10 de agosto de 2009

Divagando/ Ágora / Novo Jornal/ Luanda / 7-08-09




Luanda nos anos cinquenta era uma cidade calma, mas com a estratificação social bem demarcada em todos os locais de trabalho, ócio, cultura e habitação.
A cidade tinha começado a desenvolver-se, com as receitas provenientes das súbitas subidas das cotações do café no mercado internacional, e começava a ganhar algum movimento, e a importar, ainda que de uma forma algo pacóvia algumas “modas”, assumindo a xenofilia dos costumes, hábito transversal à sociedade angolana desde há décadas.
No Largo ex-D. Fernando, hoje Rainha Jinga, em frente ao “megatéreo” que é a sede da Sonangol na Baixa de Luanda, em meados dos anos 50, era colocado um pano branco na Casa da Palmeira, como era conhecido o edifício da Lello, e à noite passavam desenhos animados, anúncios diversos e algumas revistas de actualidades. Foi a primeira experiencia de cinema ao ar livre na cidade, para a população, mas com uma duração efémera.
A Casa da Palmeira, ou o Palácio da Palmeira, como também era chamado esse imóvel magnífico que ainda se vai perpetuando na baixa de Luanda, por causa da palmeira de ferro que serve para tapar o saguão das escadas para os andares superiores, onde inicialmente houve uma pequena pensão de má qualidade. Tinha no telhado um reclame à pasta medicinal Couto e ao óleo Bardhall; Mais tarde veio a Pelikan e a Kodak!
Já que estamos por este Largo, neste passeio pela Luanda de gerações e olhando para o prédio onde funciona o Millenium (Angola), lembro-me de ter sido antes, o DOI do BNA, a Escola de Formação Bancária e antes de 1975, a sede do Banco de Crédito Comercial e Industrial, pertença do grupo Quina, a firma Martins e Macedo, representante em Angola de várias marcas de automóveis, lubrificantes, baterias e correlativos. Até aqui, ainda me lembro, mas já não sou suficiente velho para me lembrar da existência do Hotel Colonial, que foi demolido entretanto.
O edifício dos Correios lá se vai mantendo em recuperação, o que deixa alguma esperança no ar que o desvario camarteleiro ainda não tem rédea livre, e que o omnipresente valor de mercado, ainda esbarra com a assertiva disponibilidade para deixar intactos alguns edifícios que fazem parte da memória colectiva da cidade.
A Igreja dos Remédios, que de vez em quando vai levando uma lavagem, foi “despromovida” de Sé Catedral, mas ainda se vai mantendo como um espaço agradável no meio de tanto frenesim destruitório e construtório, que vai imperando à volta. Por acaso fui baptizado nessa Igreja, nos idos anos cinquenta, e convenhamos que só me lembro disso quando lá tenho que passar e esperar vinte minutos que o trânsito vá fluindo.
Se o imóvel onde tem funcionado a Sonangol, tem alguma dignidade e mostra um período marcante do desenvolvimento da cidade, a mastodôntica sede actual, não consegue fazer esquecer uma das mais bonitas montras de Luanda, que era a da Farmácia Dantas Valladas. No tempo colonial a pastelaria Gelo, deu lugar a um banco, o que prova que a indiferença pelo património não é causa de agora; Era um espaço muito bonito e com personalidade, e hoje, mesmo o Banco, que acabou com o Gelo, foi engolido por um dos prédios espelhado do centro da cidade.
Não consigo perceber, por mais que tentem, porque é que Angola, sendo uma terra de desafogo em território, tem que estar tudo concentradinho no município das Ingombotas. A bem dizer todos os ministérios lá estão, excepto o das Pescas.
Desculpem-me qualquer coisa, mas às vezes acho que em certos detalhes importantes não se consegue ultrapassar para além das Ingombotas!
Fernando Pereira
2/08/09

31 de julho de 2009

Tempo do Frias/ Ágora/ Novo Jornal / Luanda / 31-7-09



Como é o tempo do fresquinho, e como muita gente está de férias, nada melhor que um tema aligeirado, aguardando calmamente que “atrás dos tempos vem tempos e outros tempos hão-de vir”, como canta o Fausto, um homem do Huambo.
Numa recente viagem a Benguela, e depois de comer no “Olho”(!!!), um lúgubre restaurante junto à praia de Porto Amboim, e subindo em direcção ao morro Cambiri, veio-me à lembrança, uma discussão acalorada com o meu amigo Tchaveka, sobre a eventual importância desta baia no decurso da 2ª Guerra Mundial.
Tchaveka argumentava, mais com o argumento do pulmão, que teria havido um acordo secreto entre Roosevelt e Salazar, para que Porto Amboim fosse local de acolhimento da 7ª Esquadra naval americana, pois era a única baia no Atlântico com capacidade para albergar tamanha força. Admito que seja verdade que tenha havido este acordo, mas foi tão secreto que até hoje nunca ouvi falar dele a não ser pelo Tchaveka, não colocando em causa a sua verosimilhança. Mas não foi tão secreto assim, porque o Tchaveka tem-no divulgado insistentemente.
Este “acordo” traz-me à lembrança as histórias do Engenheiro António Frias, jogador de futebol da Académica de Coimbra na década de 40, que acompanhei nas tertúlias coimbrãs nos anos 70. O Frias era uma figura imponente, um autêntico cilindro de 2m3 de volume, onde acumulava entre gordura e órgãos um peso de 125Kg, a exigir continuadamente alimento e bebida a uma voracidade invulgar, a qualquer hora do dia ou da noite!
O Frias, contava histórias perfeitamente inacreditáveis, do tipo de certa vez jogar ao Campo do Lima no Porto, contra o Académico do Porto, com um sol azul, sem uma nuvem; Às páginas tantas, vem uma nuvem, em perfeito estilo de Hitchcok, com muitas gaivotas à volta, e mesmo por cima do centro do campo cai uma chuvada que interrompe o jogo, já que a chuva era de peixes, desde tainhas, douradas, carapau, pescada, corvina, enfim um verdadeiro “arrastão”! Contradizer o Frias não era fácil, já que o argumento físico era de peso e o mau feitio era um aliado conhecido.
O Frias, porque era um teimoso recorrente, resolve deixar a engenharia electrotécnica e passa para a engenharia militar, e ei-lo mobilizado em Angola para a tropa colonial.
Uma vez falava-se de Angola, e o Frias diz-me: “Você não percebe nada de Angola, sabe que Angola é tão rica que as solas dos sapatos se gastam numa semana, e os pneus dos carros em menos tempo?” Eu fiquei surpreendido e disse-lhe que nunca me tinha acontecido nada disso, e o Frias aos berros a dizer que em Angola a massa asfáltica misturava-se com pedras dos rios, que eram diamantes, que eram muito duros e nada resistia nas estradas e ruas asfaltadas recentemente! “ E sabe que o Rio Zaire é tão caudaloso, que até quarenta metros no oceano a água é doce?” “Sabe onde é que eu em Angola estrelava os ovos? No capot do Jeep!” “Uma vez em Angola estava a jogar a bola num aquartelamento, e rematei com tanta força que matei uma pacaça que estava a beber numa charca perto!” “Em Angola passávamos de carro em picadas, e ficávamos cinco minutos sem ver nada, e com o corpo cheio de pó de talco, que nalguns casos era perfumado!” País muito rico mesmo, que não se podia beber água porque sabia a petróleo”.
O Engº Frias era impagável, e certa vez pediu-me para lhe levar gindungo, e assim fiz; Mal abriu o saco pegou numa mão cheia, e valentão como julgava ser, pôs na boca, e o rosto ruboresceu, sem conseguir abri-la, nem dizer palavra em dez minutos, com todo a gente a gozar, já que era uma oportunidade única de nos rirmos do Frias à sua frente.
Desculpem este devaneio, mas não me apetecia escrever sobre outra coisa qualquer!

Fernando Pereira
26/7/09

Jornalismo de Angola de luto!/ Novo Jornal/ Luanda 31-07-09



Morreu aos 75 anos a jornalista Edite Soeiro.
Começou a sua actividade em 1950 num jornal de Benguela, “ O Intransigente”, tendo depois embarcado para Lisboa onde começa a trabalhar na Flama.
Da Flama, transita para a revista angolana Notícia, onde se torna a primeira mulher a embrenhar-se na mata e a acompanhar os soldados portugueses na guerra colonial, normalmente acompanhada pelo fotógrafo Fernando Farinha.
Quando falece abruptamente João Charrula de Azevedo, a Neográfica, empresa proprietária da Notícia é adquirida, ainda que com alguns contornos de mecenato, pelo industrial Manoel Vinhas, que decide renovar o parque gráfico e passar a publicar em simultâneo uma edição em Luanda, Lisboa e Lourenço Marques (Maputo).
A delegação de Lisboa vai ser chefiada por Edite Soeiro, tornando-se das primeiras mulheres a assumir lugares de chefia na imprensa portuguesa.
Corajosa, coerente e profundamente exigente consigo, e também com quem trabalhava, aparece na fundação da primeira empresa colectiva de jornalistas, a Projornal, proprietário do semanário “ O Jornal”, que depois deu origem à revista “Visão”, tendo sempre pertencido aos seus quadros e trabalhando com grande rigor, que lhe permitiu receber muitos prémios e louvores, o ultimo dos quais, o Prémio Gazeta em 2006, já então algo debilitada fisicamente.
Edite Soeiro entrevistou a poetisa Natália Correia para a Notícia, curiosamente uma entrevista que a censura deixou passar na íntegra em Luanda, mas que sofreu cortes na edição de Lisboa.
Luis Pacheco, cáustico com tudo e quase todos, teve em Edite Soeiro uma boa amiga e que lhe desculpou muito atraso e ausências nas crónicas do Notícia, sendo o único cronista que recebia adiantado.
A sua morte, como a do Júlio Guerra, do Acácio Barradas, deixam Angola mais pobre, porque deram muito a um jornalismo de causas e de rigor, num tempo em que fazer jornalismo em Angola obrigava a compromissos, algo que eles nunca aceitaram.
Não podíamos deixar de evocar esta triste notícia, que nos caiu num 27 de Julho de 2009.

Fernando Pereira 28/07/09

24 de julho de 2009

O Mato e o Morro /Ágora/ Novo Jornal / Luanda 24-7-09



Na Luanda colonial, ali para os lados do Prenda, havia um conjunto de ruas com uma toponímia no mínimo curiosa. Era a rua dos Funantes, que entrelaçava com a rua dos Sertanejos, e que por sua vez acabava na rua dos Empacaceiros (caçadores de pacaças).
O Funante, o Pombeiro (Pumbeiro ou Pumbuelo) e o Aviado faziam parte de uma estratificação “corporativa”, no contexto de determinado patamar da economia colonial até ao dealbar do século XX.
Conde de Ficalho sobre as relações entre o Pombeiro, o chefe de mercadores e o seu subalterno, o “Funante” dizia o seguinte: “…Outras relações mais sérias e úteis se começaram desde Noronha Montanha, montado em boi cavalo, acompanhado de intérprete, guia e carregadores logo a desenvolver… Negociantes portugueses, chamados Funantes, penetravam e penetram até ao coração de África, ou mandam ali emissários, denominados, na África Ocidental Portuguesa, aviados e Pombeiros e na oriental Moçambazes”.
O Funante estava sempre na mão do dono da feitoria, pois não tendo capital próprio, obrigava-se a aceitar as condições do dono da mercadoria, que impunha percentagens altíssimas, nada muito diferente das instituições de referência do capitalismo moderno, os Bancos.
Segundo António de Oliveira Cadornega, para “disciplinar” um comércio, que liberalizado não dava impostos ao reino de Portugal, em 1761, o governador António de Vasconcelos, obrigou-se a fazer alterações, limitando o negócio a cinco capitanias mores: Muxima, Massangano, Cambambe, Pedras de Mapungo e Ambaca.
Cresceu assim um tentacular comércio de mato, que muitos já conhecemos, e que foi a teia da perpetuação colonial em Angola, mas também foi o factor decisivo para a delimitação das actuais fronteiras do País, no âmbito da Conferencia de Berlim de !885, recomendando para o efeito uma leitura de um livro interessante, muito documentado, e com o rigor judrídico indispensável: “Aspectos da delimitação das fronteiras de Angola”, do professor da faculdade de direito da Universidade Agostinho Neto, Joaquim Dias Marques de Oliveira, editado pela Coimbra Editora, à venda em Luanda e no Lobito, onde aliás há uma belíssima livraria, a ocupar uma parte da estação do CFB.
Nesta passagem pelas figuras do tempo colonial, que andavam pela mata, havia um elemento fundamental, o Kambulador, um quase ilusionista, indivíduo de” insuspeita” oratória, hábil tocador de instrumentos musicais, e muito loquaz na procura de agradar ao chefe tribal. Hoje, podemos denominá-lo o que diz em gíria de forma depreciativa, o “grande artista”!
Associado a tudo isto surgem alguns termos adaptados ao negócio, e o que mais se tem perpetuado e passou a ser transversal a toda a língua portuguesa, é indiscutivelmente a Kandonga, que segundo a Enciclopédia Ilustrada Portuguesa de 1899 é “um contrabando de comestíveis, para os subtrair aos direitos de consumo”, sendo naturalmente um candongueiro, “homem que se emprega na candonga”, segundo o dicionário Lello de 1986.
Este artigo dá para muita coisa, e poderemos começar por aqui e escrever o que foi o comércio, os malabarismos, agentes, dependências, mixordices e por aí fora, não hesitando em pegar nalguns testemunhos de livros ou outros, principalmente do Dr. José Carlos de Oliveira, “ O comerciante do mato”, ou recorrer ao tributo do saudosos Raul David, Domingos Van Dunem e a Uanhenga Xitu, entre vários.
Quanto ao título, um devaneio brejeiro, que a tropa colonial usava sobre um mote de uma companhia qualquer: “Mato ou Morro”, que queria dizer que quando o inimigo estava no mato, eles iam para o morro, quando o inimigo ia para o morro, eles iam para o mato”
Havemos de trocar mais algumas ideias sobre o assunto!

Fernando Pereira
19/7/09

17 de julho de 2009

OBSERVATÒRIO DA MULEMBA / Ágora/ Novo Jornal / Luanda 18-7-09



“Este é um pequeno passo para o homem, mas um enorme salto para a humanidade”
Frase lapidar proferida em 20 de Julho de 1969, por Neil Armstrong,o primeiro homem a colocar o pé na lua.
Quarenta anos depois, a Terra e a Lua continuam à mesma distância, e as interrogações sobre o entusiasmo inicial do projecto e o seu crescente esmorecimento, vão permanecendo fora dos interesses quotidianos dos terráqueos. Por cá muito mudou, mas a realidade é que na Lua tudo parece estar calmo, a aguardar novas visitas e um renovado entusiasmo, pelo menos igual ao da Apolo XI, nave que levou os astronautas para a primeira abordagem ao “ mar da tranquilidade”.
Na Luanda serôdia desse final dos anos sessenta, sem emissões de televisão, o acompanhamento em directo desse acontecimento, só foi possível pela tenacidade de duas saudosas figuras: Sebastião Coelho e Bettencourt Faria.
Cúmplices durante muitos anos no programa de boa memória “Café da Noite”, onde Carlos Mar Bettencourt Faria tinha a rubrica “ O Cosmos em sua casa”( 1164 edições, até 25 de Fevereiro de 1975, fim do programa, por circunstancias conhecidas). O programa era emitido dos “Estúdios Norte”, num prédio hoje “premeditadamente” arruinado na Travessa da Sé.
Tive o privilégio de ter conhecido Bettencourt Faria, com ele ter convivido, e acima de tudo por me ter sempre fascinado e permitir-me toda uma série de sonhos e viagens exploratórias por um imaginário fértil de criança e adolescente. Era amigo do meu pai, e no cacimbo depois de um almoço domingueiro no Cacuaco a visita ao “Observatório da Mulemba” era uma quase rotina, a 13 km de Luanda, num tempo em que o controle da cidade era em frente à prisão.
A loquacidade e o entusiasmo de Bettencourt Faria eram extraordinários, e o que fascinava ainda mais era a forma como nos explicava tudo, quer no domínio da astronomia, astrofísica, mecânica, oceanografia, mineralogia, fazendo da “Mulemba” uma experiencia irrepetível. Tudo que era para mim entediante nas carteiras do Salvador Correia, era tão simples nas explicações do “cientista autodidacta”.
No cada vez mais longínquo 1969, Bettencourt Faria falou com Armstrong e Aldrin, nesse feito imperecível, que os luandenses tiveram o privilégio de acompanhar através de imagens sonoras, fruto da colaboração de B. Faria com a NASA.
Com uma enorme dimensão humana, despojado de todo o tipo de interesses materiais, avançadíssimo para a época, Bettencourt Faria aporta a Luanda aos 24 anos para trabalhar na Diamang. O seu “autodidatismo”, é motivo de ostracização por parte de alguns poucos “cientistas” da terra, o que não obstou que colaborasse com a NASA e simultaneamente com alguns astrofísicos da ex-URSS, e prova disso foi as experiencias partilhadas com o projecto Apolo e Sputnik, tendo neste caso, sido a Mulemba o único observatório africano a fotografar os sinais emitidos pelo satélite soviético.
Com muitas dificuldades económicas, B. Faria só recebeu uma vez o apoio de 500 contos da Gulbenkian, fruto do conhecimento que Mário António de Oliveira, ao tempo director da Fundação, que já o conhecia do Observatório João Capelo, onde o “ Wernher von Braun” angolano ia com frequência buscar livros, “que nalguns casos ninguém se tinha dado ao trabalho de abrir”.
Apesar de instado a dormir num local mais seguro, nos conturbados tempos do dealbar da independência de Angola, teimou em permanecer na Mulemba onde foi barbaramente assassinado em 4 de Julho de 1976, levantando-se no exterior um coro de comentários, em que o MPLA teria instigado o crime. Pura estultícia, já que o móbil do assassínio, foi comprovadamente motivado para assaltar um homem bom, de parcos haveres, mas de muitos saberes.
A comunidade científica angolana era muito pobre, e a morte de Bettencourt Faria fez que ela passasse a ser paupérrima, e neste quadragésimo aniversário da 1ª viagem do homem à Lua, fez-me bem relembrar o homem do “Observatório da Mulemba”, o lugar de todos os sonhos.
Angola devia recordá-lo mais vezes!

Fernando Pereira 11/07/09

12 de julho de 2009

Mas o pormenor mais suBreal…

Artigo retirado do blogue “subreal” de nome Aerograma
e de autor expatriado, além de “abuamado”  com a
versatilidade dos “dicúlos” da “banda” que o acolhe
e recolhe sem complexos nos amplexos dos kandandos.
 
Posted by Toke
Toke_Seixas_anim
 
 
 
 
 
 
 
Início de citação:
 
 
3 11 2008

Afonso Loureiro

Angola é um país de contrastes a todos os níveis. No meio da miséria vemos sorrisos abertos e crianças a dançar, ouvimos música e risadas. Por entre as valas, onde escorre o que já ninguém aproveita, há quem retire o seu sustento. No meio dos candongueiros ferrugentos surge um carro de vidros fumados e muitos cromados, pago a pronto em dólares. Na anarquia que é o trânsito, os semáforos são obedecidos e as passadeiras, largamente ignoradas, passam a ser respeitadas sempre que alguém estende a mão de fora da janela – crianças a atravessar!

Mas o pormenor mais surreal que encontrei até agora, é um programa de rádio inesperado. Na rádio Luanda Antena Comercial, há sete anos que é emitido um programa de uma hora semanal dedicado, imagine-se, aos Beatles! Um programa com sete anos é uma raridade em qualquer parte do mundo, especialmente com um tema tão específico. O certo é que, mesmo depois de esgotarem o reportório do quarteto várias vezes, agora passam gravações pouco conhecidas, concertos ao vivo e reportagem acerca dos Beatles todos os Sábados, das 18h às 19h.

O indicativo do programa é um excerto do Yellow Submarine e o programa tem o curioso nome de O Submarino Angolano.

Esta terra, definitivamente, não pára de me surpreender.

   Fim de citação.

;)

O Dia dos Prodígios (II)/ Ágora/ Novo Jornal/ Luanda 10-7-09




Na madrugada de 6 de Junho de 1944, por cima das nuvens ouviam-se o roncar de centenas de aviões, que levavam a primeira leva de pára-quedistas, e ao raiar do dia começam a encher-se os batelões que iam colocar os soldados nas praias.
Dos navios divisava-se mal a linha de costa, e só quando os primeiros batelões chegaram à praia, é que o ribombar da artilharia pesada alemã e as sirenes se começaram a sentir. A um ritmo frenético desembarcava-se gente, e veículos na praia de Omaha, onde se afigurava ser o local mais difícil, pois era uma praia escarpada, com falésias altas e defendida com uma bateria de canhões, e muito dependente de um bom trabalho de sapadores, que tinham de se aproximar perigosamente das trincheiras alemãs.
Eduardo, que há oito dias deixara de sentir as pernas, e com a cabeça à roda, chega à praia numa das últimas levas, com a praia já pejada de corpos, e numa altura em que a resistência alemã começava a fraquejar. Como não se aguentava muito nas pernas, agarrou-se a uns toros de madeira no areal, que acabaram por servir de resguardo perante o conjunto de explosões que se iam sucedendo ao longo da praia, onde um tenente de forma temerária, berrava para que só os “feridos e os mortos” ficassem na areia.
No dia anterior, Ed e alguns dos seus colegas mais próximos trocaram algumas coisas pessoais, para no caso de algum deles tombar, os outros levassem à sua família, em sinal de “qualquer coisa que nem nós próprios, sabíamos o porquê”, segundo esta sua interessante e imorredoira descrição.
Eduardo foi rendido dois dias depois numa vilazinha que me deslembro o nome, cinquenta Kms depois de Omaha, o verdadeiro cemitério das tropas aliadas, onde faleceram 4.500 soldados, e onde o famoso Patton gritava a plenos pulmões: “Façam das tripas dos alemães óleo para as lagartas dos tanques, com que os iremos derrotar”.
Passado um ano foi desmobilizado, e durante um mês e meio andou pelos EUA a levar pequenas coisas aos familiares de seus três colegas mortos em Omaha Beach, tendo-me dito de forma peremptória que foi a parte mais pungente de toda a guerra.
Quando há quinze anos visitou Omaha, a sua comoção foi tão grande que teve que ser observado num hospital próximo, prometendo nunca mais lá voltar.
Instado por mim a comentar o filme “The Longest Day”, baseado no testemunho do jornalista Cornellius Ryan, Ed disse que só no filme, que contém partes filmadas na própria batalha, se deu conta da imensidão dos meios envolvidos, porque “de facto naquele dia todos se sentiram sozinhos em cada momento do dia em que durou aquele inferno”.
Convém esclarecer que ainda hoje, esta invasão da Normandia é um golpe de enorme audácia militar de Dwight Eisenhower, contrariando o inglês Montgomery e o seu conterrâneo Patton, sobre os locais desembarque, e a estratégia inicial da ofensiva terrestre.
Há uma imensidão de livros, filmes, documentários, depoimentos, e outros documentos sobre a segunda guerra, mas não deixa de ser interessante o livro “A Europa em Guerra” ,1939-1945, de Norman Davies, editado pelas Edições 70, em que o autor descreve de forma descomprometida a guerra, o que pouco ou nada se escreveu sobre a guerra na Europa, pois eram alguns factos que não interessavam a historiografia dos vencedores, ou pelo menos não lhe foi dada grande importância, pois também não os glorificavam. Interessante obra!
Um pouco à margem disto, louva-se aqui mais uma posição corajosa do governo espanhol de Luis Zapatero, ao introduzir na “lei da memória histórica” a possibilidade de todos os sobreviventes da guerra civil que fizeram parte das brigadas internacionais, estrangeiros que combateram ao lado dos republicanos na Guerra Civil de Espanha, tenham direito à nacionalidade espanhola, tendo sido dada ordem para que todos os consulados espanhóis no mundo disponibilizem passaportes espanhóis a todos os que o requeiram.
Uma justíssima homenagem!
Fernando Pereira
7/06/09

4 de julho de 2009

Música angolana em Portugal nos anos 60.

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Sábado, 4 de Julho de 2009

Música angolana em Portugal nos anos 60

Foi um acontecimento histórico a actuação do conjunto angolano Ngola Ritmos (com Lourdes van Dunem na qualidade de vocalista) no único canal de televisão que havia em Portugal no já longínquo ano de 1964. Foi de tal modo histórico, que há em Portugal pessoas que ainda se recordam dessa actuação e do agrado que ela então lhes provocou.

Diversos cantores e grupos musicais angolanos vieram nesse tempo fixar-se em Portugal, com o fim de dar continuação às suas carreiras iniciadas em Angola. Ainda que fosse muito limitado, o meio musical português era, apesar de tudo, mais amplo do que o da Angola colonial de então. Assim, em busca de um maior êxito para as suas vidas, demandaram a capital portuguesa artistas como Sara Chaves, Eleutério Sanches, Trio Ouro Negro (que logo a seguir passou a duo) e outros mais. Quase todos estes artistas trouxeram consigo uma música de raiz angolana, sem dúvida, mas que eles mais ou menos adaptaram aos gostos e convenções então prevalecentes em Portugal e na Europa em geral, a fim de a tornarem aceite pelo seu novo público.

Talvez porque não tencionassem fazer carreira na metrópole colonial, os Ngola Ritmos fizeram precisamente o contrário. Na sua memorável viagem a Portugal, eles procuraram dar a conhecer ao público português a mais genuína música popular angolana, que eles faziam tão próxima quanto possível das suas raízes. Ao mesmo tempo, interpretaram canções portuguesas em jeito de semba, com resultados surprendentemente bons. A canção popular portuguesa "Margarida vai à fonte" foi uma delas.

Portanto, enquanto artistas angolanos radicados em Portugal aportuguesaram e europeizaram a música angolana, os Ngola Ritmos angolanizaram a música portuguesa... Excepção a esta regra foi a cantora Lilly Tchiumba, que sempre interpretou música angolana no pleno respeito pelas raízes desta. Depois que os Ngola Ritmos e Lourdes van Dunem regressaram a Angola, Lilly Tchiumba ficou sendo a voz mais genuína de Angola que se podia ouvir em Portugal. Cantou múltiplas vezes perante as câmaras da RTP, sempre com inteiro agrado do público. Alguns anos mais tarde, outras vozes se juntaram à sua, nomeadamente as de Rui Mingas e Bonga.




Lourdes van Dunem e o conjunto Ngola Ritmos em "Manazinha", uma peça do Carnaval de Luanda




Lourdes van Dunem e o conjunto Ngola Ritmos em "Mon'ami"


Depois do que escrevi sobre Lilly Tchiumba, seria de esperar que aqui aparecesse um video que a mostrasse cantando música angolana. Para minha grande estranheza, porém, não encontrei um tal video! Como escrevi acima, a Lilly cantou múltiplas vezes na televisão portuguesa. Com toda a certeza que haverá nos arquivos da RTP pelo menos uma gravação (uma só que seja!) em que ela interprete música angolana. Será possível que nenhuma delas tenha sido posta na Internet?! Na única gravação que encontrei dela, a Lilly Tchiumba canta uma musiquinha sem qualquer ponta de interesse, e que de angolana não tem absolutamente nada, num festival RTP da canção... Oh, sorte malvada!

Hesitei muito, mas acabei por decidir colocar aqui a referida gravação, apenas para mostrar como eram a cara e a voz da saudosa Lilly Tchiumba. Peço-lhes, por favor, que não se deixem influenciar pela gravação. Apesar do que nela se ouve, a verdade é que Lilly Tchiumba foi mesmo a voz angolana mais autêntica que cantou em Portugal na década de 60, à excepção de Lourdes van Dunem, é claro.



(Colocado por Denudado)




 
 
Posted by Toke

Pensar e Falar Angola

3 de julho de 2009

O DIA DOS PRODÍGIOS (I)/ Ágora/ Novo Jornal/ Luanda 3-7-09




Em 6 de Junho de 2009, Obama, Sarkozy, Gordon Brown, o príncipe Carlos e o primeiro ministro canadiano Harper, foram à Normandia, para comemorar os 65 anos do desembarque das tropas aliadas em França, que terá sido determinante para fazer inflectir a ocidente o desenlace da II guerra mundial e a concomitante derrota do nazismo.
Um parente meu, hoje com a provecta idade de 89 anos, e com a saúde debilitada, contou-me há 15 anos, todas as incidências do desembarque, ele que foi um dos bafejados pela sorte em “Omaha Beach”:” por sorte enjoei de tal forma, que quase não me consegui mexer, nos dias que precederam o desembarque, fiquei para o fim e safei-me”.
Eduardo Almeida tinha esperado e desesperado por uma carta de chamada para S. Tomé ou Angola, no fim dos anos 30 do século passado. Como essa carta não veio, órfão, o mais velho de uma família de uma prole grande demais para os escassos proventos que a casa tinha num Portugal salazarento rural e atrasado, fez-se à vida, e através de um familiar conseguiu visto temporário para os Estados Unidos, numa altura em que a única oportunidade que tinha para conseguir viver, era inscrever-se de imediato no serviço militar, e naturalmente adquirir a cidadania americana.
Assim o fez e foi para um campo de treino em Massachusetts durante um ano, sendo no fim enviado para um quartel algures no Reino Unido, perto de Bristol, integrado numa unidade de infantaria. Aí se manteve, entediado por não saber o que se lhe reservava o futuro naquela guerra, e também pelas circunstâncias daquele “barrete” de nevoeiro tão comum nas ilhas britânicas.
Em Abril, os exercícios intensificaram-se, e o tempo de repouso passou a ser mais curto, o indício claro que algo estaria para acontecer, e de facto em meados de Maio foram deslocados para Portland, um porto no Sudoeste de Inglaterra, onde estavam os barcos que os iriam levar às costas de França.
Nesta descrição minuciosa de Eduardo, ele terá dito que a primeira fase da guerra foi a mais dolorosa, porque nos 15 dias que estiveram nos navios, a maioria dos soldados enjoavam das oscilações, e os outros do nojo que era ver e sentir o permanente vomitado e não ver nada limpo. Barcos de passageiros e de carga transformados em dormitórios flutuantes, onde cada dia que passava era de desespero, para todos que sabiam que iriam para uma batalha decisiva.

(continua)

26 de junho de 2009

O LIVRO DO LICEU ESTÁ AÍ!

Diagnósticos/ Ágora/ Novo Jornal/ Luanda 26-06-09






Em Londres até à chegada de Murdoch à imprensa, a maior parte dos jornais estavam na Fleet Street, que marca o inicio da City londrina, o lugar mais importante da finança internacional. Foram entretanto deslocalizados para a periferia de Londres, e Fleet Street perdeu a aura doutros tempos, em que os jornais ainda se mantinham por amor à camisola por parte dos seus proprietários, jornalistas e tipógrafos. Não vou aqui perder muito tempo com isto, mas de facto em Luanda a rua rainha Nzinga, a partir do edifício da Bolsa, marca o inicio da Fleet Street angolana, pois acaba por ser o local onde se encontra a imprensa escrita de referência em Angola.
Tudo isto vem a propósito, de eu ter visto numa revista de um jornal que sai no mesmo dia do Novo Jornal, algo que me deixou completamente desconcertado. “Realizado por 3XU produções e por LS-republicano, o concurso que vai eleger a Garota Nacional Bumbum Dourado já teve três eliminatórias Benguela, Namibe e Huila”. Com algumas fotos, a maior parte delas de “traseira”, mostra a grande vencedora, também fotografada por “trás”, uma tal Iracema Bernardo, de Benguela que recebeu um cheque de 10.000 dólares. Desculpem mesmo qualquer coisinha, mas há aqui algo que não bate a bota com a perdigota, pois é degradante demais este espectáculo e acima de tudo que seja publicitado, ainda que de uma forma envergonhada. Tudo que é mesmo degradante e mau começa sempre de forma envergonhada, mas quando nada se opõe, o inverso é que passa a ser envergonhado. No tempo da independência, na sequência da luta de libertação, uma das causas mais caras a todos, passava pela emancipação e dignificação da mulher, mas como se foram perdendo alguns valores pelo caminho, desapetece-me alinhar com os que promovem até à saciedade os “bombons nas bumbuneiras de ouro”!
Passeando pelo ex-Bairro do Cruzeiro, hoje Bairro das colónias, ou das ex-colónias(??), continuando sem perceber muito bem porque mudaram o nome ao bairro, vejo com perplexidade numa esquina com a Rua da Guiné, uma placa que mostra a forma amadora, quiçá mesmo displicente, como se tem revisto a toponímia da cidade. Há uma placa recente, portanto a estafada desculpa pelo facto de se terem esquecido da placa da toponímia colonial, que diz textualmente Rua da Índia e entre parênteses a singularidade de Estado da Índia Portuguesa.
Socorrendo-me do Novo Roteiro de Luanda de 1964, sobre essa rua diz o seguinte: “Liga a Rua de Massangano à Rua de Moçambique” (2 colónias!!!). “Em homenagem à nossa Índia Portuguesa, descoberta por Vasco da Gama, em 20 de Maio de 1948 e campo de façanhas épicas praticadas por destemidos heróis, como D. Francisco de Almeida, D. Afonso de Albuquerque, Nuno da Cunha, António da Silveira, D. João de Mascarenhas, D. João de Castro, etc. Em Dezembro de 1961, foi-nos arrebatada pelo feroz e estúpido chacal da União Indiana. Não tardará porém o dia em que esta parcela da Pátria, tão regada com o sangue lusitano, volte ao redil nacional”
Por tudo isto, continuo a achar que a toponímia da nossa cidade capital mereceria mesmo uma discussão, e talvez fosse mesmo um tema que permitisse afirmarem-se sinergias que mobilizassem pessoas para os desafios que se colocam ao futuro de uma cidade com um identitário próprio, desejavelmente diferente do actual, mas com a necessidade de fazer prevalecer a simultaneidade de uma matriz africana e crioula de Luanda.
Desculpem hoje estar algo irascível, e colocar aqui alguns detalhes que podem ser de temas fracturantes, mas a realidade é que estou com tanta auto-estima que não sei se aguento.
Fernando Pereira
14/6/09

19 de junho de 2009

Diagnóstico/Ágora/ Novo Jornal/ Luanda 19/06/09



Com o advento do cacimbo, Luanda deixa de ir a banhos, e uns poucos vão procurando noutras latitudes encontros com outros banhistas, ou a verem se não levam banhos de alguns putativos investidores no País.
Desculpem este “intempestivo” intróito, mas vi um anúncio de umas casas numa urbanização a construir em Talatona, por sinal com publicidade aqui no jornal, que é só um exemplo entre muitos, que a massa crítica se começa a perder a um ritmo galopante, e que se aceita tudo mesmo, o que até já nos vai aviltando.
Esse anúncio promove uma casa “Estilo Europeu”, devendo nós considerar que só há duas alternativas na construção: o “Estilo Europeu” e o “Estilo Africano”, este ultimo cingindo-se a uma casa de pau a pique com paredes de adobe. Continuando o anúncio da empresa, com preços escandalosos, mesmo na escandalosamente cara Luanda, vemos umas fotos com muita verdura, riachos, lagos e piscinas, e nem sombra da terra vermelha de Luanda, e equipamento social por perto, pelo que é fácil prever, que também a terra das culturas do “tipo Europeu” serão importadas. Para rematar tudo isto apresentam-nos uma sala, do tipo mansão do sul esclavagista nos EUA, com uma lareira, algo que me parece indispensável na Luanda de hoje, quer pela agressividade do clima, quer pelo estatuto que um objecto destes dá ao seu proprietário.
Confesso que fiquei perplexo com a publicidade ao empreendimento, que me recuso a divulgar, mas que comparo em mau gosto, ao anúncio da UNITEL na TPA, em que um trajado de JEEP (Jovem Empresário de Elevado Potencial), numa secretária com poucos papéis, “viaja sonhando” em volta de um telemóvel, enquanto uma zelosa e fardada empregada, vai limpando com um espanador todo o escritório; Mau demais, mas talvez por isso a mensagem seja mais facilmente apreendida, que era o objectivo!
Como me dizia um bem instalado na vida conhecido meu, os fins justificam os meios, ou afinal ainda não estão tão longe os tempos, em que na TPA, uma jovem locutora dizia: “ Esta planta tem propriedades afro-asiáticas”, em vez de ter dito afrodisíacas.
Por falar em afrodisíacas, comprei no que vai restando da livraria Mensagem, um livro que tem sido passado de mão em mão, e motivador de conversas e leituras de pequenos trechos em tertúlias que frequento, que é nem mais nem menos que “Cartas para maridos temerários” de Dya Kasembe, e editado pela Nzila. Um dos grandes livros da “literatura de cordel” angolana, e que me parece um guia indispensável para todos que enfrentam ou venham a enfrentar situações difíceis. Simplesmente delicioso!
(Continua)

17 de junho de 2009

O Blog Realmente Aberto

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DomiNGO, 16 DE MARÇO DE 2008

Mon'Ami (Filho Meu), por Lourdes Van-Dunem


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Uma relíquia musical angolana, Mon'Ami, por Lourdes van Dunem e o conjunto Ngola Ritmos. Encontrada nesta página de athena.pallas.


A letra da canção, escrita em quimbundo, parece ser a seguinte:

Talenu ngó! O kituxi ki ngabange?
Talenu ngó! Maka mami ma jingongo!
Ngexile kyá ni an'ami kiyadi.
Nzambi k'andalê. Ngaxala ni umoxi.

Ngibanga kyebyê?! Ngaxala ngoê ni umoxi!
Ngibanga kyebi? O kituxi ki ngabangyê?!
Mona wambote wajimbirila.
Ngidila ngoê! Ngibanza ngoê! Ay, mon'ami!



Traduzida para português, ela diz mais ou menos o seguinte:

Vede só! Que pecado cometi?
Vede só! As minhas palavras de dor!
Já tive dois filhos meus.
Deus não quis. Fiquei com um.

O que faço?! Fiquei só com um!
O que faço? Que pecado cometi?!
Um filho lindo se perdeu.
Só choro! Só penso! Ai, filho meu!


(Transcrição e tentativa de tradução por Denudado)

Posted by Toke

15 de junho de 2009

O Canto Livre de Angola


O MORINGUE

ÁGUA FRESCA... PARA IDEIAS COM SEDE...

O Canto Livre de Angola, uma relíquia


Xê minino, posso morrer
Já vi Angola independente!

Tive a felicidade de poder assistir, em São Paulo, ao espectáculo da embaixada de músicos angolanos que se deslocou ao Brasil em 1983, e cuja apresentação no Rio de Janeiro deu origem ao disco O Canto Livre de Angola, que em boa hora o Toke nos permite ouvir.
                                                                                              Por Ana B.

13 de junho de 2009

Foi assim, foi muito mais do que assim ! (II parte)/ Ágora/ Novo Jornal/ Luanda 12-06-09



Lembro na Académica o hoje insigne causídico, Diógenes Assis Boavida, que jogou entre 1950 a 1952, antigo ministro da justiça da Republica Popular de Angola, num longo período.
Com o eclodir da greve académica de 1962 em Coimbra, na esteira da contestação aos efeitos do célebre decreto 40900, que andava em bolandas desde 1956, que limitava os direitos associativos dos estudantes, a Académica tem pela frente mais um desafio, num apelo à solidariedade com a luta contra a proibição da comemoração do Dia do Estudante, e à perseguição, destituição e prisão de estudantes presos.
Os jogadores da Académica deixam de treinar, algo que acontece duas semanas, um jogo é adiado “à força”, e o estádio é ocupado pela polícia. O ministro adia o jogo entre a Académica e o Beira-Mar, mas começava a ser um braço de ferro difícil de manter pois a intransigência dos jogadores era grande, na defesa dos seus eleitos, entretanto substituídos por uma comissão administrativa nomeada de contornos políticos claros de alinhamento com a extrema-direita salazarista.
O jogo seguinte era contra o Sporting, e a dimensão de um adiamento iria naturalmente ter outras proporções, pelo que o capitão Mário Wilson é chamado à comissão administrativa, onde se lhe pede para que a Académica jogue dois dias depois desse 18 de Maio de 1962. Ele diz que tem que falar com os colegas, que aceitam jogar, embora mantendo o protesto. Nessa noite, Daniel Chipenda (que tinha vindo do Benfica), França (que tinha vindo do Sporting), e o moçambicano José Julio, fogem de Coimbra já com a PIDE no seu encalço, levando também Araujo a seguir o mesmo caminho uns dias mais tarde.
Todos conhecemos os seus percursos enquanto cidadãos e militantes anti-colonialistas. José Araujo( jogou de 1958 a 1962), doutorou-se em geologia na Universidade de Berlim, e depois da independência foi Director Nacional de Geologia e Minas e durante muitos anos presidente do Comité Olímpico de Angola. Daniel Chipenda (jogou de1958 a 1962), com todo um percurso militar e político conhecido, acabou por falecer em 1996, depois de ter desbaratado um capital político enorme, conseguido numa luta armada onde foi brilhante comandante. António França (jogou de 1960 a 1962), hoje general Ndalu, foi membro do bureau político do MPLA, e é hoje um bem sucedido homem com um capital político assinalável, e boas relações no mundo dos negócios. Ndalu ainda representou a selecção cubana de futebol em jogos internacionais.
Para este artigo, que terá algumas omissões e quiçá mesmo algumas pequenas inverosimilhanças, é uma pequena homenagem e a lembrança de que foram gente com carácter e de posições políticas coerentes “dos pés à cabeça”.
Já agora a título de curiosidade, foi a Académica que venceu a 1ª Taça de Portugal, ao vencer o Benfica, em 25-6-1939, com vitória por 4-3.
Este artigo foi feito com recurso a testemunhos de várias pessoas que fui conhecendo, a histórias ouvidas e repetidas, e a ajuda preciosa do magnífico livro do meu saudoso amigo João Mesquita, jornalista que nos deixou há meio ano, que em colaboração com o professor João Santana, fizeram um livro de título “Académica, a História do Futebol”, editado pela Almedina.

Fernando Pereira30/05/09

5 de junho de 2009

Foi assim, foi muito mais do que assim! (I) Ágora / Novo Jornal / Luanda 5-6-09




Houve final da taça de Portugal, e o “meu” Futebol Clube do Porto ganhou!
Não é por causa da vitória do Porto que hoje vou escrever, porque se o fizesse cada vez que os “Dragões” ganhassem era crónica sim, crónica sim, e a coisa monotonizava-se.
Há quarenta anos, houve talvez a final mais importante de todo o desporto português, e como dizia o saudoso Carlos Pinhão, a final de 1969 foi transformado “num dos maiores comícios de sempre contra a ditadura”. “No topo do Jamor, as bandeiras da Briosa e os cartazes de incentivo a esta, alternam com dísticos onde se pode ler: 'Ensino para todos'; 'Melhor ensino, menos polícias', 'Universidade livre'”, e na tribuna do estádio, nem sinal do Chefe de Estado, nem do então ministro da educação, o historiador José Hermano Saraiva, entidades que era habitual comparecerem por motivos protocolares.
Os jogadores da Académica, entraram em campo com as capas descaídas sobre os ombros, solidários com a luta que se desenvolvia em Coimbra, e no topo sul do estádio um imenso pano negro, com o emblema da Associação Académica e uma tarja branca por cima, claros sinais de luto académico.
Como toda a gente dizia antes do jogo, o resultado era o que menos interessava, mas o golo do Eusébio que deu a vitória ao Benfica, permitiu mais uma vez que o regime respirasse de alívio, pois a vitória da Académica teria aumentado a contestação.
Eusébio não percebeu o que se passava nesse jogo, que até à última da hora esteve com o espectro da falta de comparência dos “estudantes de Coimbra”, estando o Sporting de prevenção, numa clara demonstração do alinhamento dos clubes de Lisboa para com o regime do Estado Novo. Não houve transmissão televisiva, de forma a não ampliar a dimensão da manifestação. “Sabíamos que transportávamos o futuro nas camisolas e tínhamos a consciência que estávamos a dar visibilidade à crise”, disse José Belo, então defesa da Académica.
Citando o incontornável jornalista Batista Bastos, “foi assim, foi muito mais do que assim”, podemos dizer que de facto o jogo não interessava mesmo nada.
Já que se fala da Associação Académica de Coimbra, e da sua secção de futebol, devo aproveitar o ensejo para falar de outros conterrâneos nossos que por lá passaram, e que participaram também noutras lutas, que a nós angolanos nos dizem mais respeito.
Apesar de na Académica terem jogado muitos angolanos, ao longo de anos e em períodos diferentes desde o antigo director do “Jornal do Congo”, Borja Santos, Serra Coelho, Couceiro, o meu amigo Manuel de Faria Vieira Lopes (Manecas), estes já falecidos, Torres (obstetra reformado em Coimbra), Camilo, Raul Águas, Garnacho, Alberto Cruz, Prado, Manuel Maria Inácio, Óscar Almeida , Akwá, e outros, há um conjunto de uns quantos, que se notabilizaram na libertação de Angola e no seu dealbar organizativo enquanto país independente.
Dizia o Dr. Eduardo Macedo dos Santos, falecido em 2001, que “tinha ganho o curso de medicina com estes” enquanto apontava para os dois pés. Obviamente que nunca o vi jogar, já que ele entrou na 1ª equipa da Académica em 1946/ 47, e deixou o clube no fim da época de 1952/53, com o curso de medicina concluído, e deixando uma saudade enorme entre os seus colegas de equipa.
O Dr. Eduardo Macedo dos Santos, que tive o gosto de acompanhar nas lides desportivas, enquanto ele ocupou o cargo de presidente da FAF, aliás primeiro presidente, tinha detalhes deliciosos, como o de rejeitar liminarmente qualquer antigo guarda-redes para treinador de uma equipa de futebol, com o argumento que “enquanto jogador só percebia de táctica até aos quatro jogadores que estão à sua frente, os defesas, porque o resto do campo não via” ou que “ festejava um golo sozinho” ou ainda que “para ele o zero zero era um resultado perfeito, pois tinha cumprido a sua parte do trabalho”.
Era uma pessoa aguerrida, loquaz, de convicções fortes, extraordinariamente fiel aos seus princípios, um dos primeiros do MPLA, fundador com Hugo de Menezes o CVAAR- Centro Voluntário de Assistência aos Angolanos Refugiados, onde integra outros médicos angolanos, como Manuel Videira e Edmundo Rocha.
Homem de roturas, quando ele as julgava necessárias, sem andar a escolher os momentos “politicamente mais apropriados”, acabou por integrar a “Revolta Activa”, o que lhe valeu alguns amargos de boca, em momentos em que o radicalismo era quotidiano político de um MPLA, numa busca obstinada de uma matriz de referência política e ideológica, ainda hoje pouco afirmativa. Médico pessoal de Agostinho Neto, primeiro director da faculdade de medicina da Universidade de Angola (depois Agostinho Neto), cardiologista emérito, foi embaixador de Angola na fase final de” uma vida sempre em luta contra as defesas contrárias”, como já acontecia nos seus tempos da “Académica”.

(CONTINUA)

30 de maio de 2009

COMER, LER E CONTAR/ Ágora/ Novo Jornal/ Luanda 29/05/09





No último fim-de-semana, reuniram-se na Malveira, perto de Lisboa, cerca de oitocentas pessoas para o almoço anual promovido pela Associação dos Antigos Alunos do Liceu Salvador Correia em Portugal.
Foi a grande festa anual, em que se encontraram diversas gerações, e onde durante umas horas, se misturaram sentimentos díspares, num contexto que não é fácil explicar.
Todos os anos, de há sete a esta parte, “ei-los que chegam velhos e novos, de outras paragens, de outras aragens”, para o maior encontro da diáspora angolana, e no fim fica em todos, o desejo que o ano voe, para que o próximo Maio venha e nos leve à festa.
Continua a ser um enigma esta mobilização, pois reunir trinta e alguns anos depois, oito centenas de pessoas, normalmente com uma percentagem significativa de presenças neófitas em cada ano que passa, é algo incomum em eventos do género.
No ano em que se comemora o nonagésimo aniversário do Liceu, o primeiro de Angola, é gratificante ver-se o entusiasmo desta gente em trabalhar em eventos, em fazer sair um livro e a propor iniciativas diversas, que mobilizam as pessoas para as envolver num espírito positivamente corporativista, mas de grande generosidade.
Este fim de semana, coincidiu com a apresentação do novo livro do Fernando Teixeira (Baião),” Kimalanga”, numa Casa de Angola em Lisboa, espaço demasiado exíguo para a presença de tantos amigos, que não quiseram deixar de lhe tributar o merecido carinho pelo seu trabalho em criar personagens, que complementem na escrita a sua forma peculiar de contar histórias.
Foi também para mim uma boa surpresa, o livro que adquiri do Pedro Benga Lima “Foguetão”, “ Percursos Espinhosos”, editado pelo INALD, um repositório de memórias de uma vida vivida e lutada, e que não deve ser ignorada.
Este trabalho, longe de grande verve, é uma descrição séria do que foram tempos difíceis, numa sociedade colonial segregacionista, e de uma guerrilha em que tudo era incerto e difícil, em prol de uma sociedade que emergiu diferente.
Foi com gente desta que se fez a Angola mais difícil, e por isso em futuras Ágoras irei tentar fazer um levantamento, ainda que sumário, de muitos depoimentos de pessoas que lutaram, participaram e que fizeram a história menos conhecida do País.
Ignorar esses depoimentos, é caucionar um reescrever torto a história de Angola.
Fernando Pereira
26/5/09

24 de maio de 2009

O Painel do Neves e Sousa não sabe voar/ Angola/ Novo Jornal /22-5.09






Há cinquenta anos que vou seguindo atentamente, tudo o que se vai passando no aeroporto internacional de Luanda, que já foi “Craveiro Lopes”, “Bela” e actualmente 4 de Fevereiro.
O aeródromo Emílio de Carvalho, apesar de ver acrescentada uma pista, já não oferecia segurança aos Skymasters, nem tão pouco poderiam permitir a aterragem dos Super Constelation , os mais virtuosos aviões a hélice que havia nos anos 50. Emílio de Carvalho, foi um tenente de cavalaria, diletante dos aviões, que faleceu num desastre nocturno de aviação em 13 de Novembro de 1924, numa modesta pista de aviação em Luanda. Foi o pioneiro dos raids aéreos entre Luanda e Leopoldeville, hoje Kinshassa.
Voltando ao aeroporto internacional 4 de Fevereiro, que ou desde a sua inauguração tem uma particularidade interessante: Ou anda em obras de beneficiação ou ampliação, ou precisa de obras de ampliação ou beneficiação!
Desenhado por Keil do Amaral e pelo luandense Fernando Lopes Simões de Carvalho, podemos dizer que era um excelente edifício, para os tempos em que a aviação comercial era elitista, e naturalmente com poucos aviões a chegarem e a partirem, sem que houvesse pois necessidade de grandes espaços.
Apesar de tudo o aeroporto dispunha de uma excelente sala de embarque, e de uma pequena sala de saída, quase tudo no que está hoje disponibilizado, como sala para as formalidades de embarque de passageiros.
Nesse espaço, está o verdadeiro ex-líbris do aeroporto de Luanda. Um painel com 345 m2 em grafite, que pouca gente olha com atenção, principalmente desde que fecharam o terraço ao cimo das escadas onde se encontra a sala do protocolo de Estado.
Este painel notável, em que está desenhado um conjunto de referencias aos povos e etnias de Angola, Neves de Sousa faz uma homenagem às gentes e também à sociedade crioula de Luanda. É provavelmente a obra mais emblemática que Neves de Sousa tem em Angola, embora haja muito trabalho dele espalhado por todo o País, mas nenhum tem esta dimensão, nem uma mensagem tão arreigada aos valores da terra como tem este.
Resolvi fazer este texto, porque realmente vi que o aeroporto anda novamente em obras, para quando acabarem se der conta que precisa novamente de novos trabalhos, já tem sido essa a sua sina, e fiquei preocupado por não ter visto um cuidado suplementar para preservar o mural de Neves e Sousa, nem tampouco cobri-lo de forma a acautelar alguns pingos de cal ou tinta que lhe caiam em cima, de forma involuntária obviamente.
Claro que nem sequer me passa pela cabeça, que o painel seja removido do lugar, como já tem acontecido com outros locais classificados, como tem sido recorrente ultimamente. Podendo, numa hipótese meramente académica ser uma ideia peregrina em alguém que decida sobre estas coisas, só me resta lamentar que a estultícia por vezes não tenha limites no aceitável, o que permitiria pelo menos evitar que males maiores pudessem acontecer, o que não tem sido o caso.
Desculpem este lembrete, mas quando vejo obras ao pé de certas coisas, algo me diz que alguma coisa boa vai desaparecer, e disso é que tenho receio, e também por isso lembro a tempo e horas, se é que vale alguma coisa.

Fernando Pereira 11/05/09

A vida que os portugueses deixaram/Novo Jornal/Angola/22-5-09


Na segunda metade dos anos setenta, Lisboa foi inundada por uma panóplia de títulos, em que invariavelmente, os temas eram o ódio visceral ao MPLA e a incitação ao linchamento de Rosa Coutinho e a de outros elementos do MFA!
Nenhum desses livros, é particularmente importante para se retirar algum detalhe importante para a história de Angola, ou até mesmo para memória futura da “descolonização”. Os armazéns de distribuição ficaram pejados de inutilidades, que mais tarde acabaram vendidos para reciclagem. Pela minha parte só lamento, o tempo que perdi a ler tanto desperdício de papel e tinta.
Com o passar dos anos, para os portugueses que deixaram Angola em 1975, e os que acidentalmente lá nasceram, a palavra “retorno” foi perdendo significado. Os devaneios literários das pessoa, passaram para um quotidiano de trabalho e de vida, onde cada vez menos tinha lugar a palavra “saudade”.
Há uns poucos anos a esta parte, mercê de inovadoras formas de comunicação, de reencontros possibilitados pelo acesso generalizado da internet, assistimos ao renascer de um novo surto da literatura de “Aquém e Além-mar e África”, e de um momento para o outro, os escaparates das livrarias voltaram a ter livros, com textos ligados a uma pituitária emocional, impregnada pelo “cheiro da terra vermelha molhada”.
“Retornados” de há trinta e cinco anos, ou seus descendentes com algumas imagens difusas da terra que largaram em condições particularmente desagradáveis, voltam de pena afiada a produzirem livros. São menos ideológicos, romanceados e polvilhados aqui e ali por imagens, que se encontram com mais facilidade em brochuras turísticas de domínios exóticos, ou no imaginário de algumas pessoas, frutos de sonhos de anos, do que a realidade do que aconteceu ou do que existe, e que afinal não está tão destruído como durante anos lhes foi pintado.
Recentemente saíram pela Oficina do Livro, “A Balada do Ultramar” do jornalista Manuel Acácio ; A reedição desta vez pela editorial Cristo Negro, “Os retornados, o Adeus a África” do médico António Trabulo; O “Lobito” de Antonio Mateus, editado pela “Guerra e Paz”. Este conjunto de livros não merecem grande comentário, porque não me despertaram alguma emoção quando os li.
Simultaneamente apareceu, editado pela “ Saída de Emergência”, com o título “Angola a Ferro e Fogo”,de um tal Gerard de Villiers, que é um romance no mínimo absurdo. É uma tentativa medíocre de imitar Laterguy, polvilhada aqui e ali com um misto de “África Adeus” com os “Jogos Africanos” do Jaime Nogueira Pinto. Mais uma vez, penso que quem evitar a sua leitura, será mais feliz que eu, que o tive que ler, para escrever e dar esta minha benevolente opinião.
No meio disto tudo, e quando começava a desesperar, tive uma magnífica surpresa, que é o interessante livro da jornalista free-lancer,Ana Sofia Fonseca, “Angola Terra Prometida” , editada pela “Esfera dos Livros”, graficamente muito bem concebido, em que a capa indicia claramente a forma como se vão desenrolando textos, fotos e anúncios diversos ao longo da obra.
Quando adquiri o livro, confesso que o fiz com alguma reserva, pois esperava mais do mesmo, mas à medida que avançava na leitura, as reservas iniciais iam-se rapidamente dissipando, já que a escrita é absorvente e muito bem contextualizada no tempo e também no modo.
Ao longo de trezentas e tal páginas, a autora fala com portugueses, mas levanta o biombo, que muitos deles se esqueceram de espreitar, durante os anos que viveram em Angola, e que tinha a ver com a segregação, e que é salientada no livro, sem atavismos de natureza ideológica ou necessidade de algum exercício de expiação. “ A vida que os portugueses deixaram”, foi fruto de um belíssimo trabalho das autoridades coloniais que no cínico e aparente diáfano da linguagem do “muitas raças, muitos povos, uma só nação”!
Uma coisa a reter no livro, tem a ver com o denominador comum da saudade dos entrevistados, que ao tempo do desenlace com Angola eram jovens, solteiros ou casadinhos de fresco, e sem saberem quão sofrida a sua vida. Também isso muda tudo, pois todos invariavelmente temos alguma saudade do nosso passado de juventude, quer se viva em Angola, Portugal, Brasil ou Nepal. Eu próprio, que partilho a opinião do José Gomes Ferreira, de que “tenho saudades é do futuro”, não escondo alguma emoção quando recordo algumas coisas de um tempo ido que só teve muito de bom, porque era jovem, já que de qualquer forma irrepetível, e ainda bem!
Merece ser comprado, mas que ninguém espere um “livro militante”.É acima de tudo um brilhante e sério trabalho de uma jornalista ainda pouco mais que debutante, que iremos começar a olhar com atenção.


Fernando Pereira
19/05/09
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