14 de dezembro de 2022

Bonitas palavras não engordam gatos! / o Interior 14-12-2022

 




Bonitas palavras não engordam gatos!

 

O meu saudoso companheiro de algumas horas boas que vivi, o Ruy Duarte de Carvalho, um dos mais brilhantes escritores da lusofonia, tem uma frase que vai fazendo o meu quotidiano, e que é tão útil nos tempos que desvivemos: “Há o que vi porque mo disseram, há o que vi sem mo terem dito, há o que conto e o que não conto”!

Vivemos tempos estranhos e simultaneamente entranhos, porque estamos perante uma realidade que tem um léxico ficcionalmente otimista e exageradamente enganoso.

Perante um conjunto de problemas que nos vão afetando a todos, na saúde, na educação, nos transportes, nas respostas sociais entre outros assiste-se a uma verve de tantos milhões que às vezes não sei se estou em Portugal ou trancado no cofre forte do tio Patinhas, uma das detestadas figuras do delator Walt Disney.

Acho que o que se está a assistir acaba por ser kafkiano, porque me parece estarmos com um discurso político de euforia por parte dos que dirigem, quando no terreno a realidade é muito diferente e os problemas avolumam-se sem que haja respostas locais. Em muitos sectores da atividade económica e social há verdadeiros dramas, e quando os dirigentes são confrontados com falta de recursos, por incumprimento do Estado as pessoas pouco conhecedoras desafiam a mostrar os milhões apregoados todos os dias nas parangonas da imprensa ou redes sociais.

Enquanto se conseguir estancar  a montante, tudo vai correndo na perfeição do discurso do otimismo e as situações desagradáveis que se vão desenvolvendo, sempre vão tendo a desculpa dos danos causados por uma guerra que veio mesmo a calhar numa altura em que se anteviam momentos difíceis na União Europeia e no tal mundo globalizado que deixámos construir!

Confesso que faço minhas as palavras do Millor Fernandes, escritor brasileiro recentemente falecido: “O desespero eu aguento. O que me apavora é essa esperança”!

Cada vez temos menos respostas para tudo aquilo que julgámos adquirido, e alguma falta de recato de quem nos dirige, traz em cada vez mais sectores da população uma vontade de mudar para quem lhe oferece tudo que não lhe pode dar, na proposta de alterar os princípios da democracia!

A estupidificação começou com a concorrência entre canais de televisão e generalizou-se através do uso das redes sociais, onde prolifera a devassa, a ignorância e a altivez de tantos, local ideal para denegrir instituições e pessoas que são gente valorosa e que lutam ou lutaram pela democracia e liberdade.

            É nestas alturas que me recordo sempre de uma ideia de Umberto Eco. O escritor e filósofo italiano apontou uma característica às redes sociais, que dão o direito à palavra aos "imbecis que antes apenas falavam nos bares, depois de uma taça de vinho, mas sem prejudicar a coletividade". Acrescentou Umberto Eco que "normalmente, eles eram imediatamente calados, mas agora têm o mesmo direito à palavra que um Prémio Nobel".

Esta ideia de Umberto Eco, que também foi uma autoridade no campo da semiótica, foi lançada em 2015. Já lá vão uns anos. Mas o escritor fez questão de acrescentar a seguinte ideia: "Antes das redes sociais, a televisão já havia colocado o 'idiota da aldeia' num patamar em que este se sentia superior. O drama da Internet é que ela promoveu o “idiota da aldeia” a detentor da verdade", disse Umberto Eco quando um recebia mais um prémio na sua prestigiada carreira. (José Abranches).

 

Resta-me desejar umas Boas Festas e um Bom dia da Família a quase todos!

 

 

 

Fernando Pereira

10/12/2022

 

 

 

1 de dezembro de 2022

Era uma Casa! /Jornal de Angola/ 29-11-2022

 









Era uma Casa!

“Trago em mim o inconciliável e é este o meu motor Num universo de sim ou não, branco ou negro eu represento o talvez”

Pepetela “Mayombe”

                O título deste artigo é o início de uma canção do Vinícius de Morais que trauteávamos nos idos sessenta do século passado.

                Como estamos em tempo de efemérides, e neste caso os 47 do nosso 11 de Novembro era justo trazer à lembrança o que foi a Casa dos Estudantes do Império, e o que representou no contexto da luta de libertação nas colónias portuguesas.

                Muitas vezes a CEI foi propositadamente esquecida no contexto da luta, e ainda hoje, ultrapassadas muitos anos parece que ainda se evita coloca-la num contexto importante na afirmação dos valores independentistas, entre uns quantos que a frequentaram de 1944 a 1965, data do seu encerramento.

                A CEI, ou a Casa, tinha instalações em Lisboa, na Av. Duque de Ávila, no Arco do Cego, num prédio que ainda lá está e recuperado, em Coimbra num edifício já demolido junto ao Penedo da Saudade e no Porto, de curta duração. A Casa em Coimbra fechou em 1961, quando praticamente não tinha actividade, embora tivesse editado um boletim cultural, “O Meridiano”, de que terão saído poucos números.

                Para além das actividades culturais, o nascer da afirmação de liberdade e libertação e outras, a Casa conseguiu algo que raras vezes vejo salientado.

                Foi importante que angolanos se conhecessem, e que estes estabelecessem ligações com estudantes das outras ex-colónias.

                Na realidade os angolanos que vinham estudar para Portugal só se conheciam dos bancos do Salvador Correia em Luanda, e do Liceu Diogo Cão na então Sá da Bandeira. Não se conheciam, salvo um caso ou outro, porque todos os do Sul de Angola, e aqui incluíam-se as províncias em que a fronteira era a linha do Caminho de Ferro de Benguela, iam estudar para o Liceu Diogo Cão, que era quem absorvia as gentes dos colégios, missões e liceus do centro-sul do território. Todos os alunos do centro-norte da “província” em iguais circunstâncias iam para o Liceu Salvador Correia em Luanda. 

                Os finalistas dos liceus de Angola conheceram-se em Lisboa na CEI, porque até aí nem sabiam muito bem o que se passava num ou noutro estabelecimento de ensino.

Foi aqui que esta gente se juntou, e se o espirito do então ministro das Colónias Francisco Vieira Machado, secundado pelo comissário geral da Mocidade Portuguesa Marcelo Caetano, seria juntar numa casa todos os estudantes das colónias para criar uma elite de continuadores da “dilatação da fé e do Império”, conseguiu precisamente ajudar a criar um grupo importante de gente que se afirmou disponível para lutar pela libertação das colónias portuguesas, e que de certa forma foi o fermento de uma estrutura chamada de CONCP (Conferencia das Organizações nacionalistas das colónias portuguesas), que juntou muita gente da CEI engajada nos movimentos de libertação!

Quando se fala da CEI há a convicção que todos os milhares de pessoas que por lá passaram ao longo de 20 anos eram, ou tornaram-se convictos independentistas. Nada de mais enganador.

A maior parte utilizava a CEI porque tinha um posto médico, uma procuradoria que ajudava os estudantes em actos administrativos, fazia muitos bailes, projectava uns filmes com apoio de cineclubes, saraus, desporto, promovia viagens e jogos florais. Era significativo  o numero dos que se dedicaram à causa independentista, mas no geral foram muito mais os que não ligavam a rigorosamente nada e queriam era só estudar, alguns quantos que subiram nas estruturas do regime de então e muito poucos que até deram informações à PIDE sobre actividades da Casa e algumas pessoas foram presas por isso!

Sobre a CEI já muito se disse, e já há muita publicação, mas convém dizer que a gente da CEI, que optou por “dar o salto” foi sempre olhada com muita desconfiança no seio do “maquis” por razões que se percebem. Afinal eram os privilegiados, porque podiam ter estudado, enquanto outros eram os “condenados da terra” de que falava Fanon.

Se esta situação já era complicada nos tempos da luta de libertação, ela tornou-se “silenciosamente visível “nos primeiros anos de independência, onde perante algumas posições de algum oportunismo, o argumento de que “andavas na CEI a divertir-te enquanto outros comeram o pão que o diabo amassou” era quase chamar pequeno-burguês com mentalidade colonialista.

Hoje as coisas já não estão tão extremadas e este quase sinete da CEI já pouca gente utiliza, porque a maioria dos frequentadores da Casa ou já morreram ou já estão com uma provecta idade, e aos filhos não lhes foi transmitida grande parte desta situação que existiu ao longo dos primeiros vinte anos da nossa independência.

Ao dizê-lo hoje, faço-o com a convicção que foi defenestrada gente porque esteve na CEI, porque a opção, oportunista na maior parte dos casos, em determinado contexto era a do operário-camponês na direcção de estruturas políticas e económicas, e depois resultou no que vimos em determinada altura.

Ainda vamos a tempo de dar valor a essa juventude que na CEI sonhou o futuro, e que afinal vai dizendo “não foi isto que se combinou”!

 

Fernando Pereira

26/11/2022

 

19 de novembro de 2022

De muitos nasceu um País/ Edição Especial do Jornal de Angola 18/11/2022

 



De muitos nasceu um País 

No quadragésimo sétimo aniversário do dia mais extraordinário da nossa vida colectiva, vem-nos à memória o que eram os anos do antes desse Novembro do nosso contentamento.

                Com demasiada frequência vemos, ouvimos e lemos manifestações do tipo que no tempo do colono é que era bom, ninguém roubava, era tudo coisa boa, comidinha na mesa em abundância, e uns tropas portugueses que estavam em paz por manterem um território pacificado.

                Angola não era rigorosamente nada disso, e o colonialismo foi demasiado tenebroso para os angolanos, e só por pura estultícia se pode permitir comparar os maus tempos que vamos passando com algo bem pior que acabou nesse 11 de Novembro de 1975 do nosso encantamento.

                Entre o grande desenvolvimento que Angola tinha em termos económicos no tempo do colono, com índices de crescimento na ordem dos 16%, nunca ninguém terá ousado perguntar como se obtinham as mais valias? À custa de uma “requisição civil” de pessoas de determinadas regiões destacadas para outras bem longe, transportadas em camionetas sem bancos, recebendo salários miseráveis, que eram gastos na cantina de uma fazenda de café, sisal ou algodão aumentando o endividamento e a obrigatoriedade de trabalhar de sol a sol, coagidos por tratamentos desumanos infligidos pelas autoridades. A empreitada era condenada pela OIT, mas o “código do trabalho rural”, que em 1961 substituiu o Estatuto do Indigenato, obra “milagreira” de um Adriano Moreira recentemente falecido, foi nada mais nada menos que mudar tudo para que tudo ficasse exactamente na mesma.

                As pessoas por acaso sabem que em 1961, quando eclodiram as revoltas contra o sistema colonial implantado, Angola tinha apenas duas estradas asfaltadas (Luanda-Catete e Lobito-Benguela)? As pessoas sabem que até 1974 qualquer trabalhador negro tinha um cartão de trabalho que devia ser assinado pelo patrão, para justificar junto da autoridade que tinha carta de alforria para andar na rua? Se porventura não fosse assinado era preso e só era libertado quando o patrão lá fosse busca-lo!  

                Quando se olha para o que infelizmente hoje resta da Luanda colonial, que deveria ter sido preservado como marca identitária de uma determinada arquitetura de um período preciso, esquecemo-nos das condições miseráveis da maior parte dos bairros, onde o cantineiro vendia tudo e onde as rusgas eram frequentes, sendo rara a família que não tivesse perdido alguém só e apenas por um criminoso delito de consciência!

                As autoridades coloniais não precisavam de esconder o que pensavam. Marcelo Caetano, quando ministro do Ultramar escreveu num opusculo “Os nativos na Economia Africana”: “Os negros são indispensáveis como ajudantes,” mas “deviam ser dirigidos e rodeados por europeus”. Kaulza de Arriaga secretário de Estado da aeronáutica: “Os pretos são, de todos os povos do mundo, os menos inteligentes” e ainda outra pérola que numa justificação que os verdadeiros perigos de um estado colonial vinham dos “negros evoluídos”, adiantando logo que “Graças a Deus que nós portugueses não temos a possibilidade de fazer evoluir todos os negros.”

                Não acho que seja demasiado importante falar muito do passado que nos deu o 11 de Novembro de 1975, e vem-me sempre à lembrança o provérbio africano: “Por mais longa que seja a madrugada o amanhecer chega sempre”.

                Tive um professor, Vergílio Ferreira que num dos seus livros deixou uma ideia que me tem perseguido ao longo destes anos tantos: “Tenho uma saudade imensa do mundo que vai nascer”.

                Felizmente que Angola é um País de gente jovem, dificultadamente rejuvenescida, e terá sempre oportunidade de intervir para querer o melhor para si e para os seus. Quarente e sete anos é uma gota de água num contexto de um oceano. Nenhum País arrancou sem dificuldades, porque a maioria das vezes foi o criá-las que fez vencer a luta.

                Angola conquistou a sua independência porque houve gente que lutou por isso, pessoas que abandonaram famílias, amigos, companheiros de tanta coisa para lutarem sem meios para que hoje se possa ter o direito de dizer que as coisas estão mal, que há corrupção, que há amiguismo, e tudo o resto. Era um direito que no tempo em que Angola era uma colónia de Portugal, ao tempo um dos países mais atrasados da Europa, era negada de forma violenta a qualquer cidadão angolano que com alguma sorte podia passar um estágio no Penedo, Missombo, Tarrafal, S. Nicolau e outros lugares que não apareciam nas praias de areia fina dos postais ilustrados ou das revistas da sociedade branca de uma Luanda que acabava no asfalto.

                “Ninguém experimenta a profundidade do rio com os dois pés” e por isso ouse-se pensar no futuro, porque afinal é mesma a única coisa de que tenho saudades.

                Posso não gostar de muitos, que depois de terem lutado tiveram comportamentos censuráveis depois da libertação, mas também tenho o dever de lhes agradecer “o bocado de pão” pois deram a alegria imensa de sermos a nação que o futuro trará significadamente melhor, com mais instrução e mais igualitária na distribuição da riqueza!

                Vamos fazer um 11 de Novembro de 1975, novo a cada dia que passa!

 

Fernando Pereira 29/10/2022

 

 

               

15 de setembro de 2022

Au revoir Silvye! /O Interior /13-09-2022

 




Au revoir Silvye!

 

“E setembro chegou/ vamo-nos separar/o Verão terminou/diremos au revoir/ela vai pra Paris e eu vou ficar/ Vou ficar infeliz e Sylvie vou lembrar.”

Esta canção surgiu nos anos sessenta pela voz imorredoira do saudoso “Duo Ouro Negro”, e rapidamente entrou pelos ouvidos dos cidadãos desses tempos, que a cantavam com grande entusiasmo. Tinha um estribilho simples e que não causava engulhos às zelosas autoridades de então.

Lembrei-me desta canção porque Setembro chegou e acabou o Verão, com a rentrée política dos partidos, com os lideres e o resto da malta com um bronzeado interessante a falarem do futuro de todos, do dos outros, tudo em abono do seu próprio.

Julho e Agosto foram sempre meses de ciclismo de estrada, com entusiasmo no acompanhamento das voltas, as festas, as romarias e os pasme-se, os incêndios!

Há muitas décadas, das muitas que começo a ter, que vou assistindo aos incêndios, uns com maior intensidade, outros com menos, mas sempre tema recorrente na agenda dos políticos nesta altura do ano.

Ao longo das décadas o incêndio tem sempre culpados; Antes do 25 de Abril eram os terroristas, depois de 1974 passaram a ser os comunistas, que queriam o País queimado, depois os madeireiros, entretanto a culpa passou a recair nos pastores, anos depois nas celuloses, e entre outros culpados de menor expressão, o aquecimento global.

Não pretendo ser mais um especialista em fogos, que muitas vezes são os mesmos que discutem na imprensa pandemias, guerra na Ucrânia, SNS, e a partir deste último fim de semana mortes de reis, valetes e damas!

Durante uns dias o interior de que ninguém fala durante o ano inteiro e que o País real só sabe que é um território vasto para lá de Vila Franca de Xira é notícia porque está a arder.

Aí aparecem as soluções de sempre para que tudo normalmente fique na mesma, e muitos debitam opiniões no mínimo ridículas para quem vive o quotidiano destas regiões o ano inteiro. A culpa é do eucalipto, dizem algumas mentes brilhantes, mesmo quando os fogos deflagram e desenvolvem-se onde não há uma única árvore dessas. A culpa é do pinheiro que é resinoso, mesmo que haja poucas espécies. O que é preciso é plantar azinheiras, carvalhos, sequoias ou mesmo liquidâmbar ou magnólias. Muita desta gente não sabe a diferença entre um freixo, um plátano, uma olaia, um choupo ou jacarandá. Mas as televisões dão-lhe voz e falam com uma autoridade tamanha, que só o desconhecimento total do entrevistador lhe permite o desfilar continuado de dislates.

No terreno uns pobres jornalistas, mal pagos e com o editor a exigir-lhes num quase “bulling” informativo, que insistam nas perguntas mais idiotas, num cenário de fumo, vento, desorientação perfeitamente justificada por parte das pessoas. Um verdadeiro serviço de calamidade pública é exatamente o que esta situação na informação merece ser referenciado.

Os bombeiros, gente de grande voluntarismo, e por vezes algum excesso de aventureirismo acabam por ser a parte mais fragilizada de tudo isto. A maior parte do equipamento disponível é para fogos urbanos aliada à deficiente preparação do quadro de pessoal que se reforça no Verão, acaba por resultar algumas vezes na incompreensão por parte dos que vão vendo os seus bens em perigo. Todos opinam, tratam-nos mal, mas na hora da aflição chamam-nos. Se um bombeiro porventura soubesse quanto ganha um militar numa missão no Kosovo ou no Mali por conta da ONU talvez pensasse duas vezes antes de responder com prontidão à sirene. Mas é da vida!

Acho que não são necessários relatórios, nem visitas de grupos de ministros ou secretários de estado porque tudo vai ser sempre igual, e cada Verão que temos vai arder o que ardeu há cinco anos, pois já há material combustível “recuperado” para o “espetáculo” incêndio, e por incúria ou crime a coisa repete-se. Nada a fazer!

Talvez seja eu que não percebo nada de fogos e sou irrealista, mas só vos digo que para o ano há mais!

 

 

Fernando Pereira

12/09/2022

 

 

 

 

 

8 de junho de 2022

DESALENTO / o Interior / Guarda 8-6-2022


 

DESALENTO

Os Monty Python não seriam admitidos na TV hoje, disse em 2008, Terry Jones, diretor e ator de um dos mais notáveis filmes do grupo, a “Vida de Brian”.

                Se ainda fosse vivo, Jones iria ainda sentir hoje quão atuais são as suas palavras, e pelo caminho que as coisas estão a levar a perenidade do que disse no fim do segundo lustro do século.

                Vive-se hoje num permanente estado de censura à opinião discordante do status quo prevalecente.  Chafurda-se no maniqueísmo absoluto em que ou se está com tudo que nos fazem crer que é verdade, ou contra a outra verdade que alguns podem acreditar que seja válida, mas que aos olhos do absoluto esta última é algo de herético ou demoníaco!

                Não são bons os momentos que vivemos, e não auguram nada de bom nos difíceis tempos que se avizinham.

                Vamos vivendo com as recordações de outros tempos onde a diferença e a tolerância eram fator de progresso, de estímulo, de liberdade e de democracia participada.

                Lord Acton é o autor da famosa frase: "O poder tende a corromper, e o poder absoluto corrompe absolutamente”. Infelizmente é a verdade que as situações que nos criam obrigam, e  que a maioria ache que a inevitabilidade das poucas opções que existem sejam sempre produto de entidades difusas, que não tem nada a ver com os que mandam, que efetivamente só não repetem a estafada frase salazarenta que  “se soubessem quanto custa governar todos obedeciam”, e alguns que só a não dizem por pudor.

                Maquiavel sintetiza de certa forma os termos com que a política e a informação com que quotidianamente vamos vivendo: “Os poderosos criam dificuldades para vender facilidades”!

                Num tempo de “Guerra quente” em que se vive,  está-se perante uma invasão injustificada e ilegítima  de um autocrata a uma Ucrânia governada por um protagonista que aparece mais vezes a teatralizar do que a apresentar propostas que ajudem a resolver uma situação em que o seu povo será sempre o único sacrificado de obscuros interesses económicos e estratégicos que o transcendem.

                Não vou entrar em pormenores porque há especialistas a esmo, mas isto tudo tresanda-me a um jogo de interesses, a um realinhamento económico e a algo que não vai dar bom resultado, para a maior parte dos intervenientes, nomeadamente a obesa e abúlica União Europeia. Vai olhando para o seu umbigo com um olho e com o outro para os inimigos que os EUA lhes arranjam. O problema dos americanos é tentarem um “New Deal” requentado, onde falta provavelmente um homem da dimensão do Roosevelt, provavelmente o último grande presidente de um País que é bem mais que um continente, e que não deixa de ter aspirações de controlar o mundo.

                O invasor Putin, que curiosamente tem como único partido de oposição, o partido comunista com 20% na Duma, sabe que a Europa está de cócoras, sem um exército determinado a fazer valer a sua soberania e os seus interesses económicos, decidiu atacar de forma algo cobarde outra absurdocracia que é a Ucrania onde o Zelensky ilegalizou 11 partidos, desde a esquerda ao centro, um dos quais o social-democrata. Talvez tenha lido Gil Vicente: “ Mais vale um asno que me carregue do que um cavalo que me derrube”!

                Nesta guerra de informação de um sentido só, para onde enviam jornalistas sem conhecimentos e com a cartilha posta e imposta vai-se tentando moldar opiniões, sem tampouco saber que quando isto estiver a doer no quotidiano das pessoas, já não haja resposta para a propaganda, que é muito diferente de informação.

                Porque gosto de ser informado precisava de saber o que pensa e dizem os outros lados da guerra, mas isso foi-nos retirado de forma abrupta, e assim só há inimigos ou amigos, não nos dando a possibilidade de questionar se podemos nem estar de um lado ou de outro, ou mesmo em lado algum.

                “Os medíocres falam de pessoas, os sofríveis comentam factos e os bons debatem ideias”

 

Fernando Pereira

5/6/2022

14 de abril de 2022

“Enquanto há morte há esperança” / o Interior / Guarda 14-04-2022

 




“Enquanto há morte há esperança”

 

Esta frase de Lampedusa serve de título a uma crónica que desdesejaria ter alguma vez escrito.

No dealbar da invasão da Ucrânia por parte do exército russo escrevi aqui que iria haver um povo e uma terra sacrificada e esses seriam os ucranianos e a Ucrânia. Tudo o resto são os habituais “danos colaterais”, um devaneio semântico que os americanos nos foram habituando nas suas múltiplas intervenções ao nível global ao longo dos anos, com assassínios em massa!

Os ucranianos estão completamente sós a verem as bombas a caírem-lhe em cima, e talvez seja altura de perguntar porque é que não houve esforços suficientes para que não se chegasse a esta situação, e as que aí virão com consequências inevitavelmente piores.

Vamos assistindo ao cinismo habitual das circunstâncias, um desfilar de solidariedades que o tempo revelará muito ténues, e um espetáculo soez de manipulação entre desgraça e morte. Churchil, uma das figuras marcantes da política inglesa do século XX disse que “em tempos de guerra a verdade é tão preciosa que precisa de ser protegida por uma muralha de mentiras”.

O futuro de ontem vai ser diferente do futuro de amanhã e o que vamos assistir é ao desmoronar das ideologias, o crescimento da xenofobia e o polvilhar de nacionalismo serôdios que irão mostrar que o mundo vai ser menos tolerante e equilibrado.

Em vez de se buscarem oportunidades para a paz, continua-se num frenesim armamentista que dificilmente irá melhorar o que quer que seja, e quando se chegar ao tempo de reconstrução de uma Ucrânia dilacerada e destruída aí virão os de sempre a enviarem ajuda que vai parar a engordar organizações obesas tipo ONU e ONGs na sua quase totalidade.

Quando em 2001 o Afeganistão se livrou dos talibãs os EUA pegaram em Hamid Karzai para estabelecer um regime democrático. A comunidade internacional achou que o país precisava de ajuda internacional. Logo chegaram a Cabul uma horda de representantes da ONU, e uma miríade de ONGs com uma legião de trabalhadores humanitários em jactos privados e acampamentos dignos das mil e uma noites.

No Afeganistão entraram milhares de milhões de dólares e antes de reconstruir os escombros em que estava o País, que continuou até ao recente regresso dos talibans, sem escolas, hospitais e outros serviços públicos importantes para a generalidade dos afegãos. A primeira fatia do dinheiro foi, pasme-se, para contratar uma linha aérea para transportar funcionários da ONU e outros funcionários internacionais de um lado para o outro. Contrataram-se professores e burocratas anglófonos para apoiarem o trabalho (?) desses funcionários, pagando ordenados de luxo para o nível afegão. Retiraram-nos de um esforço de apoio colectivo a comunidades para fazerem serviços que se revelaram dispensáveis e aumentaram os níveis de corrupção, que os talibans exploraram para o seu regresso ao poder.

 A título de exemplo, num distrito remoto do Afeganistão esses funcionários   promoveram a construção de abrigos, com ajuda de fundos da comunidade internacional. Ismail Khan, governante do novo poder afegão era o líder de um cartel de camionagem que transportou uns desadequados barrotes de madeira, que pouco mais serviram que para lenha. Dos milhões prometidos a essa comunidade, a distribuição foi esta: 20% foram retidos para cobrir as despesas da sede da ONU em Genebra, do restante foi distribuído por 3 ONGs em lotes de 20% tendo uma delas construído com esse dinheiro a sua sede em Bruxelas. O que restou foi pago a Khan para comprar os barrotes no Irão. Ainda chegou alguma coisa, muita sorte tiveram os aldeões, algo que outros não o podem dizer.

Isto que aconteceu no Afeganistão não é caso virgem, e segundo estudos e relatórios sobre fraudes destas distribuições de fundos internacionais, apenas entre 10 e 20% dos fundos atribuídos chegam ao destino. Perde-se o resto por tantos “humanitários”, ONGs e ONU por todo o mundo, e pela corrupção gerada pela gestão destes fundos!!

Este será só um dos filmes que se espera na Ucrania?

Como diria John Lennon: “Lutar pela paz é como fazer amor pela virgindade”!

Para não esquecer porque estamos em Abril. 25 de Abril de 1974 SEMPRE!!

 

 

Fernando Pereira

11/4/2022

10 de março de 2022

ENERGIA DE MAU PORTE- O Interior/ Guarda 10/3/2022

 


ENERGIA DE MAU PORTE.

 

Confesso que ando significativamente apreensivo por quase tudo, principalmente porque o futuro vai-se turvando com as mesmas nuvens que ensombraram o passado.

                Não vou “Ucranear” porque de certa forma tem sido feito até à exaustão, e só consigo lembrar a frase simples de Juliette Greco: “A chuva ajuda todas as plantas a crescer, mesmo as venenosas”. Lastimo que no fim de tudo isto, que não sei quando será, e que repercussões sobrevirão, o povo ucraniano estará francamente mal e a Ucrânia dilacerada com uma divida enorme de uma guerra posta e imposta por interesses, que não são exatamente os seus.

                A solidariedade hoje é uma palavra que faz parte do cardápio dos média, e eles não querem em circunstância alguma que haja assuntos mortos e rapidamente os vemos mudar a agulha e transformar conflitos cobertos até à exaustão em guerras esquecidas um pouco por todo o lado. Tem sido assim que nos servem o menu do tipo agência de viagens do horror, eis-nos transportados para a Síria, Somália, Líbia, Sérvia, Palestina, Myanmar, Congo, Tchetchénia e tanto lugar onde se sobrevive e morre apenas, fruto de interesses obscuros, e sempre em nome da liberdade!

                Como diz Mia Couto, “contra factos só há argumentos”.

                Como anda uma cruzada muito grande contra a exploração de lítio nas regiões onde quase ninguém vive, e como vejo a contestação e a fundamentação da maior parte de encarniçados defensores do ambiente e a reboque umas palavras de cátedra por parte de autarcas, fica a pergunta: Como vamos resolver os problemas do ambiente sem as baterias dos telemóveis, do armazenamento das centrais fotovoltaicas, das centrais eólicas, dos carros elétricos e tantas outras aplicações? Sabem, é que tudo isso é feito de lítio, e tem que se ir buscar onde o há!

                Eu não sou contra a exploração de lítio, nem de qualquer outro minério que possa trazer riqueza a zonas despovoadas e sem atividade económica sustentada. Sou a favor desde que haja estudos de impacto ambientais sérios e independentes, e que as entidades fiscalizem o trabalho das concessionárias de forma continuada de forma a salvaguardar o viver dos cidadãos nos territórios onde essas explorações irão inevitavelmente existir. A experiência não tem sido boa, daí justificados receios das gentes, por isso tem que se adequar a legislação e a punição de eventuais prevaricadores a uma intervenção maior por parte das autarquias e autoridades do ambiente. Aí o lítio e outros minerais passarão a ser uma mais-valia em territórios de baixa densidade e de parcos recursos económicos.

                Estamos num período muito complicado, em que se fecharam as centrais a carvão e bem, apesar de forma pouco prudente, e a fatura energética sobe porque as barragens que iriam produzir eletricidade estão nos mínimos de segurança. Importa-se matéria-prima fóssil a preços proibitivos que acabam por ter que ser exageradamente altos, com reflexos no tecido produtivo do País, e poluentes o suficiente para cada vez estarmos mais longe das metas traçadas para o controle de emissões de carbono para a atmosfera.

                Pode parecer uma heresia, mas sou há muito defensor da energia do futuro, a nuclear. É a energia mais limpa, mais barata e a mais segura. Há no mundo 451 em funcionamento e há 58 em construção, para além de projetos de quase mais de duas centenas. Até hoje houve problemas sérios em três centrais, todas por motivos diferentes e só Chernobyl por razões de tontearia política foi a que teve piores consequências.

                Sei que muitos, dos poucos que me leem estarão surpreendidos com estas afirmações que servirão, pelo menos, para um debate de ontem, o futuro energético na região e a exploração dos recursos existentes!

                Temos que nos deixar de meias verdades sobre estes e outros assuntos, porque como diz um provérbio chinês, “meia verdade é sempre uma mentira inteira”.

               

 

Fernando Pereira

6/03/2022

 

               

15 de janeiro de 2022

Despandemizemo-nos rapidamente! / O Interior / 14-01-2021

 




Despandemizemo-nos rapidamente!

Nos tempos que correm e nas circunstâncias que ocorrem, socorro-me da frase de João Guimarães Rosa: “Medo não, mas perdi a vontade de ter coragem”.

                Estamos em plena campanha eleitoral de um plebiscito que deveria ter sido evitado, que irá reposicionar tudo mais ou menos na mesma, e que a partir de trinta deste mês  serão atribuídas culpas a esmo, e logo se irá ver quem aparecerá assim como o dragão no nevoeiro escocês de Loch Ness.

                “Ninguém experimenta a profundidade de um rio com os dois pés” é um provérbio bantu que exprime um pouco a situação prevalecente. Uns porque queriam reafirmar poder pessoal, outros afirmarem o seu “grupo de status”, uns quantos a tentarem dar resposta a sensibilidades internas, poucos a tentarem forçar o mando sozinhos, e também alguns que tendo tudo um pouco a ganhar fazem o estardalhaço habitual contra uma democracia que lhes dá visibilidade e palco, para abastardização dos valores de solidariedade e liberdade. Sobre estes últimos lembro a frase de Hélia Correia: “A ameaça da ignorância muda de face, mas não muda de maldade”.  

                Não estou entusiasmado, melhor estou quase abúlico em relação a um processo eleitoral que nada augura de bom e que tem sido de uma confrangedora falta de ideias e propostas, pelos intervenientes de sempre nalguns casos e de há muito noutros.

                Os raros debates que vou vendo são entediantes, os que viraram comentadores andam sempre em volta dos lugares comuns, e a prepararem-se para dizer em breve tudo ao contrário, do que previram com o mesmo ar cândido com que hoje vertem verdades absolutas.

                Ao interior lá aparecem com um ar sorridente, mas simultaneamente enfatuado, os que encontraram com assinalável esforço de encosto as prebendas de um lugar de fato e gravata, que me faz sempre lembrar o anúncio da lisboeta Rosicler nos anos sessenta do século passado: “a loja que veste hoje o homem de amanhã”!

                Em suma vem oferecer milhões para milhares de coisas, sem que haja alguém que faça a comezinha pergunta: Como se obtém dinheiro para tudo isso?

                É o folclore habitual do muito que virá, mas que se perde no caminho.

                Por falar em idas e vindas, e como sou um utilizador de comboios, resolvi um destes dias voltar a Lisboa pela renovada Linha da Beira Baixa. Apanhei o Intercidades na Guarda e lá fui até Lisboa. Como vinha no mesmo dia resolvi fazer o percurso inverso, que me pareceu adequado. Porque preciso de uma ficha para utilizar o PC, e só a 1ª classe disponibiliza o serviço, utilizo-a com frequência, embora até ao Entroncamento não seja fácil arranjar bilhete nessa carruagem porque é ocupada por funcionários da CP e familiares, o que acho no mínimo ridículo, que quem paga o serviço fica sem a poder utilizar.  A verdade é que até à Covilhã o comboio vinha composto, daí até à Guarda dei-me conta que era o único passageiro num percurso em que o comboio parou em cinco ermos, ou apeadeiros, e demorei 55 minutos. De Lisboa à Covilhã o comboio para em 8 estações e demora 3h e 40 minutos.

                Poderia alongar-me, sobre a falta de limpeza, sabão e papel nas casas de banho, mas acho que é estoico fazer-se uma viagem a Lisboa de comboio, em que um passageiro anda 9 horas, se quiser ir e vir no mesmo dia!

                Como diz Gonçalo Miguel Tavares: “A impaciência dos passageiros não pode acelerar o comboio”

                Bom Ano de 2022 e vamos tentando despandemizarmo-nos!

 

Fernando Pereira

10/01/2022

Related Posts with Thumbnails