4 de junho de 2010
Marx- Tendência Groucho (II) / Ágora / Novo Jornal / Luanda 4-6-2010
Continuando a falar de cinemas de Luanda, lembro-me do brado que deu a inauguração do” Tivoli”, em meados dos anos 60, em que o filme era o “Dr. Jivago”, (David Lean- 1965) uma adaptação de um livro do primeiro soviético laureado com o Nobel, a pedido dos EUA em plena” guerra fria”, Boris Pasternak. Na Samba, o” Tivoli” afirmava-se como uma sala com uma excelente acústica, e era engraçado verem-se empoleirados nos muros, muita gente que provavelmente só assim podia ir vendo cinema.
O Miramar, era o que se pode chamar a “feira das vaidades” de determinado tipo de gentes da cidade no tempo colonial, e recordo-me de ter visto por lá o “Lawrence da Arábia” (David Lean-1962). Nos anos 80 vi por lá uma mostra de cinema soviético, onde pude ver algumas obras de Tarkovsky, nomeadamente os fantásticos, “Andrey Rubiev” e “Solaris”, duas obras primas do cinema soviético, numa escola de Eisenstein, e que nada tinham a ver com as estopadas que nos martelavam, com a heroicidade dos combatentes da URSS na 2º guerra.
Houve uma altura em Luanda, que esse tipo de filmes e até, pasme-se, uns westerns soviéticos, passavam no Kipaka, ao lado do Ferroviário, onde terei visto provavelmente a pior sequencia de cinema em toda a minha vida, filmes que só tinham paralelo em comer macarrão com peixe espada frito (na gíria popular, “o cinturão das FAPLAS”) que nos davam nos restaurantes da cidade, para podermos ter acesso aos pouco saudosos “búlgaros”.
No Nacional, que hoje alberga um excelente projecto cultural dirigido com enorme voluntarismo pelo Jacques Arlindo dos Santos, a “Chá de Caxinde”, e onde no sábado passado o Mário Torres foi homenageado pelos muitos amigos que conquistou, numa vida coerente de duro combate por uma Angola independente. Talvez de forma descontextualizada do artigo, não há festa, nem homenagem que consiga retribuir o que Mário Torres deu a este País, ele que nunca esperou, nem reclamou, nem recebeu prebendas de qualquer tipo, num claro desapego, só possível no elevado carácter da pessoa.
Voltando ao “Nacional”, onde ainda me tentaram incluir num grupo infantil de teatro, “Cremilda Torres”, em meados dos anos sessenta. Desconseguiram, porque realmente não tenho jeito nenhum para cantar, mas a intenção ficou! O vetusto “Nacional” é uma sala notável, e um marco na cultura de uma Luanda muito provinciana e maledicente. Estar por lá o Chá de Caxinde, é um alívio, mas todo o cuidado é pouco, para defender o imóvel da sanha assassina do camartelo em prol de novos espelhos.
O” Tropical”, onde me fartei de ver cantores, artistas e nalguns casos alguns que tentavam ser uma coisa e outra e não conseguiam ser nada, era um espaço interessante, num conceito muito pouco habitual de cinema, embora se o filme fosse longo, o torcicolo era inevitável, já que as mesas obrigavam-nos a levantar o pescoço. Cine-Teatro bonito dos anos 50, jardins com bom gosto, um local que julgo saber relativamente preservado.
No “Ngola Cine”, lembro-me de ver alguns filmes de reprise, e ter assistido a espectáculos diversos, alguns animados pelos Kiezos, com o recentemente falecido Vate Costa, a quem presto sentida homenagem. Do outro lado da Avenida o pequenino “S. João”, era um cinema de bairro, onde acho que nunca entrei, tendo contudo frequentado o cinema da unidade móvel nº 7, perto da actual Casa 70.
Fui à inauguração do “S. Paulo”, já no dealbar dos anos 70, com o “Herbie, se o meu carro falasse”, uma produção da Disney sobre o VW Carocha, inicialmente produzido em 1940 na Alemanha, e o carro mais vendido em todo o mundo suplantando o mítico Ford T. O VW Carocha, carinhosamente apelidado por “ZEDU”, foi introduzido massivamente em Angola em meados dos anos 80.
Não sei se falei de todos os cinemas mas lembro-me que frequentava o cine do Sporting Club da Maianga, do Sindicato dos Motoristas, ali ao pé das Obras Publicas, o cine dos CTTs, ao pé do Kinaxixe, e acho que fui uma vez a um cinema que a Textang tinha na Boavista, ao ar livre!
Em Viana, ao Kilamba, nem nunca fui, porque ficava fora de mão, e sobre o demolido teatro “Avenida” na Rainha Ginga, havemos de falar sobre isso noutra crónica.
Como esta crónica é feita a dois tempos, lembro que teremos começado com Marx, e já que falamos de cinema, o máximo que podemos dizer é que alguns “marxistas” convictos em determinado momento, recusaram-se a aderir ao “Marxismo- tendência Groucho”, dos notáveis irmãos Marx, que filmes como “Um criado ao seu dispor”, “Uma Noite na Ópera”, “Uma Noite em Casablanca”, e por aí fora, são momentos inolvidáveis no cinema do nosso encantamento.
(FIM)
Fernando Pereira
24-5-2010
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