorial chauvinista desta revista: “Au Congo la chasse aux blancs”. Ilustrado com dois militares congoleses armados a perseguir um talvez colono belga.
Há mais intervenções dos correspondentes do Paris-Match nesses meses do antes e após o 30 de Junho de 1960, independência da Republica do Congo, num contexto onde avultou a frase mais marcante da história africana das independências:“Nous ne sommes plus vos singes” (“Nós não somos mais vossos macacos”), disse o primeiro-ministro do Congo, Patrice Lumumba, ao rei Baudoin, da Bélgica, no dia da independência do país, 30 de junho de 1960.
Baudoin, nesse dia, proferira um dos mais arrogantes discursos já ouvidos de um colonizador. Na então Leopoldville (hoje, Kinshasa), o rei belga fizera uma elegia à “genialidade” de seu tio-avô, Leopoldo II – que em 1885, por cima até do Estado belga, tornara o Congo uma fazenda pessoal, com sua população como escravos.
O discurso de Lumumba foi um dos mais irrecorríveis libelos já pronunciados contra a escravidão, o racismo e o colonialismo: " A independência do Congo, hoje proclamado , de acordo com a Bélgica, um país amigo com o qual lidamos em uma posição de igualdade, foi conquistado por uma luta diária , uma ardente e idealista luta, uma luta na qual não faltaram as nossas forças, nossas dificuldades , nosso sofrimento (...) e nosso sangue , e estamos orgulhosos disso. Foi uma luta justa e nobre, a luta necessária para acabar com a escravidão humilhante que nos foi imposta pela força. ".
Ideologicamente tenho pequena uma costela de Lumumbista, ainda que tardiamente descoberto, e mais cedo que tarde, irei colocar aqui todos os documentos que provam o envolvimento da CIA no seu vil assassinato, agora que a administração americana resolveu abrir os documentos confidenciais e reservados à consulta publica e ao conhecimento dos cidadãos. Um exemplo a seguir noutras paragens e apeadeiros!
Por vezes, qual rato dos papeis, pego em determinado material vem-me à lembrança muitas vivencias, quer de pormenores, difusos na poeira dos tempos, quer o recordar conversas dos mais velhos que escutávamos nos tempos em que não havia TV, disco, cassete pirata, cd, dvd, internet e outras modernidades.
Apesar de ter nascido em Luanda, na Casa de Saúde, hoje “ Maternidade Augusto Ngangula”, os meus primeiros anos foram vividos no Songo, uma simpática terra do mato, perto do Uíge.
Era muito miúdo, mas lembro-me de ver gente branca, que falava uma língua despercebida por mim, a passar lá na nossa bwala e a contar coisas, que deviam ser graves, pois a minha mãe impôs-me um horário de recolher inabitual, mesmo nas faldas da serra da Kinanga. A minha mãe era farmacêutica, e dominava bem o francês, pois era a língua da moda, nos seus anos de estudo na distante Coimbra, onde se licenciou, e foi a tradutora oficial de uns quantos casais belgas, com filhos de uma alvura de pele que me surpreendeu. Procuravam chegar rápido a Luanda para irem para a Europa, onde só se confrontassem com negros, no “Tintin em África”, o Hergé mais racista de toda a BD conhecida! Estavam em transe, e qualquer menção a preto deixava-os num estado de indisfarçável preocupação e não iludiam alguma taquicardia; Tiveram sorte em nossa casa, os mosquiteiros eram de uma alvura impecável!
Passados uns poucos anos, e já a viver em Luanda, menos acriançado, lembro-me de ver o Bob Denard, com a cabeça entrapada, numa mesa do “Arcádia”, com um conjunto de sequazes, todos eles com pequenos ferimentos e algumas muletas. Falavam alto, línguas esquisitas, aviavam muitos finos e demasiada sobranceria para com os locais, tendo em conta as características da sua mal afamada profissão.
Na Portugália, na Palladium, no Amazonas, em qualquer lugar onde houvesse cerveja a preceito, era ouve-los (mistura de ver e ouvir) nas suas fardas garbosas, com as ligaduras a cobrir-lhe qualquer ferimento, a darem entrevistas ao “Notícia”, e outros órgãos da imprensa local, nunca escondendo o envolvimento do Portugal colonialista com os secessionistas do Katanga, e as alianças espúrias com Tchombé, que morreu na Argélia em 1967.
Conheci um dos que foi evacuado de Bukavu, um belga Jean Schrame, lumpen na sua terra, coronel graduado em Kishangani, depois da saída de Mike Hoare “o Louco”, e que vem para a retaguarda do “Baleizão” aviar “kanhangulos” de Cuca, já que a outra guerra tinha sido perdida. Não o conheci aí, foi-me apresentado anos depois, numa festa de amigos em Oliveira de Frades, uma vila beirã, onde o “guerreiro Schrame” lutava para aumentar a produção de ovos e galinhas num aviário nas faldas da Serra do Caramulo, ultimo esconderijo conhecido do “soldado da fortuna”!
Ao tema, havemos de voltar, como bem disse o poeta!
Fernando Pereira
26/07/2010

23 de julho de 2010

Calígula em Angola / Ágora / Novo Jornal / Luanda 24-07-2010





Francisco da Cunha Leal (1888-1970) escreveu um verdadeiro libelo acusatório, publicado em 1924, contra o general Norton de Matos, verberando a sua política nas suas passagens sucessivas pelo cargo de governador de Angola (1912-1915) e Alto-comissário (1921-1923), “Calígula em Angola”.
Não vou entrar em pormenores sobre essa disputa, que animou o Chiado, então o centro cosmopolita, social e politiqueiro de Lisboa desde as lutas dos Republicanismo português em 1895, até ao seu estertor em 28 de Maio de 1926.
Efectivamente foi um inusitado combate político, a relembrar nalguns casos um célebre duelo de espada entre Egas Moniz e o mesmo Norton de Matos, em 1912, por causa do afamado caso do Caminho de Ferro de Ambaca, motivo também da demissão do então ministro das colónias Freitas Ribeiro em 1912. Este foi um dos últimos duelos de espada de gume afiado, de defesa da honra na Lisboa política!
Tudo isto vem a propósito, de uma discussão acalorada que tive com uns amigos, com quem me vou encontrando para partilhar assuntos passados, quiçá preocupações presentes, sobre a história e realidade de Angola.
Nessa “tertúlia” despoletou-se a discussão para a probabilidade de se recuperar para um lugar de relevo a estátua de Norton de Matos, colocada no Huambo com todas as outras estátuas apeadas, aquando da restauração da soberania da Republica Popular de Angola na cidade no ido Fevereiro de 1976.
Como já não somos miúdos, muitos de nós ainda se lembravam de ouvir tecer loas em nossas casas ao Norton de Matos, e também alguns de nós nos lembrámos, quanto o general foi pernicioso para os angolanos, sobretudo para o asfixiamento de uma burguesia local, a que a monarquia português, apesar de tudo, se tinha habituado a respeitar, ainda que com inerente sobranceria.
O cerne da discussão era a justeza da colocação da estátua do fundador da cidade em 8 de Agosto de 1912, num lugar de destaque da cidade. Eu assumi-me claramente contra esse desiderato, pois Norton de Matos não foi mais que um Cecil Rhodes (1853-1902) português, com as limitações inerentes à pequena expressão do Portugal no contexto colonial de então. Norton de Matos era um racista, e a sua política assentou sempre nesse primado.
O seu projecto de desenvolvimento económico de Angola, tinha um objectivo claro: A construção de um grande país de brancos, que iriam impor os seus valores, a sua cultura, o seu modelo económico, em que os angolanos seriam os seus “servos da gleba”, e que pudesse ser o território o epicentro do mundo português.
Promoveu o desenvolvimento de vias de comunicação, com a construção de uma rede eficiente de estradas, fez algum esforço ao nível do equipamento, apoiou uma ténue industrialização, fomentou o comércio interno, e desencadeou um esforço de potenciar o desenvolvimento agrícola da colónia, através do trabalho forçado dos seus habitantes locais.
Aparentemente um programa perfeito, embora sem avaliar os custos de um projecto destes, o que levou ao desaparecimento do BNU enquanto banco emissor em Angola, e a proliferação das “Ritas”, um dinheiro tipo senhas, de notas de 50 centavos, emitidas pela “Republica Portuguesa - Angola”, que nada valiam, e que só compravam uma bebida quando empacotadas como um tijolo; Uma moeda tipo dólar do Zimbabwé actual, ou o Novo Kwanza em meados dos anos 90. As “Ritas”, assim chamadas, era aa designação popular das notas, pela associação com o nome da filha do general.
Um verdadeiro desastre a sua passagem por Angola, testemunha de Alves dos Reis, noutro muito badalado episódio de moeda, neste caso emissão de moeda falsa em que Angola é mais uma vez o centro da “vigarice”!
Assumo que violento a memória do meu pai, que foi membro da candidatura de Norton de Matos à presidência da Republica Portuguesa em 1948, na Catumbela, e seu intransigente defensor, mas paciência, nalgumas coisas tivemos que estar em desacordo, e ele sempre soube que nunca partilhei o seu entusiasmo pelo general, grão-mestre da maçonaria em 1929.
Talvez não seja bom opinar sobre o assunto, porque normalmente as coisas saem quase sempre, ao contrário do que gostaria: deixem estar a estátua onde está, com buraquinho e tudo…
Fernando Pereira
20/7/2010

16 de julho de 2010

Gamanço/ Ágora/ Novo Jornal/ Luanda / 16- 07 - 2010



Vamos dissecar hoje o verdadeiro significado da palavra “Gamar”, que tem mil e um significados, mas na realidade o objectivo final é sempre o mesmo, dependendo apenas do valor do objecto.
Comemoraram-se há bem poucos anos os 500 anos da viagem de Vasco da Gama à India!
Para que conste, o tal de Gama, Vasco de seu nome, tinha uma estátua, em frente à Academia de Musica, no 4 de Fevereiro ,antecipando o estilo decadente da estatuária norte-coreana, que hoje invade a nossa cidade capital.
O moço descobriu o caminho por mar! Foi um feito, mesmo sabendo toda a gente que o caminho por terra era muito mais curto! De facto a viagem de Gama, não podia ter tido um personagem com apelido mais apelativo, para aquilo que as potencias coloniais iriam fazer nos 500 anos seguintes: GAMAR.
D. João II, um dos reis mais inteligentes que Portugal teve, escolheu bem o perfil do navegador, incluindo o seu nome, para os desígnios futuros das suas campanhas pelo Oriente. Desculpem o homofóbico da linguagem, quiçá algum desbragamento, mas não posso deixar de pensar que alguns dos marinheiros da campanha do Gama foram aliciados porque iam ao reino do Cochim, mas a meio do caminho conseguiram ser demovidos a muito custo por irem a Calecut, coisa que a maioria da marinharia estava habituada, pois as longas permanências no mar obrigava-os a outras opções, diferentes das de em terra firme (cuidado que isto é uma cacofonia).
O Gama, levou como sub-capitão outro Gama, Paulo de seu nome, para no caso de vacatura do primeiro, o Gamanço se perpetuasse.Paulo acabou por se finar antes do regresso a Portugal.
Lá foram as três naus e o Bérrio, a caminho das especiarias e dos afrodisíacos, para terras para lá do Preste-João.
Chegaram lá com muito estrondo, cheios de salamaleques e ofertas, para logo na viagem de circum-retorno congeminarem logo como haveriam de lixar os poderosos senhores de Calecut e Cochim, e inerentemente o seu séquito de mulheres, essas bem mais apelativas (bem mais as de Cochim que Calecut).
Começou então em Gama, o verdadeiro Gamar, e foi uma tarefa bem concebida, pois durou 500 anos. O Gama, também foi arrecadado nos Jerónimos? Não me façam acreditar nisso. O tipo morreu como Vice-Rei da Índia presume-se que com escorbuto, embora se tivesse constado nos meandros da corte que terá sido de gonorreia.
O Gama, como qualquer do seu tempo era da barbárie, porque efectivamente tinha uma provecta barba, que devia ser incomodativa nas grandes viagens e quiçá mesmo uma verdadeira estufa incubadora de piolhos.
Dessei, mas espero que me elucidem sobre se realmente, o gamão, aquele jogo esquisito parecido com as damas, tem algo a ver com o Gama?
Fernando Pereira
14/07/2010

11 de julho de 2010

A classe média ou a média da classe? / Ágora /Novo Jornal/ Luanda 10-07-2010



A pequena classe média angolana, coincidindo com o solstício de Verão no hemisfério norte, vai em romaria em busca de outras latitudes.
O aeroporto 4 de Fevereiro é provavelmente o maior “santuário” do País, um verdadeiro lugar de idas e vindas de gentes, de sonhos, de frustrações, de reencontros, um espaço talvez adorável para muitos que partem, e curiosamente também para quem chega.
O angolano tem uma relação afectiva com o seu aeroporto, porque desempenha o único lugar possível de ligação efectiva com o mundo exterior, e a realidade é que ao longo dos anos, há muita gente que o conhece bem melhor, que as terras além Kwanza e Bengo.
O angolano da classe média alta, utilizador de tecnologias, fato e gravata para todas as ocasiões, mesmo supostamente as mais dispensáveis, com correntes de ouro reluzentes e muito agarrado às marcas, tem idiossincrasias muito peculiares que não deixam de chamar a atenção.
Os angolanos quando vão ao exterior defendem com entusiasmo o seu país, a sua gastronomia, as suas belezas naturais, até a sua desorganização e corrupção. Isto é um princípio interessante, e na realidade aumenta o ego do angolano, que tanta dificuldade tem para o alimentar, já que vão desabundando razões de orgulho. O narcisismo do angolano é um bem valioso, é importante utilizá-lo a preceito.
A verdade é que esses mesmos angolanos, em Angola, esquecem-se do seu discurso no exterior, cultivam a costumeira má-lingua, estão sistematicamente contra o poder, e o que não deixa de ser paradoxal, é o facto de haver alguns proceres da área, que entram neste esquema, falam deliciosamente dos locais de compras no exterior, nos cabarets frequentados e nos pratos, vinhos e etílicas bebidas deglutidas.
Por exemplo em Lisboa, para um angolano não há nada melhor no mundo que um kalulu de peixe, ou uma muambada. Em Luanda os mesmos protagonistas, acham que nada no mundo é melhor que o bacalhau com grão, com cebola e salsa, um leitão à Bairrada ou uns pezinhos de porco de coentrada.
Isto não tem nada de extraordinário, a não ser quando ocasionalmente se quer transformar a sociedade num teclado de piano, onde se tenta alterar a posição das teclas. A realidade é incontornavelmente por razões de insegurança, e cada vez menos se justifica atitudes deste tipo na sociedade liberal angolana. O teclado de um piano é bom se tiver uns bons executantes, inaudível se for um incompetente a tocá-lo; Nem o afinador consegue fazer nada com maus executantes!
Angola tem que começar a conviver melhor com a sua diáspora, e acabar definitivamente com estigmas em relação a quem procura nova vida, e novas oportunidades noutros lugares. È um direito que qualquer cidadão livre tem, que é viver onde quer, se o puder fazer.
Foi uma” herança” dos tempos de guerrilha, e significava um abandono de uma causa, em que qualquer angolano se deveria engajar. Muitos angolanos não resistiram e desistiram de lutar, porque a realidade era dura, e hoje percebem-se os argumentos de um lado ou de outro.
Angola tem muita gente profissionalmente competente e de enorme afirmação profissional em múltiplas áreas da ciência, desporto, artes, conhecimento, e que estão no exterior e que se sentem angolanos, mas que não querem, e nalguns casos nem sequer podem, por razões de natureza profissional, voltar a viver em Angola.
São diferentes estes angolanos por isso? A única coisa que pedem é que o País lhes dê a nacionalidade, já que notoriedade alguns tem que sobra e muitos desses em áreas que poucas pessoas em Angola se dão conta que existem, e são de uma importância enorme.
Uma reflexão a caber, num debate mais amplo nestes trinta e cinco anos de independência e de vivencia colectiva da angolanidade. Um sinal de modernidade do País, bem melhor que alguns projectos em execução.
Ah, talvez não tenha nada a ver, mas lembrei-me desta poesia de Drumond de Andrade: João amava Teresa, que amava Raimundo, que amava Maria, que amava Joaquim, que amava Lili que não amava ninguém. João foi para os Estados Unidos, Teresa para o convento, Raimundo morreu de desastre, Maria ficou para tia, Joaquim suicidou-se e Lili casou com J.Pinto Fernandes que não tinha entrado na história.

Fernando Pereira
4/6/2010

2 de julho de 2010

Crónica do tempo vindouro (Que há Devir)/ Novo Jornal / Luanda / 3-7-2010



Foram tantas as vezes que muitos de nós pedimos a Paulo Jorge, que deixasse as suas memórias, prometeu que em breve o faria, e morreu no sábado passado sem que nos tivesse feito a vontade!
As lembranças que Paulo Jorge iria deixar, eram fundamentais para perceber o que foi a diplomacia da fase de gestação e debutante da Republica Popular de Angola. Teria sido importante este legado, para acabar com uma miríade de histórias, algumas mal engendradas, que vão circulando sobre esses anos de particular enfoque no quotidiano político e militar da África Austral.
Com Paulo Jorge desapareceu uma parte do espólio, de um tempo em que a afirmação de valores de solidariedade, justiça social e igualitarismo faziam parte do léxico, e de alguma prática das nossas convicções pessoais e políticas.
Paulo Jorge nasce em Benguela em 1934, filho de um funcionário de uma açucareira, com ligações a candidaturas oposicionistas à ditadura de Salazar, particularmente empenhado nas comissões locais de candidatura de Norton de Matos e Humberto Delgado.
Vem para Lisboa nos anos 50 para estudar geologia, mudando entretanto para engenharia, curso que não acaba para se juntar à resistência angolana no exterior.
Foi membro dos órgãos sociais da Casa dos Estudantes do Império, alfobre de gente que conscientemente assumiu uma rotura com os valores do colonialismo português. Para além de excelente dançarino, era um sedutor e um exímio praticante de ténis de mesa, tendo sido campeão nacional universitário, para além de ter sido praticante federado ao serviço do Sporting.
Com Marcelino dos Santos, Amílcar Cabral, Agostinho Neto e Câmara Pires, entre muitos outros, foi um entusiasta da criação da ex-CONCP (Conferencia das Organizações Nacionalistas das Colónias Portuguesas) e um dos seus particulares dinamizadores.
Esteve no “maquis”, mas a diplomacia do MPLA e depois da R.P. Angola foram uma constante no seu percurso de político, tendo sido Ministro das Relações Exteriores durante anos quer com Agostinho Neto, quer com José Eduardo dos Santos.
Nos anos 90, é governador do Kwanza-Norte e posteriormente Benguela, onde tem uma prestação de relevo. É deputado eleito em 1992, reeleito em 2008.
Homem de grande probidade, incapaz de se apropriar do que quer que fosse, assumindo até algum quotidiano espartano na sua vida, Paulo Jorge deixa-nos o exemplo do dirigente, que abraçou uma causa por convicção e nunca para se aproveitar dos lugares para proveito próprio.
Morreu a 26 de Junho, sabendo-se que sem grandes recursos, e com ele fica o exemplo de um homem fundamental nos alicerces do País e indispensável no colocar de tijolos da edificação de uma nova geografia política na África Austral.
Obrigado Paulo Teixeira Jorge!

Fernando Pereira
30/06/2010

FarmVille a sério! / Ágora / Novo Jornal / Luanda 3-07-2010






Permito-me em primeiro lugar não falar de José Saramago, porque li quase tudo o que publicou em livro. Da sua extensa bibliografia, há obras que me fascinaram, outras quase me entusiasmaram, algumas li e fiquei indiferente, umas poucas não gostei rigorosamente nada e acidentalmente, houve duas que não consegui acabar de ler.
Porque quando Saramago foi notícia, na sua vida e na sua morte recente, fala tanta gente, que utiliza a estafada táctica: quando leio A, que não conheço, escrevendo sobre X, que também não conheço, vou ler o que A escreve sobre Y, que conheço: regra de três simples, e a opinião forma-se e talvez se enforme.
No meu caso seria atrevimento a mais opinar, pois repito, conheço quase toda a sua obra. Deixo esse lugar aos sábios, sabichões e também aos “ratos de sacristia”!
A clarividência do Fernando Pacheco na entrevista ao Jornal de Angola da edição de 14 de Junho, traz para a discussão de forma assertiva um conjunto de reflexões, sobre o que Angola pretende no mundo rural e da agricultura, enquanto base para um desenvolvimento harmonioso, numa economia sustentada.
Habituei-me a ler todas as reflexões, que o Fernando Pacheco tem vindo a fazer há uns anos a esta parte, sobre a organização do mundo rural no nosso País, e se há algo que podemos afirmar sem peias nem meias, é que tem sido coerente, em que paralelamente são feitas propostas e que são incompreensivelmente ignoradas.
Quando Fernando Pacheco levanta a questão da hiperbolização desproporcionada das metas para o período entre 2009-2012, faz-me recuar mais que trinta anos, e voltar a pegar nas “Orientações fundamentais para o desenvolvimento económico e social da Republica Popular de Angola no período 1978-1980”, que rezava em determinada altura: “Dever-se-á prestar especial atenção à produção de meios alimentares essenciais, com vista a obter o mais rapidamente possível os bens de 1973”, com objectivos, onde aparecia invariavelmente junto dos valores, uma determinada percentagem da “produção histórica”(Ex: Milho: produzir cerca de 400.000 toneladas-67% da produção histórica ou 120.000 toneladas de café, “o que corresponde a 55% da produção histórica”). Estamos a falar de um período de três anos, já que estas propostas foram aprovadas no 1º Congresso do MPLA em Dezembro de 1977.
Pegando nas “ Orientações fundamentais para o desenvolvimento económico-social 1981-1985”, documento saído do I Congresso Extraordinário do MPLA, em Dezembro de 1980, somos confrontados com uma análise mais comedida das propostas, irrealista, tendo em conta a situação prevalecente no País (Ex: No caso do “Milho: Atingir as 268.000 a 300.000 toneladas… Café: 60 a 70 mil toneladas de café comercial…”).Isto era o objectivo para um período de cinco anos!
Em 1992 o Dr. José Manuel Zenha Rela, faz sair um trabalho interessante, “Angola- Entre o presente e o futuro”, em que aborda, talvez de uma forma algo romântica, as condições para a formação do “Verdadeiro empresário agrícola angolano”, a “distribuição da terra” , “ o apoio de meios mecânicos”, “Disponibilidade dos Factores de Produção”, Assistência Técnica e Vulgarização”, “Escoamento da produção comercializável”, “Acesso ao crédito” e outros itens relacionados com o desenvolvimento agrícola de Angola, entre outros temas.
Anos depois, em 2006, saiu do mesmo autor o livro “Angola - o Futuro já começou”, revisto em Dezembro de 2008, editado pela Nzila, um levantamento exaustivo do futuro de Angola, onde as preocupações não são muito diferentes das colocadas por Fernando Pacheco ao JA. Deste livro falarei mais tarde, um “tijolo” robusto em tamanho e na qualidade, num exercício de soluções por parte de alguém que é simultaneamente um académico e um observador atento dos últimos sessenta e cinco anos de Angola.
Pelos vistos as preocupações do Fernando Pacheco sobre o desenvolvimento rural angolano são recorrentes. O petróleo, neste caso é um factor de empobrecimento do País, pois acaba com a matriz de Angola, que é a sua inata vocação de ruralidade.
Resta-me deixar o aviso para as gerações vindouras, que quando passarem os cinquenta anos verificarão, por certo, que antigas certezas são abaladas pela teimosia dos factos. Os factos são teimosos e então como eu só terão dúvidas!
“Acho que era mais barato, mais rápido e política e socialmente mais adequado se gastássemos o dinheiro que estamos a gastar em grandes projectos, a produzir cereais, para apoiar os pequenos agricultores familiares.” Excerto da entrevista do Fernando Pacheco ao Jornal de Angola.
Só faltaria mesmo, que as pessoas se comecem a dedicar ao FarmVille do Facebook, para se sentirem rurais em qualquer apartamento, numa grande cidade e num mundo virtual perto de si!

Fernando Pereira
23/06/2010
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12 de junho de 2010

O Senhor Basquetebol/Ágora/ Novo Jornal/ Luanda 18-06-2010




De vez em quando, em Angola vai havendo lugar para o reconhecimento do trabalho, do empenho e da criatividade de alguns dos seus cidadãos.
O Desportivo 1º de Agosto, clube onde me sagrei campeão nacional de voleibol, resolveu organizar o torneio de basquetebol “Vitorino Cunha”.
É uma homenagem, ainda que singela, ao maior cabouqueiro do basquetebol angolano, realçando a gratidão dos dirigentes para com um técnico que tudo deu ao clube e ao basquetebol angolano.
Convém fazer uma prévia declaração de interesses sobre Vitorino Cunha, assumindo que as minhas relações pessoais com ele nunca foram muito boas, porque na realidade tem um feitio particularmente complicado, opinião naturalmente subjectiva.
Vitorino Cunha, que conheço desde os tempos do CDUA, há quase quarenta anos, é indiscutivelmente o “Senhor Basquetebol Angolano”, e o responsável maior pelo facto de Angola ser há décadas, a maior potência africana da modalidade.
Técnico excelente, fui durante muitos anos a figura tutelar do basquetebol angolano, e muitos dos mais brilhantes jogadores da nossa selecção ao longo destes quase trinta e cinco como País, devem-lhe muito, principalmente a motivação e os ensinamentos ministrados na fase de formação.
Muitas vezes foi acusado de métodos pouco ortodoxos, para fazer valer as suas convicções, mas a realidade é que no essencial a razão estava do seu lado. Situações como a de ter a chave da Cidadela, para às seis da manhã treinar um jogador, para que a sua evolução técnica fosse mais rápida, ou guardar religiosamente as bolas na viatura para ter a certeza que tinha o material à hora que precisava, entre outras histórias, são reveladoras da indómita vontade de ver o basquetebol angolano no galarim das potências mundiais da modalidade.
Rui Mingas, e a sua equipa nos Desportos, numa fase crucial de definição de prioridades no desporto angolano, no dealbar de Angola enquanto País, contra “muitos ventos e marés”, assumiu de forma determinada que o basquetebol seria a modalidade de maior expressão de Angola no exterior. Os factos, que pelos vistos são teimosos, mostraram que a razão estava do seu lado, pois o futebol exigia investimentos vultuosos, e obrigava-se a discutir uma remota primazia, com um conjunto de países africanos com outras estruturas já firmadas e alianças, afirmadas, ainda que nalguns casos espúrias.
Afirmo sem qualquer prurido de espécie alguma, que se não houvesse um Vitorino Cunha, teria sido bem mais difícil implantar esta afirmação popular em torno do basquetebol em Angola.
Já que se fala de basquetebol, e porque tive o prazer de rever o Agostinho Reis, velha glória do Benfica de Luanda, na semana transacta, vem-me à memória uma história notável em que ele e o meu falecido amigo Alberto Martins foram protagonistas no ano de 1967.
Como era prática no tempo colonial, a partir do inicio dos anos sessenta, o campeonato de basquetebol era organizado alternadamente na “Metrópole”, outro em Moçambique e outro em Angola. O campeonato era disputado pela equipa vencedora de cada “provincial” e pelas duas primeiras classificadas do campeonato onde nesse ano se realizava o “nacional”.
Em 1967, o campeonato foi disputado em Angola, tendo ganho o Benfica de Luanda, num jogo disputadíssimo contra a Académica de Coimbra, na época de estreia do António Guimarães nos seniores do SLB.
O treinador da Académica de Coimbra, era o professor Alberto Martins, conhecido pelo “Teórico”, que entre várias hipocondrias, tinha um pavor enorme a espaços fechados, pelo que andar de avião era um verdadeiro suplício.
Numa entrevista à então “Emissora Oficial de Angola”, o Alberto Martins no aeroporto, quando embarcava para Portugal, e numa apreciação ao campeonato que a AAC tinha perdido, resolve dizer que tinha ficado surpreendido com o “jogador Agostinho Neto” do Benfica de Luanda, numa confusão com o Agostinho Reis. Naturalmente toda a comitiva gozou com a situação, e o “Teórico” começou a achar muito pouca piada ao deslize, o que ao tempo era uma situação a merecer cuidado.
Faltavam uns minutos para o embarque e o professor Martins já com vários ansiolíticos no corpo, é chamado pela aparelhagem sonora do aeroporto aos serviços da PIDE. Bem, os mais malandrecos da equipa começaram a “fazer um filme”, que deixou-o completamente petrificado e num estado de palidez, que quem viu jamais esqueceu, tal era o estado do “Teórico”. O saudoso Carlos Silva, o Hilário e o moçambicano José Luis Cabaço eram os que mais gozavam com a situação, que só terminou quando o professor Martins volta da PIDE, uns minutos depois, e trazia um “faceas” totalmente diferente, mas ainda a balbuciar que “era só para me entregarem os documentos que esqueci no balcão de embarque”!
As malhas que o basquetebol no Império teceu!
Fernando Pereira
6/06/2010

4 de junho de 2010

Marx- Tendência Groucho (II) / Ágora / Novo Jornal / Luanda 4-6-2010



Continuando a falar de cinemas de Luanda, lembro-me do brado que deu a inauguração do” Tivoli”, em meados dos anos 60, em que o filme era o “Dr. Jivago”, (David Lean- 1965) uma adaptação de um livro do primeiro soviético laureado com o Nobel, a pedido dos EUA em plena” guerra fria”, Boris Pasternak. Na Samba, o” Tivoli” afirmava-se como uma sala com uma excelente acústica, e era engraçado verem-se empoleirados nos muros, muita gente que provavelmente só assim podia ir vendo cinema.
O Miramar, era o que se pode chamar a “feira das vaidades” de determinado tipo de gentes da cidade no tempo colonial, e recordo-me de ter visto por lá o “Lawrence da Arábia” (David Lean-1962). Nos anos 80 vi por lá uma mostra de cinema soviético, onde pude ver algumas obras de Tarkovsky, nomeadamente os fantásticos, “Andrey Rubiev” e “Solaris”, duas obras primas do cinema soviético, numa escola de Eisenstein, e que nada tinham a ver com as estopadas que nos martelavam, com a heroicidade dos combatentes da URSS na 2º guerra.
Houve uma altura em Luanda, que esse tipo de filmes e até, pasme-se, uns westerns soviéticos, passavam no Kipaka, ao lado do Ferroviário, onde terei visto provavelmente a pior sequencia de cinema em toda a minha vida, filmes que só tinham paralelo em comer macarrão com peixe espada frito (na gíria popular, “o cinturão das FAPLAS”) que nos davam nos restaurantes da cidade, para podermos ter acesso aos pouco saudosos “búlgaros”.
No Nacional, que hoje alberga um excelente projecto cultural dirigido com enorme voluntarismo pelo Jacques Arlindo dos Santos, a “Chá de Caxinde”, e onde no sábado passado o Mário Torres foi homenageado pelos muitos amigos que conquistou, numa vida coerente de duro combate por uma Angola independente. Talvez de forma descontextualizada do artigo, não há festa, nem homenagem que consiga retribuir o que Mário Torres deu a este País, ele que nunca esperou, nem reclamou, nem recebeu prebendas de qualquer tipo, num claro desapego, só possível no elevado carácter da pessoa.
Voltando ao “Nacional”, onde ainda me tentaram incluir num grupo infantil de teatro, “Cremilda Torres”, em meados dos anos sessenta. Desconseguiram, porque realmente não tenho jeito nenhum para cantar, mas a intenção ficou! O vetusto “Nacional” é uma sala notável, e um marco na cultura de uma Luanda muito provinciana e maledicente. Estar por lá o Chá de Caxinde, é um alívio, mas todo o cuidado é pouco, para defender o imóvel da sanha assassina do camartelo em prol de novos espelhos.
O” Tropical”, onde me fartei de ver cantores, artistas e nalguns casos alguns que tentavam ser uma coisa e outra e não conseguiam ser nada, era um espaço interessante, num conceito muito pouco habitual de cinema, embora se o filme fosse longo, o torcicolo era inevitável, já que as mesas obrigavam-nos a levantar o pescoço. Cine-Teatro bonito dos anos 50, jardins com bom gosto, um local que julgo saber relativamente preservado.
No “Ngola Cine”, lembro-me de ver alguns filmes de reprise, e ter assistido a espectáculos diversos, alguns animados pelos Kiezos, com o recentemente falecido Vate Costa, a quem presto sentida homenagem. Do outro lado da Avenida o pequenino “S. João”, era um cinema de bairro, onde acho que nunca entrei, tendo contudo frequentado o cinema da unidade móvel nº 7, perto da actual Casa 70.
Fui à inauguração do “S. Paulo”, já no dealbar dos anos 70, com o “Herbie, se o meu carro falasse”, uma produção da Disney sobre o VW Carocha, inicialmente produzido em 1940 na Alemanha, e o carro mais vendido em todo o mundo suplantando o mítico Ford T. O VW Carocha, carinhosamente apelidado por “ZEDU”, foi introduzido massivamente em Angola em meados dos anos 80.
Não sei se falei de todos os cinemas mas lembro-me que frequentava o cine do Sporting Club da Maianga, do Sindicato dos Motoristas, ali ao pé das Obras Publicas, o cine dos CTTs, ao pé do Kinaxixe, e acho que fui uma vez a um cinema que a Textang tinha na Boavista, ao ar livre!
Em Viana, ao Kilamba, nem nunca fui, porque ficava fora de mão, e sobre o demolido teatro “Avenida” na Rainha Ginga, havemos de falar sobre isso noutra crónica.
Como esta crónica é feita a dois tempos, lembro que teremos começado com Marx, e já que falamos de cinema, o máximo que podemos dizer é que alguns “marxistas” convictos em determinado momento, recusaram-se a aderir ao “Marxismo- tendência Groucho”, dos notáveis irmãos Marx, que filmes como “Um criado ao seu dispor”, “Uma Noite na Ópera”, “Uma Noite em Casablanca”, e por aí fora, são momentos inolvidáveis no cinema do nosso encantamento.
(FIM)
Fernando Pereira
24-5-2010

30 de maio de 2010

Marx- Tendência Groucho (I) / Ágora / Novo Jornal / Luanda 28-5-2010



Em Luanda decidiu-se quase varrer Karl Marx de todo o lado!
Vamos por partes, a rua Karl Marx dos tempos do “Científico”, passou hoje a chamar-se a avenida de Portugal, embora prolongando-se para a Frederich Engels, e cruzando-se com a Av. Lenine, que tem sido servida de alguns desníveis, em forma de viadutos. A verdade insofismável, é que a lógica da toponímia dos tempos da ditadura do proletariado, sofreu um perigoso revés, ao amputar-se uma das três matrizes fundamentais do “M-L”, e ao caso o iniciador.
Em tempos houve em Luanda um Instituto Médio Karl Marx, que partilhava as instalações e o nome com Makarenko (1888-1939) um pedagogo russo, com uma obra interessantíssima sobre educação, sociedade e intervenção educacional integrada no processo produtivo. Esse instituto que funcionava nas antigas instalações da Escola Industrial, no tempo do colono, chama-se hoje Instituto Médio Industrial de Luanda, e mais uma vez do nome Marx, fica a lembrança, dos que por lá passaram como alunos e professores, onde me incluí, ainda que por pouco tempo.
A livraria Karl Marx, julgo que também terá sido erradicada, o que convenhamos não me surpreende, pois penso, já ter havido outra apetência para a leitura no nosso País, ao invés do que acontece presentemente, aguardando que seja apenas um pequeno acidente de percurso nas motivações e solicitações culturais das pessoas. Talvez este deslumbramento, pela frenética economia de mercado, com o seus adereços, trajes, linguajar e costumes diferentes, possa vir a esbater-se, e se recuperem os tempos da leitura enriquecedora.
Com esta saga destruidora do “Marxismo” na sociedade Luandense, sobra o Cine Karl Marx, que se vai mantendo, desde que o colonial “Avis” mudou de nome, uma das mais emblemáticas salas de espectáculo da cidade de Luanda, no bairro de Alvalade, onde a média burguesia colonial angolana começou a fazer as suas vivendas, algumas delas de gosto duvidoso, situação que pelos vistos se perpetua de forma generalizada nas construções que enxameiam a cidade. Atrevo-me a chamar à Luanda de hoje, a cidade “Ray-Ban”, tal a quantidade de vidros espelhados que cobrem os edifícios.
Deixando o Karl Marx, espero que nalgumas das suas concepções de sociedade, por pouco tempo, apetece-me dar uma volta pelos cinemas da cidade, marcantes no meu quotidiano evolutivo de homem.
O “Restauração”, magnífica obra de arquitectura dos irmãos Castilho, que depois teve no que era o bar o cine “Estúdio”, é hoje a Assembleia Nacional, o que muito enobrece o espaço.
Frequentei aquele cinema muita vez, principalmente nas longas férias de Verão, e recordo-me que invariavelmente lá estava todas as matines, umas quantas vezes a pagar, outras à borla, ou a senhora da bilheteira não fosse minha prima, que como se vê o favor familiar, já se herdou do tempo do colono.
O “Colonial”, ali por detrás da Missão de S. Paulo, foi sempre a imagem que descobri no “Cinema Paraíso” (Giuseppe Tornatore-1988), e de emblemático, passou a abandonado até à sua demolição, para parque de viaturas; Convenhamos que até aqui há semelhança com um dos “cem filmes que temos que ver antes de morrermos”! Mas foi pena o velho Clo-Clo ir abaixo.
O “Império”, hoje” Atlântico” é um cinema onde me recordo de ter visto “O Musica no Coração”, de Robert Wise (1965), em que a Julie Andrews, então uma jovem, punha invariavelmente a chorar o empedrado da calçada, quando teve que se assumir como substituta da mulher perdida de Von Trappen, um militar anti-nazi, com uma resma de filhos, que passavam a vida a cantar, entre relvados e flores! Um idílio perfeito. Vi lá muitos outros, mas não me era um cinema particularmente simpático. Em 1974, um grupo de cidadãos, conseguiu evitar a exibição de um tenebroso filme racista, “Morte em Entebe”, aviltante para os africanos!
(CONTINUAÇÂO)
Fernando Pereira

24 de maio de 2010

Era bom que se fossem lembrando!/ O Figueirense/ 21-5-2010


Era bom que se fossem lembrando!

Quarenta e três anos depois do assalto à dependência do Banco de Portugal na Figueira da Foz (17 de Maio de 1967), feito por Palma Inácio, Camilo Mortágua e outros, onde levaram a quantia de 29.274.360$00 (aproximadamente 164.020 euros), na mesma cidade, assisti a mais um assalto à inteligência desportiva do país. O programa “trio de ataque”, vem todos os anos até à Figueira, fechar a época, e a verdade é que é um programa igualzinho a todos os outros sobre desporto, uma perfeita quase inutilidade e o reduzir o futebol à estultícia generalizada.

De todos é provavelmente o menos mau, embora já tenha assistido num destes programas em que o comentador de um dos clubes resolveu colocar a equipa a jogar em 4,5,3 losango!!! Não vou dizer qual deles foi, mas garantidamente não foi o mais sóbrio de todos, o Rui Moreira!

Estamos no fim da época desportiva de modalidades de salão, ginásio, pavilhão e estádio, e temos que admitir que foi um ano atípico, com derrotados surpreendentes e com campeões que só viram a luz no fundo do túnel na última jornada do campeonato, isto falando do campeonato da 1ª divisão nacional de futebol.

Terão surgido circunstancias várias, como a vinda do Ratzinger a Portugal, as cinzas da Islândia, o ultimo ano de mandato do Lula, o não apuramento do Ginásio Figueirense para os play-off do campeonato de basquetebol, terem subido os impostos depois de repetidas vezes ter sido reafirmado que nunca seriam aumentados, não haver festival de cinema da Figueira da Foz este ano (!!!!) e o Vara não ter sido falado para a presidência do Benfica, ou do Berardo Shoping, onde é um Bem Amado forever.
Já agora, também porque o Baltazar Garzon foi suspenso, porque há crimes que foram feitos para se perpetuarem nas catacumbas, longe da memória colectiva dos povos, e os seus responsáveis poderem viver de bem consigo, “Por Dios e la Patria” (Sinais de Fogo, Jorge de Sena, provavelmente o melhor romance português do século XX).

Já que estivemos a falar de desporto, não de cultura física, mas de recreação, posso dizer que em Portugal, o FC do Porto apenas teve até hoje um presidente preso, que foi Afonso Pinto de Magalhães, por ter sido o único da grande finança que apoiou Humberto Delgado (Ver Negócios Vigiados, excelente livro de Filipe Fernandes e Luis Villalobos).

Hoje fico-me por aqui, para não me acusarem de escrever bué!
Mas ainda fui a tempo de me lembrar do “cantinho do Morais”, do Mário Simões. O João Morais morreu a semana passada. O Mário Simões, bom amigo, um figueirense, e só é pena estes devaneios, como o disco que ilustra o artigo, que coloquei violentando-me de uma forma, que só os que muito considero merecem!
Fernando Pereira

Este artigo foi publicado no blog Zas-Tras, que por sua vez foi remetido para as paginas de opinião do semanário "O Figueirense", da Figueira da Foz

21 de maio de 2010

O Infante Branco/Ágora/ Novo Jornal/ Luanda 21-5-2010



Desculpem o arrojo desta crónica, mas como faço anos por estes dias, tenho o direito a este devaneio, porque como diria Chaplin, “tenho a impressão que os homens estão perdendo o dom de rir”, ou mesmo do mesmo "Através do humor nós vemos no que parece racional, o irracional; no que parece importante, o insignificante. Ele também desperta o nosso sentido de sobrevivência e preserva a nossa saúde mental”
Hoje resolvi introduzir este tema!
Por falar em introduzir, hoje vou falar do paquete Infante D. Henrique, essa jóia da ex- Companhia Colonial de Navegação, fundada por Bernardino Correia, um homem com muitas participações em Angola, onde viajei algumas vezes entre Lisboa e Luanda e ” versa ou vice”.
Para falar do paquete em causa, tenho de começar por falar do próprio Infante. O Henrique de Lencastre era filho do João e Filipa, que já nesse tempo era um nome da moda, e fazia parte da Ínclita Geração, e de facto era uma significativa parte da visão do que se tentava incutir na «raça» portuguesa ao longo dos séculos.
Essa tal ínclita geração tinha de tudo um pouco! Um gestor da treta que cavalgava em toda a sela, mas que se esquecia de deveres conjugais mínimos, que eram usurpados por outros cavaleiros e quiçá alguns pajens; Estou a falar do Duarte, depois um Pedro que era galfarro, e também enchia páginas da "Caras", e outras revistas mundanas ou “nundanas” do tempo, havia o Fernando, que levou na mona dos mouros em Ceuta, que virou santo, o que hoje seria fácil ao ritmo a que são feitas beatificações. Aqui uma certa semelhança com o F. C. Porto no tempo do fascismo, em que os clubes de Lisboa tudo ganhavam, com o beneplácito do regime. Roger Moore era Santo, porque atacava umas moças em filmes de alguma acção e beijoca a esmo.
Ainda havia duas infantas, que nunca entraram na dita ínclita geração, e devem ter sido sepultadas em Mouriscas do Vouga, pois não estão ao pé da “malta” na Batalha das Imperfeitas Capelas, ao pé de um infeliz, ou um conjunto de ossadas de uns infelizes, a quem em vida nunca perguntaram se porventura se importariam de ser soldado desconhecido, só para ser guardado toda a eternidade por infelizes conhecidos, com horário rígido copulado com um “faceas” esfíngico.
O quarto da Ínclita, já que eu a bem dizer ainda prefiro os quatro de Liverpool, era o Infante D. Henrique!
O Infante era um homossexual assumido, que ia passeando pelas praias da costa com cosmógrafos italianos, que iam fazendo umas cartas de marear para o achamento de novos territórios. O Henriquinho de Lencastre era um tipo mal vestido, todo de negro, tipo anúncio da Sandeman, com uma tez de quem sofria da figadeira, com um bigode de carpinteiro de uma construtora estrangeira em Angola, e com um chapéu ao estilo de Matta-Hari. Ele lá corria as praias todas, com os cosmógrafos e compassos italianos na sua peugada, e era bom e bonito, o que eles faziam nas falésias de Sagres ou na” Meia Praia ao pé de Lagos”, como 500 anos depois cantava José Afonso.
Enquanto os italianos se entretinham com as cartas de marear, o Infante ia mareando nas faldas da Serra de Monchique, à procura de padrões de aspecto fálico para colocar em todas as possessões a achar, de forma a perpetuar em "Novos Mundos ao Mundo", também a sua ousada opção sexual, que a coberto da linhagem, possibilitava que a Igreja fosse permissiva” indulgendo” um pecaminoso nobre.
E eis que Portugal penetrava, pelos vistos por penetração também na epopeia dos achamentos.
Em Luanda o largo do Infante, era em frente ao Baleizão, onde conviveram várias arquitecturas e actividades. No centro do largo removido um canteiro, onde estava uma placa, que perpetuando-se o colonialismo iria dar uma estátua do Infante, surge hoje um monumento, desinteressante arquitetónicamente, mas de grande significado na cooperação entre o povo angolano e cubano.
O conjunto de prédios ao lado do Continental, só aguardam mais umas chuvadas, para que o camartelo actue, e o Treme-Treme, passará a um anexo do que se por lá construir. A fábrica de sabão, hoje abandonada à espera do centro comercial, que dava um cheiro inconfundível à praça em tempos idos, vai-se convenientemente deteriorando. Sobra o prédio cor-de-rosa do Café Baia, estilo português-suave dos anos 50, ex-libris da marginal, mandado construir por um roceiro do Uige, Leonel Arroja, que segundo se consta tinha opções bem divergentes do Infante D. Henrique, o que lhe terá abreviado a sua vida, pois escolhia raparigas novas, e deu razão ao ditado: “Homem velho com mulher nova, uma mão a empurrar para a cova”
E eu que ia falar do paquete “Infante D. Henrique”, que tinha um pianista que presumivelmente tocava melhor que o Bill Evans, mas havia gente que discordava, sem tampouco o terem ouvido numa dessas viagens de vice-versa!
Desculpem, esta linguagem homofóbica, mas calhou!
Fernando Pereira
16/5/2010

14 de maio de 2010

A Sombra do que fomos/ Ágora / Novo Jornal / Luanda 14-5-2010



“Às minhas companheiras e companheiros que caíram, que se levantaram, curaram as feridas, conservaram o riso, registaram a alegria e continuaram a caminhar”
Luis Sepulveda in “A Sombra do que fomos”

Muitos estudiosos da literatura contemporânea da América Latina, divergem em muita coisa, mas são unânimes em colocar William Faulkner (1897-1962) como o “alter ego” do romance latino-americano.
Sou um admirador confesso de toda a literatura americana, exceptuando os entediantes Harold Robbins, e a sua versão mística na expressão portuguesa, Paulo Coelho, ou um Nicholas Sparks que escreve livros que me parecem pão de forma, de uma qualquer prateleira de supermercado, em que a diferença acaba por ser entre o ter côdea ou ter sementes de sésamo e outros ingredientes tal como o E-952,E-951,E-950, e todos os Es com que hoje nos habituámos a conviver no “caminho do futuro”.
Li num ápice o último livro do talentoso Luis Sepúlveda, “A Sombra do que fomos”, e sem ser o mais brilhante, este livro mordaz, irónico e inteligente reflecte a nostalgia dos tempos que antecederam o 11 de Setembro de 1973, os tempos de exílio, as cumplicidades e as capitulações, que não terão sido exactamente traições. O livro é apesar de tudo um reencontro de emoções, paixões e a procura de motivações descomplexadas, com um passado vivido de forma desencontrada quase quarenta anos.
Talvez fosse um livro interessante para servir de “manual de utilizador”, para encontros destes na sociedade angolana actual, para de certa forma “tirar os esqueletos dos armários”, figura muito comum na linguagem anglo-saxónica, que a língua portuguesa utiliza como “abrir arcas encouradas”, que acabasse com os clichés da moda para determinadas motivações obscuras, e resquícios de coisas menos boas para justificarem apropriação indevida de bens tangíveis, com argumentos estafados, só mobilizadores de ideologicamente ineptos.
A verdade é que Sepulveda, me fez “marinar” em muita coisa, nalgumas em que fui actor e noutras em que terei sido interessado e quiçá por vezes pouco informado espectador. Veio-me à lembrança muitas coisas, desde as que aparentemente serão mais pueris, às mais elaboradas e assumidamente com outra exigência no “maturidrómetro”, que vamos utilizando para medir a nossa vida e vivencias circunstanciais.
Lembrei-me por acaso do meu amigo Mário Simões, com quem passei muitas noites em vários locais, a ouvi-lo tocar e cantar com um profissionalismo inatacável. Não me lembrei dele por ter feito umas canções do Benfica (o Bota de Ouro) e do Belenenses (ser Belenenses), ele que era um fervoroso adepto do Sporting, autor do célebre “Cantinho do Morais” entre várias, mas lembrei-me dele porque entre os seus grandes êxitos, tocados no Tropical, ou no Páteo do Hotel Universo, havia os célebres “Lápis do Lopes”, e a “Borracha do Rocha”, que andou os últimos vinte anos de carreira sem cantar, mesmo rejeitando insistentes pedidos, afirmando que “teve a sua época”, e mais não dizia!
A propósito da “Borracha do Rocha”, ele contou-me que a seguir ao 25 de Abril de 1974, as pessoas perguntavam-lhe se aquilo não era uma “afirmação sua contra a censura, já que era uma letra ousada”, e o Mário Simões, com a honestidade intelectual que sempre o caracterizou, disse que saiu-lhe aquela letra e musica como podia ter saído outra qualquer, o que desalentou os jornalistas.
Talvez haja alguma semelhança com a canção “Os Vampiros” do José Afonso, e o refrão “Eles Comem Tudo, Eles Comem Tudo e Não deixam nada…”. Havia uns tipos que invadiam as “repúblicas” coimbrãs nos anos 50 e 60, comiam o que havia e deixavam as despensas vazias, daí a canção, que se transformou numa emblemática canção de combate, adaptada a denunciar abusos iguais em latitudes diferentes!
Há já bué de anos, numa noite quente de Luanda no apartamento do Orlando Rodrigues, ouvíamos Thelonious Monk (1917-1982) numa virtuosa interpretação, que na altura me mereceu apenas isto: “Acho o Mário Simões melhor!”. O Orlando “atirou-se ao ar”, mas hoje admito que o Monk foi o maior de todos os tempos!
O Mário Simões era meu amigo, e assim fomos até ele morrer!
Fernando Pereira
11/05/10

7 de maio de 2010

PALAVRAS CRUZADAS/ Ágora/ Novo Jornal / Luanda- 7/5/2010




«Não tem direitos por isso compra favores. Fica a dever favores. Faz favores. Para pagar os favores. Compra novos favores. Fica a dever favores. Faz novos favores. Para pagar os favores faz favores. Paga favores. Gosta assim. Não tem direitos. Prefere favores. Gosta assim. Os direitos não se vendem nem se compram e ele tem alma de traficante».
Alberto Pimenta (1973)
Este poema traz-me à memória, um conjunto de poetas, que em determinados momentos das suas vidas, resolveram não calar o inconformismo por tudo o que estaria à sua volta.
Hoje, dei uma volta a pé pela cidade de Coimbra, e quando me sentei no café Tropical, que anda em comemorações dos seus sessenta anos, lembrei-me de várias pessoas que me ajudaram a moldar ideias, a fortalecer valores e objectivamente a fazer escolhas ideológicas, e uma clara afirmação de opção de classe, algo que desapareceu quase por completo do léxico político, do comum dos cidadãos com responsabilidades políticas de mando.
Está diferente, o Café Tropical, mas não o suficientemente diferente, para olhar para os locais, onde revi sentado o Joaquim Namorado (o tal do “Aviso à Navegação”), o Orlando de Carvalho, que embora falando para si com os ouvidos dos outros, era um verdadeiro senhor, culturalmente do melhor com quem tive o privilégio de conviver, o Soveral Martins, que com o Manuel Rui Monteiro e outros “românticos” puseram de pé “A Centelha”, editora marginal, talvez inspirada no poema do Sebastião da Gama: “Pelo sonho é que vamos/ comovidos e mudos… . Era lá que encontrava Zeca Afonso nas suas vindas a Coimbra, para tentar atrasar a doença que o minava, e ainda é por lá que vou encontrando o Fernando Martinho o Henrique Faria, o Ferreira Mendes, dedicadíssimos amigos, excelentes esculápios, sempre disponíveis para tratar da sua gente de Angola, que os procura porque os conhece, ou porque conhece alguém que os conheça a eles. Parou por lá Orlando Rodrigues, Fernando Sabrosa, Óscar Monteiro, Aníbal Espírito Santo, Garcia Neto, Eurico Gonçalves, Roberto Monteiro, Luís Filipe Colaço e seu irmão, Nene Pisarro, Saraiva de Carvalho e tantos de muito boa gente que não fazendo vida de café, ajudou à mesa do café Tropical decidir muito da vida colectiva de muitos, e de cada um.
Carlos de Oliveira, João Cochofel, Fernando Assis Pacheco, José Carlos de Vasconcelos, tiveram poiso certo no Tropical antes de debandarem para outras paragens. Em determinada altura 60m2 de sala, distribuídas por oito mesas, apertadíssimas conseguiam reunir um pouco da elite intelectual de Portugal e colónias, em circunstancias que as pessoas terão pensado que nunca se chegaria a situações que vamos vivendo, sintetizada na velha frase do nosso descontentamento, e do esboroar dos sonhos: “Não foi isto que combinámos!”
Porque me apetece recordar Joaquim Namorado, que tanto me ensinou, menos Matemática, e convenhamos bem tentou, aqui fica o seu poema: “Fábula”
No tempo em que os animais falavam/ Liberdade! / Igualdade! / Fraternidade!
Fernando Pereira
2/5/2010

1 de maio de 2010

Eyjafallajokull /Ágora/ Novo Jornal / Luanda 30-4-2010



Os Islandeses, que vivem num território com intenso cheiro a enxofre, empanturram-se de peixe e cordeiro, Inverno de Janeiro a Janeiro, e com uma língua imperceptível a quase todos os estrangeiros, devem neste momento rir-se que nem os perdidos, da partida que fizeram às economias mundiais.
A Islândia foi praticamente relegada para a insolvência, resultado da crise internacional dos mercados financeiros há um ano e meio atrás. O vulcão, que invariavelmente os atormenta de tempos a tempos, o serviu para fazer parar durante cinco dias a maior parte do tráfego aéreo europeu, com péssimas consequências para a economia de países, companhias aéreas, hotelaria, comércio, indústria, em suma, um pouco em todos os sectores de actividade neste imenso mercado mundial. Foi a vingança dos Islandeses, que até resolveram dar um nome impronunciável ao vulcão, e conseguiram parar as fortes economias, que lhes ditaram uma espartana forma de vida.
Desígnios do vulcão Eyjafallajokull!
No meio disto tudo, é bom recordar “Under the Volcano” (1984), um filme notável de John Huston, com a interpretação soberba de Albert Finney e Jacqueline Bisset.
Já que se fala em filmes, e porque se falou em destruição, quero fazer menção a um livro recente de arquitetura, em que a capa é o quase esqueleto do que foi no tempo colonial o orgulho dos lobitangas, o cinema “Flamingo”(1963), projectado pelo enorme arquiteto do Lobito, Francisco Castro Rodrigues.
O “Moderno Tropical”,arquitetura em Angola e Moçambique 1945-1978, é trabalho interessantíssimo da arquiteta Ana Magalhães(1965), partilhada com a fotógrafa Inês Gonçalves (1964), que fazem um levantamento muito exaustivo do acervo arquitetónico moderno de Luanda, Lobito, Lourenço Marques (Maputo) e Beira.
No que a Angola diz respeito, é feita uma recolha muito pormenorizada do património edificado, os detalhes da sua construção e materiais utilizados, sua funcionalidade ao tempo e na actualidade e a marca do arquitecto. Esta geração de arquitetos, deixou em Angola,património edificado de inegável valor, que só a estultícia permite a sua continuada degradação e desaparecimento, servindo os “nobres” interesses da iniquidade imobiliária, disfarçada pelo chavão do progresso.
Entre texto de investigação e imagens, ficamos a conhecer o belíssimo trabalho de oito arquitectos portugueses, que no contexto colonial africano puderam aproximar-se da vanguarda da arquitectura moderna, enquadrada no que ficou conhecido como Movimento Moderno.
No prefácio, Ana Tostões sinaliza algumas das razões que levaram dezenas de arquitectos portugueses (sobretudo os da Escola do Porto) a emigrar para aquelas duas Colónias: «É justamente essa geração de arquitectos, politicamente amadurecida como nunca o fora a geração dos anos 30 modernistas, que vai fazer a diferença e mergulhar na contemporaneidade. Cheios de força e com a audácia da juventude vão fazer a ‘utopia moderna em África’.»
Uma das facetas interessantes do livro, feito por duas jovens que nada tem a ver com África, é o facto de não terem um olhar nostálgico, o que dá um valor acrescido ao trabalho. Vasco Vieira da Costa (1911-1982), Francisco Castro Rodrigues (1920) e Simões de Carvalho (1929) são alguns dos escolhidos pelas autoras, de um livro encomendável e rigorosamente recomendável.
Em jeito de remate final fica o depoimento sobre o “Flamingo”, pelo facto de hoje estar transformado numa escola, onde as crianças se sentam para ouvir a aula, com o anfiteatro vazio, e o ecrã reflecte as sombras que o sol vai deslocando ao longo do dia. Diz Ana Magalhães: “Claro que associamos estes cinemas ao glamour dos anos 50 e 60, e gostamos de imaginar como seriam na altura. Mas a arquitectura e as cidades são coisas evolutivas e é, de certa forma, um privilégio para estes miúdos estarem aqui. É um recreio natural, entre os mangais e o mar. Não está abandonado. Está degradado mas tem vida”.
Uma excelente publicação editada pela Tinta da China, que irá merecer novos comentários.

Fernando Pereira
27/4/2010

23 de abril de 2010

Branco de quintal/Novo Jornal/ Ágora/ Luanda 23-04-2010



“Prefiro morrer, a mudar de clube!”, dizia o Fernando Teixeira (Baião), nas saudáveis discussões, sobre a continuada ausência de títulos do seu Sporting.
Teríamos de todo preferido, que tivesse mudado de clube, e que se tivesse mantido vivo entre os muitos que o estimávamos.
Há uns tempos que a sua saúde se degradava, e o combate era uma luta desigual, mas que o Baião ia encarando com relativa serenidade, e quase invariavelmente com o seu proverbial humor.
É complicado falar de uma pessoa, que era amigo dos seus amigos, pai extremoso, dedicado à família, solidário e de uma probidade intelectual, assumindo sem tibiezas publicas posições políticas, afirmativas da vontade de ver uma Angola independente e progressista.
Depois de ter andado uma vida inteira com números às voltas, dedica-se à escrita, e num curto espaço de oito anos publica quatro livros, onde procura transmitir um colorido de linguagem, com a sua verve, que o tornava um sedutor em todos os locais onde aparecia, e onde todos apreciavam a sua companhia.
Passa a meninice e juventude em Luanda, onde era um verdadeiro “capitão da areia”, na ocasião frequentando o Instituto Comercial, o vetusto colégio D. João II, e a Liga Africana.
Embarca para Lisboa, para prosseguir os seus estudos superiores, acabando por se licenciar em Economia na Bélgica, para onde vai por razões políticas, engajado numa luta contra o colonialismo português em Angola.
Regressa e entra para a Inspecção de Crédito, faz parte da coordenadora que em 14 de Agosto de 1974 nacionaliza a banca, depois no Banco Nacional de Angola onde passa por todos os lugares de direcção, tendo chegado a Governador.
Administrador da parte angolana de uma companhia de capitais belgas (FINA), Fernando Teixeira (Baião) começa a ter tempo para ler e absorver novas realidades, começando a escrever, para que todos nós pudéssemos partilhar a muita história, que contou ao longo dos anos, naquele “jeito” inconfundível, onde nunca havia momentos de tédio.
Pediu-me várias vezes opinião sobre o que escreveu, e sempre o fiz, sem qualquer hipocrisia, porque na realidade era um amigo e aos amigos, ensina-se a tentar ser melhor. Fui muito crítico de alguns textos, que lia antes de o livro ir para o prelo, e agradecia-me a crítica e aceitando algumas sugestões que lhe dava, o que ilustra bem como estava na vida e qual a sua relação com as pessoas.
Desapareceu um amigo, um homem de uma grande energia, e Angola empobrece com o desaparecimento de pessoas com esta nobreza de carácter, que enquanto director do DOI do BNA, nunca regateou ajudar pessoas de parcos recursos, que necessitavam de urgência em tratamentos médicos no exterior do País.
A sua alcunha de Baião, vem do seu virtuosismo para a dança, que fazia furor nas farras de Luanda, onde invariavelmente acabava descalço.
Valia a pena ter mudado de clube, nem que fosse só pelos seus filhos, sua mãe e seus amigos, onde sei por experiencia própria, que tinha lugar cativo.
Fernando Teixeira (Baião) faleceu no passado 12 de Abril com 70 anos e publicou “Estórias a Corta Mato” (Luanda 2002), “Branco de Quintal” (Luanda 2006), “O Crime do Bairro da Cuca” (Luanda 2007), que serviu de guião a uma telenovela recentemente exibida na TPA,”Kimalanga” (Luanda 2009).

Fernando Pereira
18/04/2010

21 de abril de 2010

Muimbo Ua Sabalu - Agrupamento Nzagi

Ao fruir de uma escuta em modo aleatório pelos milhares de ficheiros áudio de música angolana de todas as épocas que colecciono, deparo-me com uma pérola: o poema "Muimbo Ua Sabalu" do insígne Mário Pinto de Andrade (1928-1990), interpretado pelo Agrupamento Nzagi.

Pouco ou nada sei sobre este Agrupamento Nzagi. Quantos eram, quem o compunha, em que época precisa trabalharam? Este constrangimento não me inibe de partilhar o áudio, precioso arquivo sonoro evocador de outras épocas e lutas comuns.

Toda a contribuição esclarecedora destas e/ou outras incertezas colaterais será bem-vinda, e imensamente apreciada.
Grato,
Toke
Luanda-Angola








Muimbo Ua Sabalu
Poeta: Mário Pinto de Andrade (1928-1990)

Mon'etu ua kassule
Akutumissa ku San Tomé
Mon'etu ua kassule
Ua kutumissa ku San Tomé

Kuexirié ni ma documentu
Aiué, aiué
Kuexirié ni ma documentu
Aiué, aiué

Mon'etu ua ririlé
Mama ua sanukilé
Mon'etu ua ririlé
Mama ua sanukilé

Aiué, aiué
akutumissa ku San Tomé
Aiué, aiué
akutumissa ku San Tomé

Mon'etu ua kassule
akutumissa ku San Tomé
Mon'etu ua kassule
akutumissa ku San Tomé

Kuexirié ni ma documentu
Aiué, aiué
Kuexirié ni ma documentu
Aiué, aiué

Mon'etu uai kia
Uai imu pulaia
Mon'etu uai kia
Uai imu pulaia

Aiué, aiué
akutumissa ku San Tomé
Aiué, aiué
akutumissa ku San Tomé

Mon'etu ua kassule
akutumissa ku San Tomé
Mon'etu ua kassule
akutumissa ku San Tomé

Kuexirié ni ma documentu
Aiué, aiué
Kuexirié ni ma documentu
Aiué, aiué

Mon'etu ua dirilé
Mama ua salukilé
Mon'etu ua dirilé
Mama ua salukilé

Aiué, aiué
akutumissa ku San Tomé
Aiué, aiué
akutumissa ku San Tomé

Mon'etu ua kassule
akutumissa ku San Tomé
Mon'etu ua kassule
akutumissa ku San Tomé

Kuexidié ni ma documentu
Aiué, aiué
Kuexidié ni ma documentu
Aiué, aiué

Mon'etu uai kia
Uai imu pulaia
Mon'etu uai kia
Uai imu pulaia

Aiué, aiué
Ua kutumissa ku San Tomé
Aiué, aiué
Ua kutumissa ku San Tomé
Aiué, aiué
Ua kutumissa ku San Tomé
Aiué, aiué
Ua kutumissa ku San Tomé
Aiué, aiué, aiué
Ua kutumissa ku San Tomé

(Nosso filho caçula
Mandaram-no pra S. Tomé
Não tinha documentos
Aiué!


CANÇÃO DE SABALU

(Nosso filho chorou
Mamã enlouqueceu
Aiué!

Mandaram-no pra S. Tomé
Nosso filho partiu
Partiu no porão deles
Aiué!

Mandaram-no pra S. Tomé
Cortaram-lhe os cabelos
Não puderam amarrá-lo
Aiué!

Mandaram-no pra S. Tomé
Nosso filho está a pensar
Na sua terra, na sua casa
Mandaram-no trabalhar
Estão a mirá-lo, a mirá-lo
—Mamã, ele há-de voltar
Ah! A nossa sorte há-de virar
Aiué!

Mandaram-no pra S. Tomé
Nosso filho não voltou
A morte levou-o
Aiué!)


"Muimbo Ua Sabalu" - Agrupamento Nzagi

"Muimbo Ua Sabalu" - Bonga Kwenda - Angola 72

"Muimbo Ua Sabalu" - Rui Mingas - Temas Angolanos

"Muimbu Ua Sabalu" - Rui Mingas - Memória



18 de abril de 2010

A Rosa de Porcelana/ Ágora / Luanda / Novo Jornal / 16-4-2010



A rosa de porcelana, é uma flor de encantos inigualáveis a miríade de plantas ornamentais da flora angolana.
É uma flor inodora, que permanece durante muito tempo bastante viçosa, tirada do arbusto que a fez crescer, e mesmo seca mantém a auréola de particular beleza
A rosa de porcelana, é bem a imagem viva do que vamos mantendo quando nos queremos recordar de tempos idos, em que julgávamos conseguir aldrabar tudo, menos a felicidade solidária que nos uniu nas carteiras do liceu Salvador Correia.
Trinta anos depois de ter largado o liceu, e ao recuperar memórias e gentes desses anos de desobrigação mental, a felicidade do reencontro tem sido um exercício maravilhoso de reconstrução de ideias e projectos, que de certa forma julgámos encerrados no baú, dos nossos tempos de transição, entre o calção de tecido da Gajajeira, e o primeiro par de calças de ganga.
Só não partilho com Fernando Pessoa (Álvaro Campos), no seu “Aniversário”, a frase «raiva de não ter trazido o passado roubado na algibeira», porque o meu passado, todos os meus passados andam sempre comigo, e por isso trago hoje à lembrança o mercado que invariavelmente se ia fazendo à porta do liceu, durante os intervalos das aulas.
Um conjunto de vendedores, com uma panóplia de doçuras e gelados, invadia o portão fronteiro do liceu.
Comecemos pelos paracuquistas, que vendiam o amendoim torrado, envolto em açúcar, ou tiras de coco misturados com açúcar e canela, que nós desenrolávamos de um cone de papel pardo. Havia depois os vendedores de “bolas de berlim”, muito açucaradas e sempre acompanhadas por umas “varejeiras” azuis brilhantes, que mais não faziam que atestar o bom estado de fritura das mesmas. Por vezes os paracuqueiros traziam os famosos guarda-chuvas de açúcar, uma coisa vermelha, verde e amarela, embrulhada num papel acelofanado , que demorávamos tempos a tirar, mas que era um verdadeiro potenciador de uma hiperglicémia com que pouco nos preocupávamos então! Sobravam neste conjunto os mais destacados dos vendedores: Os dos gelados!
Os carros dos gelados eram todos mais ou menos iguais, com as rodinhas, com os homens fardados, normalmente uns com umas fardas menos imaculadas que outras e vinham dos locais mais recônditos da cidade. Do Baleizão vinha o gelado embrulhado em papel, com preços diferentes em função do tamanho; da Maianga vinha um carro igual aos outros, com duas rodas, mas que era servido na altura com uma espátula que dava para todos os sabores, que convenhamos era pouco mais que água, um projecto de leite em pó e açúcar.
Com uma performance, a raiar a modernidade, apareciam os “gelados Torrão” . A família Torrão praticamente conseguiu secar a concorrência disputadíssima na entrada do Liceu. A família Torrão faz-me hoje lembrar um pouco a “família Adams”, pois nas suas imaculadas batas brancas sobressaia uma alvura de pele, que nós estávamos pouco habituados a ver. Era a família toda no negócio, e os gelados até nem eram maus, mas também era o único que só enchia o cone por cima, o que fazia que à primeira lambedela, e quão sôfregas eram as nossas lambedelas na altura, o gelado ia direitinho para o asfalto, sob o nosso olhar desalentado, e víamos a indisfarçável alegria que as faces rosadas dos Torrões não ocultavam, pois potencialmente, seríamos um cliente no intervalo seguinte.
O patriarca Torrão ia olhando para todos os Torrõezinhos, que nos iam limpando os parcos trocos, que dificilmente conseguíamos subtrair aos nossos pais, e através de um código de olhos e sinais, todos iam sabendo qual o estado da safra e da necessidade de poupar na dose, que nunca era igual de um dia para o outro. Talvez a despropósito, mas faz-me lembrar o que disse um dia o realista milionário norte-americano Warren Buffet, “a luta de classes existe e a minha classe ganhou-a”. Os Torrões ao tempo não deram hipóteses à concorrência!
Nunca me apercebi que os Torrões apanhassem sol, pois sempre os vi com aquela cor branca acinzentada,homens e mulheres usavam bigode, no caso dos homens mais denso, no caso das mulheres, com menor exuberância capilar, e pareciam-me a mistura perfeita entre o gelado de leite e as moedas de dois e quinhentos da altura, custo de apenas uma só lambedela.
Convém dizer que a última vez que comi um gelado azul, foi em frente ao liceu, uma bizarrice que nunca mais consegui ver para repetir, em parte alguma do mundo, nem sequer no meu adorado “estádio do Dragão”! Com a independência foram-se os Torrões, mas mantiveram-se todos os outros, e hoje alargou-se o mercado e a mercadoria!
A rosa de que falei no início, é apenas mais uma pétala de uma flor que nos deve unir, enquanto portadores de coisas bonitas que vivemos em tempos idos e que hoje só não vivemos se não quisermos, nem que seja na lembradura.

Fernando Pereira
5/3/2010

2 de abril de 2010

Desculpem qualquer coisinha/ Ágora/ Novo Jornal / Luanda 2-4-2010



Nada do que está a acontecer, sobre os usos e abusos da Igreja Católica me tem surpreendido, e convenhamos que só ainda estamos perante a ponta do icebergue, porque diariamente, as notícias de actos de sordidez sexual por parte do clero, fazem novas manchetes na imprensa internacional.
Sou agnóstico, embora aceite como positivo, uma parte da doutrina social da Igreja, mas sinceramente sou muito relutante, em aceitar os desígnios nebulosos onde se refugiam as religiões para perpetuar a sua influência, e manter o seu estatuto de aparente neutralidade, de igual forma a servir democracias ou totalitarismos, como se pode ver ao longo da história da humanidade.
Nenhuma religião assenta os seus fundamentos numa democracia, algumas até se violentam, quando tem de conviver com os exercícios de cidadania, inerentes à diafonia exigível num espaço de intervenção democrática quotidiana.
No caso da Igreja Católica, assente no primado da infalibilidade do Papa, há toda uma sucessão de situações que me intrigam, e por mais que tente que o silogismo seja certo, desconsigo.
Para além da inspiração divina para a nomeação do Papa, e isso não faz parte do silogismo, mas por obra do Espírito Santo, a verdade é que são os cardeais que nomeiam o Papa, que por sua vez nomeia os cardeais que irão eleger um ou mais Papas, dependendo das circunstâncias versas ou adversas. Porque isto também não é tudo a sério, há cardeais que são pontos, e há Cardeais que são uns verdadeiros pontos. De uns preciso deles, nem me dando a oportunidade de gostar, dos outros sinceramente não gosto, embora reconheça que faço parte de uma minoria, mas paciência.
A maioria habituou-se a gostar deles, porque foi a cultura judaico-cristã que definiu o mapa da Europa e concomitantemente os Novos Mundos, onde Angola se insere, desenhando mapas que na maior parte dos casos estimularam a destruição de sociedades mais justas.
Constantino, Imperador Romano, quando se dá conta que os “bárbaros “, ameaçam as fronteiras do que resta do Império, resolve aderir ao cristianismo, e assim reforça os exércitos e consegue alianças que lhe permitem lutar contra os Otomanos. Manda o Baco, Júpiter, Minerva, Saturno e outros Deuses da mitologia romana” às malvas”, e ei-lo na adesão ao monoteísmo, deixando esses deuses para nomes de marisqueiras, barcos, casas de espectáculos, hotéis e por aí fora.
Anda muita ebulição, nos 44ha do Estado da Cidade do Vaticano, que pelo Tratado de Latrão, assinado em Fevereiro de 1929 entre o Papa Pio XI e o fascista Mussolini, se constituiu como País.
O conjunto de acusações relativas á pedofilia por parte da Igreja Católica, não são de agora, são práticas continuadas há séculos, só que o medo e a possibilidade de manter tudo entre as sólidas paredes da instituição, impediram que a divulgação assumisse a dimensão que estamos a ver, e a expectativa que paira é que nada vai ser como antes.
Hoje, o laicismo dos Estados, a forte dinâmica dos media, a busca de uma cada vez maior liberdade e consequentemente o encontrar novas respostas, leva que a Igreja Católica tente desesperadamente alargar um espartilho por si próprio criado, e não vale a pena dizer-se que há uma ofensiva contra a Igreja, porque na realidade já há demasiados “ casos isolados” , para que as pessoas fiquem indiferentes.
Nada tenho a ver com a Igreja Católica, mas como cidadão acho que uma reflexão sobre o desenvolvimento acelerado da ciência no ultimo século, exige que se acabem dogmas e que não se partilhem silêncios cúmplices, que como já se viu só o são por períodos limitados de tempo, e ninguém está disposto já a guardá-los para o “Juízo Final”.
Aos Estados cumpre apoiar as vítimas, deste sórdido exercício de mentecaptos, que a coberto de uma sotaina, provocam danos irreparáveis em crianças e jovens colocados a seu cuidado.
Devem ser punidos exemplarmente, para que sirvam de exemplo a futuras tentativas de devaneio por parte de quem, muitas vezes se acha com superior autoridade moral, para fazer apreciações sobre algo que recusam no seu próprio seio: a utilização plena da liberdade!
Desculpem-me, mas estou irritado e enojado com tudo isto!

Fernando Pereira
30/3/2010
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