
31 de julho de 2008
28 de julho de 2008
Capa do disco de Urbano de Castro
27 de julho de 2008
26 de julho de 2008
O Nosso Decatlonista


O nosso decatlonista
Quando, a 6 de Abril de 1896 começavam na Grécia os jogos olímpicos da era moderna, o barão Pierre de Coubertin materializou um sonho, que embora embaciado, de um certo classismo aristocratizante, não deixou de se cobrir de espanto e glória, com a perenidade que já ultrapassou o centenário.
Aproveitando o ensejo de estarmos na antecâmara dos Jogos de Pequim, resolvi escrever um pouco sobre uma figura que foi o primeiro secretário geral do Comité Olímpico Angolano, e figura egrégia no contexto do desporto angolano durante décadas, como praticante, professor e dirigente. Refiro-me ao Fernando Matos Fernandes, com quem tive o privilégio de trabalhar na ex-SEEFD e na zona IV de Desenvolvimento Desportivo da Confederação Africana dos Desportos.
Recuando ao dealbar dos anos 40, vemos o Matos Fernandes como recordista português dos 110 barreiras, 400 barreiras, 400m planos, estafeta de 4x100m, 4x400, altura e no decatlo onde foi campeão por 8 vezes com 6458 pontos, uma marca impressionante para a época. Neste conjunto de disciplinas do atletismo convém salientar que entre 1940 e 1957, não havia quase espaço para a concorrência, pois o então jovem Matos Fernandes, ganhava quase tudo que havia para ganhar. Na disciplina de altura sucedeu no lugar de campeão a outro angolano, ainda vivo, o Guilherme Espírito Santo, que ainda correu e venceu, com Matos Fernandes, o campeonato português na estafeta de 4x100m no ano de 1942.
Por causa deste artigo, tentei recuperar uma caderneta de cromos dos “Ídolos do Desporto”, algo que desconsegui, onde aparecia o Matos Fernandes com a camisola pejada de medalhas, o que para mim com 8 anos era fascinante e permitia todos os sonhos.
Já na segunda metade da sua extensa e brilhante carreira, Matos Fernandes participou em 1952 nos J. O. de Helsínquia, nos 400 m barreiras, onde se ficou pelas eliminatórias e ficou em 16º na final do decatlo, com uns modestos 5604 pontos, muito longe do seu record português. O decatlo é um conjunto de dez provas de várias disciplinas do atletismo, que exige um virtuosismo e um ecletismo só disponíveis a poucos eleitos.
A estrutura física de Matos Fernandes, a sua dedicação ao treino, e outras condições de trabalho, tê-lo-iam guindado a resultados bem diferentes no atletismo internacional. Ao longo de vinte anos de carreira ao melhor nível como praticante, retira-se, e abraça a carreira de treinador, primeiro em Lisboa e depois no Benfica de Luanda.
Com o advento da independência de Angola, Matos Fernandes começa a alijar a sua componente de campo, para se dedicar ao dirigismo desportivo, no âmbito das estruturas oficiais do desporto angolano, nomeadamente no Comité Olímpico, onde trabalhou com os presidentes Augusto Lopes Teixeira (Tutu), e com o José Araújo, o popular “Ben Bareck”, ex-jogador da Académica de Coimbra, que com França (Ndalu), Chipenda e o moçambicano José Júlio, fizeram uma fuga de Portugal, com muitos outros estudantes das colónias portuguesas em 1962, para se juntarem à resistência contra o colonialismo português.
Sobre o Comité Olímpico não resisto a contar uma história curiosa; Perguntei ao Matos Fernandes onde estava um determinado documento, tudo em conversa telefónica, e ele manda-me à 3ª gaveta da sua secretária porque na primeira funcionava a “sede” do Comité Olímpico, na 2ª a “sede” da Zona 4 de Desenvolvimento Desportivo Africano e então na 3ª porque era a que pertencia ao gabinete de apoio do Secretário de Estado, de que na altura Matos Fernandes era chefe de gabinete.
Acho que o desporto angolano vai devendo um pouco a esta gente, que como o Fernando Matos Fernandes, foram cabouqueiros de uma prática desportiva que só se permitiu melhorada por esforços assim, aliado ao enorme investimento que o governo da Angola independente foi fazendo ao longo dos tempos e de excelentes resultados, diga-se em abono da verdade.
Lembro com particular saudade as suas memórias sobre o atletismo “dos anos ontem”, que para as pessoas hoje já são “dos anos antes de ontem”, pois Matos Fernandes já nos deixou há vinte anos. Foi numa dessas conversas que ele me disse que tinha sido o fundador da “filarmónica benfícólica”, que podia bem ser uma coisa do tipo claque organizada, com outros contornos também ligados ao filantropismo e ao apoio aos atletas de todas as modalidades do clube, ao nível da sua vida quotidiana, quando ainda vinha longe o profissionalismo.
Fazer esta crónica tem particular significado, já que tive oportunidade de lembrar o primeiro atleta olímpico angolano, uma pessoa de carácter, e um eterno apaixonado pela prática da cultura física.
Fernando Pereira
18 de julho de 2008
Nem cântaro, nem fonte, nem sequer Maria!/Ágora/ Novo Jornal/ Luanda 18/07/08


No dia 1 de Setembro de 1935, inaugurava-se a estátua evocativa dos mortos portugueses nas “campanhas africanas” da Grande Guerra Mundial de 1914-1918, na luta contra os alemães.
Num largo poeirento, com a pompa e circunstancia adaptada ao evento, alinharam-se as autoridades, civis, militares e eclesiásticas da cidade de Luanda, um tal almirante Afonso Cerqueira, e um jovem professor de direito, que chefiava uma missão de estudantes “metropolitanos” às colónias, de seu nome Marcelo das Neves Alves Caetano, que trinta e nove anos depois seria apeado do governo de Portugal, por um golpe de estado, que derrubou a ditadura, e donde emergiram governantes que promoveram negociações, que levaram à independência as ex-colónias portuguesas.
Este evocativo, que depois da independência esteve tapado com um plástico cor de rosa, depois dinamitado em circunstancias pouco claras foi depois local de “pousio” de um carro de combate.
Foi construído com a contribuição do comércio e industria de Luanda, numa campanha que teve em Alves da Cunha o seu maior dinamizador, e foi colocado numa margem da lagoa do Kinaxixe, lugar de brincadeiras, de pescarias e também sítio de histórias de Kianda, uma personagem mítica e reverencial do imaginário angolano. Luandino Vieira, Tomaz Jorge, e outros tentaram em prosa ou em verso falar dessa figura mítica que cruza Luanda desde tempos imorredoiros: Na “ Casa velha das margens” de Arnaldo Santos, Luanda e o Kinaxixe misturam-se numa obra, que considero de excelência na escrita angolana.
No léxico colonial, recordo-me sempre daquele largo, que tinha um magnífico edifício dos Serviços de Agricultura, que foi demolido em meados dos anos 60, ser conhecido pelo Largo da Maria da Fonte, e nunca por Kinaxixe, e tampouco por largo dos Lusíadas, que era o nome do largo na toponímia colonial. Sempre despercebi quais as bastas razões, para que a minhota Maria da Fonte de Arcada fosse o nome “apopularizado” do referido largo.
Maria da Fonte, foi a líder de um grupo de sete mulheres do Minho que em meados do sec. XIX, comandaram um conjunto de sublevados contra o 1º ministro do reino de Portugal, Costa Cabral, levando ao seu recuo num vasto pacote de impostos e à consequente demissão, muito bem descrito em alguns livros na extensa obra de Camilo Castelo Branco, também ele um minhoto.
Acho uma excelente ideia perpetuarem-se em estátuas, ou de outra forma com igual dignidade, os heróis nacionais de Angola, e Nzinga Mbandi merecia este lugar, pela sua relevância na história de Angola, consubstanciada na importância que teve na luta contra os portugueses, e acima de tudo na forma como uniu reinos desavindos, em torno de um projecto comum, que era lutar contra o ocupante.
È uma opinião meramente subjectiva, mas acho que a peanha onde está a Nzinga Mbandi, é desproporcionadamente grande em relação à estátua, o que lhe retira alguma beleza e quiçá alguma importância em termos de visibilidade. Parece-me esteticamente pouco conseguido o “monumento”, mas pelos vistos os noivos que lá tiram as suas fotos não partilham da opinião..
Passados uns anos de lá ter sido colocado o carro de combate, recebi em Luanda o falecido Dr. Aníbal Costa, ao tempo presidente da Sociedade Portuguesa de Medicina Desportiva, que vinha a Luanda a convite do Centro de Medicina Desportiva de Luanda, e quando passou no Kinaxixe, voltou-se para mim e diz-me:”Fernando Pereira, aquele carro ali em cima está a mudar o óleo?” .Confesso, que foi a melhor observação que alguma vez ouvi, sobre o carro que fez parte do quotidiano visual dos luandenses durante quase vinte anos.
Fernando Pereira 6/07/08
Expo-2008/ Uma exposição pedagógica/Ágora/ Novo Jornal 18-07/08


ZARAGOZA 2008
Por motivos vários, vou algumas vezes durante o ano a Aragão, e concretamente a Zaragoza. Fui assistindo ao seu crescimento, que faz que hoje esta cidade de 900.000 habitantes, capital da Comunidade de Aragão, seja um pólo de grande dinamismo industrial, comercial e científico, tendo-se afirmado como a quarta cidade espanhola, em termos de população e de criação de riqueza.
Conheço a cidade desde 1972, e para mim não foi surpresa alguma, quando a cidade de Zaragoza se candidatou à Exposição Internacional de 2008, pois o seu crescimento, e o engajar das gentes de Aragão no seu desenvolvimento, almejavam um evento internacional que colocasse a sua cidade mais importante no mapa mundial.
Fui daqueles visitantes, que chegaram à hora marcada no convite, o que de facto contraria as normas de qualquer visita, pois nunca se deve chegar antes da hora, à hora, nem muito depois da hora. Aconteceu dar-me conta, que ainda havia alguns trabalhos a realizarem-se, nomeadamente acessos, interfaces e parques de estacionamento.
Logo no início da Expo, quem entra pelo lado norte, deparamo-nos com uma ponte-pavilhão, que é esmagadora na sua concepção, desenhada pela prestigiada arquiteta iraquiana Zaha Hadid, a primeira mulher a receber um prémio importante da arquitetura mundial, o Pritzker. Este “pavilhão poente” vai ser a marca mais importante da Expo, quando se passarem uns anos do “desmontar da tenda”.
Ao entrar no espaço da Expo, fico com a sensação que é a mais pequena das que visitei nos últimos anos, mas também a que melhor se integra com o centro urbano.
Com um tema pertinente nos tempos que correm, a água é o centro de toda a Exposição Internacional. O tema é pertinente, pois a sua crescente escassez, a sua deterioração continuada e a sua distribuição irregular levam a que paire, num cada vez maior numero de pessoas, que será o motivo próximo de guerras entre povos e países na procura da primeira de todas as matérias primas.
A Torre da Água, que não me tendo surpreendido em termos de arquitetura, deixou-me maravilhado com a apresentação do conceito “água”, pois em 45m, através de recursos multimédia com a água, fica-se com a sensação exacta que é bem mais que o líquido que continuadamente desperdiçamos. Neste pavilhão tenta-se que a água e os sentidos se misturem, não sendo fácil demonstrá-lo com palavras.
O Aquário Fluvial, que segundo diz a organização é o maior aquário de água doce do mundo, e o mais diversificado em termos de espécies, é um edifício que irá ficar e foi o mais requisitado pela garotada, que deu um colorido grande ao ainda muito vazio recinto da Expo 08. Destaco ainda o pavilhão de Espanha, pelo arrojo da arquitetura, e também com interesse o da “água partihada”, o da “sede” e o da “Oikos”.
O que ressalta destes pavilhões temáticos, é que esta exposição tem uma componente pedagógica muito acentuada, mas julgo que o seu acompanhamento tenha de ser cuidado, pois pode suceder que em determinados momentos, a vontade de mostrar e reafirmar a mensagem, pode levar à desmotivação por parte de muitos visitantes, que devem sair da exposição determinados a lutarem por um equilíbrio, que passe por um futuro sustentado de recursos hídricos partilhados por toda a população mundial.
O pavilhão de Angola, mostra logo na sua apresentação exterior, um cuidado supletivo em relação a anteriores exposições, o que dá à partida uma imagem afirmativa do País. Um excelente painel, com um brilhante trabalho de excelente expressão plástica, baseada em motivos de escultura de madeira angolana que não deixa indiferente quem passa.
No interior, somos agradavelmente surpreendidos por alguns trabalhos de compatriotas nossos ainda jovens, que porventura mereceriam outro destaque, mas obviamente é muito subjectiva esta opinião, como aliás toda esta minha apreciação da Expo 2008.
O pavilhão é dividido por algumas secções, e no primeiro temos a floresta, onde se tenta retratar o Maiombe, e onde há uma curiosa cortina de vapor, que não sendo inovadora, é no mínimo curiosa vê-la tão bem enquadrada na entrada da exposição. Nas secções seguintes, é interessante a sequencia dos modelos encontrados, de forma a tentar elucidar o visitante da forma como se divide o território de Angola, no plano da diversidade pluviométrica, de cursos de água e características dos terrenos. Da floresta, passamos à savana, à anhara, ao aproveitamento hidro-eléctrico do Gove, a foz do Cunene e o deserto. Tudo razoavelmente documentado, embora tenha ficado desiludido pelo facto de não ter um guião, ainda que pequeno do que estava à vista no pavilhão.
Ainda não estava a funcionar a parte do pavilhão reservada às actividades económicas, e a justificação dos atrasos foi a greve dos camionistas espanhóis, na semana que antecedeu a abertura da Exposição.
Houve algumas coisas que me deixaram algo desagradado, que foi o terem um crocodilo de “brincadeira”, nem se percebendo se era de plástico ou madeira, no meio de um lago, que era motivo de alguma chacota por parte das pessoas que passavam. A Welbitchia estilizada também não me pareceu uma ideia feliz, mas tolerava-se. Outra coisa que achei demonstrar pouca sensibilidade, tem a ver com os filmes apresentados pela Endiama, o que me parece algo paradoxal, pois é uma empresa que se preocupa com muitas coisas importantes para além do lucro, como por exemplo a recuperação de edifícios, apoio a núcleos museológicos e preservação da fauna e da natureza, apoiando também algumas iniciativas culturais.
O artesanato ainda estava algo desarrumado, mas devo ter em conta que visitei o pavilhão no primeiro dia da sua abertura ao publico, pelo que não deixa de ser uma atenuante de tomo.
Quanto aos colaboradores presentes, julgo que começámos a ter algum cuidado na sua selecção, pois eram cordiais, simpáticos, e procuravam ser esclarecedores nas explicações; Uma excelente surpresa, o que evidencia progressos notáveis em relação a eventos anteriores, onde assistimos a atitudes pouco edificantes por parte de pessoas que não se dão conta que nestas circunstancias deveriam estar a promover a imagem do País.
Numa análise breve acho que o pavilhão de Angola está bem, e a equipa parece-me competente. Aqui e ali pode haver uma ou outra coisa a alterar, e uma proposta que faria, seria o de dar a conhecer a quem visita o nosso pavilhão os recursos que possuímos, dando um ênfase ao facto de Angola, ser o 5º país africano em termos de recursos hídricos no conjunto da suas bacias hidrográficas. Para além disso, sugeria que fosse dado a conhecer a quem visita o pavilhão alguns esforços do governo e entidades privadas no sentido de melhorar a qualidade da água nas cidades e concomitantente como se tem feito o combate às doenças provocadas pela “má água”.
Falta apenas fazer uma referencia à animação diurna e nocturna, tendo ficado estupefacto com a apresentação ao vivo do Cirque du Soleil, que já tinha visto em documentário; Um excelente espectáculo diário.
Quanto a tudo o resto: Vão lá!
17 de julho de 2008
11 de julho de 2008
A Epidemia da Fome/ Ágora/ Novo Jornal/ Luanda /11-07-08


A Etiópia foi sempre um lugar de caminhos entrecruzados, alguns deles a revelarem-se muito maus, e a engrossarem os exercícios de expiação, que de quando em vez, temos de ir fazendo quando somos confrontados com realidades objectivas.
Exultei quando Mengistu Haillé Mariam, em 1974, ascendeu ao poder, e acreditei que o sofrido povo etíope, podia ter direito a uma maior dignidade, assente num quotidiano diferente do que prevalecia no “Império” do Negus..
A Etiópia era um dos poucos países que apenas episodicamente foram colónia, concretamente com aquele devaneio de Mussolini, que revelou um Hailé Salassié com enorme diplomacia, mas sobretudo com um forte fervor patriótico e determinado a manter uma Etiópia independente e herdeira de uma das grandes civilizações africanas.
De 1930 a 1974, o “Rei dos Reis”,”Eleito de Deus”, “Soberano Todo Poderoso”, “Imperador da Etiópia”, Hailé Salassié governou-a, mantendo a fome onde lhe convinha, matando a fome quando lhe agradava e interessava.
Era o “Imperador” que dava os empregos aos vulgares cidadãos, o mesmo que nomeava e destituía ministros; O comandante militar determinava quem era a chefia das forças armadas, mas também o vulgar comandante da polícia de uma obscura esquadra do Ogaden; Designava quem era reitor da Universidade e os alunos que tinham direito a frequentá-la, enfim um Império feito de alguém que nunca se deu conta que as pessoas passavam fome, mas que alertava quando um dos leões do seu jardim podia ficar enjoado com o excesso de carne! Uma bizarria governativa que custou cara!
Equilibrista na política externa, instrumento dos EUA na sua luta contra a “comunista”Somália de Siade Barre, foi o anfitrião da constituição da OUA em 25 de Maio de 1963, disponibilizando Addis-Abeba para sua sede, era este mesmo homem que tinha de tomar banho numa banheira de sangue de bebés de uma determinada tribo que episodicamente se lhe opunha, para ser “purificado”.
Quando em 1974, o então capitão Mengistu toma o poder, deixa Haillé Salassié no seu palácio quase completamente sozinho, prisioneiríssimo das suas megalomanias e também das suas quimeras diabólicas, e os seus últimos tempos de vida são um definhamento total não só em termos físicos, mas o seu brando enlouquecer, aliás muito explorado em termos de imagem.
Mengistu surge como um verdadeiro libertador, mas a realidade vem mostrar num curto prazo, que a Etiópia, apesar de berço da OUA, se mantinha completamente distante, de um quadro de respeitabilidade que era exigível a um dos mais antigos países independentes de toda a África.
A guerra permanente com a Somália por causa do Ogaden, a perseguição aos Eritreus, como aliás já fazia Salassié, e a eliminação física em massa dos que contestavam o “todo poderoso” Mengistu Halé Mariam, levaram a Etiópia a primeira notícia em todo o mundo, pelas piores razões: a epidemia de “fome”.
Indiferente a tudo isso, no meio de enormes desfiles militares, de grande ofensiva em termos militares e propagandísticos, Mengistu ignorava a maior catástrofe dos anos 80, quiçá mesmo uma das piores da história contemporânea. Os seus detractores levavam com uma bala na cabeça, e a sua família era obrigada a pagar a bala, porque “ a revolução não podia perder dinheiro de balas com contra-revolucionários”, servindo o recibo de certidão de óbito.
Quando se soube do reiterar da sua condenação à morte, bem como de alguns dos seus colaboradores mais próximos, resta a consolação dos familiares de mortos, que foi feita justiça, e que em lado algum estes crimes deixaram de ser impunes.
Cabe aqui uma referencia em termos bibliográficos a Ryzard Kapucinski, que no seu livro “O Imperador” coloca as palavras de muitos que viveram e serviram Salassié e também os que se entusiasmaram com Mengistu, pelo menos por terem a sorte de ter sobrevivido para contar o que hoje sabemos!
Fernando Pereira
7 de julho de 2008
Fotos da Exposição-Feira em Luanda
4 de julho de 2008
Algumas letras de um longo caminho/Ágora/ Novo Jornal/ Luanda/4-07-08


Recentemente, saiu o livro “ Viriato da Cruz, o Homem e o Mito”, numa co-edição da Prefácio e Chá de Caxinde, com depoimentos dos coordenadores Edmundo Rocha, Francisco Soares e Moisés Fernandes e com depoimentos também de Adriano Parreira, Fernando Mourão, Noémia de Sousa, Patrícia Pinheiro e Tomaz Jorge.
Viriato da Cruz é provavelmente uma das figuras da história recente do País, que concita mais silêncios, mas que muita gente, hoje desejaria que em seu redor houvesse mais discussão.
Estou provavelmente a hiperbolizar, quando digo que acontece com Viriato da Cruz, um pouco o que aconteceu com Trotsky, e outras vítimas das purgas estalinistas, que foram pura e simplesmente apagados da historiografia oficial, incluindo das fotos onde eles apareciam; Só timidamente os seus poemas aparecem em manuais de ensino oficial, já que o “Namoro” e “Mamã Negra” (Em memória do poeta haitiano Jacques Romain), foram musicados e atingiram uma certa notoriedade, e pouco mais há a acrescentar.
Este livro, vem de certa forma complementar o do Dr. Edmundo Rocha, “Contribuição ao Estudo da Génese do Nacionalismo Moderno Angolano”, e vem divulgar alguns textos do Viriato, que provam que era uma pessoa de grande capacidade intelectual, profundamente empenhado em libertar Angola do colonialismo, com enorme disponibilidade para trabalhar, mas também pouco paciente e quiçá mesmo com alguma “pontaria” para o erro político circunstancial, o que o prejudicou sempre entre os seus pares e aumentou desmesuradamente a sua permanente angústia.
Como diz a historiografia actual, foi com esta frase onde tudo começou, e é da mão de Viriato da Cruz que saiu o “Manifesto”, em Dezembro de 1956, que em dado momento diz: «Porém, o colonialismo português não cairá sem luta. Deste modo, só há um caminho para o povo angolano se libertar: o da luta revolucionária. Esta luta, no entanto, só alcançará a vitória através de uma frente única de todas as forças anti-imperialistas de Angola, sem ligar às cores políticas, à situação social dos indivíduos, às crenças religiosas e às tendências filosóficas dos indivíduos, através portanto do mais amplo MOVIMENTO POPULAR DE LIBERTAÇÃO DE ANGOLA.»
Confesso que ao ler o livro, que expõe mais alguma coisa do espólio, do malogrado fundador do PCA, do PLUA. do MPLA, de que foi seu 1º secretário-geral, vejo análises de uma lucidez extraordinária, sobre como se deveria evoluir para um País, e como se teria de construir uma sociedade angolana, contextualizada objectivamente na ausência de industria, com uma elite crioula de pouco peso económico e intelectual, e um campesinato rural, que sai de uma situação híbrida entre a proletarização e o quase esclavagismo, textos escritos no dealbar da década de 50 até meados da década de 60.
Tem-se em conta que grande parte destes documentos, fazem parte de correspondência trocada entre Viriato da Cruz e outros angolanos no exílio, principalmente Mário Pinto de Andrade, Mário António de Oliveira, Edmundo Rocha, Carlos Rocha (Dilolwa), José Carlos Horta, Lúcio Lara, Hugo de Menezes e tantos outros que com ele partiram para o exílio.
Não acho que o livro possa ser um pouco o grito de Viriato da Cruz, “Vamos Descobrir Angola”, mas é certamente um trabalho que vai trazer novo debate, sobre um período em que há cada vez menos sobreviventes para contarem como tudo aconteceu, de uma forma descomprometida de grupos, aparelhos, líderes ou candidatos a caudilhos.
Da vida de Viriato da Cruz, que talvez pelo mistério em que sempre se envolveu a sua pessoa, e que me intriga e fascina simultaneamente, não deixa de ser estranho que nem o MPLA, nem a FNLA, gostem muito de falar no assunto, e de certa forma há alguma incomodidade no assunto, entre alguns kotas que viveram Dolisie, Brazza, Argel, Conakry, Leo, Kinshasa, etc.
Fico a aguardar que mais gente escreva e que o faça alto e bom som!
Fernando Pereira 29/06/08
2 de julho de 2008
LIBERDADE
Nos meus cadernos da escola
Na minha carteira nas árvores
Sobre a areia e sobre a neve
Escrevo o teu nome
Em todas as páginas lidas
Em todas as páginas em branco
Pedra sangue papel ou cinza
Escrevo o teu nome
Na selva e no deserto
Nos ninhos e nas giestas
Na memória da minha infância
Escrevo o teu nome
Em cada raio da aurora
Sobre o mar e sobre os barcos
Na montanha enlouquecida
Escrevo o teu nome
Na saúde recuperada
No perigo desaparecido
Na esperança sem lembranças
Escrevo o teu nome
E pelo poder de uma palavra
a minha vida recomeça
Eu renasci para conhecer-te
Para dizer o teu nome
Liberdade.
(Paul Éluard, trad. por Jorge de Sena)
Na minha carteira nas árvores
Sobre a areia e sobre a neve
Escrevo o teu nome
Em todas as páginas lidas
Em todas as páginas em branco
Pedra sangue papel ou cinza
Escrevo o teu nome
Na selva e no deserto
Nos ninhos e nas giestas
Na memória da minha infância
Escrevo o teu nome
Em cada raio da aurora
Sobre o mar e sobre os barcos
Na montanha enlouquecida
Escrevo o teu nome
Na saúde recuperada
No perigo desaparecido
Na esperança sem lembranças
Escrevo o teu nome
E pelo poder de uma palavra
a minha vida recomeça
Eu renasci para conhecer-te
Para dizer o teu nome
Liberdade.
(Paul Éluard, trad. por Jorge de Sena)
27 de junho de 2008
As Povoações históricas de Angola /Ágora/ Novo Jornal/ Luanda 28/6/08


As Povoações Históricas de Angola
Numa recente entrevista ao jornal português Diário de Notícias (14/07/07), o arquiteto Fernando Batalha disse a Leonor Figueiredo, que só queria viver até ao lançamento do próximo livro,”As Povoações Históricas de Angola”!
O livro acabou de sair, e já está disponível para todos os que por motivos profissionais ou por puro diletantismo, se interessam pelo património histórico ainda edificado.
Editado pela Horizonte, em 2008, num livro de 138 páginas, com capa dura e profusamente ilustrado, com o prefácio do arquiteto José Manuel Fernandes, o arquiteto Batalha faz-nos reviver o passado, em Cambambe, Massangano, Dondo, Nova Oeiras e Muxima.
Sem procurar ser exaustivo, o autor consegue fazer uma abordagem muito estimulante, de determinadas épocas, de outras mercadorias e de outros mercadores. Do seu acervo fotográfico, que deduzo ser riquíssimo, reproduzem-se muitas edificações, sendo nalguns casos, ruínas preservadas pela sua teimosia, depois de terem sido lugares de trocas e também de baldrocas, como era o quotidiano comercial colonial desde os tempos da pombeirada.
Não convém esquecer, que este Senhor viveu em Angola de 1938 a 1983, tendo sido um entusiasta na defesa do património, como já disse numa “Agora” anterior, pelo que aqui fica apenas a recomendação do livro, que tem na capa, as escadas de acesso ao porto fluvial da Muxima!
Não sou de peregrinar, embora saiba que há peregrinos, agora particularmente na moda, desde que o escritor brasileiro Paulo Coelho, um Harold Robbins do misticismo, que através do seu livro “Diário de um Mago”, colocou milhares de leitores a palmilharem a Estrada de Santiago, nessa multidão que vai até à praça do Obradoiro em Santiago de Compostela na Galiza, para cumprirem as “suas promessas”.Desculpem-me os admiradores de Paulo Coelho e de Santiago, mas eu sobre esse tema, o que ainda mais gosto é do filme do Buñuel “Estrada de Santiago”, que revejo quando posso.
Tanta conversa, para dizer que fui duas vezes à Muxima em toda a minha vida e em nenhuma delas fui com convicção de peregrino.
Fui sempre pela estrada que virava no 44, que era alcatroadamente esburacada até à jangada, e depois arenosamente emburacada até à Muxima.
Apesar de não acreditar nos ritos e mitos que convergem na vila, é um espaço que não me deixa indiferente, pela sua calma e pela envolvência estranha da vegetação, da cor ocre da sua terra e da grandeza do braço do Kwanza.
A Igreja jesuíta é um belíssimo exemplar, e quando entro no local das oferendas fico extasiado com o que vejo, pois entre as ofertas que havia encontrei vários exemplares da “Vida Soviética”, a “Revista Militar”, o “Sputnick”, e ainda alguns exemplares de livros de poetas angolanos da União dos Escritores, para além de latas vazias de óleo de palma holandês e algumas especiarias que proliferavam nas prateleiras dos “Nzambas”, numa altura em que o MCI (Ministério das Coisas Incríveis), resolveu apimentar e acanelar as paupérrimas dietas dos angolanos, do tempo do nunca esquecido, e nalguns casos saudoso arroz com peixe frito.
Depois de descrever este pechisbeque que havia na Igreja de Nossa Senhora da Muxima, fica-me a lembrança das vezes que lá fui, em que na última disse do cimo do monte sobranceiro à vila: “Esta foi a primeira vez que cá venho desde a última que cá estive”, que era como normalmente o presidente português Tomás iniciava os discursos em qualquer terra que repetia visita.
Fernando Pereira 23/06/08
26 de junho de 2008
Angola e também Fernando Pereira na EXPO 2008/ Zaragoza
21 de junho de 2008
Desconversas/Novo Jornal/ Ágora/ Luanda 20/6/08

Hoje quando estava a ler um matutino qualquer, em que o assunto era uma invariável cruenta análise sobre a situação na África do Sul, lembrei-me do saudoso João Martins.
Poderá parecer paradoxal lembrar-me do João Martins, muitos anos depois da sua prematura morte, mas de facto veio-me à lembrança uma das suas tiradas, num dia qualquer do distante ano de 1980. Perante a onda crescente de cooperantes, que entretanto chegavam a Angola, ele dizia com uma certa piada:”Temos de libertar a Namíbia e a África do Sul, já que é a única oportunidade de sermos cooperantes.
O João Martins, foi director da Casa do Desportista na ilha de Luanda, onde vivi durante cerca de um ano, nos tempos da “gastronomia criativa”. Era uma excelente pessoa, do Ambriz, com uma pasta tipo Bond, feita na Onil, que abria com um fósforo ( IFA) e onde estavam dezenas de requisições ao Ministério do Comércio Interno, que fazia gáudio em mostrar-nos, quando quotidianamente reclamávamos a constante repetição da comida e a falta de qualidade da mesma.
“Malandros”, era uma frase recorrente no léxico do João, perante as queixas dos comensais regulares, onde me incluía, e as equipas nacionais que por lá estagiavam para provas internacionais.
Tinha por ele estima e consideração, mas isso não evitou um ou outro episódio mais “delicado”, que hoje apenas lamento não estar cá o João, para se rir comigo e com os muitos que conhecem a história.
Num desses períodos de RAL (recursos alimentares limitados), começou a aparecer na dieta alimentar da Casa do Desportista um prato que seguramente não se encontra em qualquer cardápio no mundo:” O Churrasco de ovo”.
Esforçava-se por ser uma omoleta, mas o ovo assim como a cebola eram liofilizados e o alho era em pó. Era uma omoleta que comi invariavelmente, durante uma semana, ao almoço e ao jantar, e nunca conseguiu ter a mesma cor, pois era amarelamente esbranquiçada ou amarelecidamente preta, pois o óleo era de uma cor esquisitíssima, assim do tipo manteiga rançosa que lhe dava um verdadeiro desgosto às primeiras trincadelas. Rendia a tarde toda, porque era tipo borracha e colava-se a todas as paredes do tubo digestivo por onde passava.. Estoicamente, fui aguentando até que um dia pedi ao empregado que me servia, que me desse um envelope e uma caneta, ao que ele prontamente acedeu, porque também era uma vítima do atentado ao fígado que todos éramos diariamente submetidos.
Ficou surpreendido quando coloquei o “churrasco de ovo” dentro do envelope e mandei colocar em cima da secretária do director, com a refencia que lhe oferecia o almoço!
Quando o João Martins vê aquilo, roga-me as pragas possíveis e impossíveis e ei-lo no seu 127 amarelo a caminho da então Secretaria de Estado dos Desportos, onde pede uma audiência urgente ao Rui Mingas, que admitiu quando me chamou para me “repreender”, que não lhe foi fácil manter uma pose com alguma dignidade perante o que lhe estava a ser contado.
Sinceramente, hoje acho que em iguais circunstancias ainda hoje o faria, pois um dos filmes da minha play-list é “Oh! Amigos Meus”, em que um conjunto de amigos sessentões, estabilizados social, familiar e financeiramente na vida, se organizam de quando em vez para pregarem partidas, como faziam há quarenta anos atrás, e uma das cenas marcantes do filme é passada numa estação de caminho de ferro, e com um comboio a iniciar a marcha, e as pessoas debruçadas nas janelas a acenarem, quando os seis arrancam dum lado e do outro do comboio a zunir chapadas a quem tinha a cabeça de fora. Bem colocados na vida e bem dispostos sempre!
12 de junho de 2008
"JANGO Jornal para ler e guardar"/Ágora/Novo Jornal /Luanda

Estive para fazer uma croniqueta sobre qualquer coisa de actualidade, que não se confunda com utilidade, porque nos tempos que correm, a maior parte das vezes nem uma nem outra são compatíveis, podendo ser competíveis.
Acontece que no meio de milhares de coisas que fui guardando, o que pode ser sintoma de velhice, avareza, caciquismo de cultura, enfim múltiplas coisas, mas o que é efectivamente relevante é que descobri num molho de jornais, uma colecção do Jango.
Quando olhei para aquele jornalzinho de páginas amarelas, que sei que era desta cor para não se confundir com o “Financial Times” (!!!), detenho-me a pensar quanto empenho, quanto voluntarismo e quanta boa vontade o David, a São, o Fernando Marcelino e poucos mais, colocaram na vida de um projecto, que para alguns foi só mais um pequeníssimo motivo para serem objecto de um vil assassinato, perpetrado por protozoários de invisível, mas de torpe catadura.
No numero 0 do Jango, de 28/8/92, saído precisamente no dia anterior ao início da campanha eleitoral das primeiras eleições gerais no País, os fundadores propunham que este amarelo papel, mas jamais amarelecido,”estava aberto a todos que não vem para ferir”. Propunham uma “informação formativa”, e esperavam poder ser um lugar onde se dessem a conhecer “as deficientes condições em que continua a viver a grande maioria do nosso povo”.
O “Jango”, foi um jornal teimosamente criado para defender o mundo rural, já que era afirmativo no “editorial” do seu numero 0, que “ A preocupação constante é a população rural”. O Governo continua a ser uma emanação das cidades, e a cidade é muito mais exploradora da área rural que o seu apoio.”.
Hoje quando peguei no “Jango”, que tinha sede no Huambo e a administração em Luanda, veio-me à lembrança um grupo de gente solidária, de uma enorme vontade de fazer, insensível às ameaças, mas sensível aos problemas dos muitos que os procuravam e do quotidiano de miséria dos que os rodeavam.
Os malsins que os espiavam, os assassinos e os seus mandantes devem hoje passear-se calmamente, numa qualquer rua de uma qualquer cidade de Angola, e só aqui são lembrados, porque abateram gente intelectualmente superior, pessoas ideologicamente formadas com princípios humanistas, e respeitadoras da dignidade dos cidadãos do seu País, que foi feito à custa da sua luta na idade da razão e a sua continuação na sua razão da idade, até que umas balas fizeram perder mais idade, mas ganharam mais razão, sem contudo a poderem partilhar, com tantos entre os quais nós, que os estimávamos.
Do projecto inicial do Jango, há dezasseis anos, alguns já morreram, outros envelheceram, melhor agrisalharam os cabelos, alguns leitores, como eu, acabámos por ter mais idade, mas seria um lapso enorme não fazer aqui uma referencia, ainda que muito modesta a uma edição que embora efémera, foi uma verdadeira síntese de boas vontades, e de uma coerência de princípios afirmativos do País.
Passados quase dezasseis anos desses hediondos crimes a gente livre e liberta, e num momento em que citando Brecht ,” A paz eclodiu de novo”, fica aqui a lembrança e a saudade, e quanto a mim só me resta continuar a cumprir o que dizia nas páginas centrais do Jornal: “Jango, o jornal para ler e guardar”
De vez em quando releio-os como foi o caso, por isso agradeço a recomendação!

Fernando Pereira
África do Sul: Xenofobia a fogo por falta de ferro! /Novo Jornal / Luanda

Os recentes acontecimentos que se verificaram na República da África do Sul, são deveras preocupantes para a instável estabilidade do sul do continente.
A África do Sul é dos países do mundo com um maior crescimento, na ordem dos 5% o que é assinalável, mas não deixa de ser preocupante a sua percentagem de desempregados, na ordem dos 25% da população activa; sem um sistema social que garanta minimamente a sua sobrevivência, num quadro de vida com alguma dignidade.
Muito se tem falado sobre os recentes acontecimentos, que devem ser olhados pelos africanos com alguma cautela, pois o eclodir de uma sublevação interna com razoável significado, pode ser rastilho para os países limítrofes e também para os da SADCC, de que Angola é membro fundador.
Não deixa de ser paradoxal que quarenta anos depois do assassinato de Luther King, da repressão violenta aos negros nos Estados Unidos, que apenas lutavam por melhores condições de trabalho e direitos cívicos iguais aos dos brancos em todos os estados, surja em África uma questão xenófoba, num país, que há pouco menos de vinte anos, era o berço puro e duro do torpe racismo étnico no mundo.
Já se adiantaram pormenores múltiplos sobre as razões desta xenofobia, que se espera ver contida de imediato, embora ela tenha sempre como motivação primordial, o da economia que não consegue gerar emprego para todos.
Para além das circunstâncias já aduzidas por tanta gente, a convicção que paira é que a África do Sul, pouco mudou para a grande maioria da população com a subida do ANC ao poder.
As expectativas na mudança por parte da maioria sul-africana, não se cingiam apenas ao facto de começarem a haver autocarros, escolas e hospitais mistos, ou um governo maioritariamente sufragado pelos cidadãos dentro do princípio reitor da democracia um cidadão, um voto. Embora isso tenha sido apreciavelmente positivo, num território onde tudo funcionava fora do contexto normal da história no ocaso do século XX, chegou provavelmente a altura de começar a ter de se criarem regras para uma distribuição mais equitativa da riqueza.
Mandela, a quem provavelmente já não se podia exigir muito mais quando ascendeu ao poder, fez a transição pacífica num país, onde era expectante um banho de sangue por feridas de muitos anos de segregação inerente ao apartheid. Convenhamos que foi relevante devolver à África do Sul a respeitabilidade no seio das nações. Foi decisivo, mas o sistema económico não se alterou, e alguns históricos que o acompanharam na luta, na prisão ou no exterior estão velhos ou foram falecendo entretanto.
Do ANC que não esteve na cadeia, mas que esteve no exílio em Angola, Moçambique, Zimbabué, e noutros locais, emergiu uma elite de dirigentes, e também alguns que se “reformaram” da luta, e entraram nos negócios, sendo hoje as estrelas do “empreendorismo” e do novo riquismo sul-africano, esquecendo que as diferenças entre a concepção de Azania e África do Sul ainda não estão resolvidas, assim como quase todas as outras, porque nada disso se resolve por decreto!
Mbeki, foi um quase presidente estátua, pois foi vendo a situação a alterar-se internamente, e até mesmo em locais que a África do Sul tem responsabilidades objectivas, como é o caso do Zimbabué e nada fez, aparecendo sempre titubeante e com propostas pouco esclarecedoras e acima de tudo sem força acrescida, algo que as circunstancias exigem a um presidente que sabia que não devia deixar tudo como estava.
Houve um tímido crescimento de alguns novos empresários, mas a sensação que vai existindo é que está tudo na mesma, e era desejável, se ainda não for tarde, que se faça uma redistribuição de riqueza, que não aliene de forma aventureirista os fundamentos económicos, e naturalmente a dinâmica produtiva do País.
A xenofobia é facilmente explorada em momentos de pobreza, mas não deixa de ser cruel que sejam os moçambicanos e os zimbabueanos a serem as maiores vítimas do desmando e da violência que vimos irromper nos últimos tempos; Se havia povos que mereceriam a gratidão da quase generalidade dos sul-africanos, são precisamente os povos dos ex – Países da Linha da Frente, que foram os mais sacrificados na longa luta pela liberdade, contra o apartheid.
Este movimento não é isolado, e observa-se que a África do Sul obsta sistematicamente à tentativa de construir um mercado comum da África Austral, o que indicia que se herdaram tiques, que teria sido excelente que tivessem sido erradicados em tempo útil, para se evitarem o avolumar de desconfianças em todos os lados, e surgirem situações internas incontroláveis com o efeito bola de neve em todas as economias e com consequências graves quotidianos de vida das populações dos países à volta.
Há uma enorme esperança em Jacob Zuma por parte da grande maioria sul-africana, principalmente e recorrendo a um termo peronista, os “descamisados”. Teme-se que o evoluir da situação talvez não dê para muita espera, e a realidade que se começa a viver é preocupante, principalmente quando os primeiros visados são as populações mais vulneráveis e curiosamente os vizinhos próximos, que guardarão sempre sentimentos confusos e desencontrados.
O que se passa na África do Sul, pode ter as razões do que se passa no Kozovo, no Ruanda, e em tanto lugar, por isso não se deve olhar apenas com comiseração, mas acima de tudo com a necessidade óbvia de se prepararem cenários, para eventuais dias que se esperam sombrios, reafirmando que a culpa vai inteirinha para um ANC que se deslumbrou com o poder, e esqueceu-se do muito que lutou e fundamentalmente dos muitos que com ele lutaram e que muito sofreram, como foi por exemplo o caso do nosso País.
Fernando Pereira
4/06/08
Publicado no suplemento da economia do Novo Jornal em 13/06/08
6 de junho de 2008
Esta edição foi feita por militantes do MPLA em Lisboa/75-76
1ºs Campeonatos Nacionais Universitários depois do 25 de Abril de 1974

Realizaram-se em Coimbra, ao tempo com 3 universidades e quinze modalidades.
A Comissão organizadora era pela Associação Académica de Coimbra representada por Fernando Pereira (o patrono deste BB..brilhante blog) e a Teresa Oliveira.A AAC coordenava a Comissão organizadora e a comissão desportiva dos jogos.Pelo Centro Desportivo Universitário de Lisboa, eram membros da comissão, Franklim Dias e Gonçalo Botelho e pelo Centro Desportivo Universitário do Porto o Costa Lima e o Luis Falcão.
Estes campeonatos retomaram uma tradição quebrada em 1971 com os Campeonatos Universitários organizados pela CNDU em Guimarães sob os auspícios do Dr. Armando Rocha, que foi quem leu o elogio a Salazar na inauguração do Estádio Nacional, envergando garbosamente um fato da MP (bufa)
Fernando Pereira...em cordação e recordação
Pythonesque/ Ágora / Novo Jornal /6-06-08/ Luanda


Por humor de Deus, é uma adaptaçãozinha tímida, de uma frase recorrente no quotidiano linguajar das pessoas, CARs ou não CARs., excluindo obviamente os enquadrados ateus, ou no mínimo agnósticos.
Desvou falar de religião, mas fazer uma abordagem à mais lendária série de televisão, a BBC Monty Python’s Flying Circus, isto para alterar o texto no contexto deste espaço.
Há trinta anos a esta parte, que acompanho este grupo, e tenho a clara convicção que se alterou humor televisivo em todo o mundo, desde que John Cleese,Eric Ilde, Terry Gilliam, Terry Jones, Michael Pali e Chapman, nos começaram a presentear com as suas aparições regulares em várias TVs a nível global.
O humor dos Phytons, como também são chamados, é realmente o verdadeiro humor britânico, o herdeiro da tradição da poesia nonsense, e é corrosivo e não poupa alvos, escolhendo a maior parte das vezes pessoas e instituições, que antes do seu aparecimento nem se julgavam passíveis de meros dichotes, quanto mais terem que se confrontar com séries inteiras deste grupo do fazer rir inteligente.
Quando vemos os Phytons, podemos quase fazer uma catarse a nós próprios, pois eles conseguem ridicularizar o que durante tantos anos foi imaculadamente e também ridiculamente sério.
Aparentemente os Monty Phytons não tem regras muito rígidas, e assim se mantém desde o seu aparecimento em 1969, ao tempo num genérico, com um grafismo muito parecido com o Yellow submarine dos Beatles, que tinha sido um êxito um ano antes em todo o mundo. Os seus papeis ridicularizam tudo e todos, e no “Sentido da vida”, eles próprios se expõem ao ridículo, num sketch inigualável..
Não sei se é influencia, mas em determinados momentos, consigo num quotidiano e com as pessoas aparentemente mais normais do mundo, faço exercícios que mais não são que tentativas ainda que demasiado pueris de os imitar. Na hermenêutica do texto político e no comportamento dos dignitários dos regimes, encontramos então um terreno, que é um verdadeiro manancial de recolha para sketchs dos Phyton.
Na míriade dos políticos, algum empresariado angolano, acolitados por uns quantos emergentes “imigrantes”, tenho a sensação que nem seriam precisos os Python, para cobrir de ridículo situações que fazem parte do quotidiano da Angola das “oportunidades”.
Depois deste “quase devaneio”, só posso dizer que ninguém devia morrer, sem pelo menos, ver os Monty Python uma vez na vida, porque julgando-se inteligente nunca deixará de querer ver tudo.
. Está muito do seu trabalho editado em DVD, principalmente o melhor dos “ BBC Flying Circus” (21 DVDs), o “Sentido da Vida”, a “Vida de Brian”, o “Cálice Sagrado”, “E agora algo completamente diferente”, e ainda um conjunto que tem os “Melhores momentos dos Monty Python” num total de 6 DVDs. Acresce a tudo isto os sketchs de teatro, livros onde se recomenda, entre outros, “Os Monty Phython por si próprios”, programas de rádio e participações em entrevistas.
É óbvio que era inevitável que do léxico comum, ao vocabulário inglês se tenha enraizado o termo pythonesque , que é nem mais nem menos que muitas expressões do quotidiano do trabalho dos Pythons colocados no viver diário dos ingleses.
Já agora e para finalizar CAR, quer dizer Católico Apostólico Romano.
Fernando Pereira 29/05/08
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