14 de novembro de 2024

Deitar veneno no champanhe! / O Interior / 13/11/2024

 


Deitar veneno no champanhe!

Acho que a eleição de Trump não é muito importante para inverter a interioridade em que todos vamos caindo a cada geração que passa! Penso que com a Harris a situação seria exatamente a mesma! Contra o interior marchar, marchar!

                Não vou entrar em detalhes sobre a cobertura, ou a sua presencial ausência nas eleições americanas porque seria desagradável para uma classe que um pouco por todo o lado se engana muito, mas que os enganos são tolerados e a maior parte das vezes esquecidos. Estou a falar dos jornalistas, que cada vez menos são vistos como referências de verdade e rigor. A culpa não será porventura dos que ganham os míseros ordenados, sem horários, a trabalharem em condições deploráveis, enquanto os seus diretores e editores vão amansando a ira dos administradores que por sua vez são servis ao poder económico e político.

                No momento singelo em que os restos mortais são transladados para o Panteão Nacional, não fica mal recordar as suas palavras sobre o jornalismo: “É o grande dever do jornalismo fazer conhecer o estado das coisas públicas, ensinar ao povo os seus direitos e as garantias da sua segurança, estar atento às atitudes que toma a política estrangeira, protestar com justa violência contra os actos culposos, frouxos, nocivos, velar pelo poder interior da pátria, pela grandeza moral, intelectual e material em presença de outras nações, pelo progresso que fazem os espíritos, pela conservação da justiça, pelo respeito do direito, da família, do trabalho, pelo melhoramento das classes infelizes.” (Eça de Queirós, Jornal Districto de Évora, nº 1, 6 de Janeiro de 1867)

                Da “comentadorice” colhida e escolhida a dedo nada me surpreende, e a figura entristecida como os ouço e vejo, só me fatiga alguma sensatez que resiste em mim perante as verdades absolutas que mudam a cada passo e espaço. Como sou comentador e tenho carteira de jornalista tenho que me limitar a quase calar, sem, contudo, consentir algumas diatribes que nem sempre são honradas e raras vezes raiam a coerência!

                Às vezes apetece ser a abelha que diz às moscas que mel é melhor que merda, mas como bem diz Luis Fernando Veríssimo “Tem muita gente honesta neste país. Só não se identificam para não ficar de fora se aparecer um bom negócio”.

                Mudando de agulha. Vai reabrir com uns anos de atraso, umas derrapagens enormes nas empreitadas, salvaguardadas a favor dos mesmos por contratos leoninos feitos por excelsos escritórios de advogados, a linha da Beira Alta. Não sei se esta reabertura parcialíssima do troço Celorico da Beira- Vilar Formoso, vai servir para as comemorações do 25 de Novembro de 1975, uma data muito querida do Melo de Olivença e correlativos?

                Já vi o horário e mais uma vez me parece completamente desadequado porque poderia permitir, ainda que transitoriamente, que se pudesse fazer um transbordo para o Intercidades da Beira Baixa para que as pessoas de Celorico da Beira e Vilar Formoso se possam deslocar ao Barracão, Benespera, Maçainhas, Belmonte Caria e eventualmente à menos importante cidade de Lisboa, num confortável comboio muito rápido.

                Não vou escrever muito mais, senão ainda entro no rol dos da língua azul e lembrar alguém de quem partilho muito pouco da sua obra, Nietzsche: “Não foi o conflito de opiniões que tornou a história tão violenta, mas sim a fé nas convicções”.

 

Fernando Pereira

10/11/2024

13 de outubro de 2024

Jornal de Angola 26/9/1993

 Mais uma descoberta no baú de um artigo meu no "Jornal de Angola" em tempos difíceis!!

Jornal de Angola 26/9/1993






Devagar, Devagarinho, Parado! / O Interior / Guarda 11/10/2024

Devagar, Devagarinho, Parado! Andei a arrumar uma tralha cá por casa, e olhei para uma caixa que estava por cima de um armário intocada há anos, e sem qualquer referência ao que teria o seu interior. Quando a abri, foi como se tivesse reaberto a caixa de Pandora. Tinha por lá um conjunto significativo de artigos dos muitos que fui fazendo ao longo da vida em jornais, rádio e outras publicações por várias andanças. Perderam-se muitos, mas pelos vistos ainda se recuperam alguns. Entre os que me fui deliciando a recordar, encontrei um conjunto de artigos de um tempo em que colaborei semanalmente na Radio Altitude, onde mantive uma presença regular. Há sexta-feira durante dois anos lá me esforçava para dizer o que julgava certo, com o cuidado de omitir o muito certo, porque havia muitos que não gostavam. Tudo isto porquê? Porque há um conjunto de crónicas desse tempo, e estamos a falar dos últimos cinco anos do milénio passado, que podiam ser escritas hoje que a atualidade do tema não se perdia. Esta é de 18/10/1997, e não vou alterar uma vírgula ao que li ao tempo nos microfones da vetusta Altitude. “Anda toda a gente muito preocupada com a desertificação do distrito da Guarda, e simultaneamente com o facto de nada vir cá parar. As preocupações aumentam quando alguns “bibelots” daqui são levados para outros lugares. Não pactuo com este discurso da moda. E porque é que é um discurso de moda? Porque a realidade é que isto se passa há muitas décadas e ninguém se preocupou com isso. Agora, em que a competitividade e o mercado impõem regras, a Guarda e os outros municípios do distrito acordam para uma realidade que com eles convivem há muitos anos a esta parte. … O distrito da Guarda foi vivendo ao longo de décadas das migalhas das remessas dos emigrantes que de cá saíram na busca de melhores condições de vida para si e para os seus. O folclore de Agosto, quando vem de férias, era motivo de chalaça e dichotes, quando na realidade é que essa situação era a parte visível de um tumor que corroía o interior abandonado a uma sorte madrasta. Não será por ter lobbies que a Guarda vai ter mais qualquer coisa importante, é fundamentalmente porque não tem atividade empresarial e dinâmica política que altere o estado atual das coisas. O poder político da Guarda é de pouco peso, isto é quase uma frase batida, mas só poderia ter algum peso se fosse sustentado por um grande empenhamento das dinâmicas empresariais, intelectuais, culturais ou outras e não poder político que se tem que é um pouco igual à imagem da região: sectário, individualista, com laivos aqui e ali de caciquismo e acima de tudo mais preocupado em rotular pessoas do que discutir que afinal são de todos os que cá moram, e os que querem continuar a viver por aqui com melhores condições. Veja-se o quadro global da cultura média dos ocupantes de lugares políticos, por eleição ou nomeação no distrito. É demasiado confrangedor para nós sentirmos que não estamos de facto a viver um pesadelo. O dinamismo empresarial só se consegue com exigência e isso só se pode auferir com a elevação cultural dos cidadãos. Isto é um processo mecanicamente dialético, e só depois de se despir o sectarismo dos que estão no poder, e dos que fazem oposição para estar no poder a fazer exatamente igual é que é possível trabalhar para o bem comum. É um tema aliciante, mas que não cabe nos minutos desta crónica, nem tão pouco me sinto com capacidade de ser eu a levá-lo às pessoas. Reconheço as minhas insuficiências, mas gostaria que outros as reconhecessem também e não se escondessem atrás dos biombos que os lugares lhes facultam, para lhes dar a autoridade de “engenheiros de almas” rebuscando uma máxima de Estaline. … Algo está podre no Reino da Dinamarca.” Esclareça-se que a crónica era um pouco mais longa, e a própria verve é de rádio, com pouco cuidado na pontuação, para além de outras construções. Só trouxe aqui o essencial de uma crónica escrita há 27 anos, que bem podia ser de hoje. Prometo que trarei outras e todos verão que o tempo passou, mas as questões, os problemas e o quotidiano das intervenções publicas em nada se alteraram. Fernando Pereira 5/10/2024

9 de maio de 2024

50 ANOS JÁ CÁ CANTAM! / O interior / 9-05-2024


 

50 ANOS JÁ CÁ CANTAM!

 

"Depois dos ganhos e perdas dos dois lados, uma ordem nova substitui a ordem antiga, até que outra venha por seu lado substituir aquela. Muitas vezes, certamente, nos perguntámos como se processou essa espécie de rendição dos deuses, que hesitações, que angústias a precederam ou dela resultaram, que movimentos de alma ela fez nascer"

Marguerite Yourcenar, " O tempo, esse grande escultor".

 

            Ao comemorar o 25 de Abril de 1974, só me apeteceu dizer: 50 anos de liberdade ninguém me tira!

            “Gostei da festa pá”, citando uma estrofe do Tanto Mar do Chico Buarque! De tudo gostei sem me entusiasmar por aí além, já que à medida que a idade cresce em progressão aritmética diminui o entusiasmo em progressão geométrica.

            Gostei de ver a enorme adesão às comemorações do 25 de Abril de 1974, o que revela que as pessoas se reveem nos princípios de uma das datas mais importantes da história contemporânea de Portugal.

            Fiquei satisfeito por ver que numa região onde gentes de Abril foram tão maltratadas ao tempo, tem hoje a felicidade de verem que os valores que defendiam há quase 50 anos, saudados por quase todos.

            Recordo de há décadas, a intransigência dos caciques locais e uma parte do clero perseguirem as pessoas que defendiam os valores de Abril. Em muitos concelhos do distrito da Guarda defender o 25 de Abril de 1974 era uma heresia e a ameaça física e a ostracização social eram comuns. Fui testemunha e vítima de algumas atitudes de gente que não hesitava em rotular e perseguir pessoas para que se perpetuasse no terreno os ignóbeis tempos de um fascismo serôdio.

            Gostei de saber que o clero trauteia a “Grândola Vila Morena” em publico, quando há pouco menos de 50 anos proibia que as músicas de José Afonso passassem na Rádio Renascença, emissora católica portuguesa. Na diocese da Guarda em 1976 numa igreja cedida a um coro para que se entoassem canções da tradição popular portuguesa, o pároco decide acabar o evento porque o coro cantou o “Canta camarada canta”, que afinal é tão só uma musica do cancioneiro da Beira Baixa, e nada tem a ver com comunistas!

            Hoje já estaria mais à vontade para colar cartazes, do que no tempo em que vi numa janela um tipo “respeitável” numa vila deste distrito com uma espingarda a dizer que já “vos f…os cornos comunistas filhos da p…”!

            Fico contente pelo muito que se alterou, mas triste quando vejo que o discurso de hoje, mesmo de alguns que andam de cravo na lapela é de um exercício  que alimenta a xenofobia e instiga o ódio contra gente que procura Portugal para viver e trabalhar, e que sem eles muitos serviços se arriscam a parar.

            Lamentável num País que tem cinco milhões de emigrantes espalhados pelo mundo. O racismo sempre foi  formatado pela mentalidade colonial herdada do Estado Novo, mas exacerbarem os ódios racistas, e começarem a aceitar-se como vulgares as agressões é aviltante para com os valores de Abril e para os fundamentos de uma sociedade solidária!

            Numa recolha do século XIII no Koans Zen para meditação comum: “dois monges discutiam sobre uma bandeira. Um dizia: “A bandeira move-se”. O Outro dizia: “O vento move-se”. Um terceiro patriarca passou por ali por acaso. E disse-lhes: Não a bandeira, nem o vento, é a mente que se move”.

 

Fernando Pereira

5/5/2024

 

 

15 de março de 2024

O voto útil / O Interior/ 13-3-2024


 



O voto útil  

Como se diz em gíria, este artigo vai ser escrito a dois andamentos: um porque ainda não sei o resultado das eleições, e outro porque quando souber já não alterarei uma vírgula ao que escrevi.

                Em qualquer período eleitoral vem-me sempre à memória a máxima de Hegel, “nós aprendemos com a história o que não aprendemos com a história”.  Na realidade a cada ato eleitoral que vamos tendo, e felizmente já ando nisto há quase cinquenta anos, os intervenientes são diferentes, mas os lugares comuns são a cada ano piormente iguais.

                Uma das situações que sinceramente mais me irrita, e não é de agora, é o continuado apelo ao voto útil por parte dos “leaders” dos partidos da alternância em Portugal, o PS e o PSD, que perpetuam um sistema de representatividade completamente desadequado da realidade do País de há décadas.

                O “Voto é a arma do povo”, foi o primeiro slogan para as eleições democráticas de 25 de Abril de 1975, que elegeram a Assembleia Constituinte, que elaborou o texto constitucional que legitimou o Estado democrático. Ao tempo votámos com entusiasmo, e a obra final que se perpetua é boa, apesar de constantes atropelos por parte de algumas forças que prefeririam uma “democracia musculada” ao invés da democracia participada.

                O voto do cidadão tem que ser sempre útil, e urge que as pessoas sintam utilidade no ato mais nobre da sua vida coletiva. Se a legislação prevalecente faz com que mais de 700.000 votos dos cidadãos sejam para ser atirados para o “caixote do lixo da história”, isso é outra coisa. Votar em consciência em determinados territórios em Portugal, ou melhor na maioria dos concelhos do País é quase um perder tempo, porque os escolhidos são sempre os mesmos partidos. Urge modificar isso, e seria objetivamente excelente para combater efetivamente a abstenção nos territórios de baixa densidade. Copiar o modelo alemão, e outros na Europa, e fazer um círculo de compensação, o que daria maior visibilidade a outros partidos, e não “aos que são mais do mesmo”. A experiência dos Açores é um modelo replicável para o resto do País e assim os votos das pessoas que não alinham com os partidos do poder deixam de ser “clandestinos”.

                Quando há quase 50 anos se fez a legislação eleitoral para o parlamento, ou para as autarquias a dispersão populacional do País não era tão evidente e a disparidade entre as regiões não sofriam de tanta assimetria. Hoje importa alterar o estado das coisas para se poder acelerar modelos de desenvolvimento nacionais e locais mais consentâneos com um futuro mais moderno.

                Uma das alterações fundamentais a fazer é no quadro das autarquias locais, onde a presença dos presidentes de junta que não são eleitos pelos cidadãos que elegem metade dos deputados municipais é um disparate consentido. Eu percebo a lógica da criação das Assembleias Municipais, e que foi objetivamente o de dar voz e alguma dignidade aos presidentes de junta de freguesia. A realidade é que a A.M. hoje tem tudo menos dignidade democrática. Um candidato a deputado municipal com um milhar de votos é preterido por um presidente de junta de freguesia eleito por 120 votos, por exemplo. Urge acabar com este anacronismo, que favorece o caciquismo, em que o representante de uma junta de freguesia, dotada de autonomia financeira e administrativa, vai votar o orçamento e plano de outra estrutura à qual não há ligação nenhuma em termos orgânicos.

                O modelo de copiar o figurino da Assembleia da Republica para a Assembleia Municipal seria o desejável, em que o Presidente da Camara fosse o cabeça de lista da estrutura política mais votada, e escolheria os seus vereadores sem se cingir à lista que levou a votos. À AM seriam dados poderes maiores, incluindo a possibilidade de destituir o executivo. As juntas de freguesia seriam agrupadas numa estrutura do tipo Conselho Municipal, com poderes reforçado e que ficassem entre o órgão de consulta e a obrigatoriedade de serem aceites certas recomendações.

                Julgo que é um bom tema para debate, e aqui estão algumas imperfeiçoes da minha parte.

                Gonçalo Manuel Tavares foi recuperar um poema de Brecht: “Pois não seria mais fácil que o governo dissolvesse o povo e elegesse outro”.

                Já gora, a única coisa útil em eleições é o voto!

 

Fernando Pereira

10/3/2024

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